Aquela Exata Noite



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- CAPÍTULO UM –
Aquela Exata Noite


Ainda que tudo parecesse cinza nas vidas daquelas pessoas, o outono continuava amarelo e vermelho, as folhas caducas das altas árvores de copas rechonchudas caíam e se desprendiam de seus respectivos galhos, criando um mar alaranjado, onde o cleque-cleque constante do pisar era uma música, simples, tosca e agradável. Os gramados, já ressecados no verão, estavam mais amarelos que nunca, ou então, eram queimados pela atrocidade da noite severa. À noite, o movimento desaparecia e restava apenas o medo, o medo de tudo e de todos, pois até seu vizinho mais amigo poderia estar sendo usado. Seus amigos poderiam ser manchete no jornal da manhã seguinte, com duas opções bastante desagradáveis: morte ou prisão. E isso afligia muitos e muitas, principalmente aqueles dois, que talvez suspeitassem do que os aguardava, do que os vigiava. Mas os problemas daquelas pessoas estavam acima do medo. Os problemas que afligiam especificamente duas pessoas era outro, de grandeza muito maior. E, naquela manhã, contrariando todas as expectativas, havia amanhecido sem o sol ameno de outubro. Era um frio Dia das Bruxas.

Após bater a porta do Hall de Entrada, Tiago Potter, um sagaz bruxo recém casado, voltou para o aconchego da lareira, onde se encontravam suas maiores riquezas, acima dos galeões de seus pais, acima de todo o patrimônio do vilarejo. Ali, em cima do sofá estavam Lílian Evans, sua esposa e paixão eterna; e Harry Potter, seu filho, que era idêntico a ele, não fosse pelos olhos de sua mãe. A sua história definitivamente daria um livro, suas brincadeira marotas na época de colégio, sua paixão pela pessoa que mais lhe odiava, e a conquista da mais bela menina da escola. Talvez, pela perfeição dos fatos de sua vida, ele começasse a se preocupar tanto. Seus anseios mais tristes se tornaram realidade, havia algo por trás que fazia com que o Mal lhe seguisse. Mas antes que os pensamentos ruins invadissem sua cabeça como todas as noites faziam, Tiago Potter juntou-se à mulher e o filho.

- Adonis acabou de sair. – comentou Tiago com a expressão vazia. – Disse que voltaria pela manhã para checar, como todos os dias... – completou sem animação.

- Ah é mesmo? – disse Lílian com a voz doce, os olhos verdes inundados pelas chamas refletidas da lareira. – Contou algo de novo?

- Não - começou ele procurando decidir entre a verdade e a omissão, sob o olhar sereno de sua amada, continuou -, apenas disse que Alvo está preocupado, receoso com algo estranho...

- O que especificamente? – perguntou ela baixinho para não acordar o bebê de um ano entre eles. – Algo relacionado ao Harry e a Você-Sabe-Quem?

- Adonis não faz idéia... – disse o jovem evasivo – Você conhece Dumbledore, ele é sempre estranho...

- Tiago, eu não gosto quando Dumbledore tem esses pressentimentos... – a mulher ruiva baixou a cabeça e seus cabelos caíram-lhe sobre a testa, Tiago viu uma lágrima pingar no cobertor sobre seus pés.

- Lily...

- Tiago... – clamou ela chorando – Não quero mais ficar aqui... Temo por Harry...

- Não há motivo Lily! – disse interrompendo a esposa – Temos o Fidelius, o Fiel é um de nossos melhores amigos, aposto como Voldemort – a mulher tremeu – está atrás de Sirius à esta hora.

- Eu... – recomeçou a mulher – Eu... Eu não confio em Rabicho.

- O quê? – Tiago levantou-se do sofá – Porque não confia nele Lily? Não há motivos! Pedro é dócil até com uma quimera! Por Merlin! O que a faz pensar isso?

- Pura intuição... Pedro mudou, está sempre sozinho em casa...

- Cuidando da Sra. Pettigrew! Você sabe disso!

- Mas...

- Lily, Dumbledore achou a decisão sensata e acho que isso é tudo, não?

- Só acho que poderíamos... – disse diminuindo os soluços – ir para a casa de Petúnia, por uns tempos... Até Voldemort esquecer...

- Com sua irmã? Não Lily! – respondeu levantando um pouco a voz. - Estamos seguros aqui. Você tem a mim! – Tiago olhou, por alguns segundos, para Lílian Evans Potter, talvez a mais bela mulher que já conhecera. Durante os três segundos que encarou sua amada, lembrou-se de como se conheceram, como se apaixonaram como viveram intensamente os primeiros anos de casamento, e como conceberam Harry, e como se uniram após descobrirem o destino do garoto.

