A cegueira
CAPITULO XIV:A CEGUEIRA
O garoto foi correndo afobado para seu dormitório, ansioso para abrir seu lustroso malao de madeira, e pegar o tal urso.
Mal entrou no quarto, e já saiu jogando vestes, cachecóis, guloseimas, meias, calçados, entre outros objetos para o ar, causando definitivamente a maior bagunça que já fizera na vida.
Estava ficando preocupado, quando bem no fundo, o encontrou... Um ursinho de pelúcia velho e encardido, cheirando a mofo, quanto tempo estaria guardado ali? Isso não importava para Draco, o que ele realmente precisava era de um pouco de carinho.
Estendeu o brinquedo no ar com cuidado, acariciou seu pelo fofo, embora encoberto de pó, quando notou que faltava um olho no urso e um pedaço de pano no lado esquerdo do peito.
Sentou em cima da sua cama, e ficou observando o urso deformado olha-lo curioso com seu único olho de botão.
_Então?- disse Draco finalmente
Silencio.
_Por que me abandou?- brandou ele novamente
...
_Você disse... Que íamos ser amigos para sempre... – falava o garoto agora encoberto de lagrimas nos olhos.- MAS VOCE ME LARGOU! ESTA ME OUVINDO? LARGOU-ME! DEIXOU-ME SOZINHO ESTE TEMPO TODO!
Porem, o ursinho nada respondia, e continuou sem responder, deixando Draco a beira de choros, sofrimentos e gritos durante um longo tempo.
Em determinado momento melancólico daquele dia, Kitty, depois de tanto tempo, entrou pela porta do dormitório, fazendo o garoto sobressaltar-se.
Ela não disse nada, tentou apenas, sem sucesso, retirar o urso das mãos desesperadas do menino. Então, abraçou-o, deixando finalmente o objeto cair no chão, e se entregar ao conforto dos braços de Kitty.
Nada o impediu naquele momento, nem mesmo aquele forte sentimento de rancor que havia tomado o seu corpo durante todos aqueles dias, o casal trocava uma corrente de compaixão e carinho, impedindo as duas almas de se separarem.
Draco sentia-se vivo novamente, como era bom, pensava ele, de ter controle sobre suas próprias palavras, corpo e atitude, como era bom ser livre, como era bom ter alguém que gosta de ti ao seu lado, como era bom viver.
_Draco...
_O que? Meu amor...
_Me desculpe? Por ter te abandonado...
_Já lhe disse uma vez, que independente do que você fizesse, eu sempre iria te perdoar.
_Obrigada - sorriu a bela.
Ninguém notara, mas o urso havia recomposto seu lado esquerdo do peito, lugar onde se encontra o coração.
_Eu tenho uma historia para te contar, quer ouvir?- falou Kitty
“Havia numa aldeia um velho pobre que até os reis invejavam, pois ele tinha um lindo cavalo branco. Ofereciam ao bom homem quantias fabulosas pelo animal, mas ele só dizia que seu cavalo não estava à venda.
Numa manhã, o tal sumiu da cocheira. A aldeia inteira se reuniu e então as pessoas disseram:
- Seu velho estúpido! Sabíamos que um dia o cavalo seria roubado. Teria sido melhor vendê-lo. Que desgraça!
O velho respondeu:
- Não exagerem. Simplesmente digam que o cavalo não está mais na cocheira. Este é o fato. O resto é julgamento. Se é uma desgraça ou uma bênção, não sei, pois este é apenas um fragmento, uma parte da história. Quem pode saber o que vai ser?
As pessoas riram do velho. Elas sempre desconfiaram que ele era um pouco maluco.
Quinze dias depois o cavalo voltou. Ele não havia sido roubado, apenas tinha fugido para a floresta. E ao voltar trouxe consigo uma dúzia de cavalos selvagens.
O povo da aldeia então disse ao velho:
- Você estava certo. A fuga do animal não se tratava de uma desgraça; na verdade, provou ser uma bênção.
