A Terrível Chave de Abismo



Capítulo 3 – A Terrível Chave de Abismo

Alguns minutos após a calorosa discussão, Lothian voltou à cozinha bem mais calmo do que subira e sem a serpente venenosa no pescoço, o que colaborou muito para que as pessoas logo viessem tentar se reconciliar com ele. Carlinhos levantou-se assim que ele chegou, e pediu desculpas pelo que pudesse ter falado, e emendou que também pedia desculpas pela mãe, num tom mais baixo. Tonks e Kingsley, que não haviam participado da discussão, mas também não tinham mostrado sinais de que tentariam pará-la, desculparam-se com o bruxo logo depois, e foi um grupo mais animado que se sentou à mesa para almoçar.

Harry avançou sem cerimônias na deliciosa comida da Sra. Weasley, já que estivera faminto desde o parco café da manhã que tomara de mais cedo, e trabalhar para os Dursley debaixo do sol só tinha piorado a fome colossal que sentira. Os bruxos da mesa fingiram não notar a voracidade de Harry, exceto a Sra. Weasley, que soltou um suspiro tão profundo de compaixão pelo garoto que Carlinhos engasgou com um ataque de risos que não conseguiu sufocar.

Dumbledore apareceu à mesa quando o jantar estava pela metade, vindo de algum lugar dos fundos da casa, acompanhado por Olho-Tonto Moody. Quando se sentaram à mesa, Moody lançou um olhar tão penetrante de seu olho mágico para Lothian que Harry achou que o olho de Moody iria saltar para fora da órbita em direção ao bruxo. Lothian, porém apenas sorriu enigmático para Moody, continuando a comer calmamente e nem um pouco preocupado com o olho mágico que o fitava.

Quando todos estavam satisfeitos com o almoço e se preparavam para levantar, ouviu-se a porta de rua abrir com um rangido alto e vários passos ecoando no corredor. Vozes riam altas e alguém fez “psiu” para tentar interromper o barulho, mas era tarde demais. Uma explosão de xingamentos altos o suficiente para furar os tímpanos começou no corredor.

–  RALÉ! ESCÓRIA! FILHOS DA LAMA! COMO OUSAM SUJAR A CASA DE MINHA FAMÍLIA COM ESSE SANGUE IMUNDO...

Todos os presentes na mesa baixaram a cabeça, aparentemente já tão cheios do quadro da mãe de Sirius que a tarefa de fazê-la se calar havia se tornado habitual.

–  De quem é a vez agora? – perguntou Tonks com a voz cansada, enquanto se servia de mais algumas salsichas – Os últimos fomos o Carlinhos e eu.

–  Mas que diabo é isso? – perguntou Lothian, para quem a gritaria parecia algo totalmente novo. Harry deduziu que ele não devia estar a muito tempo na sede da Ordem.

– É o quadro da Sra. Black, a mãe de Sirius – explicou Lupin, que acabara de chegar da rua com o Sr. Weasley – não conseguimos removê-lo dali porque foi colocado um feitiço de adesivo permanente no quadro, e ela parece não gostar muito de nós – acrescentou com um sorriso.

–  Adesivo Permanente, é? Veremos – disse ele sorrindo para Lupin. Depois se voltou para Harry e perguntou de repente – Você se incomoda se eu vir o quadro, Harry?

–  Claro que não – afirmou, sem entender – mas não vejo o motivo, uma vez que tudo o que ela sabe fazer é nos ofender e...

–  Não se preocupe. Volto em um instante – e saiu para o corredor sem demora.

Harry voltou-se para os demais que estavam na cozinha, com uma cara de quem não entendeu nada do que estava acontecendo. Lupin seguiu Lothian pelo corredor, enquanto o Sr. Weasley abraçava a esposa e lhe beijava afetuosamente.

–  Como foi, Arthur querido? Não houve muitos problemas para chegar até aqui, eu espero – disse a Sra. Weasley para o marido, que agora se sentava em uma das cadeiras ao redor da mesa – Nós tivemos um pequeno problema aqui hoje de manhã...

