A Espiã Perfeita
- Tia, você sabe que eu nunca vou me acostumar a chamar as pessoas pelo sobrenome. O máximo que consigo é chamar de “senhor” e “senhora”, quando são mais velhos do que eu. E afinal, acho que o resto do mundo leva muito tempo para considerar alguém íntimo o suficiente para chamá-lo pelo primeiro nome. Brasileiros não são formais, sabe disso.
- Brasileiros são muito cheios de intimidades, isso sim. – Tia Agatha tentava soar desaprovadora, mas falhou terrivelmente por causa de um sorriso.
- Por isso somos tão cativantes... – Ana provocou enquanto sorria para a tia.
Harry riu. Ele e Ana estavam sentados, cada um em uma poltrona da sala da antiga casa dos Smiths em Hogsmeade, com pilhas de livros sobre Oclumência na mesinha de centro. Ela o havia convencido a estudar o assunto, e Tonks e Moody o estavam ajudando a praticar. Embora eles lhe dissessem que não eram exatamente bons nisso, Harry achava que era muito melhor do que com Snape.
Ana voltou a atenção para o livro assim que a tia saiu da sala. Harry continuou a ler a carta de Rony que tinha acabado de receber. Teve que rir também do que o amigo escrevera.
- O que é tão engraçado? – Ana perguntou.
- Rony disse que eles esqueceram de apagar o fogo do pó de Flu antes de sair de casa. Quando voltaram de Hogwarts havia vários rastros de cinza saindo da lareira e se espalhando pela sala.
Ana jogou a cabeça para trás, soltando uma risada:
- Cinzais!
Harry confirmou com um aceno de cabeça. Já não se surpreendia de Ana saber tanto sobre o Mundo Mágico.
- E então? Conseguiram acha-los antes de virarem pó? – ela perguntou, ainda rindo.
- Não, mas encontraram os ovos antes que pusessem fogo na casa e os congelaram.
- Quem congelou o quê? – Tonks havia entrado na sala.
Eles explicaram, e Tonks riu:
- Bem, pelo menos agora eles tem em casa um remédio para a malária. E um importante ingrediente para as poções do amor, também.
- Ah, não... Acho que Rony já teve o suficiente de poções do amor no ano passado. – Harry comentou, provocando novas risadas.
Plok! Rampell, o elfo doméstico de Tia Agatha aparecera na sala:
- O jantar está pronto, jovem mestra Ana.
Ana gemeu. Já tinha pedido mais de mil vezes para ele a chamar simplesmente de Ana, mas o elfo sempre dizia que isso seria uma falta de respeito com sua ama. Chegara até mesmo a sugerir à tia que o libertasse (Ana tinha se juntado à Hermione na F.A.L.E.). Mas a criatura começou a chorar como se Ana quisesse lhe aplicar o pior dos castigos. Ela não agüentou o desespero daquele serzinho e disse para que se acalmasse, que não iria mais falar nisso.
Durante o jantar eles geralmente conversavam sobre amenidades ou sobre os progressos em Oclumência. Moody também estava ensinando Harry a lançar feitiços sem pronunciá-los. Isso também fora idéia de Ana. No ano anterior, Snape tinha feito o “favor” de demonstrar o quanto o garoto podia se dar mal com um comensal da morte por não saber fazer feitiços mantendo a boca fechada.
Como observadora dos fatos, ela podia detectar os pontos fracos de Harry. Gelava só de pensar o que poderia acontecer se ele enfrentasse Snape de novo sem estar preparado. E Voldemort... Agora sem a proteção do feitiço de Lílian Potter... Que Merlim o protegesse!
É claro que não falava isso assim para ele. Qualquer leitor de Harry Potter sabia que o garoto tinha passado muitos momentos ruins e tinha traumas acumulados para umas cem vidas. Harry amadurecera, isso era evidente. Mas ainda assim era muito jovem, e a injustiça dele ter que enfrentar tudo aquilo estava muito clara na mente de Ana. Com jeito, ela o fez compreender que poderia - e provavelmente iria – ter confrontos bem mais sérios, e que precisava se preparar.
