A Toca dos Gatos
Capítulo 4 – A Toca dos Gatos
Durante os dias que se seguiram à descoberta do destino de Sirius, Harry manteve o mínimo de contato possível com as outras pessoas, inclusive com os amigos Rony, Hermione e Gina. Ficava no quarto a maior parte do tempo, pensando em Sirius e culpando-se pelo que tinha acontecido com ele.
Os amigos haviam percebido que Harry estava passando por uma fase difícil, e resolveram deixá-lo em paz para lidar com isso sozinho, mas quando a segunda semana seguida se iniciou com Harry ainda triste e isolado, resolveram tentar melhorar um pouco o ânimo do amigo.
– Harry, precisamos conversar, cara – disse Rony, entrando no quarto onde o rapaz estava isolado há uma semana – Você não pode ficar se sentindo assim eternamente, sabe?
– Você não pode ficar se culpando pelo que aconteceu, Harry – falou Hermione, que sentara na cama ao lado de Rony, que de repente engasgou e ficou vermelho – Não foi sua culpa o que aconteceu com o Sirius, você não tinha como evitar.
– Claro que tinha – disse Harry, que estava deitado na cama olhando para o teto – , se eu tivesse levado a sério a Oclumência, se eu tivesse dado mais valor ao sacrifício das pessoas que estavam tentando me proteger, nada disso teria acontecido.
– Harry, você deu tudo de si para tentar evitar – ralhou Gina, que havia se sentado ao lado dele na cama. Harry sentiu o estômago subir para a garganta quando ela se aproximou do rosto dele para olhá-lo nos olhos – Não se culpe, Você-Sabe-Quem simplesmente conseguiu ultrapassar as defesas que você estava tentando erguer contra ele.
– Mas eu deveria ter evitado... deveria ter tentado com mais empenho...
– Pare de achar que você é culpado por tudo! – desesperou-se Hermione.
– Cara, porque você não admite que Você-Sabe-Quem venceu você uma vez – disse Rony, exasperadamente – muitos bruxos mais poderosos e experientes que você foram enganados por ele, você não é uma exceção... até a Gina aqui já foi dominada por ele.
Harry cobriu o rosto com as mãos, sentindo um aperto no coração. Rony tinha razão, Voldemort havia vencido pela segunda vez em cinco anos. A primeira vez fora durante o Torneio Tribruxo, quando Cedrico encontrara seu fim, e agora quando Sirius morrera.
Subitamente, Harry se viu pensando em quem seria o próximo alvo de Voldemort. Imaginou, horrorizado, como ficaria se tivesse que ver o cadáver do amigo Rony, atingido pela maldição Avada Kedavra. Como reagiria se Hermione fosse morta na sua frente pelos Comensais da Morte? E Gina? O coração dele parou meramente com o pensamento de que ela poderia morrer pelas mãos de seus inimigos.
– Claro, vocês tem razão – disse Harry, levantando-se da cama sem olhar para eles – não posso ficar aqui me lamentando enquanto Voldemort continua tentando matar as pessoas que eu amo e com as quais eu me preocupo – sorriu para os amigos, que ainda o observavam – acho que o mínimo que posso fazer é me esforçar para proteger as pessoas ao meu redor, não é?
– Claro, Harry – disse Hermione, dando sinais de que começaria a chorar – Nós queremos apenas o seu bem e nos preocupamos com você. Temos que ser fortes e enfrentar tudo isso juntos.
– E nós estaremos ao seu lado, aconteça o que acontecer – disse Gina abraçando-o, o que fez o garoto ficar vermelho – Você não achou que iríamos ficar olhando você arriscar a sua vida sem fazer nada, achou?
– É, nós vamos te ajudar a enfrentar todos estes perigos - concordou Rony com um sorriso, dando um tapinha nas costas do amigo - pode contar conosco pro que der e vier.