Harry afastou-se da conversa a respeito da briga com Lothian e enveredou pelo corredor, à procura dos amigos que estariam chegando, como lhe informara Dumbledore, com o Sr. Weasley e Lupin. Ouviu vozes no andar de cima e imaginou que os amigos já tinham subido para guardar suas coisas, então subiu as escadas dois degraus de cada vez e abriu a porta do quarto que deveria dividir com Rony.

Lá estava ele, ajeitando seu malão aos pés da segunda cama com a ajuda da varinha. Quando viu Harry parado na porta, abriu um largo sorriso e caminho até o amigo, guardando a varinha nas vestes e lhe dando um forte abraço, cumprimentando-o.

–  E aí, Harry, tudo bom? Como foram as férias com aqueles trouxas patetas com que você mora? Eles não te encheram demais, encheram?

–  Pode acreditar que sim – disse ele rindo – seu pai e os outros foram até lá me resgatar e me trouxeram para cá. Pelo menos saí de lá bem mais cedo este ano.

Rony e Harry caíram na gargalhada e Harry deu uma boa olhada em Rony. O amigo crescera ainda mais durante as férias e , aparentemente, andara praticando bastante o quadribol, porque seus braços e pernas estavam mais musculosos, fazendo desaparecer quase por completo aquela aparência desengonçada.

–  Ei Gina, olhe só quem chegou aqui antes de nós este ano – disse Rony, rindo, virado para a porta.

Harry voltou-se e sentiu o coração pular para a sua garganta. Ali estavam Hermione e Gina, mas havia mudanças drásticas nas duas garotas. Hermione estava mais alta também, mas o cabelo deixara de parecer a palha de aço mal escovada que ele estava acostumado nos últimos anos. Os cabelos caíam agora em grandes cachos por cima dos ombros, e ela parecia ter decidido deixá-lo crescer, pois estava um palmo mais comprido do que no ano anterior. O rosto deixara de ser um rosto de menina e tornara-se um rosto de mulher, com traços bem definidos e uma pele impecável. O corpo deixara a criança para trás e agora começavam a despontar os traços da puberdade. O sorriso deixara de ter os dentes da frente grandes de antigamente, e agora ostentavam uma arcada dentária perfeita. Sem dúvida o tratamento dos pais, que eram dentistas trouxas, havia funcionado bem.

Mas não foi Hermione quem mais surpreendeu Harry, mas sim a garota que estava ao lado dela e olhava diretamente para ele. A irmã de Rony, Gina, por algum motivo estava ainda mais deslumbrante do que ele se lembrava. Os cabelos também haviam crescido e adquirido uma cor mais avermelhada, mais brilhante, e Gina provavelmente fizera algo com os cabelos porque também estavam cacheados como os de Hermione. Sua pele branca como a neve, pontilhada de sardas, estava ainda mais bonita e perfeita do que nunca. Seu corpo também estava abandonando a infância, e as curvas estavam começando a se acentuar mais, deixando a garota extremamente bela. Seus olhos castanhos estavam mais belos do que podia imaginar, e descobriu de repente que era muito agradável ficar ali, olhando para aqueles olhos maravilhosos, sem ter noção do tempo passando.

Quando deu por si, Rony o olhava com a boca aberta e uma cara de interrogação no rosto que o deixava ainda mais idiota do que de costume, e Harry percebeu que sua boca também estava aberta. Ouviu as garotas rindo deles na porta, e sentiu seu rosto enrubescer. Devia estar parecendo muito idiota, babando em pé pelas amigas que acabaram de entrar no quarto.

–  Mas o que é que deu em você, Harry? – disse Gina, entrando no quarto com desenvoltura e sentando na cama de Rony – Parece que nunca viu a gente antes!

