Vingança e Uísque de Fogo

Vingança e Uísque de Fogo



Setembro de 1999.


Pobre Harry. Tão, tão mudado desde a primeira vez que o vira. Parecia que havia sido há séculos. Na época, Tonks havia se revoltado com a vida de maus-tratos e desprezo que o garoto levava, morando com aqueles Dursleys horríveis. Mas aquilo, comparando-se com o que Harry vivia hoje, não era nada. Àquela época, ao menos, o garoto se irritava... tinha vida dentro de si. Hoje... Ela suspirou. Ele parecia não se interessar por nada à exceção do quadribol. A bem da verdade, naquela tarde, uma semana atrás, ele só ergueu os olhos para ela e se animou um pouco quando Tonks lhe perguntou dos treinos, que começariam em breve. Mas até mesmo aquele vago interesse se esvaíra quando ele expressou sua descrença em encontrar um substituto à altura de Gina Weasley. Harry então voltou a se fechar; baixou a cabeça para o enorme cachorro que babava em seu colo e ignorou Tonks por completo. Não de propósito. Era uma reação instintiva, atualmente muito normal, naquele garoto perturbado e triste. Os olhos verdes agora eram... assombrados. Eternamente assustados. Olhos que haviam visto demais, presenciado pesadelos demoníacos; e saído vivos. Mas ela podia jurar, e por experiência própria, que, às vezes, aquela última opção era perfeitamente dispensável.

_ Pobre Harry.

Ela ergueu a mão para enxugar mais uma maldita lágrima que insistia em cair. Ele precisava de amigos e de todo o calor humano que precisasse; e, na verdade, não faltavam voluntários para isso. Mas o garoto se afastava de todos, preferindo a solidão. Ela queria fazê-lo falar, se abrir, contar toda a sua revolta e frustração e tristezas, mas...

Mas ela mesma não estava nada bem. Sim, estava se dedicando de forma irrepreensível às aulas; e havia resolvido não ceder. Ia se tornar a melhor professora que já haviam tido ou... não se chamava... bem, Tonks. E realmente estava melhorando um bocado. Durante o dia, então, ela era conhecida como "aquela professora de feitiços um pouco atrapalhada, exigente e mandona". Mas havia momentos, como agora... muito tarde da noite, em que ela, incapaz de dormir e não aguentando mais revirar sob os lençóis, em que sentia uma falta absurda dele. De dormir juntos. Braços e pernas entrelaçados, se fundindo, querendo mais e mais do outro até mesmo durante o sono profundo. Da respiração calma em seu pescoço, o nariz afundado em seus cabelos, procurando seu cheiro. Uma mão possessiva em sua cintura. Da solidez do corpo dele, o calor... os lábios a beijando de leve, a acariciando de leve mesmo enquanto ele dormia...

*

Snape assistia a tudo havia alguns minutos, sem se fazer notar, mesclado às sombras. Na verdade, estivera esperando por aquele momento. O momento em que a máscara finalmente ia se romper; e Tonks ia parar de fingir que não sentia nada e extravasar toda a dor. Ele queria que ela gritasse, se revoltasse, quebrasse cosias. Não seria um processo fácil, mas era necessário para que ela se curasse. Mas, aparentemente, não ia começar naquela noite. Snape então se aproximou com pisadas leves como as de um gato. Ele pensou em fazer algum comentário sarcástico para que ela revidasse, mas se sentiu completamente desarmado com o sorriso molhado de lágrimas. Então ele apenas perguntou suavemente:

_ Não consegue dormir?

_ É. Insônia... e você?

_ Detenção _ ele respondeu simplesmente, erguendo uma sobrancelha.

Ela virou para o lado e fez um deveria ter sido uma risada mas soou como uma fungada.

_ Eu devia ter imaginado.

E levou à mão ao rosto para secar outra lágrima. Snape sentia como se fosse se separar em dois. Metade dele não se sentia nem um pouco à vontade com mulheres chorando; o velho coração de pedra simplesmente não se comovia com aquela demonstração excessiva de feminilidade. Mas ela não era apenas uma mulher; era Tonks. Não sabia se se aproximava e a envolvia em um abraço; ou se apenas palavras seriam o suficiente ou... Ele começou colocando suavemente a mão em seu ombro.

_ Escute...

E então, ela resolveu por ele. Se jogou em seus braços, e logo de cara ele sentiu lágrimas molhando sua roupa, seu pescoço. Mas apenas algumas. Ela ainda não havia se partido... ainda não. Ela afundou o rosto na curva entre o pescoço e o ombro dele, sentindo o cheiro bom que se desprendia das roupas dele, coberta pelos cabelos que ela havia aprendido a gostar, sentindo os braços esguios dele a envolvendo enquanto se acalmava.

_ Quer que eu a acompanhe até seu quarto? Algumas horas de sono irão lhe fazer bem _ ele murmurou longos minutos depois em seu ouvido.

_ Não adianta _ ela sussurrou com a voz abafada pelo contato com as vestes negras _ Não vou conseguir dormir. Não consigo dormir desde.. desde...