O velho falou:
- Novamente vocês estão se adiantando. Apenas digam que o cavalo está de volta. Se é uma bênção ou não, quem sabe? Este é apenas um fragmento. Ao ler uma única palavra de uma sentença, como vocês podem julgar todo o processo?
Desta vez as pessoas não podiam dizer muito. Afinal, lindos cavalos tinham vindo...
O velho tinha um único filho que começou a treinar os cavalos selvagens. Mas, uma semana depois, o moço caiu de um deles e fraturou as pernas. Novamente as pessoas se reuniram e julgaram, dizendo:
- Você tinha razão novamente, foi uma desgraça. Seu único filho perdeu o uso das pernas e na sua velhice ele seria seu único amparo. Agora você está mais pobre do que nunca.
O velho respondeu:
- Vocês estão obcecados por julgamentos. Não se adiantem tanto. Digam apenas que meu filho fraturou as pernas. Ninguém sabe se isso é uma desgraça ou uma bênção. A vida vem em fragmentos, aos pedaços. Mais que isso nunca nos é revelado.
Aconteceu que, depois de algumas semanas, o país entrou numa guerra e todos os jovens da aldeia foram forçados a se alistar. Somente o filho do velho foi poupado, pois era aleijado. A cidade inteira chorava, lamentando-se, porque sabia que era uma luta perdida e que a maior parte dos jovens jamais voltaria. As pessoas vieram até o velho e disseram:
- Você tinha razão, velho. Aquilo se revelou uma bênção. Seu filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Já nossos filhos se foram para sempre!
O velho disse:
- Vocês continuam julgando. Ninguém sabe! Digam apenas que seus filhos foram forçados a entrar para o exército e que o meu não foi. Somente Deus sabe se isso é uma bênção ou uma desgraça. Nunca julguem, pois vocês ficarão cegos com apenas uma parte da verdade e tirarão conclusões a partir de coisas minúsculas. E vocês podem estar errados.
Um dia, a guerra terminou. E quanto aos jovens da cidade que foram lutar... bem, essa história vai longe...”
_Então... – falava Draco - o que você quer dizer com isso?
_Bom... Talvez você não tenha percebido... Mas milagres existem...
_Você ainda não esta preparado Draco...
_Para o que? – perguntava o garoto agora confuso.
_Um dia você vai saber... Um dia...
(...)
_De qualquer forma... Nunca ache sua vida uma desgraça, pois ela esta longe de ser isso, por mais que você sofra, Malfoy... Preste mais atenção nos acontecimentos a sua volta... Podem trazer mensagens muito importantes... E quem sabe... Como foi com o velho da historia, uma desgraça, na verdade, pode ser uma benção... Pura sorte, ou força do coração?
_Kitty eu...
_Não precisa entender nada agora – interrompeu Kitty como se adivinhasse as palavras do garoto.
_Na verdade... Você... Se parece muito com uma pessoa...
_Que pessoa?
_Uma amiga... Que eu tive na infância... Tanto físico quanto psicologicamente...
_Então?
_Então nada... É só que é um pouco estranho...
_Você esta querendo dizer então... Que acredita em reencarnação?
_Bom... Não é exatamente isso...
_Fique tranqüilo, se eu fosse ela, você já teria percebido...
O garoto chorava...
_O que aconteceu com ela exatamente?
_ela... Ela... Ela... Mo...Morreu...
_Me desculpe... Eu não sabia que...
_SE NÃO SE IMPORTA, EU GOSTARIA DE FICAR SOZINHO!- gritou Draco, apanhando o urso do chão de carpete, e empurrando a garota para fora do quarto.
Ela precisava? Precisava lembrar que Francielle estava morta? Ele simplesmente não enxergava a realidade, acreditava que ainda estava viva mesmo que meramente...Onde quer que fosse... A cegueira da dor era como um véu negro, que o fazia desacreditar no real, vivendo em ilusões... Pobre garoto, sofrido...
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