Hermione também se sentou na cama, ao lado de Gina, mas diferente da amiga ela estava tão vermelha quanto os rapazes. Provavelmente – pensou Harry – porque não devia estar acostumada a ter garotos abobando-se por ela assim que acabava de entrar, diferente de Gina que já tinha um namorado em Hogwarts e a quem vários rapazes já haviam pedido em namoro.

Por algum motivo, Harry não soube dizer bem qual era, lembrar que Gina estava namorando Dino Thomas era como mergulhar de cabeça dentro de um balde cheio de água gelada. Tentou encontrar algum assunto que desviasse a atenção das garotas de sua cara de bobo, e lembrou-se do livro que Hermione o havia mandado no dia anterior.

–  E aí, como foram de férias na casa de seus avós, Hermione? - perguntou Harry, sentando-se em sua cama de frente para as garotas e flagrando-se olhando para Gina novamente. Ah, como ela ficava linda deitada de frente para ele com o rosto apoiado nos punhos...

–  Casa de meus avós, Harry? - perguntou Hermione, sem entender - O que quer dizer com isso? Não fui à casa de meus avós esse ano.

Harry demorou um pouco para sair do transe e entender a gravidade da informação que a amiga acabara de lhe passar. Se ela não tinha enviado o livro para ele, então alguma outra pessoa o tinha feito e usado o nome da garota para ter certeza de que Harry o abriria. E ele só podia pensar em uma pessoa que tentaria atingi-lo se aproveitando na sua confiança nos amigos: Voldemort.

Harry abriu o malão e pegou a blusa onde havia amarrado o livro que havia recebido no dia anterior. Desamarrou a chave e desembrulhou o grosso livro de capa azulada, deixando-o cair sobre os lençóis da cama. Depois pegou a carta com a caligrafia de Hermione e estendeu-a a garota.

–  Recebi isto de você ontem à noite, através do correio coruja. Reconhece o livro ou a caligrafia?

–  Não, Harry! – disse Hermione, horrorizada, enquanto corria os olhos pela carta falsa – não fui eu quem lhe enviou isso. Quem poderia ter sido – disse, olhando desconfiada para o livro em cima da cama.

–  Creio que a resposta seja óbvia, não é mesmo? – disse Rony, afastando-se alguns passos do livro como se ele fosse explodir – Só pode ter sido Você-Sabe-Quem ou seus seguidores – acrescentou com um arrepio.

–  Eu também acho, Rony – concordou Harry, sério – Que acham que devemos fazer agora? Avisar os outros?

–  Acho que é o mais óbvio a fazer, Harry – disse Gina, levantando-se de um salto e correndo para fora do quarto – Peraí, vou chamar meu pai ou Dumbledore.

Alguns minutos depois quando Gina voltou, havia uma procissão de gente atrás dela. Lupin, Tonks, Moody, Kingsley, o Sr. e a Sra. Weasley e Dumbledore. Todos entraram no quarto e rodearam a cama onde estava o livro, ainda intocado depois da descoberta de que provavelmente fora enviado por um dos inimigos da Ordem da Fênix.

Dumbledore se adiantou aos outros e pegou o livro nas mãos, analisando-o bem de perto, enquanto Lupin, Tonks e Kingsley olhavam a carta que Moody pegara nas mãos e estava lendo. Arthur e Molly Weasley observavam o livro, com apreensão, e de vez em quando lançavam um olhar preocupado para os garotos, que observavam tudo em silêncio. Dumbledore então pegou a chave da cama e puxou a varinha, dando algumas pancadinhas com ela no pequeno objeto metálico. Como nada aconteceu como resultado desta operação, Dumbledore apenas olhou para os outros e levantou uma das sobrancelhas.

–  Acho que estamos com um pequeno problema aqui, Remo – disse severamente, olhando para Lupin, e só então todos perceberam o quanto Dumbledore parecia preocupado. Seu rosto havia perdido um pouco a cor, e seus lábios haviam se estreitado tanto que era uma linha muito fina em seu rosto – Chame Carlinhos e Lothian aqui, acho que precisaremos deles. É uma Chave de Abismo.

