Capítulo 10
Capítulo 10
Draco acabou por chegar a conclusão que teria sido preferível ter saído a ficar ali sentado toda noite, sozinho. Cláudia tinha-o convidado a ir a uma festa qualquer destinada à imprensa, onde ia ser apresentado um novo perfumo, cujo lançamento estava a cargo da agencia dela. Teria sido um pesadelo, mas, em contrapartida, teria havido muita comida e bebida á borla, montes de gajas para ele admirar e ele até podia passar a noite em casa de Cláudia, deixando os dois pombinhos sozinhos em casa. Mas, em vez disso, decidira ser egoísta, meter-se onde não era chamado e ficar por ali a ver como se comportavam os dois pombinhos com cio. Tinha andado a espera de ouvira chave na fechadura durante toda a noite, com os pés em cima da mesa de centro, cerveja numa mão e telecomando noutra.
Por volta das nove ficou farto de manter aquela postura, apesar de ela ser até muito natural, e decidiu ir ler o jornal para a cozinha. Por volta das dez horas já tinha lido a neurologia e a coluna dedicada à jardinagem, tinha tentado e falhado as palavras cruzadas e ficara ainda mais deprimido ao ler as páginas de anúncios de emprego. Alguma vez conseguiria chegar a uma posição em que ganhasse muito por ano, mais carro, mais seguro de saúde, mais bónus? Não nunca chegaria lá e essa certeza fê-lo sentir-se ainda mais miserável.
Quando Gina e Harry chegaram, estava ele de regresso ao sofá, cerveja e televisão.
Os dois ficaram à entrada radiantes.
- Muito bem pá. Tiveste uma noite em cheio? – Perguntou Harry sarcasticamente. Mas o sarcasmo era uma coisa que o Draco não estava para aturar.
- Bem, sim, estava para ir a uma das festas da Cláudia, mas não me apetecia ver gente dessa. Por onde é que vocês andaram? – Draco estava a tentar ser simpático, na realidade, não queria saber por onde é que tinham andado.
- Fomos tomar um copo com os amigos da Gina e depois fomos comer – Harry pousou a mão no ombro de Gina enquanto falava e Draco sentiu-se ainda mais abatido.
- Perderam um grande programa na televisão – replicou – sobre tubarões assassinos. A abriram um tubarão e encontraram montes de objectos dentro dele…
- Ah, deve ser horrível ver isso… - disse Harry.
Draco podia ver que ele estava a fingir-se interessando, enquanto olhava para a Gina e brincava com o cabelo dela.
- Alguém vai usar a casa de banho? Vou preparar-me para deitar… - disse Gina, tirando a mão de Harry do seu cabelo e baixando-a.
Draco observou-a atentamente.
“Sei tudo sobre ti, apetecia-lhe dizer. Estive dentro da tua cabeça durante todo o dia e sei tudo. Conheço todos os pensamentos que tiveste nos últimos dez meses, todos os sítios por onde andaste, todas as refeições que comeste, sei mais que o Potter. Sei que não tiveste nenhum encontro durante todo este ano, que andas com fome de sexo.
Sei que comes frango pelo menos duas vezes por semana.
Sei que não tens tanta confiança em ti como fazes crer e que ás vezes te odeias. Sei que te preocupas com o que as pessoas pensam de ti, que és sensível, que podes ser paranóica ás vezes, que quando te pões a falar pensas que podes irritar os outros.
Sei que a tua TPM é terrível.
Sei que escolheste o Harry porque ele te trouxe as tuas flores favoritas. Sei do teu sonho e posso perceber porque pensaste que o Harry é o escolhido. Eu devia ter feito um esforço maior, vestido roupas decentes e ter-me oferecido para te ajudar, devia ter sido mais prestável e não devia ter ido logo para a cama. E eu sei que te enganaste, Gina – não é o Harry, ele foi só uma coincidência: comprar flores é sempre uma coisa alegre que se pode fazer. Era eu que estava sentado no sofá quando olhaste pela janela e era comigo que tu devias estar!”
Mas como é que ele poderia dizer isso tudo quando dizê-lo seria confessar que era um bisbilhoteiro do piorio e o tipo de pessoa capaz de ir ler os diários dos outros? Agora, ao olhar Gina, percebia que ela era uma pessoa diferente da desconhecida que ele ouvira sair de casa esta manha. É que ele tinha estado dentro da cabeça dela o dia todo. Ele sabia mais sobre ela do que o Harry sabia, apesar dele ter passado o fim da tarde e parte da noite com ela, de ter ido conhecer os amigos dela e de ter estado com ela na cama na noite anterior. Ele conhecia os seus segredos e as suas inseguranças. E queria desesperadamente estar junto dela.
- Não, vai á frente. Eu ainda vou ficar acordado mais algum tempo – Draco respondeu.
- Vai tu primeiro – disse Harry, puxando Gina para ele e enlaçando-a pela cintura com as duas mãos.
- Está bem. Boa noite Draco, até amanha.
- Não tenho direito um beijo? – Perguntou Draco, levantando-se do sofá. De repente, também lhe apetecia tocar-lhe.
- Porque não? – Gina sorriu – Boa noite. Draco – repetiu dando-lhe um beijo ao de leve na face.
- Dorme bem, Ginevra.
- Então que é que achas? – Sussurrou Harry, excitado, quando a porta se fechou.
