Snape e a verdade simples



Harry não queria assustar Snape, mas certamente não seria bem recebido. Encaminhou-se ao Salgueiro Lutador seguido por Hagrid e sua sombrinha... Hagrid imobilizou o Salgueiro e os dois entraram.

Não demorou cinco segundos para que Snape os interpelasse. Varinha em punho e olhar cortante, como sempre... mas o que Harry via na sua frente era um sujo, desarrumado e faminto Snape (e mais seboso, se fosse possível...), um pouco enfraquecido talvez pela situação... mas nem por isso mais maleável.

Harry subiu com Snape, pediu para ficar sozinho com ele. Hagrid tentou intervir, sem sucesso.

Os dois subiram as escadas.

- Como você me achou, Potter? O que faz aqui? Se veio para me matar vá em frente. Quero ver se você tem a coragem e a capacidade de me enfrentar.

A voz de Snape era dura e cortante. Mas Snape não contava com...

- Desde quando você adquiriu Legilimência, moleque? E Oclumência? Vejo que finalmente aprendeu algo...

Harry não falava. Apenas olhava para Snape. Sua mente transmitia o que ele queria que Snape ouvisse...

* Por incrível que pareça, pela primeira vez acredito no que Dumbledore sempre falou sobre você. Sei que você não está do lado de Voldemort. Sempre foi óbvio, mas eu nunca pude admitir.*

Snape sentiu-se irritado, invadido. Mas não conseguia livrar-se de Potter...

* Pára de resistir. Quero saber a verdade, se ela puder me ajudar a livrar-nos de Voldemort. Não quero ser seu amigo, quero simplesmente matar aquele desgraçado. Se você têm alguma informação, passe-a adiante. Continue ajudando Dumbledore, ajude a si mesmo.*

Snape não mudou de atitude. Simplesmente abriu a boca e disse:

- Matar Dumbledore foi horrível para mim. Mas não tinha escolha. Ele não me deixou escolha...

Snape parecia chateado. Não era possível! Por menos que fosse humanamente possível um pensamento de pesar ou tristeza nos olhos de Snape, Harry não atrapalharia a explicação dele, apesar das milhares de perguntas que tinha em sua cabeça... como se a cabeça dos dois estivesse em sintonia, Snape começou a falar.

- Não espero que um pirralho idiota feito você compreenda nada do que vou explicar, mas vou tentar. Você pode me matar se quiser. Seu pai tentou inúmeras vezes, mas sem sucesso.

Apesar de todo o ódio que sinto de você Potter, sei que você é o único que pode exterminar Voldemort. Como Dumbledore já lhe explicou, não porque você seja especial... mas porque Voldemort o tornou especial.

Nunca foi o intuito dele... Você conhece a profecia, Potter. Sei disso porque Dumbledore me informou sobre parte dela o ano passado. Antes que vocês fossem para... onde vocês dois foram.

Eu não podia compreender porque Dumbledore me confiaria um segredo tão importante. Para mim, apesar de todas as razões pelas quais me voltei para o lado de Dumbledore, e que não convém serem discutidas agora porque não são de seu interesse, não pude entender como ele confiaria justamente a mim seu maior segredo. Segredo esse que não dividiu nem com a Professora Minerva.

A ordem dele foi extremamente taxativa. Ele me avisou sobre o quão difícil seria cumprir suas ordens. Que seriam ordens cruéis, que acabariam comigo. Tentei argumentar, sem sucesso. Sem explicações mais aprofundadas, ele apenas disse que sua vida estava por um fio.

Disse-me que, se retornasse da missão de vocês ainda vivo, que precisaria morrer. Eu teria de matá-lo. Porque ele traria a perdição do nosso mundo com ele se retornasse vivo.

Quando ele me disse isso, recusei-me a atendê-lo. Ele salvara minha vida, me dera uma vida decente e digna, vida que eu jamais tive antes de Hogwarts. Pedi então para que ele me desse o cargo que eu sempre almejei e nunca tive porque ele não quis me dar, considerando minhas inclinações do passado. Achei que com isso o impediria, ele jamais aceitaria a barganha. E, para minha surpresa, ele aceitou. Eu me desesperei.


Snape parecia quase humano naquele momento. Fragilizado, magoado, solitário... como Harry jamais pôde imaginar em seus sonhos mais bizarros. Harry não podia explicar como sabia que Snape dizia a verdade... apenas sentia. Como se tivesse um poder invisível que o conduzisse ao verdadeiro Severus Snape, um menino meio-sangue muito inteligente e incapaz do mínimo traquejo social e humano... um incompreendido, tal qual Hagrid, por exemplo... Snape continuou.