Moody arregalou tanto os olhos que seu olho mágico ameaçou perigosamente ir ao chão. Arthur e Molly Weasley se afastaram rapidamente de Dumbledore, tropeçando nas camas dos garotos e arrastando Rony e Gina com eles. Tonks e Kingsley também se afastaram sacando as varinhas, e o susto que Lupin tomou foi tão grande que cambaleou e apoiou-se na coluna de uma das camas. A cor de seu rosto desaparecera.

– Uma Chave de Abismo! – balbuciou Lupin, olhando para Dumbledore – Mas quem teria mandado algo assim... – então olhou para Harry, e pareceu ter compreendido alguma coisa – minha nossa! Nunca imaginei algo tão...

–  Parece que nosso inimigo tem o que podemos chamar de senso de humor bastante distorcido – disse Dumbledore, interrompendo Lupin no meio de sua frase – Não podemos nos demorar, Remo. Chame os dois aqui agora!

Lupin assentiu com a cabeça e desapareceu escada abaixo, gritando pelo nome dos dois bruxos, enquanto o clima continuava tenso no quarto dos garotos. Dumbledore segurava firmemente o livro e a chave nas mãos, e olhava para os garotos como se esperasse que um deles perguntasse algo.

–  Dumbledore – começou Harry, hesitante – o que exatamente é isso aí? O que é uma Chave de Abismo e porque todos estão tão amedrontados?

– Você teria sabido isso hoje mesmo, Harry, mesmo que isso tudo não tivesse acontecido – começou Dumbledore – porque esta chave explica o que aconteceu com o seu padrinho Sirius e o porquê ele não pode voltar do lugar para onde foi.

Harry piscou para Dumbledore, aparentemente sem entender. Hermione, que estava ao seu lado, rompeu seu silêncio e começou a falar, olhando de Dumbledore para Harry.

– Bom, já li alguma coisa a respeito das Chaves do Abismo, é claro, mas sempre achei que fossem lendas, professor – disse ela, olhando para Dumbledore – mas quando aquilo aconteceu com o Sirius, comecei a achar que talvez houvesse alguma verdade naquelas histórias...

– Certamente, Hermione – disse Dumbledore gravemente – que estas histórias não são lendas. Inclusive, há alguém entre nós que não poderia me deixar mentir a respeito das Chaves do Abismo – e virando-se para a porta, sorriu para as pessoas que entravam correndo – Ah, sim. Chegaram na hora certa, caros amigos. Estamos com um pequeno problema com uma Chave de Abismo – disse, estendendo o livro e a chave na direção de Carlinhos e Lothian que se aproximavam com as varinhas nas mãos – acredito não estar enganado quando digo que seja a sua ESPECIALIDADE lidar com este tipo de feitiço, não é mesmo, Lothian?

Lothian pareceu não perceber Dumbledore frisar a palavra em meio à sua frase, e aproximou-se do livro estendido sem receio. Carlinhos acompanhou o amigo, olhando para a chave estendida com cautela. Cada um dos dois pegou um dos objetos e colocou-o sobre a mesa no quarto, analisando-o cuidadosamente.

– Há uma marca invisível neste livro – disse Lothian com tranqüilidade, olhando para Dumbledore – marca muito encontrada numa certa livraria na Travessa do Tranco. Não estarei muito enganado se o autor deste atentado é alguém ligado às Artes das Trevas – disse desnecessariamente com um sorriso – e provavelmente um grande conhecedor do mercado negro de livros das trevas. Não seria fácil chegar a este livro sem entender do assunto.

– Sim, mas nós conhecemos alguém que conhece bastante desse assunto, não é mesmo? – rosnou ameaçadoramente a Sra. Weasley, por detrás do marido – Artes das Trevas, Chaves de Abismo, não acha que tudo isso é uma estranha coincidência, Dumbledore?