- Eu te amo Tiago!

- Eu também Lílian.

Juntos, os últimos herdeiros da Família Potter se encontravam reunidos na casa que fora passada por gerações aos descendentes. Uma família construída à partir de uma viagem, quando o patriarca da família ganharam um Seminviso, e começara à tecer capas especiais. Aquela não era uma família comum, era uma família unida, sem preconceitos e cheia de poder. Mas não um poder tirano, um poder mágico muito forte. Os Potter eram bruxos. E em especial, Tiago e Lílian eram os bruxos mais poderosos que a linhagem Potter havia visto desde o sempre.


***


Já era tarde da noite e Adonis Paralolvus havia acabado de sair do Hall de Entrada da Casa dos Potter. Quando se virou para dar uma última piscadela, já não havia casa alguma, o Fidelius executado por Lílian era realmente forte. Paralolvus, um bruxo já com quatro décadas de conhecimento da vida, sabia que algo estava cheirando mal aquela noite. Havia um cheiro podre no ar, algo acre e nojento. Paralolvus tinha um único ódio na vida, a traição. Desde criança, quando seu pai traiu sua mãe trouxa com uma bruxa de puro-sangue, ele tomou ódio por qualquer tipo de traição, desde a mais ingênua até as mais malévolas.

Continuou andando pela estrada de pedra que levava até o bosque local onde poderia aparatar sem ser visto por nenhum trouxa bêbado vagando à noite. Ainda que a Casa dos Potter tenha voltado a se materializar, sem mesmo alguém chegar ou sair da casa, Paralolvus teve sua atenção tomada por uma tríade humana que subia a ruela de pedras. O que mais o amedontrou foram as roupas que usavam, definitivamente aquilo não eram roupões trouxas de banho. Eram capas, e eram capas como cujas todos, no mundo bruxo, usavam. Antes que se aproximassem mais, dois deles levantaram os capuzes e aparataram, eram Comensais da Morte.

O bruxo que restou era alto e não utilizava capuz; parecia não temer a noite e andava com uma postura rígida e veemente. Fosse quem fosse estava concentrado. Conforme se aproximava, Adonis ficava mais temeroso. Sabia exatamente quem era aquele bruxo, mas estava resistente à acreditar. Como ele saberia? Potter estava sob o Fidelius. Mas para espanto de Adonis, o bruxo era Voldemort. Um bruxo das Trevas que ganhava mais poder a cada dia, seu alvo no último mês havia sido os Potter, os motivos poucos sabiam ao certo, mas Adonis sabia exatamente as três coisas que ele desejava com os Potter. Glória, vitória e aliado. Paralolvus, temeroso, escondeu-se entre os arbustos que ladeavam a estrada. Permaneceu quieto e silencioso observando. Deveria avisar Tiago, deveria lhe enviar seu patrono... Mas já era tarde.

Voldemort chegou até a cerca de madeira branca, tocou-a e entrou. Só agora, Paralolvus tinha se dado conta do que realmente acontecera, o Fiel do Segredo dos Potter havia virado a casaca, contado o esconderijo deles e por fim Voldemort viera atacar. Voldemort entrou sorrateiro. Sua cobra, enorme e prateada, andava rastejando-se em círculos em torno de seu mestre. Paralolvus, como de costume viu o espectro de Voldemort, espirais verdes os circundavam como fumaça difusa. Em sua mão, segurava a varinha, na outra um embrulho de pano preto. Ele entrou no jardim, mas não entrou pela porta da frente. Contornou a casa e desapareceu na noite.


***


Tiago e Lílian já haviam se levantado do sofá. Lílian havia ido à cozinha guardar as louças do jantar. Tiago prometera a ajudar, mas quis ficar um pouco mais com o filho, que já começava à piscar os olhinhos em sinal de sonolência. Tiago ficou parado admirando-o por alguns segundos e depois pegou-o no colo com cuidado (ainda que sem jeito), e foi andando até a cozinha. Lílian empilhava os pratos com ajuda da varinha sem animação, estava muito tensa neste último mês.

- Lily, pega o Harry. – disse entregando a criança – Eu termino isso. Vá se deitar. Descansar um pouco, mais do que ninguém você está precisando.

- Eu sei... – guardando a varinha, ela esticou os braços e o pegou com uma facilidade que talvez em anos Tiago jamais aprendesse. – Eu realmente queria que tudo isso pudesse acabar... – Tiago à abraçou, o filho entre eles.