Harry não falou, apenas sorriu para os amigos que o olhavam com solidariedade. Harry apenas desejou do fundo de seu coração que todos eles conseguissem sobreviver inteiros àqueles tempos ruins. Ainda se lembrava do dia em que Olho-Tonto Moody lhe mostrara a foto da primeira Ordem da Fênix, metade morrera e a outra metade mal conseguira sobreviver ileso aos Comensais da Morte e Voldemort.
A primeira semana após a reconciliação de Harry consigo mesmo passou bem mais devagar do que Harry imaginara. Apesar do Largo Grimmauld ser a sede da Ordem da Fênix e bruxos cada vez mais estranhos entrarem e saírem com freqüência do local, Harry ou os amigos não tinham muito o que fazer enquanto esperavam o próximo ano letivo. Não podiam jogar Quadribol no Largo, sob o risco de chamar a atenção dos vizinhos, nem fazer magias mesmo que fosse dentro da casa. O Ministério da Magia pretendia baixar um decreto abolindo a proibição das magias para bruxos menores de idade, devido à situação calamitosa que o mundo mágico se encontrava, mas nada ainda tinha sido feito neste sentido, de forma que também não podiam praticar as magias que haviam aprendido na AD no ano passado. Em suma, as férias prometiam ser muito chatas.
Talvez seja por esse motivo que quando a Sra. Weasley foi ao quarto de Harry numa manhã de sábado e o chamou para uma conversa na cozinha (o local já havia se tornado a sala oficial de reuniões da casa), o rapaz não se animou muito, imaginando que provavelmente iria ser informado de alguma reunião de última hora. Desceu os degraus meio sonolento, e quando chegou ficou um pouco surpreso ao descobrir que todos os amigos estavam lá – incluindo Carlinhos e Lothian.
– Que bom chegou, Harry querido – disse a Sra. Weasley, que preparava um café da manhã para todos – Sente-se enquanto termino de preparar alguns biscoitos para vocês. Termino em um minuto.
Harry sentou-se ao lado de Rony, que olhava esperançoso para o fogão onde a mãe assava mais biscoitos de fênix, e ficou esperando a bruxa terminar o que estava fazendo para explicar por que tinha sido chamado à cozinha. Harry notou que Rony, Gina e Carlinhos pareciam não estar muito ansiosos, provavelmente porque sabiam qual seria o assunto da conversa. Apenas Lothian, Hermione e ele próprio pareciam estar por fora.
Quando finalmente serviu os biscoitos na mesa, junto com uma jarra enorme de chocolate quente, a Sra. Weasley sentou-se e começou a explicar o motivo pelo qual todos haviam sido chamados ali embaixo.
– Bom, Harry – começou Molly – acho que você já está sabendo que não vamos passar as férias inteiras aqui no Largo Grimmauld, não é mesmo? Pedi para que Dumbledore entrasse em contato com você no início das férias, e ele me prometeu que estaria avisando você de que iríamos viajar.
– É verdade, agora me recordo – disse Harry, lembrando-se animado da carta que recebera do diretor na primeira semana de férias – vocês vão para Kent, não é? Passar o restante das férias na casa de uma amiga?
– Sim, Harry – confirmou a Sra. Weasley – Minha amiga Morgan tem uma bonita casa de campo no condado de Kent, e convidou minha família para passar o restante das férias lá. Na última semana de férias poderemos ir ao Beco Diagonal comprar o material escolar de vocês, e dali direto para a escola.
– Peraí, estamos todos convidados? – indagou Lothian a Carlinhos, intrigado – Pensei que você tivesse dito que era só para a sua família.
– E era, mas o Harry já é da família, Lothian – disse Carlinhos, dando um tapa tão forte nas costas do rapaz que o mesmo engasgou com o biscoito – E além disso, aqui na Ordem está muito chato. Até o Moody já está ficando cansado de ficar preso aqui dentro.
– E você também está convidado, Lothian – disse Gina, olhando para o rapaz – Vai ser divertido, você vai ver.
– E aí, Harry – emendou Rony, animado, virando-se para o amigo – o que é que você me diz? Vamos poder jogar quadribol, eles tem um gramado enorme lá!