Após o jantar, Tonks e Ana foram conversar na sala. As duas mulheres tinham se tornado grandes amigas naquelas três semanas que se passaram.
Tia Agatha já tinha se recolhido. Harry e Moody estavam treinando.
- Conversei com Remo sobre sua preocupação com a segurança de Rony, Hermione e Gina. – Tonks falou.
- Eles seriam os primeiros a quem Voldemort iria querer por as mãos para servir de isca para Harry. – Ana confirmou, percebendo o tremor de Tonks quando pronunciara o nome do Lorde das Trevas.
- Sim. Ele me tranqüilizou dizendo que fazem rondas na casa de Hermione, e que Carlinhos está de olho nos irmãos, não deixando que saiam sozinhos. Eles reclamaram um pouco, mas sabem que não adianta contradizer o irmão.
- Ele... Está no país? – Ana perguntou, tentando parecer casual.
- Sim. – Tonks respondeu reprimindo um sorriso, porque Ana falhara totalmente no seu “casual”. – Tirou uma licença no trabalho para ajudar nas atividades da Ordem. Vai vir na reunião de amanhã.
Ela o veria amanhã! Ana fez uma anotação mental para por, antes de dormir, a máscara de beleza que comprara em uma loja na vila.
O casarão dos Smiths havia se tornado o novo quartel general da Ordem, uma vez que o número 12 da Grimmauld Place era um local conhecido de Snape. Dumbledore era o fiel segredo e, com a morte dele, Snape poderia falar a localização da sede sem problemas.
- Eu sinto muito você e Lupin terem tão pouco tempo para se verem por causa da gente, Tonks. – Ana tentou desviar do assunto.
Tonks colocou um cotovelo no braço da poltrona onde estava sentada, e apoiando o queixo na mão, olhou divertidamente para Ana e disse:
- Não tente disfarçar senhorita Ana. Por que finge que não sente nada por ele?
- Não sei do que está falando, Nymphadora!
- Não me chame de Nymphadora!
- Então não me coloque contra a parede! – Ana devolveu.
As duas se encararam, mas logo começaram a rir.
- Ah, vejo que estão de bom humor! – Moody entrou na sala, sendo acompanhado por Harry.
- Tonks tem umas piadas ótimas. – Ana explicou.
- E Ana tem muito senso de humor. – Tonks completou.
Moody voltou-se para Harry, irônico:
- Parece que as mulheres começaram a ter segredinhos. Acho melhor irmos dormir, meu jovem.
- Nós já estávamos indo dormir também, Moody. – Tonks falou, trocando risadinhas com Ana.
***
Os quartos de Harry e de Ana ficavam lado a lado. Ele a parou no corredor:
- Estive pensando sobre como obter mais informações sobre... R.A.B.
- Alguma idéia? – Ana perguntou ansiosa.
- Acho que sim.
- Fale logo, Harry! Quer me matar de curiosidade? – Ana ralhou, pondo as mãos na cintura.
- Ah, não! – Harry deu uma risadinha. – Nem pensaria em te matar agora que está sendo tão útil.
Ana fingiu socar o braço dele e sorriu.
- Kreacher. – Harry disse simplesmente.
- É claro! – Ana entendeu, boquiaberta. – Se Regulus Black mantinha algum tipo de pista sobre os demais horcruxes os deve ter escondido na casa dos Blacks! Quer dizer... Supondo que ele seja mesmo R.A.B... – ressalvou. – E quem melhor que Kreacher para saber onde?
- Sim. Vou convocá-lo agora.
- Não! – Ana o impediu. – Lembre-se que Kreacher não te obedece de bom grado. Apenas o faz por causa do feitiço de obediência ao dono legítimo. Você o herdou de Sirius, mas aquele elfo doméstico dedica toda a sua lealdade à Bellatrix Lestrange.