– Não, não acho Molly  –  disse Dumbledore, decidido  –  E como lhe disse hoje cedo não aceito que sejam levantadas quaisquer dúvidas a respeito da lealdade de qualquer um dos membros da Ordem...

– Pode deixar, Dumbledore - interrompeu Lothian, visivelmente furioso com a acusação da Sra. Weasley  –  Não preciso que me defenda. Acha mesmo que eu iria agir contra Harry, madame? Creio que já dei provas mais do que suficientes de minha lealdade à Ordem para  garantir que ao menos não fosse acusado de atentar contra a vida do rapaz. Mas felizmente, minha vida não depende da confiança que você deposita em mim. Além disso, ambos sabemos que se Harry tivesse aberto este livro seu atacante teria sido bem sucedido, não é mesmo?

E com um aceno de varinha na direção do livro, lançou um feitiço violeta que explodiu na capa azulada. Uma sombra negra começou a aparecer no livro como se fosse um buraco, fazendo um forte barulho de sucção. Conforme foi aumentando o tamanho do buraco negro, todos se afastaram cada vez mais amedrontados, olhando de Dumbledore para Lothian, e Harry sentiu como se estivesse sendo atraído para o livro como um imã e segurou-se na borda da cama, para evitar ser sugado.

E então, conforme o ruído de sucção começou a diminuir, Harry as ouviu. No início achou que fossem os amigos falando no quarto, mas percebeu que eram sussurros que iam aumentando cada vez mais. Olhou ao redor e a única coisa que viu foram as pessoas olhando aterrorizadas para Lothian, enquanto ele sorria despreocupadamente para o livro assassino, prendendo-o com o raio violeta que iluminava o quarto. Harry olhou para o buraco negro e então os viu, escondendo-se como sombras nas bordas escuras do portal negro, sussurrando coisas ininteligíveis. Seus braços esticavam-se em sua direção como elásticos, tentando alcançá-lo, levá-lo. As vozes o hipnotizavam, queria entender o que elas diziam. Começou a andar na direção do portal, mas sentiu uma mão pesada segurando seu ombro e o impedindo de avançar mais. E tão subitamente quanto o portal aparecera, ele sumiu com um clarão violeta. O silêncio voltou a encher o quarto e os bruxos todos olhavam para Lothian, que perdera o sorriso e agora estava apoiado na parede, ofegante.

– Não imaginei que fosse tão forte  –  disse tremendo, os olhos embaçados do suor que escorria de sua testa  –  não vejo um abismo tão poderoso desde... desde...

Olhou para Harry, estreitando os olhos, e então para Dumbledore.

– Desde o Portal Negro... –  acrescentou com um calafrio.

Harry olhou para todos os presentes. De todos que estavam lá, apenas os mais jovens pareciam completamente ignorantes ao que estava acontecendo. Rony olhava de Lothian para Dumbledore, e então para Harry dando de ombros, como quem não estava entendendo nada. Gina não havia entendido nada também, e olhava para a cara dos presentes como se esperasse que alguém fosse começar a explicar o que estava acontecendo. Hermione, para não fugir ao costume, parecia saber exatamente do que eles estavam falando.

– Mas... o Portal Negro... –  disse, hesitante - não é aquele por onde...

– Sim  –  interrompeu-a Dumbledore  –  é ele mesmo. Agora, precisamos descobrir de onde veio esta Chave e rastreá-la antes que uma nova possa chegar às mãos de outra família bruxa. Lothian, Carlinhos, venham comigo...

– Não, Dumbledore  –  disse Lothian, levantando-se de onde estava com dificuldade  –  não há necessidade de o senhor ir atrás disso, pode deixar o trabalho pesado comigo, eu me viro  –  e olhando para Harry, acrescentou com um sorriso  –  E depois, acredito que o senhor deva satisfações àquele bruxo parado ali, antes que ele nos azare pelas costas de tanta ansiedade de saber o que está acontecendo.