– É claro que vou! – disse Harry, mal contendo sua animação – Mal posso esperar para sair daqui do Largo Grimmauld. Já estava até criando teias de aranha de tanto tédio.
– Então está combinado, garotos – disse a Sra. Weasley, levantando-se – Mandarei uma coruja hoje mesmo para Morgan, avisando que estaremos todos indo para a casa dela amanhã. Tratem de arrumar as suas malas – disse, virando-se para Carlinhos e Lothian – e não levem nada que seja potencialmente perigoso, e isso inclui qualquer coisa que vocês possam ter ganho de Fred e Jorge – acrescentou com um olhar desafiador.
– Vamos arrumar nossas coisas também, Harry – disse Rony, levantando-se de um salto – Amanhã, a essa hora estaremos indo para Kent! Beleza!
Harry correu com o amigo para o andar de cima da casa, e assim que entraram no quarto deram de cara com Lupin. Parecia estar esperando eles voltarem, e assim que entraram ele olhou para o lado de foram, entrou e fechou a porta atrás dele.
– E então, rapazes? Estão indo para Kent amanhã, não é mesmo? – perguntou Lupin, sério.
– É, a Sra. Weasley nos convidou para passar uns dias na casa de uma amiga dela, uma tal de Morgan. – confirmou Harry – Parece que vai ser divertido.
– Pois é, é sobre isso que eu quero lhes falar – disse Lupin, aproximando-se mais dos rapazes – Conheço Morgan e já estive na casa dela algumas vezes. É uma casa realmente muito bonita e grande, mas há uma coisa que gostaria que fizesse, Harry.
– Ah, você não vai querer vir com outra proibição pra cima de mim, não é, Lupin? – desabafou o rapaz, já imaginando o que estava por vir – Será que ninguém nunca vai deixar que eu tome conta do meu próprio nariz? Já estou bem grande para me defender!
– Não é isso – disse Lupin, estendendo um papel de aparência oficial para os rapazes – Mesmo porque o Ministério da Magia conseguiu aprovar a Emenda Emergencial de Magia para Menores.
Harry pegou o papel que Lupin estendia para eles. Era uma cópia do Profeta Diário, edição especial de emergência. Ocupando toda a primeira página, junto com uma foto do Ministro da Magia Cornélio Fudge, havia uma declaração do Ministério, retirando a proibição de utilização de magia por menores. Decretava que os menores podiam utilizar encantos fora da escola temporariamente, mas restringia a utilização para casos de autodefesa. Menores que fossem descobertos azarando pessoas sem motivo sofreriam penas graves, que incluíam a prisão.
– Não, Harry – continuou Lupin – Não tenho a intenção de te proibir de nada. Não sou seu pai, nem seu padrinho. Mas como amigo de ambos, e seu amigo, vou te alertar de uma coisa muito importante. A casa de Morgan fica perto de uma outra vila mágica, chamada Portville. Não é uma área muito bem protegida pelo Ministério da Magia, então gostaria de pedir que você tomasse cuidado se for sair da casa para dar umas voltas pela região.
– Outra vila mágica? – disse Rony, parecendo ter ignorado o resto da mensagem passada por Lupin – Mas ela é como Hogsmeade, com casas mal-assombradas, lojas de doces e tudo mais?
– Sim, Rony – disse Lupin, visivelmente contrariado – Tem tudo isso, mas é muito importante que vocês tomem cuidado naquela região. Não andem sem as varinhas em hipótese alguma. Não andem sozinhos à noite, tenham sempre cuidado com o que falam e perto de quem falam. Sejam cautelosos e não teremos que mandar ninguém ficar escondido vigiando o que vocês estão fazendo – finalizou, virando para Harry com um olhar que dizia com todas as letras que não pensariam duas vezes em utilizar este artifício.
– Tudo bem, já entendi o recado – disse o rapaz, balançando a cabeça – Vou tomar cuidado, tá bem? Não precisa ficar me cobrando.
