Pagando uma Aposta



Novembro de 1999.


Ele parou repentinamente ao chegar às grandes portas de carvalho, agradecendo por estar oculto pelas sombras. Ao contrário do que Snape imaginava, ela já estava lá fora esperando por ele, inquieta, alisando as vestes sobre o corpo, se apoiando ora sobre uma perna ora sobre a outra e vasculhando o céu, como se procurasse algo. Estreitando os olhos, ele se demorou alguns segundos estudando a figura esguia e colorida à sua frente (mesmo que os cabelos dela estivessem castanho-claros e os olhos, se ele não estivesse enganado, verdes, o sobretudo cereja não deixava dúvidas quanto à identidade daquela bruxa), dizendo a si mesmo, mais uma vez, que seu objetivo era apenas analisar o estado mental dela. Ela sorriu aquele breve fantasma de um sorriso quando finalmente o viu se aproximando; e Snape sentiu alguma coisa ácida escorrendo pela garganta até atingir seu coração.

_ Olha, prometo não ficar te importunando... bem, importunando muito, por causa do jogo de hoje, beleza?

_ Para o seu próprio bem _ ele respondeu estreitando os olhos e oferecendo o braço a ela.

Ela apoiou a cabeça sobre o ombro dele enquanto caminhavam, e suspirou bem umas quatro vezes até chegarem ao Três Vassouras. Snape a olhava de esguelha enquanto seus olhos buscavam mais sinais de alguma coisa não-boa no rosto dela. Sinais que ele havia notado desde o café da manhã; e que não se abrandaram absolutamente, mesmo com a convincente vitória do time dela sobre o dele. Mas isso era um bom indício: ela finalmente estava deixando transparecer seus sentimentos. Talvez só precisasse de um empurrãozinho... e uma idéia arriscada e louca começou a se formar lentamente na mente de Severus. Eles estavam indo a um bar, não estavam? E se ele, por acaso... a deixasse beber uma ou duas doses a mais... e direcionasse a conversa para o tema que tanto lhe interessava? Bem, era arriscado; e absolutamente não combinava com seu modo de agir. Mas ele não podia demonstrar interesse demais em condições normais; então... quando se aproximaram do retângulo iluminado e quente que dava entrada ao pub, Severus Snape já havia se decidido: iria embebedar Tonks.

Ele escolheu uma mesa reservada e puxou a cadeira para ela sentar; e logo dois copos de uísque de fogo foram colocados sobre a mesa.

_ À Sonserina _ ele ergueu o copo.

_ À Grifinória _ ela brindou por sua vez, erguendo a sobrancelha num leve desafio.

Enquanto Tonks iniciava algum assunto e logo depois o interrompia, perdida em pensamentos, Snape deu continuidade a seu plano; observando cuidadosamente os efeitos do álcool e às vezes esperando alguns minutos antes de deixá-la tomar o copo seguinte. Ele queria uma Tonks falante; não uma à beira de um coma alcoólico. O problema era que ela o estava obrigando a acompanhá-la copo a copo; e logo Madame Rosmerta colocava à sua frente o quarto copo da bebida. Tonks não o bebeu imediatamente, porém, como havia feito com os outros. Ela se curvou um pouco sobre a mesa, observando o tampo de madeira através do líquido cor de âmbar. Então, suspirou profundamente.

_ O que foi? _ Snape se apressou em perguntar, seus dedos roçando de leve sobre as costas da mão dela.

Tonks levou o copo aos lábios e o virou de uma só fez; e então fez uma careta.

_ Sabe? _ e ela olhou de lado para ele, um sorriso um pouco amargo nos lábios _ Eu costumava pensar em você como o Sr. Uísque de Fogo.

_ Sr.... Uísque de Fogo? _ ele boquiabriu-se.

_ Éé. Porque você queima aqui dentro _ e ela colocou a mão sobre o peito _ é deliciosamente amargo e vicia tanto quanto uísque _ ela concluiu, voltando a olhar para a frente com uma expressão indecifrável no rosto.