Dumbledore pensou por um momento olhando para Harry, mas assentiu com a cabeça. Imediatamente, Lothian despediu-se dos bruxos da sala, evitando propositalmente olhar para a Sra. Weasley, e desapareceu pela porta.

– Bom, Harry  –  começou Dumbledore, com um sorriso  –  acho que devemos a você uma explicação sobre o que acontecendo aqui, não é mesmo?

– Bom, acho que não sou o único, professor  –  disse, acenando com a cabeça para Rony e Gina, que estavam olhando para ele ainda sem entender nada  –  ainda não entendi o porquê está todo mundo tão preocupado com essa tal chave.

– Bom, Harry, nada melhor do que começar pelo princípio, é o que eu sempre digo  –  disse Dumbledore, virando-se e se aproximando da tapeçaria da parede, onde estava a árvore genealógica de Sirius  –  Você já deve ter percebido, Harry, que a grande maioria das famílias bruxas puro-sangue são todas interligadas por casamentos entre primos e primas, tios e tias, e por aí vai.

– Sim, Sirius já havia me explicado isso antes  –  disse Harry, tentando não lembrar que Sirius era primo dos Malfoy, dos Lestrange, e de mais uma porção de bruxos das trevas conhecidos.

– Talvez ele tenha se esquecido de mencionar, Harry, mas algumas famílias de bruxos puros-sangues não são conectadas por estes laços familiares que ligam famílias como os Black e os Malfoy. Há séculos atrás, houve uma grande discussão entre as famílias bruxas puro-sangue que ficou conhecida como a "Diáspora Bruxa". Essa diáspora foi uma grande divisão que aconteceu por volta do século dez ou onze, pouco depois da fundação da escola de Hogwarts, e separou famílias que haviam sido, durante muitos anos, grandes amigas.

– Nós já ouvimos falar da "Diáspora Bruxa" nas aulas de História da Magia, professor - disse Hermione, sem rodeios  –  pode pular esta parte.

Harry sentiu seu estômago dar uma cambalhota porque não se lembrava de ter escutado isso nunca em sua vida, quanto mais nas aulas de História da Magia. Dizer a Dumbledore que não lembrava disso significava admitir que dormira durante as aulas. Se bem que todo mundo dormia, ele não era muito diferente do resto da classe.

– Sim, Srta. Granger, sei que esse assunto está no currículo do Prof. Binns, mas nem todos conseguem ter uma atenção tão inabalável quanto a sua  –  disse Dumbledore sorrindo, piscando para Harry e Rony, que suspiraram aliviados  –  Portanto vou arriscar divagar mais alguns minutos sobre a ocasião em questão.

– Algumas famílias se desentenderam com as outras naquela época, por causa da discussão entre Gryffindor e Slytherin em Hogwarts. Aqueles que apoiavam Slytherin seguiram-no, e deixaram o país indo para outras terras distantes. Beauxbatons e Durmstrang são duas das escolas de magia que foram criadas por seguidores de Slytherin que participaram da Diáspora Bruxa.

– Mas Slytherin era um velho maluco que trancou um basilisco debaixo da escola! E Karkaroff era um comensal da morte! –  deixou escapar Rony, desesperado  –  Pelo jeito não se pode esperar muito desses bruxos que seguiam Slytherin, não é mesmo?

– Muito pelo contrário, Rony  –  ralhou Lupin, pela primeira vez entrando na conversa  – Apesar de nenhum de vocês talvez acreditar em mim, muitos seguidores de Slytherin foram grandes bruxos e fizeram grandes avanços para a comunidade mágica. Apesar de muitos deles serem incompreendidos, eles trabalharam duro para ajudar bruxos que precisavam de algumas “necessidades especiais” causadas por culpa de magias das trevas.

– A grande maioria dos seguidores de Slytherin tinha a mesma mentalidade de seu líder, de que o sangue puro era tudo o que valia para um bruxo ser reconhecido  –  continuou Dumbledore  –  e coincidentemente esta maioria era de famílias de puro sangue, que se acreditavam melhores que as outras devido à sua descendência de bruxos famosos.