– Estamos te dando um voto de confiança que você não vai se arriscar desnecessariamente, Harry – disse Lupin, mais tranqüilo – Sinceramente, eu em seu lugar também estaria bravo conosco, mas não podemos deixar que você fique sozinho à mercê dos Comensais da Morte. Eles não atacarão você um de cada vez, e sim em conjunto. Se eles o cercarem, será difícil escapar. Nós temos outras coisas para fazer do que ficar te vigiando o tempo todo, ninguém gosta disso, mas pelo menos gostaríamos que você entendesse porque nos preocupamos tanto com você.
Apesar de ficar furioso por ser tratado o tempo todo como uma criança indefesa, Harry pensou que retrucar serviria apenas para chatear o amigo, então apenas concordou com a cabeça. Lupin pareceu se dar por satisfeito, porque levantou-se e se dirigiu para a porta.
– Bom, se estamos entendidos não me resta nada além de dizer “divirta-se”. Não faça nada que eu não faria em seu lugar – emendou com uma piscadela, e saiu para o corredor.
– Dá pra entender esse cara? - indagou Rony assim que Lupin saiu, olhando para Harry com uma cara de quem não tinha entendido nada – Ele vem aqui, dá o maior sermão em você e depois diz que não é pra você fazer nada que ele não faria. Como se a gente não soubesse que ele e o seu pai viviam aprontando as coisas mais cabeludas na escola.
– Bom, pelo menos dessa vez acho que vou poder andar livremente, sem ninguém me vigiando aonde quer que eu vá – desabafou Harry, aproximando-se do malão e abrindo-o para começar a colocar as coisas que tinha retirado – Mais um pouco e eu teria que andar esbarrando neles, de tão perto que estavam me vigiando.
O resto da tarde prosseguiu tranqüilamente no Largo Grimmauld. No final da tarde, Hermione apareceu no quarto dos rapazes para ver como estava indo a arrumação das malas. Dava pra ver a animação do passeio no rosto dela, principalmente porque ela se ofereceu para arrumar as coisas que eles haviam socado dentro dos malões, na esperança de que a Sra. Weasley não fosse vistoriá-los em busca de objetos ilegais. Rony havia recebido pelo correio um suprimento vasto de objetos que os irmãos haviam fabricado em sua loja de logros e brincadeiras, e cuja maioria precisava ser testada.
– Peraí, eles estão me pagando para testar essas coisas! – disse um revoltado Rony enquanto Hermione retirava punhados de coisas ilegais do malão – Está me rendendo uma boa grana, e algumas gargalhadas também!
– Sei, sim. Semana passada você teve que andar de ponta cabeça durante toda a quarta-feira, quando suas mãos e pés trocaram de lugar – disse ela, bem humorada – Isso porque eu consegui convencer você a comer só metade daquele bombom. Não acho que sua mãe vá ficar muito feliz se você destruir a casa da amiga dela com essas invenções malucas dos seus irmãos.
– Você já esteve lá, Rony? – perguntou Harry, rindo do amigo enquanto enrolava alguns pergaminhos que andara rabiscando – Na casa dessa Morgan?
– Há muito tempo, quando eu ainda tinha uns oito anos de idade. Ele é cheia da grana, tem uma mansão enorme em Londres, e de quebra tem essa casa de campo em Kent – disse Rony, desistindo de brigar com Hermione e pegando uma lata de refrigerante – Fica a uns setenta quilômetros de Londres. Devemos chegar lá rapidinho com o carro do meu pai.
– Ué, seu pai comprou um carro novo? – perguntou Hermione, tirando a atenção do malão. Parecia subitamente preocupada.
– Não é exatamente novo. Ele comprou num desses ferros-velhos daqui, depois que o nosso desapareceu dentro da Floresta Proibida. – disse ele, tomando um longo gole do refrigerante – Ele andou reformando o carro, daquele jeito dele, sabe? Mas ele me garantiu que o carro não pode voar – finalizou, dando uma piscadela para Harry.
– Aposto que não – disse o rapaz, rindo – Mas iremos todos de carro até a casa de campo? Contando a sua família inteira, eu e o Lothian, não vai caber todo mundo dentro do carro, não?