_ Bem... _ e ele tentou dizer alguma coisa. Aquilo... havia sido um elogio? Bem, fosse o que fosse, havia sido perturbador. Se ele fosse um homem que corasse, estaria violentamente vermelho àquela hora. Procurou se manter impassível, o que se mostrava cada vez mais difícil à medida em que o álcool caía em sua corrente sanguínea. A bem da verdade, de repente ele se deu conta de que em algum momento seu plano inicial, de descobrir quanta falta ela sentia do lobisomem, perdera completamente o sentido; e seus olhos se demoravam mais e mais na beldade sentada a seu lado. Ele não saberia dizer se ela havia feito de propósito; mas hoje ela usava exatamente os mesmos cabelos e olhos que usara um longo tempo atrás... uma face que ele nunca havia esquecido. De repente, também, ele descobriu que queria chegar mais perto e... quem sabe...

_ Você gosta, não gosta? _ ela indagou o encarando com malícia, enquanto seus dedos deslizavam de leve por sobre a manga da veste dele, e alcaçando o copo ainda intocado _ Desses olhos, desse rosto?

Ele engoliu em seco, tentando se desipnotizar.

_ Eu...

_ Gosta. E desse visual? _ e em segundos seus cabelos adquiriram um tom castanho muito escuro e brilhante; e seus olhos se tornaram de um cinzento igualmente escuro, lembrando muito uma versão mais jovem e menos maligna da falecida Bellatrix Lestrange. Com efeito: as mesmas feições nobres, as maçãs do rosto altas, os lábios cheios e a pele pálida dos Black estavam lá, embora seu nariz fosse mais para arrebitado do que para reto. Os olhos quase negros o encaravam o tempo todo sem piscar.

_ É... absolutamente... estonteante _ ele disse num sopro.

Ela riu com ironia e virou seu quinto copo de uísque de fogo.

_ Nota-se _ ela disse simplesmente enquanto tentava colocar o copo sobre a mesa uma, duas, três vezes. Snape agarrou firme sua mão, colocando o copo com segurança sobre a madeira.

_ Madame Rosmerta! _ e no instante seguinte Tonks já acenava freneticamente para a mulher bonita do outro lado do bar _ Vê mais dois! Ops...

O som do copo se estilhaçando no chão trouxe desanuviou a mente de Severus.

_ Não, Tonks, não. Creio que é melhor esperar um pouco _ ele sibilou e acenou com a cabeça para Rosmerta, cancelando o pedido; e deixando Tonks frustrada.

_ Ah, Snape, qual é? Resolveu cuidar de mim, agora? _ e ele percebeu que a voz dela já não era tão firme quanto uma hora atrás; e seus olhos estavam levemente fora de foco. _ Se bem que... _ e ela franziu a testa e mordeu o lábio carnudo, fazendo os olhos dele se desviarem alguns milímetros para baixo, focando os lábios macios e rosados _ você anda mesmo cuidando de mim nos últimos meses, não é?

_ Bem, não diria exatamente cuidando. Somos colegas, é natural...

_ Oh. Snape, por favor _ ela o interrompeu, chegando mais perto e sussurrando, sedutora _ Não tenta me fazer acreditar que você também toma conta da McGonaggal, da Sprout, da Vector... isso simplesmente não faz seu tipo. Mas sabe de uma coisa? _ ela perguntou chegando ainda mais perto _ Eu sempre soube que você era assim. Sempre. Mesmo insistindo em ser tão ranzinza, eu sempre soube que você pode ser sensível e passional se realmente quiser _ e agora ela murmurava em seus ouvidos, os lábios quase os tocando e fazendo Snape se dar conta de que tudo tinha dado tremendamente errado. Era ele, agora, quem se sentia arrepiado e com as pernas bambas.

