Ressentimento e Ressurreição

Primeiro de Setembro de 1996.


Ele havia se mantido frio e impassível durante quase todo o tempo até ali. Claro. Não havia porque não permanecer assim. Era certo que havia perdido uma bela chance de se vingar do maldito Black. Mas mesmo que houvesse cozinhado aquele ódio em fogo brando durante vinte anos, aguardando nas sombras cada oportunidade de revidar, até mesmo assim ele conseguia distinguir a falta de importância daquela vingança idiota frente ao que estava por vir nos próximos meses. A vingança, quem sabe, poderia ficar um pouquinho mais para a frente... e poderia incluir também o lobisomem, se ele tivesse sorte. De qualquer forma, ele devia era estar feliz ou no mínimo, aliviado, por ter se livrado de Nymphadora. Seria uma vergonha alguém como ele ser visto se envolvendo com ela, por incontáveis motivos. Grifinória. Um vocabulário deplorável. Ainda se vestindo com aqueles farrapos trouxas. Bem, ela podia ser (e nesse ponto seus lábios se retorciam num muxoxo, não querendo admitir tal qualidade) inteligente *e* capaz. Mas não sabia se mover ou fazer coisa alguma com graça... pelo contrário: era antes uma desgraça. Ela podia ser estonteante, também, se assim o quisesse. Mas aquilo não lhe significava nada. Se ele por acaso desejasse uma bela mulher em sua cama, o Lado das Trevas fervilhava de beldades, todas ávidas por poder e status. Ambas coisas que ele podia oferecer em uma quantidade nada modesta, apesar de todo a desconfiança de que desfrutava por parte dos Comensais.

Enfim... quase impassível.

"Quase". Porque havia sido impossível não sentir uma pontinha de satisfação quando o relacionamento deles começou a se desintegrar, logo após a morte de Black. Mais de uma vez ele havia sentido um sorrisinho de desdém aflorar aos lábios quando presenciava desentendimentos, discussões e lágrimas, antes, durante ou depois das reuniões. Ela tinha preferido o lobisomem, não tinha? Oh, e como era deliciosamente irônico agora, assisti-lo a simplesmente se recusar continuar com aquele romancezinho nauseante. E ela ainda insistia e corria atrás, acabando com toda a sua dignidade.

"Quase". Porque havia sido impossível não se sentir surpreso e estarrecido naquela noite... porque mesmo abandonada e deprimida, Tonks possuía agora um novo patrono. E então, pela primeira vez em meses, a máscara se afrouxou um tantinho e Snape deixou transparecer um mínimo daquele ressentimento que fervia dentro dele:

_ Acho que você estava melhor servida com o antigo patrono. O novo... parece fraco.

E a satisfação de ver choque e horror estampado no rosto dela só perdeu para a de ter Harry todo para si durante o trajeto até o castelo.

*

Dezembro de 1999.


_ Então...

_ Antes de tudo, sente-se _ e Tonks estendeu a mão, apontando a cadeira do outro lado da escrivaninha. Harry se sentou, apático, e largou a mochila aos pés _ Apesar de você merecer, isso não é uma detenção, só quero conversar com você.

_ Certo _ ele murmurou, olhando para o tampo da mesa.

Ela se sentia completamente incapaz de lhe passar um sermão. Conhecia o garoto há anos, havia testemunhado sua transformação de adolescente ingênuo a adulto arrasado. Era, então, um pouco difícil se enxergar e impor-se como professora; a relação era essencialmente outra. Apesar disso, ele devia seguir as regras como todo mundo.

_ Escuta, Harry. Dormir três aulas seguidas e deixar de entregar quatro deveres não é o comportamento que eu espero de um aluno.

_ Sei...

Ela iniciou então seu pequeno discurso sobre a importância de se terminar os estudos pela quadragésima sétima vez naquele trimestre, se não estivesse enganada. Harry permaneceu o tempo todo olhando para o tampo da mesa e respondendo ocasionalmente por meio de monossílabos e, ela tinha certeza, não absorvendo nenhuma de suas palavras. Tonks resolveu tentar outro método.

_ Harry _ ela disse, ficando de pé, contornando a mesa e indo se ajoelhar ao lado da cadeira, deixando seus olhos no mesmo nível dos dele _ Olha pra mim. Vamos ter uma conversa de homem para homem, está bem? _ E sorriu e piscou para ele quando o rapaz ergueu os olhos, surpreso. _ Eu sei que... bem, provavelmente, eu não sofri tanto quanto você nos últimos anos. Ninguém sofreu.

Ele continuou imóvel e calado.

_ Só que... veja bem. Todos nós perdemos pessoas que amamos. Eu, Minerva, o Carlinhos... e nenhum de nós está deixando de cumprir com seus deveres, entende? Posso imaginar muito bem, mais do que você pensa, como se sente agora... _ e ela colocou a mão sobre o ombro esquerdo do rapaz. _ E digo que você não pode se deixar abater assim. Não pode.

Ele suspirou, encarando agora os joelhos. A sala estava tão quieta, o silêncio interrompido apenas por um baixo murmúrio do vento lá fora e pelo ruído dos enormes flocos de neve se chocando contra as janelas, que Tonks se assustou quando ouviu batidas insistentes na porta e sem querer chutou longe a mochila de Harry, "ah, desculpa, juro que não tive a intenção...", quando se ergueu.