– Como eu disse, meu pai andou reformando o carro – disse Rony, rindo também – provavelmente deve ter todo tipo de feitiços no carro, como aquele outro que tínhamos. Não precisa se preocupar, Harry, vai dar para todo mundo ir.
– Por falar nesse Lothian, gente, o que vocês acharam do rapaz? Ele é meio esquisito, mas andei conversando com ele e ele é muito instruído na magia. Está bem mais avançado que a maioria dos estudantes do o sexto ano. – disse Hermione, pensativa – Me pergunto se ele não vai ficar entediado, as matérias que ele vai ter em Hogwarts estão meio atrasadas com relação à escola dele...
– Como é que é? Ele vai estudar em Hogwarts?! – espantou-se Harry, deixando cair o livro que ele estava segurando – Mas eu jurava que ele já estava formado, ele parece tão mais velho que nós...
– Mais velho não, Harry – retrucou Hermione – mais maduro. Ele vem de uma escola de magia em um lugar distante, mas não sei de onde. O Prof. Dumbledore não quis me dizer, e segundo o que Lothian estava me dizendo, ele pediu transferência para Hogwarts este ano, para ficar mais perto da sede da Ordem da Fênix, caso alguém precise dele.
– Como assim mais maduro? - respondeu Rony, visivelmente irritado com o elogio da amiga – Como você pode dizer isso de um cara que tem uma cobra daquelas de estimação? Aposto que ele vem de uma daquelas escolas imundas que Dumbledore comentou, que só dão valor para artes das trevas e bruxos puro-sangue. Além disso, somos muito mais maduros do que ele.
Enquanto dizia isso, seus cabelos transformavam-se lentamente em penas vermelho-fogo, transformando sua cabeça num amontoado de penas, e sua boca ia se transformando num bico de pássaro, muito parecido com o de Fawkes.
– É, estou vendo – disse Hermione ao amigo – muito maduros.
Dizendo isso, saiu pela porta do quarto, largando Harry e Rony sozinhos para arrumar suas malas. Harry olhou para Rony, que parecia estar furioso, e resolveu terminar de arrumar a mala antes que mais alguma coisa acontecesse. Teve o cuidado de não aceitar nada que Rony lhe oferecesse.
Na manhã seguinte, Harry acordou com um cutucão de Rony, já recuperado da transformação do dia anterior, que já tinha levantado e bocejava visivelmente.
– Vamos Harry, temos que acordar. Minha mãe já passou por aqui e disse que se não levantarmos logo vai mandar o Moody subir aqui. Não estou a fim de ir para a casa de campo como um sapo ou uma doninha.
Harry levantou lentamente, e em poucos minutos já descia com o amigo para tomar o café da manhã.. Encontrou uma turma animada lá embaixo, todos preparados para a viagem que os aguardava. O pai de Rony brincava com as chaves do carro recém comprado, e Molly olhava de soslaio pela janela da cozinha, apreensiva. Lupin, Tonks e Kingsley também conversavam animados num canto da mesa, e cumprimentaram os rapazes quando eles entraram.
Lothian também já tinha descido e estava sentado à mesa, conversando com Hermione e Gina. O rapaz comentou algo em voz baixa para as garotas, e todos caíram na risada, fato que despertou em Harry um ódio do rapaz que quase o fez voar no pescoço dele, e percebeu que Rony sentira a mesma coisa, pois seus olhos pareciam querer fuzilar o bruxo de cabelos brancos.
O bruxo pareceu ter percebido os olhares assassinos em sua direção, porque levantou-se do seu lugar, despedindo-se das garotas e saiu pela porta, cumprimentando Harry e Rony com a cabeça conforme passava. Harry notou o que parecia ser um olhar de sarcasmo quando seus olhos encontraram os dele, mas Lothian saiu da cozinha e subiu as escadas antes que pudesse dizer mais alguma coisa.
