Na bola de cristal



Capítulo 2
Na bola de cristal


Quando Maeve consultou sua bola de cristal naquela manhã, já sabia que algo terrível acontecera. Tivera aquele pressentimento estranho desde a noite anterior, um mal estar indefinido, a sensação de que o tempo parara por alguns instantes. Não era uma vidente, mas tinha essa habilidade incomum desde ainda menina. O futuro não se furtava de sua percepção, muito embora não pudesse dizer com precisão os acontecimentos.

Suas mãos estavam frias e buscou um xale para proteger-se do vento frio que chegava do mar. Seu velho castelo era cheio de correntes de ar, coisa que ela detestava. Sentou-se novamente junto à pequena mesa coberta com delicada tapeçaria, onde estava sua bola de cristal. Olhou novamente para o orbe, desejando ver outra coisa, esganara-se talvez. Mas as brumas ainda lhe mostravam o esquife daquele que fora um dos maiores guerreiros da Bretanha. Aconchegou o xale mais apertado contra o corpo e ficou a meditar no que isso representaria dali por diante.

A vida não estava leve naqueles tempos, mas Maeve não lembrava de ter vivido muitos anos fáceis. Crescera perto dali, embora num ambiente muito diferente daquele castelo velho e frio, cheio de ventos e úmido à beira-mar. As lareiras acesas não eram suficientes para aquecer as salas de pedra, mesmo que estivessem cobertas com grandes tapeçarias, bordadas por mãos habilidosas e tristes. Durante muitos invernos as mulheres trouxas, que habitaram aquele lugar, passaram bordando grandes desenhos intrincados, representando a caça e os campos cobertos de flores, coisa que podiam ver apenas durante o verão. Nas falésias era sempre frio e tão longe de tudo que Maeve intrigava-se como elas suportaram uma vida tão monótona e sem atrativos, dependendo de seus maridos para tudo que não fosse bordar. Nem mesmo uma viagem era fácil de obter, pois os caminhos para o leste eram acidentados e desprotegidos. Muitas delas viveram o resto de suas vidas sem rever seus familiares.

Maeve felicitou-se em silêncio por ser uma bruxa e não precisar passar pelas adversidades que outras rainhas suportaram, mesmo com seu sangue nobre. Isso pouco representava para uma mulher trouxa, não a livrava da secura e da melancolia. Enquanto os homens guerreavam em longínquas paragens, suas rainhas agonizavam a beira da lareira, olhando os campos e os cabelos tornarem-se brancos.

Maeve lembrou-se como conhecera seu marido, um trouxa, e de como seus pais foram contra seu relacionamento. Advertiram-na sobre a vida tola e tristonha que levavam as mulheres trouxas e de como isso macularia seu sangue, especial até entre os bruxos. Mas nada pode demovê-la de seu intento. Havia decidido enfrentar esse destino, um estranho desvio num rumo que se definira muito cedo para ela. E até ali ela não se arrependera. Mas então o orbe lhe falara aquela manhã sobre o momento que adivinhara e que sabia ser imperativo não eximir-se da sua responsabilidade como bruxa.

Tendo se decidido afinal, levantou-se e preparou uma sacola com poucos pertences. Vestiu sua capa de viagem e, com um ruído seco, desapareceu.

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