- E daí? Eu o mando dizer a verdade, e pronto! – Harry deu de ombros.
- Da mesma forma que ele disse a verdade naquela emboscada em que Sirius morreu? – Ana rebateu.
Uma sombra passou pelo rosto de Harry. O garoto ainda se culpava, e Ana teve vontade de se dar um soco por ter dito aquilo.
- Vamos pensar muito bem no que perguntar a ele, Harry. – Ana disse suavemente, e o segurou nos ombros, como que a confortá-lo.
Harry balançou a cabeça, concordando. Já estava indo para o seu quarto, quando Ana continuou:
- E... – esperou que Harry voltasse o rosto para ela. – Boa sacada, Potter!
O comentário teve o efeito que Ana esperava, pois Harry sorriu.
***
- E, ontem, detectamos um escudo de magia em volta da casa do Primeiro Ministro trouxa. – Kingsley Shacklebolt terminou sua explanação na noite seguinte.
Ninguém sabia toda a história de Ana, exceto aquelas pessoas que a ouviram na sala da Professora (agora Diretora) McGonnagal. Para os demais membros da Ordem da Fênix, Ana era apenas a sobrinha-neta trouxa de Agatha Smith-Roberts. É claro que todos se perguntavam por que ela estava ali, mas as observações de Ana se mostraram muito pertinentes e úteis.
Assim, ninguém duvidava da necessidade dela continuar presenciando as reuniões.
Um escudo de magia em volta da casa do Primeiro Ministro da Grã-Bretanha. Ana não sabia o que era isso, mas não lhe cheirava nada bem.
- O que é um escudo de magia? – Harry tirara a pergunta de sua boca.
- Um escudo anti-magia no perímetro em que ele está ativado, exceto para aquele que o lançou. – Kingsley explicou.
- Deixe-me adivinhar. – Hermione disse. – O escudo é de magia negra.
- Correto. – Kingsley respondeu.
Um pesado silêncio caiu sobre os presentes. Mas a mente de Ana já estava fervilhando com as novas informações, cruzando-as com as que já tinha:
- Amanhã o Primeiro Ministro vai dar uma festa em homenagem ao novo embaixador da Indonésia. – Ana falou.
Ao notar o espanto dos demais, acrescentou, dando de ombros:
- Ler os jornais trouxas tem suas vantagens...
Lupin ponderou:
- Uma armadilha dos Comensais em um lugar cheio de Chefes de Estado e diplomatas trouxas do mundo todo. Eles estão ficando ousados, não?
- É. E o pior é que o Primeiro Ministro não confia mais em mim desde que aquele idiota do Scrimgeour revelou para ele que eu era um bruxo. Mas tenho uma outra forma de entrarmos. – Kingsley expôs. - Um embaixador está doente, a filha dele irá em seu lugar. Pensei que um dos nossos poderia lançar um feitiço nela antes que chegasse à casa do Ministro, tomando o seu lugar.
- Isso de não poder usar magia... – Ana começou a falar, mil idéias surgindo ao mesmo tempo. – Implica no efeito de poções?
- Sim. – Kingsley respondeu, não entendendo onde ela queria chegar.
- E na capacidade de transfiguração pessoal? – acrescentou.
- Sim. – Kingsley começava a entender. – Mas já pensei nisso também. Ninguém conhece a moça, exceto alguns funcionários de sua própria embaixada. Ela chegou ontem de seu país. Portanto, não haverá necessidade de uso de magia para disfarces.
- Sim, mas... – Ana começou a argumentar. – Os convidados trouxas não a conhecem, o que é muito conveniente. No entanto, todos os comensais sabem quem são os membros da Ordem, graças, eu suponho, a Snape. Se um de vocês aparecer por lá vai ser descoberto imediatamente.
- O que está sugerindo, querida? – a senhora Weasley interveio.