_ Professora McGonagall? Algum problema?

_ Potter está aqui? _ perguntou a diretora, parecendo estranhamente excitada; e logo os cabelos flamejantes de Carlinhos Weasley surgiram pelo corredor e adentraram a sala depois de cumprimentar Tonks.

Harry apenas se virou na cadeira.

_ É a Gina, Harry. Ela acordou!

_ O quê?! _ O rapaz de óculos ficou de pé num pulo, como se houvesse despertado de um longo sono. Uma McGonagall anormalmente sorridente se aproximou.

_ É verdade, Harry. A garota Weasley finalmente despertou.

_ E ela quer ver você. Mamãe acaba de mandar uma coruja, disse que a primeira pessoa de quem Ginny perguntou foi você!

Finalmente o antigo Harry Potter parecia ter voltado a habitar aquele corpo magricela.

_ Vou lhe dar permissão para ir ao St. Mungus agora mesmo... mas deve retornar para as aulas de amanhã, entendido? _ a diretora retomou sua habitual expressão severa.

_ C-claro... _ Harry não tinha a menor idéia do que McGonaggal havia acabado de lhe dizer; tudo o que conseguia pensar era que finalmente teria Gina de volta, de um longo coma, e que finalmente poderia começar a pensar em ter vida uma normal, com dezenove anos de atraso e...

_ Harry! _ Ron e Hermione surgiram pela porta de mãos dadas; a garota pulou em seu pescoço e Ron dava soquinhos nas costas do amigo.

Não querendo interromper o momento quase familiar, Tonks se manteve ao lado da porta aberta, observando a sala cheia, confortante, quente... como se fosse um Natal antecipado. Ela não cabia em si de felicidade e sentia seu rosto todo distendido por um sorriso enorme. Até que uma figura vestida de negro deslizando do outro lado do corredor chamou sua atenção.

_ Hey! Snape! _ ela acenou.

Ele parou e se virou lentamente; e então, iniciou um pequeno desvio de rota. Enquanto Severus percorria os metros que os separavam, Tonks teve tempo de recordar o quanto ele havia estado um pouco... distante nas últimas semanas. Para ser mais exata, desde aquela noite fatídica quando foram ao Três Vassouras e ela... bem, ela insensatamente tentara beijá-lo. Onde estava com a cabeça? Tonks sentiu um friozinho no estômago e as bochechas corando. Sem dúvida alguma, uma das maiores loucuras que já havia cometido. E Snape agora estava... diferente. Pelo que ela conhecia dele, aquela distância calculadamente imposta poderia dizer, claro, que ele não queria absolutamente nada com ela. Mas podia, também, significar que queria, mas que por algum motivo não deixaria aquilo em frente. De fato, ela não havia se esquecido de que Snape tomara atitudes parecidíssimas quando ela começou o namoro com Lupin. Claro que agora eles eram mais íntimos e Severo não ia simplesmente deixar de falar com ela. Ele continuava atencioso e... Tonks pensou, sorrindo para si mesma, "cuidando dela", mas...

_ E então? _ Ele perguntou, agora a poucos passos de distância, erguendo a sobrancelha, as mãos escondidas dentro das mangas largas das vestes por causa do frio.

_ A Gina acordou. Não é demais?

Os lábios dele simplesmente se crisparam de desdém.

_ Ah, Snape. Não. Não, não, não, não. Hoje é um dia feliz, está bem? Nada de cara feia.

Ele suspirou.

_ Ouça...

_ Shhh _ ela o interrompeu, colocando o dedo sobre seus lábios. Imediatamente dedos finos se fecharam sobre o pulso dela, interrompendo o contato.

Então, por um momento, seus olhos se encontraram e ficaram presos uns nos outros. Seus dedos ainda se tocavam, quase se entrelaçando, irradiando choquezinhos pelos corpos dos dois a partir do ponto em que se tocavam. Sem saber o que dizer, os lábios dele se entreabriram milímetros e então... o batalhão de pessoas saiu da sala. E, por incrível que pareça, foi a irritante srta. Granger quem lhe salvou o dia, puxando Tonks pelo braço e desfazendo aquele momento perturbador.

_ Vem com a gente, Tonks.

Com algum esforço, ela libertou-se do olhar dele, e disse:

_ A gente se vê, Snape _ parecendo um tantinho desapontada.

E segundos depois sumia pela curva do comprido corredor, as vozes animadas morrendo na distância, deixando-o aliviado, vazio e confuso. Severus Snape sacudiu a cabeça e retomou o caminho para as masmorras.

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porque snape/tonks é canon! hahaha. bom, finalmente eles estão começando a admitir que sentem alguma coisa (apesar de que, claro, ainda exista um ou outro obstaculozinho para esse casal ser feliz para sempre). ah, eu simplesmente adoro escrever essas cenas onde o snape está queimando de desejo e inveja mas não quer admitir pra si mesmo e fica destacando os pontos negativos da tonks, adoooooro! =D

bem, o harry merecia mesmo alguma coisa boa. tadinho. a partir de agora tudo vai mudar na vida dele, prometo :~

bom, a morgana black perguntaram porque o snape não tinha usado o veritaserum nela. ele até pensou nisso, mas queria que ela contasse por vontade própria o que tanto a perturbava ;)

ai, e a última frase da primeira parte ficou totalmente slasher, haha mas não foi minha intenção =P

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