Meia hora depois, todos estavam amontoados do lado de fora do Largo Grimmauld, guardando os malões no porta-malas do carro. Harry esperava para entrar no carro quando Hermione chegou perto dele, sorrindo.
– E aí, Harry, o que foi aquilo, hein? – disse, sem rodeios.
– Aquilo o quê, Mione, do que está falando? – tentou disfarçar.
– Não pense que eu não percebi o olhar que você lançou para cima do Lothian – disse, num tom que não admitia contradições. – Só porque ele estava conversando com a gente. O quer é isso, Harry, ciúmes? Não podemos conversar com ele, é?
– Não é nada disso – mentiu Harry – só fiquei um pouco chateado porque vocês não foram lá em cima com a gente, só isso. E aí – perguntou no tom mais casual que conseguiu simular – o que vocês estavam conversando que era tão engraçado assim?
– Nada de importante – disse Mione – Lothian estava apenas contando algumas coisas engraçadas que aconteceram com ele na escola de onde ele vem. Sabia que eles também jogam quadribol na escola da qual eles vêm? Ele me disse que a escola foi três vezes campeã regional de quadribol, sabe, nas copas amadoras.
– Ah, é? – perguntou Harry, cada vez menos interessado na conversa – E qual posição ele atua? Ele não é um apanhador, também, não é?
– Não, seu bobo – disse Mione, rindo – Ele é um artilheiro.
– Artilheiro – riu Harry, e comentou maldosamente – pena que são necessários três desses para fazer um bom ataque, enquanto um apanhador sozinho ganha um jogo.
Hermione fechou a cara imediatamente após o comentário de Harry, fazendo com que ele se arrependesse do que dissera. Soara extremamente rude e pediu desculpas para Hermione no mesmo instante. A garota apenas concordou com a cabeça e afastou-se, aumentando ainda mais a sua sensação de culpa. O rapaz olhou para Gina, que conversava com o irmão Carlinhos, e viu num relance a garota lançar um olhar para Lothian, que retribuiu com um sorriso. O sangue voltou a ferver em suas veias.
Quando acabaram de arrumar as malas e conseguiram finalmente sair do Largo Grimmauld, Harry já havia recuperado parte de seu autocontrole. É claro que o interior do carro do Sr. Weasley, um velho Chevy Bel Air vermelho, fora tratado magicamente para acomodar toda a família Weasley, e até um pouco mais que isso, de forma que todos, Rony, Gina, Hermione, Lothian, Carlinhos e ele, estavam confortavelmente acomodados no banco traseiro do carro. Seguiam rapidamente pela estrada rumo a Kent, com o rádio do carro anunciando o sucesso mais recente da banda “As Esquisitonas”.
Mais ou menos uma hora após saírem pela rodovia principal, o Sr. Weasley enveredou por uma estrada lateral, de terra, pela qual viajaram por mais meia hora em meio às colinas que abrigavam fazendas à beira da estrada. Estas foram ficando cada vez mais escassas, até que finalmente nada mais se via senão uma enorme área gramada, de onde aqui e ali surgiam pequenos bosques de árvores frondosas e riachos de águas cristalinas. Harry podia sentir a magia permeando o local, quase como se pudesse pegá-la com as mãos, e sentia-se como se estivesse penetrando num local onde a paz e a tranqüilidade fossem tão presentes como o ar que respiravam. Era difícil imaginar um lugar como aquele, intocado, em meio à guerra mágica que estava por acontecer.
Alguns minutos após entrar num pequeno bosque, a estrada subitamente acabava numa porteira amarela ladeada por dois enormes carvalhos, à guisa de colunas. Pendurada num dos galhos do carvalho à direita, havia uma placa no formato de uma cabeça de gato, com os seguintes dizeres:
“Bem-vindo à Toca dos Gatos”
O Sr. Weasley tocou três vezes a buzina do velho Chevy, e após um pequeno intervalo, mais duas vezes, e mais três depois dessas, visivelmente num tipo de código já combinado. Com efeito, assim que acabou de tocar a buzina o portão destrancou-se sozinho e abriu lentamente, dando passagem ao carro. Harry viu então uma longa alameda ladeada por pequenos salgueiros que se inclinavam para a estrada. O pensamento de que eles poderiam ser da mesma espécie do Salgueiro Lutador de Hogwarts fez o cabelo de Harry se arrepiar. Pareciam soldados alinhados na entrada da casa de campo, agitando-se lentamente ao vento que soprava.
