Cap. 6
Última noite de sossego relativo, antes da lua cheia. Remus Lupin sabia bem disso. Então, depois do jantar, ao invés de acompanhar os outros à sala comunal, onde provavelmente teria que assistir James mais uma vez tentando se aproximar de Lily Evans, ou Sirius tentando ganhar alguma garota e Peter batendo palmas, infantilmente, preferiu dar um rápido passeio até o jardim, já que no dia seguinte “partiria”, ficando toda uma semana “longe dali”...
Na Lufa-Lufa, uma garota estava agora desesperada. Alguém havia puxado as cortinas de seu leito, agora banhado pelo luar, entrando pela janela também toda descoberta. Ela estacou, como estátua, na porta do quarto, a salvo dos raios que tanto mal lhe causavam, mas agora não sabia o que fazer.
As colegas riam, perguntando se ela havia recebido um feitiço de petrificação. Um ou outra tentou puxá-la, mas ela resistiu com uma força descomunal, para uma garota tão frágil, embora não fosse franzina, pelo contrário. Mas muitos tinham a impressão de ser de vidro, tão delicada era sua aparência, embora quando se pusesse determinada parecesse uma verdadeira fera de coragem e força.
Depois de alguns instantes de hesitação, Mary deu meia volta e deixou o quarto, atravessando a sala comunal. Já não agüentava mais, iria agora mesmo dizer ao Prof. Dumbledore que preferia sair da escola a continuar neste martírio por quase todo o tempo. Afinal, só se sentia a salvo e tranqüila durante a luz nova. Mas agora, com a lua cheia se aproximando, seus padecimentos eram maiores, porque o luar parecia penetrar em cada buraquinho, em cada fresta.
Ia decidida, mas não contava com um pequeno problema: alguns garotos no corredor. Claro, só poderiam ser eles! O que mais lhe doía era a ideia de que Remus poderia estar fazendo "panelinha" com os amigos. Decididamente, se ele era tão amigo deles, não poderia ser tão diferente... Embora parecesse...
Peter notara que Remus não estava na sala comunal e alertara os amigos, que saíram em seu encalço. Tentando se afastar deles, antes que a vissem, Mary tentou dar a volta, fazendo outro caminho. Foi aí que o pior aconteceu.
Inesperadamente, viu-se na porta principal do castelo que estava aberta, deixando o luar do quarto crescente já avançado penetrar por todo o hall. Tentou recuar, mas era tarde. Sua pele foi tocada pela luz prateada e, sentindo contorções horríveis, a garganta estrangulada pela vontade de gritar, em poucos minutos, Mary se transformou.
Em seus olhos, não mais o tom castanho que lembrava o mel quando sorria. A íris alterada para um tom pálido e mortal, a pele ainda mais pálida, os dentes... se alongando, afiados e ameaçadores.
Um lampejo de lucidez lhe disse para recuar para um canto escuro, até a transformação se reverter. Mas seu corpo e seu espírito ansiavam pela liberdade, pelo luar lá fora. E, num ímpeto, ela saiu.
Vagaria pela noite, até se cansar, e quando a lua sumisse, voltaria. Iria até a floresta, onde afinal tudo começara. Assim, não seria uma ameaça...
Entretanto, não contava com um elemento novo: alguém estava no jardim, e a atraiu irresistivelmente, sedenta de sangue.
Indiferente a tudo, Remus relembra a conversa que tivera com os amigos sobre Mary:
- Vocês não entendem? Eu logo percebi os sinais. Não foi desde o começo, aconteceu depois que ela veio pra cá, mas eu notei. Só não queria acreditar, achava que era tolice da minha parte... até que ela acabou me contando a verdade. Mas no fundo acho que eu já sabia. Afinal, inimigos seculares têm como se identificar mutuamente.
- Do que você está falando, homem? – Sirius o fitara, como se pensasse que o amigo enlouquecera.
- Ora, você sabe muito bem, Sirius. Lobisomens e vampiros se odeiam há séculos e Mary... bem, ela é uma vampira.