_ Shh.

Ela suspirou, engolindo de vez o choro.

_ Quer conversar, então? _ ele murmurou outra vez; e seu tom de voz era macio e quente e preocupado.

Ela suspirou.

_ Pode ser, desde que não seja sobre... você sabe _ Tonks respondeu se afastando dele, agora a imagem do auto-controle.

_ Tudo bem _ ele hesitou antes de fazer a próxima pergunta _ Se incomoda se formos até minha sala? Teremos mais privacidade lá.

Ela deu de ombros e acabou acompanhado-o até as masmorras.

_ Quer beber alguma coisa?

_ Chá _ e no instante seguinte uma xícara fumegante surgia na mesinha à sua frente. Fechando os olhos, ela bebeu tudo de uma vez enquanto voltava a se controlar. Snape se sentou a seu lado com um copo de uísque de fogo na mão.

_ E então, quem foi o felizardo que pegou detenção essa noite?

Ele respondeu com aquele velho arzinho de desdém.

_ Ah. Um pobre coitado da Grifinória...

_ Pra variar...

_ ... que pensou ser mais esperto que eu; e tentou me empurrar uma falsa Poção do Morto-Vivo _ ele finalizou, colocando os pés sobre a mesa e bebendo um gole de seu uísque de fogo.

Ela sorriu.

_ O que é engraçado? _ ele perguntou estreitando os olhos.

Ela ergueu a sobrancelha.

_ Você.

E ele podia adivinhar um novo sorriso por trás da xícara pelo modo como seus olhos se apertaram levemente. O sorriso logo sumiu, mas ele, *ele*, Severus Snape, se sentiu satisfeito por ter feito aquela garota sorrir.

_ Estamos nos dando melhor com as criancinhas inofensivas, não estamos? _ ele ergueu a sobrancelha, impassível.

_ Os monstrinhos _ ela corrigiu, colocando a xícara vazia sobre a mesa _ Um bando de pequenos trasgos enlouquecidos _ e deitou a cabeça no ombro dele enquanto lhe contava as últimas atrocidades dos monstrinhos.

_ E como... como se sente aqui? Quero dizer... como está lidando com tudo e... _ e a voz de Snape adquiriu aquela tonalidade incerta que ela vinha notando nos últimos tempos; e que surgia sempre que ele abordava algum assunto mais pessoal.

_ Bem _ ela respondeu simplesmente, afundando agora o rosto em seu ombro _ E você, Sev...? Como você se sente aqui... agora... _ ela murmurou preguiçosa, se virando em busca de uma posição mais confortável.

Ele demorou longos minutos para responder e, quando o fez, tinha a testa franzida, olhando muito sério e implacável para o fundo do copo vazio.

_ Como se não tivesse o direito de estar aqui. Como se tivesse me aproveitando... sujo... _ ele suspirou _ nem o retrato... _ ele se interrompeu de repente. Ainda que ela fosse Tonks, devia haver certos momentos de fraqueza que preferia que ela não visse.

Ela não disse mais nada; e foi só então que ele notou a respiração pesada e o corpo mole.

_ Tonks _ ele chamou. Ela se aconchegava ao corpo dele, um braço passando por sobre sua cintura, a respiração profunda em seu pescoço.

_ Tonks.

Ele suspirou derrotado. Ela estava ferrada num sono profundo. Seu quarto era no terceiro andar da torre Oeste; e estava totalmente fora de cogitação atravessar metade do castelo com ela dormindo daquele jeito. Sacando a varinha, ele optou pelo caminho mais prático. Com todo o cuidado, fez Tonks se levitar e deitou-a em sua cama. Alcançou uma coberta (ela sempre reclamava que as masmorras eram frias demais, mesmo no verão) e puxou até debaixo do queixo dela. Então suspirou outra vez. Estava sozinho e, como sempre nessas horas, seu rosto demonstrava uma ou outra coisa que sempre fazia questão de não deixar tansparecer em público. Fixou os olhos nela por um longo tempo, uma expressão enigmática no rosto, tamborilando um dedo sobre os lábios finos. Como ela reagiria se soubesse que ele, Snape, era a fonte de todos os seus problemas?

*

Outubro de 1995.


_ ... e daí se eu quiser? E daí?

Severus sentiu seus lábios se curvando um tantinho para cima quando ouviu-a erguer a voz contra Sirius. Não que ele quisesse. Ora. Tinha muito mais coisas com as quais ocupar a mente do que com uma possível paixonite daquela garota louca. Claro que ele não quereria nada com ela; jamais. Mas o prazer de ver Black contrariado era maravilhoso, lhe dava uma satisfação enorme. Ele se voltou para dentro das sombras, empurrando para o fundo da mente a vozinha que lhe dizia que Tonks poderia ser bonita se quisesse; e era inteligente e corajosa e...

_ Bobagem _ ele murmurou para si mesmo.

Ela não tinha absolutamente nada que ele pudesse querer numa mulher.

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