O carro seguiu por entre elas rapidamente, chegando a uma praça circular em frente a uma enorme casa, tão grande que fez cair o queixo de todos que estava ali. A construção, que parecia datada do século 18, tinha uma enorme fachada em estilo gótico, ladeada por dois pilares que subiam até uma pequena sacada no segundo andar, bem acima da porta de entrada. De ambos os lados, em janelas finamente decoradas e cuidadas com zelo impecável deixavam-se ver apenas cortinas de renda feitas à mão, que cobriam apenas o suficiente para mostrar as silhuetas dos móveis no interior da mansão.
Parado ao lado da porta de entrada, estava um mordomo vestido com um fraque preto, que parecia aguardar a chegada dos convidados. Ao seu lado, vestidos com blazers vermelhos como os de criados de hotel, havia outros dois rapazes, mais jovens que Rony e Harry, parados como estátuas. Assim que estacionaram em frente à porta da mansão, o mordomo caminhou até o carro, abrindo a porta para o Sr. Weasley.
– Bom dia, cavalheiro – disse, numa educada reverência para o pai de Rony, que acabara de sair do carro – Deve ser o Senhor Arthur Weasley e sua esposa, eu presumo – inclinou-se em outra reverência para a Sra. Weasley. Minha senhora está a espera dos senhores. Se puderem fazer o obséquio de me acompanhar, poderei levá-los até onde minha senhora os aguarda.
Conforme os garotos iam saindo do carro pela porta traseira, o mordomo inclinava-se respeitosamente para cada um deles, deixando escapar um “senhor” cada vez que um dos garotos saía. Assim que todos estavam agrupados em frente à porta de entrada, o mordomo assumiu a dianteira e enveredou para o interior da mansão, seguido por todos. Os outros jovens que tinham ficado na entrada da casa começaram a descarregar as malas do carro – para a surpresa de Harry – através de encantos com varinhas que tinham acabado de sacar. Mas o rapaz não pode ficar vendo o que os carregadores estavam fazendo, o resto do grupo já entrara na casa.
O mordomo guiou o grupo através do salão de entrada, entrando por um corredor comprido, e entrou pela primeira porta à esquerda. O aposento em que entraram era imenso, medindo cerca de dez metros por oito metros e meio, com o teto a uma altura de praticamente quatro metros e meio. Enorme – pensou Harry – muito maior do que qualquer casa na qual já entrara. A única exceção era o castelo de Hogwarts, é claro.
O aposento, além de grande, era muitíssimo bem decorado. As paredes, pintadas em cinza bem claro, eram adornadas na junção com o teto com desenhos ricamente ornados com filigranas de prata. O assoalho da sala era cuidadosamente encerado, de forma a mostrar perfeitamente o reflexo dos objetos do local. Bem à frente da porta de entrada, uma janela em forma de abóbora dava visão para toda a extensão do jardim florido do lado de fora da casa, e uma porta dupla de vidro dava acesso a um pequeno deck de madeira do lado de fora, onde haviam algumas cadeiras e uma mesa de chá.
Do lado direito de quem entrava, havia uma grande lareira, em cima da qual haviam várias pinturas mostrando os donos anteriores da casa, todos em posição bastante pomposa. Abaixo destes, algumas fotografias em molduras prateadas acenavam jovialmente para as pessoas que haviam acabado de entrar no salão.
Por fim, bem à frente deles, sentada numa poltrona lendo uma revista, estava uma mulher de meia-idade, bonita, mas de aparência extravagante. Era da altura da Sra. Weasley, e como a mesma parecia ter adquirido algumas gordurinhas a mais durante os últimos verões. Tinha as bochechas rosadas e olhos claros, mas muito vivos, que ficavam atrás de um óculos em formato de meia-lua. Parecia muito entretida em sua leitura, e talvez por esse motivo o mordomo teve que anunciar duas vezes à mulher que os convidados tinham acabado de entrar.