- Sobre quê? – Murmurou Draco. Na realidade, não estava nada interessado em debater a boa sorte de Harry com o próprio Harry.
- Sobre a Gina, claro. O que pensas da Gina? De mim e da Gina? Oh, vá lá… deves ter percebido o que se passa.
- Oh, é verdade, é muito simpática. Muito, muito simpática – E, vendo pelo olhar de Harry que devia acrescentar mais qualquer coisa: - O cabelo é adorável, ela é muito bonita e muito simpática. Fico muito satisfeito por ti, a sério.
Olhando de relance para Harry, percebeu que aquela escolha de elogios da sua nova namorada estava longe de ser suficiente.
- Não estou a falar da aparência dela, não estou a pedir-te que gostes da rapariga, só quero saber o que pensas tu dela…de nós
- Ouve, que merda é que queres que eu te diga? A rapariga só aqui está á cinco minutos. Ela é muito simpática e eu gosto dela, só espero que saibas o que estás a fazer, depois das outras raparigas… tu tem um bocado mania de apressar as coisas… lembras-te da Greta? Pediste-lhe para casar contigo ao fim de duas semanas e depois não conseguiste perceber porque ela se pôs a milhas. E depois houve aquela horrível Daniela, a quem disseste que a amavas logo na primeira noite em que a conheceste e que apareceu no dia seguinte com as coisas dela para se mudar para cá. E fui eu que tive de te livrar dela. E aquela polaca que, ainda não tinha passado uma semana e que fugiu com a câmara de vídeo e o computador portátil para arranjar dinheiro para comprar droga para o namorado. E…
- Está bem, está bem – concordou Harry – eu percebo o que estás a dizer, mas isto é diferente. A Gina é diferente. Eu sinto-me diferente. É o que tem de tão maravilhoso. Eu não vou apaixonar-me por ela, tenho tudo controlado! Eu ia dizer-lhe esta noite, ia dizer-lhe que não queria levar sito adiante, falar-lhe da Cho e nisso tudo. E depois pensei: para quê? Por que raio não hei-de eu divertir-me, para variar, ter um pouco de sexo? Esqueci-me do muito que gostava disso e acho que mereço algum, não achas? A Gina é realmente uma rapariga encantadora e eu gosto dela a sério. Mas desta vez sou eu que estou com vantagem. Sou eu que tenho o controlo da situação. Estou mais velho e sou mais sensato e não cometerei os mesmos erros que das outras vezes. É só me divertir. A sério -reforçou.
- Portanto não lhe falaste da Cho, na obsessão profunda e doentia que manténs há cinco anos por aquela mulher?
- Claro que não falei! Deves esta a brincar, não?! Não vou estragar tudo antes de as coisas terem de facto começado. Ela acha que eu sou o maior, que sou o homem dos sonhos dela… a sério! Foi ela que mo disse a noite passada. Ela acha, repara bem nisto, ela acha que este apartamento lhe apareceu em sonhos e que eu faço parte do destino dela. Não é completamente maluco? De qualquer maneira, a Cho é uma mulher completamente diferente. A Cho é uma mulher de sonho. E eu já esperei tempo demais. Chegou a altura de continuar a viver. E se ela me vir continuar a viver a vida sem ela, com uma namorada bonita que adore o chão onde eu piso, talvez me veja sob outra luz. É uma situação que até pode tornar-se mais atraente para ela. – O rosto de Harry brilhou com a ideia.
- Mas vais dizer à Gina… pelo menos a certa altura... Ou não? Acho que ela tem o direito de saber que espécie de pessoa és tu.
- Sim, sim, e suponho que deves ter dito à tua namoradinha os pormenores do teu colorido passado, não? – Perguntou Harry, sabendo muito bem que Draco nunca o fizera.
- Sim, mas isso é diferente, eu não a amo. Ela não precisa de saber.
- Boa! Quem falou d amor? – Harry riu-se. – Acho que tu é que estás a apressar as coisas um bocadinho. É isso que eu acho tão fantástico: acho que pela primeira vez na minha vida, conheci uma mulher que está mais interessada em mim do que nela. Tens alguma ideia de como isso é tão agradável? E ela até mora cá, o que significa que eu nem tenho de me preocupar com a chatice toda dos telefonemas e dos encontros. Tenho-a à mão de semear. Isto, Draco, meu bom amigo, é o que eu chamo um bom resultado.
Draco engoliu toda a sensação de desagrado.
- Bem, podes calar-te com isso por hoje, se fazes favor? Tenho de levantar-me cedo amanha e não quero ter de estar toda noite a ouvir-vos.
- Porque não?
Ouviram o interruptor da luz da casa de banho e a porta a fechar-se. Harry levantou-se e espreguiçou-se e disse:
- Também vais gostar muito dela…
- Não, Harry… não é o meu tipo. – Disse Draco, forçando um sorriso – e, além disso não estávamos autorizados a falar de gostar ou amar.
Quando a porta se fechou atrás dele, Draco encontrou-se outra vez na situação em que estivera toda noite – sozinho –, apercebeu-se de uma grande sensação de perda. As coisas nunca mais iam ser as mesmas. Durante anos, a vida tinha-se desenrolado muito agradavelmente, sempre previsível e fácil. Agora estava tudo em jogo: a vida domestica, o relacionamento de Harry, a segurança, as rotinas, os hábitos, e as suas finanças. E percebeu de repente, que acima de tudo, era também o seu coração que estava em jogo.
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