– Bom, ouvi dizer que algumas destas famílias possuíam o que os trouxas chamam de títulos de nobreza, e eram parentes de grandes reis ou imperadores trouxas  –  complementou Hermione, mostrando-se informada  –  e que algumas delas até mesmo tinham brasões de família e possuíam grandes extensões de terra em vários países europeus.

– Exato, Hermione  –  disse o Sr. Weasley, sorrindo  –  Algumas famílias de bruxos, como os Malfoy, apesar de não terem participado da diáspora tentaram implantar o mesmo pensamento entre os bruxos da Grã-Bretanha, mas o Ministério da Magia votou contra esta lei, argumentando que a lei tentava segregar famílias bruxas menos favorecidas em favor dos grandes detentores de terra. Helga Hufflepuff foi uma das bruxas da época que organizou uma passeata contra as crueldades de algumas famílias puro-sangue contra servos e vassalos trouxas.

– Mas o que isso tem a ver com essa tal de Chave de Abismo? O que isso tem a ver com Sirius? –  desesperou-se Harry, que já estava começando a cansar do falatório.

– Tudo, Harry  –  interveio Moody na conversa  –  Vários bruxos que seguiram Slytherin na Diáspora acabaram fundando seus próprios reinos bruxos, onde governavam com mão de ferro sobre seus súditos. Tinham suas próprias leis, seus próprios castigos e suas próprias Artes das Trevas. Grande parte destas famílias fazia experiências com magias de tortura em seus súditos, quando eles os desagradavam, e acredita-se que algumas magias de tortura que foram trazidas à Grã-Bretanha por Você-Sabe-Quem foram pesquisadas no exterior, durante essa era. A Cruciatus pode ser uma destas magias.

– E uma família puro-sangue em específico possuía um pelotão de magos de tortura especializados nestas artes  –  disse a Sra. Weasley, a raiva visível em cada uma das linhas de seu rosto  –  dizem as lendas que eles foram tão longe nas artes das trevas que acabaram descobrindo uma dimensão diferente desta em que vivemos. Uma dimensão de sombras onde só existem dor e agonia, onde não existe vida, apenas uma sombra que passa a eternidade sofrendo. Aqueles que eram atraídos a esta dimensão estariam perdidos para sempre.

– Acredita-se que estes bruxos, conhecidos entre os outros como Cavaleiros das Sombras, podiam controlar a entrada desta dimensão, a qual chamavam de Abismo, e que encantavam objetos para fazerem isso com pessoas a quem desejavam destruir  –  disse Tonks, com os olhos tristes  –  Estes objetos funcionavam como Chaves de Portal, mas ao invés de levar quem o tocasse até uma localização específica, abriam um portal direto para o Abismo. E a passagem, era só de ida.

– Mas nunca se soube de um objeto destes ter sido jamais encontrado, o que tornou a história uma lenda  –  disse Hermione, sem entender  –  o Prof. Binns nos disse no ano passado que essa era mais uma história como a da Câmara Secreta...

– E realmente era, Srta. Granger, –  sorriu Dumbledore  –  mas a senhorita não entendeu a ironia do Prof. Binns na ocasião. Assim como a história da Câmara Secreta era verdadeira, esta também era. Os Cavaleiros das Sombras realmente existiram, e muitos escritos secretos falam sobre seus avanços nas Artes das Trevas e da tortura, mas a grande maioria destes livros foi rastreada pelo Ministério da Magia e guardada em um lugar seguro, onde não podem mais ser alcançados por Voldemort – alguns dos presentes pigarrearam alto  –  ou seus Comensais da Morte.

– Acreditava-se que todas as Chaves de Abismo haviam sido rastreadas e destruídas, –  disse Kingsley, baixando a cabeça  –  mas algumas mais poderosas estava além do poder mesmo de magos poderosos como Dumbledore, então foram levadas até o Ministério da Magia e escondidas para que ninguém jamais tivesse acesso a elas.