- Durma Lily. – disse carinhosamente – Subo daqui a dois minutos. – disse Tiago, com a jovialidade de sempre. Ele pegou a varinha e começou a comandar talheres e pratos para que voltassem aos armários. Em poucos instantes, quase tudo estava guardado, Lily caminhava ainda no corredor.

CLEK!

Tiago escutou um barulho que fez seu coração explodir de aflição. O trinco da porta. Dois pratos de porcelana branca, e uma tigela colorida com motivos de dragões espatifaram-se no chão. Os talheres caíram com estardalhaço. A mente de Tiago voou para sua mulher e filho.

- Lily! É ELE! ESTÁ AQUI!

Tiago ergueu a varinha.

- Colloportus! – mas antes que o feitiço trancasse a porta novamente, uma mão fina e branca a deteve entre o batente e a porta. Tiago ouviu uma risada fria e maléfica. Os passos desesperados de Lílian às suas costas o deixaram ainda mais aflito. - Corra Lily! Fuja com Harry, Salvem-se!

Mais uma vez, a risada fria e maléfica ecoou na noite.

- Você tem visitas Sr. Potter. – disse Voldemort com a voz fria e cortante – Acho que deveria abrir a porta...

- Seu imundo! – vociferou Tiago – Deixe-nos! Bombarda! – a varinha de Tiago cortou o ar e a porta da cozinha explodiu em mil pedacinhos. Voldemort voou metros para trás, enrolou-se em sua própria capa, e caiu em um estranho ângulo, como se uma pedra estivesse em suas costas. Rapidamente ele se levantou, e antes que Tiago pudesse ver sua retina maléfica novamente, ele já tinha conjurado uma nova porta.

- VOCÊ NÃO ACREDITA QUE UMA PORTA VÁ ME DETER, ACREDITA TIAGO?

Tiago começou a correr, desesperado para ir atrás de Lílian. Como pode? Como ele pode burlar o Fidelius? Lily era excelente feiticeira, jamais teria deixado passar um anel importante, ou movimento correto. Alguém traiu vocês, disse uma voz em sua cabeça. Rabicho jamais faria isso pensou enquanto corria. Lily não confiava nele.

Quando Tiago virou-se para trás, para ver sua distancia de Voldemort, apenas viu seu rosto branco, meio metro atrás. A capa negra enfunando a suas costas, a varinha erguida e um embrulho negro na outra mão. – Você já ousou ser mais corajoso Tiago... Crucio!

Tiago desviou-se e o feitiço explodiu em cheio no porta-retrato com as fotos de seu casamento com Lílian. Tiago pisou no primeiro degrau da escada, mas não podia fugir, tinha de dar tempo a sua mulher e filho. Ele sentiu o suor escorrer-lhe pela testa. Ele sentiu uma fúria leonina tomar-lhe conta dos músculos e veias.

- DAQUI EM DIANTE VOCÊ NÃO PASSARÁ! – Tiago ergueu a varinha, cortou o ar com voracidade, e antes que Voldemort se protegesse, um raio branco saiu da ponta de sua varinha e atingiu o chão de madeira da antiga Sala de Estar. Uma fenda se abriu no chão, dividindo o caminho até as escadas.

- Seu tolo. – Voldemort brandiu sua varinha branca, - Avada Kedavra!

Houve um relâmpago de luz verde que ofuscou os olhos de Tiago. Uma risada fria e maléfica tilintou em seus ouvidos como a música do Reino do Hades, estava sendo levado dali. Antes que pudesse sentir o chão apertar-lhe o corpo, já estava morto.

- Pobre homem... – Voldemort encheu-se de júbilo e felicidade exacerbada. – Charoneus! Charoneus! Charoneus! – Bolas de fogo voaram de sua varinha, explodindo mesas, cadeiras e tudo o que encontrava pela frente. Seus planos estavam se encaminhando perfeitamente, nada poderia lhe impedir depois desta noite. – Não tente fugir Lílian Evans! – gritou Voldemort enquanto conjurava uma ponte na fenda. – Finalmente a fúria de Lorde Voldemort prevaleceu nessa casa, não é mesmo garota?

Voldemort já atingia o Hall do segundo andar. Havia vários retratos da família feliz pelas paredes do Hall Interno, o que acendeu ainda mais a chama de fúria do antigo órfão Tom Riddle. Ao fim do corredor havia uma porta entreaberta com um feixe de luz escorrendo pelo corredor comprido. Ele viu a silhueta de Lílian Potter, mover-se, abraçada ao filho.

- Não adianta tentar aparatar garota tola.