- o que? – os três exclamaram ao mesmo tempo.
- Uma vampira, isso mesmo. Por isso, é tão pálida, usa a poção pra se proteger do sol, e mesmo assim o evita, e só anda tranqüila por aí durante a lua nova.
- Impossível! – James exclamou – Dumbledore não se arriscaria tanto. Permitir uma vampira entre os estudantes!
- Não permitiu um lobisomem?
Eles ainda haviam discutido por algum tempo, mas ele arrancara dos companheiros a promessa de que não a importunariam mais, nem trairiam o seu segredo.
E agora ele está ali, pensando na ironia de sua situação. Com tanta garota na escola, tinha que se apaixonar logo por uma vampira! Porque, isso não dissera aos amigos, mas tem certeza em seu coração. Ama aquela garota baixinha, a típica baixinha invocada quando se resolvia por alguma coisa, mas na maior parte do tempo tímida e atrapalhada... a menos que a timidez e a falta de jeito fosse apenas em sua presença... será que isso significa que pode ter esperança?
Balança a cabeça vigorosamente, rindo de si mesmo, mas seus instintos de repente ficam alertas. Seu olfato e sua sensibilidade à flor da pele diziam que algo maligno se aproximava... e tencionava atacá-lo.
Dono de reflexos rápidos, pula para o lado no exato instante que alguém se precipita sobre ele. Mas a criatura não desiste facilmente, e novamente se arremessa contra ele. Ao segurar seus braços, mantendo-a longe de seu corpo e, principalmente, de seu pescoço, reconhece-a estarrecido. É Mary, em sua forma vampiresca.
- Hallow! Mary! – ele sussurra, mas tenta por energia na voz – Resista! Sou eu, Remus!
Mas ela não parece percebê-lo. Atônito, usando todas as suas forças para contê-la, resistindo à idéia de que se fosse lua cheia seria mais forte, pois como lobisomem a subjugaria facilmente, tenta pensar em alguma coisa para fazer, para detê-la sem feri-la.
A única solução que encontra é puxá-la até estarem próximos ao salgueiro lutador. Para sua sorte, um galho a atingiu, jogando-a longe e dando-lhe tempo de alcançar a “tranca”. Então, com a árvore paralisada, já sabe o que fazer. Corre para dentro da passagem, sabendo que ela o seguirá. Vai até o mais fundo que pode, para ter certeza de que nenhum raio da lua penetrará e que terá tempo até a transformação cessar, se é que o que sabe sobre vampiros é verdade...
Rezando para o que vira na aula de Defesa contra as artes das trevas não ser pura fantasia, espera por ela.
Em questão de segundos ela o encontra. Em sua forma vampira, sua visão no escuro é melhor que a dele, mas Remus conhece o espaço em que estava mais do que a própria palma da mão, além de sua audição e olfato privilegiados, mais aguçados pela proximidade da lua cheia e pela situação de perigo iminente.
Usando toda a força que tem, apesar do medo de feri-la, pois seu instinto é quase tão feroz que o dela, conseguiu contê-la, e começa a sussurrar seu nome, pedindo que se acalme. Para sua felicidade, vê que a teoria é verdadeira. Bastou ficar alguns minutos longe do alcance dos raios lunares, e ela começa a se acalmar, sua fúria cedendo, seu corpo trêmulo voltando ao normal. E finalmente, Mary volta a si, soluçante e aflita.
- Acabou, Mary. Fique calma. – Remus tem a voz doce e baixa, como se falasse a uma criança que acordara de um pesadelo. Abraça-a, carinhosamente, fazendo-a pousar a cabeça em seu peito.
Uma luz avança pela passagem, alguém chega, empunhando uma varinha acesa. Remus percebe serem seus companheiros, abalados mas atentos.
Mantendo o rosto de Mary contra seu peito, acena para eles que está tudo bem, pedindo-lhes em silêncio que partam.
Sirius, que trouxera sua varinha além da própria, acende-a e prende-a na parede. Só então, depois de uma piscada marota para o amigo, afasta-se em silêncio.
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