– Madame Morgan, os Weasley e seus convidados acabaram de chegar – disse ele pela segunda vez.
A mulher levantou os olhos da revista e seu rosto se abriu num enorme sorriso ao ver Molly e Arthur. Levantou-se e veio em sua direção, abraçando-os.
– Que bom que veio – disse Morgan, enquanto abraçava Molly – Achava que tinham desistido de aceitar meu convite. O que foi, estava com tanto serviço assim no Ministério da Magia que não podia visitar uma velha amiga, Arthur?
– Na verdade, sim, Morgan – disse o Sr. Weasley, bem-humorado – mas consegui pedir duas semanas de férias no departamento para poder trazer o pessoal visitar sua casa. Estes aqui são meus filhos – apontou para os três ruivos, que ainda examinavam a casa – Carlinhos, Rony e Gina. Aquele ali de cabelos brancos é um amigo da família, Lothian, que está passando uns dias com a gente antes de ir para a escola, e esse aqui é o Harry.
Harry não se surpreendeu com o espanto da Sra. Morgan com a pronúncia de seu nome, nem com a já conhecida olhadinha para a cicatriz. Já estava acostumado.
– Então, eis o nosso Harry Potter, o garoto que sobreviveu ao ataque de Você-Sabe-Quem – disse Morgan, olhando para o rapaz – Bom, poderá ficar tranqüilo enquanto estiver por aqui, viu, Harry? Ninguém vai vir te incomodar enquanto você estiver sob o meu teto. Essa propriedade tem magias de proteção para evitar bisbilhoteiros e invasores.
– Obrigado, Morgan – disse o Sr. Weasley, ao ver a cara de “não preciso desse tipo de coisa” de Harry – Pode ter certeza que isso nos tranqüiliza muito.
– Bom garotos – disse Morgan com um sorriso, virando-se para os jovens de pé na sala – se quiserem dar uma passeada por aí para conhecer o lugar, sintam-se à vontade. Eu e Molly temos muita conversa para pôr em dia.
Os rapazes e moças não esperaram uma segunda ordem para se livrar do que parecia uma tarde cheia de conversas chatas, e saíram para o gramado que ficava do lado de fora do casarão. Rony e Harry sentaram-se num muro baixo que dividia a área do casarão do grande campo gramado do lado de fora, e ficaram assistindo Carlinhos, Lothian, Hermione e Gina andando calmamente e batendo papo, apreciando a vista.
– Harry – chamou Rony, hesitante. O rapaz percebeu que a voz de Rony saía como se estivesse medindo as palavras, e seu olhar estava fixo em Lothian, que caminhava ao lado de Hermione.
– O que foi, Rony? – perguntou.
– Você acha que haja uma possibilidade... quero dizer, eu não estou dizendo que há ou nada do tipo, mas você não acha estranho...
– O Lothian pra cima e pra baixo com Gina e Hermione – disse, sem pensar.
– Isso! Você não acha que ele esteja... sabe, dando em cima delas, não é? – perguntou Rony, parecendo ansioso.
Harry olhou para o grupo no gramado, buscando uma resposta. Seu coração batia forte ante a possibilidade de que Rony tinha razão, que Lothian poderia estar tentando conquistar Gina, e quando viu o rapaz aproximar-se lentamente da moça no gramado, e segurar sua mão enquanto sussurrava algo em seu ouvido, não poderia ter havido uma mensagem mais clara.
– Definitivamente, sim. – disse, entre dentes.
Por um instante, Harry esqueceu-se de Voldemort, dos Comensais da Morte ou de Sirius. Havia um outro inimigo que havia passado despercebido e entrara sorrateiramente em sua vida. Um rival pelo coração de sua amada.
Aquelas semanas no campo prometiam ser longas. BEM longas.
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