- Usem-me! Os comensais nunca me viram. E eu vivi a minha vida toda no mundo trouxa, não cometeria nenhuma gafe capaz de chamar a atenção de algum bruxo das trevas.
- NÃO! – Carlinhos e Tia Agatha exclamaram ao mesmo tempo.
- Querida você não faz idéia do perigo que enfrentará. – Tia Agatha suplicou.
- A senhora sabe perfeitamente que sei. – respondeu, deixando os membros que não sabiam de sua chegada um tanto “tumultuada” sem entender.
- Você vai se matar! – Carlinhos tentava conter o que parecia desespero e raiva.
- Não. – Hermione achou por bem intervir. – Ana tem treinamento para isso. Seria a pessoa mais adequada...
- Querida, cursar uma faculdade trouxa de Direito não faz alguém ser gabaritado para arriscar a vida. – Tia Agatha argumentou.
Hermione olhou para Ana, que assentiu com a cabeça. Olhou para a tia, e começou a explicar lentamente, como se fosse para uma criança:
- Tia... Eu realmente me formei em Direito, como disse para a senhora. Mas advoguei apenas alguns meses depois de me formar. Trabalho em outra coisa agora.
Carlinhos estreitou os olhos de forma perigosa:
- Você trabalha em quê agora?
Ana desviou o olhar dele e voltou a fitar a tia (aqueles olhos castanhos a deixavam nervosa):
- Tia... Sou do Serviço de Inteligência.
Espanto geral. Tia Agatha arregalou os olhos. Rony deu um assobio de “nossa!”. Harry ficou boquiaberto. Carlinhos empalideceu, mas se recuperou depressa:
- Isso não... Não quer dizer que está apta a enfrentar um Comensal da Morte só com técnicas trouxas.
- Está dizendo que o método trouxa é imprestável? Ou pior ainda: que não eu não sou capaz de circular em uma festa, limitando-me a observar tudo que for suspeito?
Merlim, como aquele homem a tirava do sério!
- Você sabe que não é só isso. Se eles tentarem alguma coisa vamos ter que agir. Como vai fazer isso ou até mesmo nos avisar?
- Ninguém conseguiria fazer nada disso de qualquer forma. – Ana rebateu. – Os métodos bruxos não funcionam naquela casa, lembra? Podemos utilizar equipamentos de áudio e vídeo ocultos. Conheço bem o funcionamento de todos eles.
Diante da expressão de incompreensão de todos, Ana explicou:
- Equipamentos trouxas de espionagem. – Um “Aaaaaaaaa...” geral foi ouvido na sala. – É até mesmo mais fácil compra-los aqui no Reino Unido.
- Que maravilha! – o senhor Weasley estava entusiasmado com tamanha oportunidade de ver de perto os tais aparelhos. Mas Carlinhos lhe lançou um olhar de “não a encoraje, pai!”, e o senhor Weasley se apressou a completar: - Desde que tudo seja muito seguro, é claro...
- Esses métodos trouxas poderiam ser utilizados por um de nós também. Tonks, com alguma maquiagem de disfarce poderia tomar o lugar da filha do tal embaixador. – Carlinhos tentava soar convincente.
Um embaixador doente? Ana lembrava de ter lido algo a respeito... De repente, a resposta lhe trouxe um sorriso nos lábios:
- De que país é o embaixador, Kingsley?
- Brasil. – ele respondeu prontamente.
Ana olhou triunfante para Carlinhos:
- A menos que Tonks aprenda a falar o português falado NO BRASIL em vinte e quatro horas, acho que vão ter que se contentar comigo!
Voltando-se para os demais:
- Pensando em todas as coisas que podem dar errado, eu ainda sou a melhor escolha.
- Ela tem razão. – Moody concordou com a sua voz de rosnado. – Ela é a espiã perfeita.
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(N/A): O que acharam? Comentem, PELO AMOR DE MERLIM!
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