Prólogo
Sete de Agosto de 1999
Ele a reconheceu assim que ela entrou no Três Vassouras; ainda que fosse metade da mulher que havia sido. Aqueles ultrajantes cabelos rosa chiclete espetados há muito haviam ido, substituídos por fios cor de cobre, num corte comportado. Olhos verdes se estreitavam sob a franja, à procura dele. Por fim o enxergou e dirigiu-se à sua mesa em passos decididos... não sem antes dar um inevitável esbarrão na barriga proeminente de um gordo bruxo na metade do caminho.
_ Tonks _ ele cumprimentou com um aceno de cabeça enquanto ela ainda pedia desculpas ao bruxo.
_ Severus _ ela deu um sorriso rápido enquanto se sentava; sorriso que logo sumiu, devorado pela máscara de auto-controle que ela em vão impunha a seu rosto. Essa era, na verdade, a maior das mudanças que haviam se operado nela. Uma dureza nova tinha se instalado em suas feições nas últimas semanas. Todos os sentimentos que ela tentava esconder, porém, eram muito claros para ele... mas não tinha sido para ficar analisando e comparando a nova Tonks que ele a havia chamado até ali.
Snape rapidamente pediu dois uísques de fogo e ela lhe deu um segundo sorriso rápido.
_ Então... _ ela perguntou, as mãos se entrelaçando sobre a mesa; e, ele podia adivinhar, um pé balançando agitado debaixo dela.
Ele preferiu ir direto ao assunto:
_ McGonagall quer você como a nova professora de feitiços.
_ Eu? _ ela arregalou os olhos e se sentou reta na cadeira. Era a última coisa que ela esperava quando Severus lhe enviara uma coruja algumas horas mais cedo _ Eu? Como? Por quê?
_ Não me disse. Mas deve ter suas razões. Ela insistiu mesmo quando eu disse que preferia alguém mais... com uma coordenação melhor _ ele esperou alguns segundos; e então, seus lábios se curvaram alguns milímetros para cima.
Ela o encarou. Seus olhos negros brilhavam; ela conhecia aquele sorriso. Não era sarcástico; mas apenas... provocador.
_ Ora, muito obrigada! _ ela fingiu indignação.
Madame Rosmerta se aproximou da mesa com a bandeja em uma das mãos; colocou os dois copos na mesa e se afastou.
_ Você comentou com os Weasley que não se sente mais... ah... confortável trabalhando como auror... _ ele disse, num tom estudadamente casual.
Ela mordeu o lábio antes de responder.
_ É. Hm... lembranças demais, entende?
Ele não fez nenhum comentário sarcástico, como metade dela esperava. Pelo contrário.
_ Entendo. Você deveria agradecer por ter a oportunidade de mudar um pouco de cenário e... _ ele se interrompeu; estava indo um pouco longe demais. Levou o copo aos lábios, desviando os olhos do ar curioso no rosto dela. Ela o imitou, bebendo devagar, pensativa.
_ Hogwarts, por outro lado... Vamos ser colegas, então? _ Tonks lhe perguntou por cima de seu copo _ Outra vez?
_ Se você aceitar... Devo apenas lhe lembrar de uma coisa: às vezes é muito, muito mais fácil lidar com um bande de Comensais sedentos por vingança do que com aqueles insuportáveis pirralhos querendo bancar os sabe-tudo.
Ela sorriu pela terceira vez o fantasma de seu antigo sorriso. Apesar de tudo, aquele senso de humor ácido e rabugento de Snape continuava exatamente o mesmo. Ela suspirou melancólica e não desviou os olhos dele até que ele a encarasse de volta.
_ O que foi? _ Ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.
_ Nada _ e ficou estudando o restinho da bebida em seu copo. É, talvez fosse mesmo bom mudar de ares... recomeçar uma vida nova. Ou pelo menos, tentar _ Quando é que eu tenho que dar a minha resposta?
_ Em duas semanas. Precisamos de mais um tempo para procurar alguém caso você não aceite...
_ Tudo bem _ e virou o resto do copo _ E você? Poções, ainda?
A mudança no rosto dele foi mínima. Olhos negros se estreitaram alguns milímetros e o queixo endureceu quase imperceptivelmente. Ainda assim, ela notou e abafou uma risadinha.
_ Isso responde. Mas soube que é vice-diretor agora... _ ela se interrompeu mordendo o lábio outra vez e fixando o olhar em um ponto além dele. Snape se virou. Um bruxo de cabelos castanho-claros, usando um enorme casacão puído, acabara de entrar no bar. E antes que Severus se desse conta, as palavras escaparam de seus lábios pela primeira vez:
_ Eu... sinto muito por...
_ Tudo bem _ ela o interrompeu _ Guerra... _ e ela abanou a mão no ar, tentando explicar _ Pelo menos.. nós...
E no momento seguinte a máscara de auto-controle que ela mantinha tão cuidadosamente se partiu em mil pedaços. E pela primeira vez de muitas que viriam ele se lamentou por ser tão fechado, tão controlado, tão incapaz expressar um mínimo de preocupação e sentimentos... tão incapaz de apenas abraçá-la e...
Só que havia muito mais do que controle, muito mais do que incapacidade de se expressar. Muito mais...
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!