Graças a Slytheryn, porém, Tonks havia se afastado um pouco e agora pedia mais uísques. Dessa vez, ele não a impediu. Novamente se sentia como se fosse se separar em dois. O homem frio que havia se tornado com o passar dos anos lutava para continuar impassível e intocável; e não queria se envolver em hipótese alguma. Outro homem, o que ele seria hoje se aquela garotinho triste tivesse recebido amor e carinho em vez de palavras ásperas e brigas, lutava para voltar à vida dentro dele, para puxar a mulher ao seu lado para bem perto outra vez e... quem sabe... Ainda mergulhado em pensamentos, ele viu pelo canto do olho Tonks virando mais um copo. Ele fechou os olhos, apalpando a testa. O homem que um dia fora um Comensal da Morte estava vencendo a batalha dentro dele... aquilo tudo era errado e não devia estar acontecendo. Maldita hora em que ele tivera aquele plano absurdo de embebedar Tonks! De repente, ele sentiu um copo sendo pressionado contra seus lábios.

_ Bebe, Snape, bebe! Eu já tô dois copos na sua frente. Seu frouxo! _ e ela dava risadinhas enquanto o forçava a engolir o uísque, que derramava pelo queixo e molhava a gola alta de suas vestes.

Seus dedos se fecharam como garras em torno do pulso dela; e ele afastou o copo com alguma rispidez e, da mesma forma, ficou de pé, tentando ignorar uma leve tonteira.

_ Castelo. Agora.

_ Mas...

_ Sem discussão.

A contragosto ela ficou de pé e disse todo tipo de bobagem enquanto ele pagava dez uísques de fogo e durante metade do caminho. De repente, ela estacou. Seu rosto pareceu ficar verde e ela levou a mão ao estômago.

_ Ah...

Snape se aproximou...

_ O quê...?

... e então... ela se virou para o lado instintivamente e vomitou. Ele deu um passo para trás,mas segurou-a pelos ombros enquanto ela se curvava. Por fim ela ficou ereta e aspirava grandes sorvos do ar frio e fresco daquela noite. Severus se aproximou e passou um braço por seus ombros e tirou a varinha de dentro das vestes.

_ Aqui... Limpar! _ ele murmurou enquanto fazia um gesto rápido com a varinha, e toda a substância viscosa desapareceu imediatamente das roupas e da pele dela, agora um pouco mais sóbria.

_ Que coisa mais idiota... _ ela começou.

_ Shhh... da próxima vez, combinaremos um limite de drinques, entendido? _ e ele tentou sorrir.

Ela parecia ainda constrangida quando disse:

_ Obrigada _ e passou os braços em volta da cintura dele. Severus podia sentir agora o corpo dela, quente e feminino, se aconchegando e se pressionando ao seu, os olhos quase-negros olhando dentro dos seus e o hálito dela, agora fresco e limpo, se insinuando pelos seus próprios lábios. Os olhos e a respiração se tornaram ainda mais próximos; e Snape não sabia se agradecia ou amaldiçoava quando ela tropeçou na barra das longas das vestes dele e seu beijo acertou, em vez dos lábios, o pedacinho do pescoço logo abaixo da orelha. O efeito, porém, foi bombástico: ele sentiu como se um líquido muito gelado escorrendo por seu corpo e então, ficando muito quente. E essa sensação o acompanhou naquela noite, enquanto ele se revirava de insônia sob as cobertas, e em várias e várias noites seguintes.

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certo. o capítulo ficou enoooorme e não era essa a intenção... tanto que eu tive que cortar uma parte. também tava planejando escrever alguma coisa mais leve pra melhorar um pouco o clima da fic, mas acabou saindo assim, meio triste, meio dark. mas ficou bom, então continua assim. ahn, fala sério, é meio golpe baixo pra mim apelar pro pequeno príncipe, o snapezinho que via os pais discutindo e tudo o mais. ah que dózinha, ele merece uma porção de abraços :~

bom, o próximo não deve demorar (até porque já tem uma boa parte escrita ) =)

ah, é: por último, eu andei fazendo algumas fanarts snape/tonks nesses dias, se alguém quiser ver: http://www.livejournal.com/users/_kindakinky/

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