- Dumbledore simplesmente disse que, se eu não o matasse, ele mataria você, Harry. Não porque quisesse, mas por causa do que descobririam, porque todo bruxo exposto diretamente à magia negra cede à ela, cedo ou tarde... não por inclinação, mas porque existem coisas acima do bem e do mal. E, para estar acima do bem e do mal, é necessário não estar de lado algum. É necessário abrir mão da condição de mortal para não sofrer o impacto.

O Diretor nunca explicou porque a mão dele estava enegrecida, explicou Potter?


O garoto acenou negativamente.


- Ele não podia dizer à você que aquilo era a magia negra tentando dominá-lo. Se ele deixasse que aquilo o possuísse, talvez se tornasse um bruxo mais maligno do que Voldemort. Existem coisas que dominam a vontade humana, independente de permissão. Você conhece uma história de um escritor trouxa chamado J. R. R. Tolkien? Uma obra entitulada como “fantasia”, chamada “O SENHOR DOS ANÉIS”?


Harry já havia lido os livros. Duda os jogara fora quando ganhara num aniversário, e Harry recolheu os livros... gostava muito daquela história...


- Vejo que você conhece a história de Sauron, o Lorde das Trevas da Terra Média. O que ninguém sabe é que a história é verdadeira.

Existiu um poder mais maligno do que o de Voldemort. E toda magia negra é inspirada por ele que, apesar de destruído, vive na mente daqueles que acreditam nele.

Voldemort desenvolveu seus poderes baseado em Sauron. E creia, existem muitos outros livros sobre ele e seus poderes... O que ele esqueceu de olhar com cuidado foi a maneira como Sauron foi destruído: através de uma criatura boa, Frodo, e de uma criatura maligna, Gollum.

Aí está, em resumo, Potter: é necessário o bem e o mal coexistindo, até que seja chegada a hora de eliminar um para que o outro triunfe.

Dumbledore simplesmente disse que Voldemort sabia que eu não voltaria para o lado dele. Ele só não podia contar com o fato de eu não fugir dele e querer ajudar a você. Note bem, mesmo que terminantemente contra minha vontade, porque não gosto nadinha de você... mas porque não existem dúvidas de que você é o único que pode fazer isto. Está escrito, Potter. Não foi escolha minha.

Portanto, eu estou disposto a fazer o que for necessário. Eu tenho como ludibriar Voldemort, já venho fazendo isso há tempos... porque ele é, acima de tudo, extremamente tolo por ser vaidoso. Um erro comum, que todos os seres malignos cometem. Ele acha que é realmente o ser mais poderoso da terra.


O Snape que estava ali, à frente de Harry, era outra pessoa. Não era possível aquilo, não era possível... mas, em seu íntimo, Harry reconheceu a veracidade das palavras de Snape. Através do mesmo poder de Voldemort de ler as pessoas... como se fossem livros.

Harry respirou fundo. Para a surpresa de Snape, simplesmente disse:

- Vamos voltar ao castelo.

- Não posso, Potter. Sou mais útil fora das vistas de todos. Você sabe como me encontrar quando for a hora. Aguardarei instruções daqui mesmo.

- Vou mandar um pouco de comida para cá. E pedirei a Hagrid para verificar como estão as coisas por aqui de tempos em tempos.

Snape não demonstrou surpresa ou emoção. Simplesmente acenou afirmativamente para o rapaz. Mas, sendo como é, ele não pôde deixar de destilar um pouco de veneno:

- Não ache que sou seu amigo por causa de tudo isso. Eu continuo odiando-o da mesma maneira, acho você um insolente e metido à besta. Tal qual James. Mas prezo Dumbledore mais do que a mim mesmo para desobedecê-lo.

Harry reprimiu um sorriso que teimava em despontar em seu rosto:

- Ah, não se preocupe. Eu também continuo odiando você, mas tome cuidado. Porque preciso de você vivo. Qualquer coisa, você também sabe o que fazer. Faça o que fez hoje. Dirija seus pensamentos à mim. Preciso pensar no que fazer exatamente, enquanto isso é só.

Harry virou as costas para Snape, pela primeira vez sem sentir ódio ou rancor. Tudo o que ele disse parecia realmente um conto de fadas, mas Harry sabia que aquilo era verdade. Tinha muito o que fazer! Realmente!

Encontrou com Hagrid, e os dois deixaram Snape na Casa dos Gritos, dirigindo-se ao Castelo novamente. Muitas providências aguardavam Harry.

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