- Você não vai conseguir o que quer! – berrou a jovem de dentro do quarto, batendo a porta do quarto com um estampido. Houve um flash de luz azul e a porta trancou-se. Voldemort praguejou contra a mulher e correu pelo corredor e esmurrou a porta. Sacudiu a varinha e seus feitiços se voltaram contra ele. Por fim, um feitiço de Chave-Mestra foi o suficiente para mandar o trinco pelos ares e interromper o último mantra que a mulher pronunciaria.

- Lílian Potter... – disse a voz fria – Finalmente estamos juntos de novo. Nosso último encontro foi um tanto quanto doloroso para mim.

- Você não sabe o que é dor!

- Ah, eu sei sim Lílian, aprendi da pior forma possível, algo que você e seu falecido marido jamais sentiram. – Àquelas palavras, Lílian congelou, seu marido estava morto. – Você não precisa morrer Lílian.


***


A Alguns metros dali, Adonis Paralolvus ficava cada vez mais desesperado. Antes que executasse qualquer movimento informou à pessoa que mais deveria saber daquilo: Alvo Dumbledore. Adonis brandiu a varinha, pensando vigorosamente na mensagem que deveria passar, e na pessoa exata que deveria receber. Mais uma sacudidela, e uma águia prateada irrompeu da ponta de sua varinha de bordo. Iluminou a escuridão, e sumiu como um raio no ar frio da noite.


***


- Não tente me seduzir pelas suas mágicas de araque!

- Oh! Não seja grosseira! Tiago ficaria chateado... – Voldemort quis rir, mas não o fez, precisava de Lílian Potter como Comensal. – Eu só preciso de seu filho, me dê Harry Potter e saia ilesa disso tudo!

- EU NUNCA ENTRAGAREI MEU FILHO A VOCÊ! – vociferou a bruxa interpondo-se entre a varinha de Voldemort e a criança.

- Você e eu seríamos invencíveis! Você sabe que eu poderia dar a você todo o poder que quisesse... Você não conhece o que é magia de verdade Lílian...

- Você me dá nojo...

- Essa é sua última chance Lílian Potter, me entregue seu filho. – Voldemort abriu o embrulho negro e um Elmo dourado apareceu em sua mão, havia um enorme leão de ouro em sua fronte, rubis vermelhas estavam incrustadas nos olhos do leão que parecia olhar decidido para Lily.

- O Harry não, o Harry não, por favor, o Harry não! – Lílian começou a soluçar.

- Afaste-se sua tola, tenho que terminar algo aqui hoje. Afaste-se agora!

- O Harry não, por favor não, me leve, me mate no lugar dele para fazer suas bruxarias maléficas!

- Você já perdeu sua chance de barganhar Lílian!

- Harry não! Por favor... Tenha piedade... tenha piedade...

- Você não precisava morrer Lily. – Voldemort olhou para a bruxa que tanto desejava em seu serviço, não deixaria ela permanecer viva para trabalhar para mais ninguém. – Avada Kedavra! Lily abriu os braços para proteger seu filho, viu um flash de luz verde, escutou uma risada maléfica e não viu mais nada.


***


O segundo flash de luz verde, que iluminou as duas últimas janelas da esquerda, foi uma bomba para Adonis, que tudo observa silencioso no aguardo das ordens de Dumbledore. Se havia uma coisa que Adonis havia aprendido com o trabalho no Departamento de Inteligência do Ministério, era que ações táticas de guerra só funcionavam quando havia um plano sob elas, agir por conta própria era tolice demais. Quando o flash terminou e a risada invadiu a noite. Uma fênix prateada pousou sobre seu ombro. Ele escutou o entoar da fênix, discordou da ordem, mas obedeceu mesmo assim mesmo e desaparatou.


***


Voldemort ria como louco. Feliz que agora havia completado sua jornada, estava salvo da pior fraqueza humana: a morte. Com sua última Horcruxe pronta, ele teria completado seu sonho, sua maior meta. Ele repousa seu último tesouro no chão, ao lado da criança. O Elmo de Godric Gryffindor reluziu à luz do candelabro. Voldemort ergueu a varinha. Olhou para a criança, que chorava aos berros, e exclamou com simplicidade, a felicidade transbordando.

- Avada Kedavra! – houve um flash de luz verde que atingiu o garoto em cheio na testa. Mas, para espanto de Voldemort, a criança continuou chorando. E então, sem antes Voldemort perceber seu erro, um clarão branco iluminou o quarto cegando-o, e ele sentiu uma dor lancinante, sentiu sua alma descolar do seu corpo, estava sendo expulso, para formar mais um... Não! Disse percebendo seu erro. Não estou fragmentando a alma, estou sendo expulso!? A última visão de Lorde Voldemort aquela noite, foi seu corpo, caído no chão, sobre sua varinha.

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