– E dentro do Departamento de Mistérios, Harry, você  acabou encontrando a mais poderosa delas, o Portal Negro. –  disse Dumbledore, colocando as mãos sobre os ombros do rapaz  –  Ele nunca deveria ter sido descoberto, nem por você, nem por Sirius, e muito menos pelos Comensais da Morte. Acreditamos que Bellatrix Lestrange já deveria ter ouvido falar da lenda, e reconheceu o portal pelo que ele é, informando Voldemort dos poderes que poderia conter. Sem poder invadir o Ministério e roubar o Portal Negro, ele deve ter procurado por qualquer traço da lenda que conseguiu encontrar, e aparentemente conseguiu.

– Quer dizer então que Sirius está perdido em algum lugar deste Abismo? –  perguntou Harry, sentando-se na cama ao lado de Rony  –  Que há uma possibilidade de que ele consiga se salvar?

– Não, Harry querido, não há  –  rebateu a Sra. Weasley, parando ao lado do garoto e segurando seu ombro afetuosamente  –  Uma vez que a pessoa entra no Abismo, não há retorno. Como disse a Tonks, a passagem é só de ida... sinto muito, meu querido.

– Gostaríamos que houvesse esperanças de salvar Sirius  –  concluiu Dumbledore com um suspiro  –  mas infelizmente não há nada que se possa fazer a esse respeito. Ele está perdido para sempre, temos que nos acostumar com este fato. Nossa preocupação neste momento é Voldemort e as armas que ele pode estar conseguindo nas pesquisas dos Cavaleiros das Sombras, e é nisso que a Ordem tem estado trabalhando nos últimos meses.

Quando Dumbledore terminou de contar a sua história Harry ficou ali olhando para os bruxos tristes, parados olhando para ele como se esperassem algum tipo de reação de sua parte. Harry simplesmente deitou-se olhando o teto, e fechou os olhos pensando no que acabara de ouvir. Harry ouviu então os passos dos bruxos saindo do quarto para deixá-lo sozinho.

Harry se sentia muito estranho depois de toda esta história. Não que tivesse alimentado esperanças de recuperar o padrinho depois de descobrir que ele estava morto, tinha passado o verão tentando aceitar o fato de que jamais veria o padrinho novamente. Mas descobrir o que realmente acontecera com ele o havia despertado para uma outra consciência do que acontecera com Sirius. Como a Sra. Weasley havia dito, no Abismo só havia dor e sofrimento e não havia volta daquele lugar. Sirius sofreria eternamente no limbo escuro apenas porque tentara salvá-lo da morte nas mãos dos Comensais da Morte. Não era justo.

Harry sentiu toda a culpa do ano anterior, que tentara tão desesperadamente tirar dos próprios ombros durante as várias horas que passara sem conseguir dormir na casa dos Dursley, retornar com um peso redobrado. Havia condenado Sirius a uma eternidade de dor porque não se dedicara à Oclumência, porque não conseguira levar a sério os avisos dos amigos e daqueles que arriscavam a vida tentando protegê-lo. Chegou à conclusão que talvez se preocupasse tanto consigo mesmo que considerasse que os outros que não faziam mais do que a obrigação tentando defendê-lo de Voldemort.

Talvez, Snape tivesse razão, afinal de contas. Talvez, realmente achasse que era melhor que os outros simplesmente porque era O Harry Potter. Talvez achasse que era mais importante porque estava destinado a enfrentar Voldemort, e que os outros bruxos não passassem de coadjuvantes nessa história toda. Talvez não se importasse tanto assim com Sirius.

E com estes pensamentos ruins, sentindo o rosto molhado enquanto chorava por pensar que não fosse tão preocupado assim com o destino das outras pessoas que viviam ao ser redor, Harry adormeceu.

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