A CARTA



Durante o resto da semana, Harry tentara, em vão, entender tudo o que havia acontecido. Noivado? Hermione não parecia ser o tipo de garota que se precipitaria a esse ponto, muito pelo contrário, ela seria capaz de repreender as garotas que agiam assim. Então, por quê? As duas cartas que ela lhe enviara, depois daquela noite, não davam explicações acerca do assunto, apenas informavam que Vitor Krum conhecia algumas pessoas no Ministério que podiam interceder a seu favor na audiência disciplinar. Era bastante perturbador imaginar Hermione sendo expulsa de Hogwarts e, depois, casando com Krum. Embora, Harry sabia, a primeira opção estaria fora de questão. Tudo daria certo no fim.

Aquela semana parecia não ter fim. Harry nunca desejou tanto sair dali, a discussão logo cedo não ajudou em nada sua convivência com os tios. Ele havia feito um comentário ingênuo sobre a comida da sua tia e quase levou um tiro de espingarda na testa. Por causa disso, Harry passou o dia trancado no quarto sem almoço e sem jantar. Tentou ler mais algumas páginas dos livros de Oclumência, mas a leitura estava monótona demais. Escreveu umas duas cartas para Rony, pedindo notícias e, mais uma vez, olhou para o espelho quebrado de Sirius. Como sentia falta do padrinho.

Na manhã seguinte, tudo estava embrulhado e preparado para partir pr’A Toca. Sentou-se no primeiro degrau da escada às oito horas, como combinado com os Weasley. Os tios mantinham-se na sala para não darem de cara com as aberrações. Pouco mais das onze horas, ninguém havia aparecido. Harry ficou cada vez mais apavorado. O que será que aconteceu? Não era possível que os Weasley esqueceriam de buscá-lo. Devia ter havido alguma coisa séria. Uma pancada vinda da sala, seguida de um grito de Tia Petúnia, fez o garoto dar um salto. Correu desesperado até o barulho e deu de cara com uma coruja estatelada no chão da sala.

- Será que ela está morta? – Duda murmurou quebrando o breve silêncio que pairava. Os três Dursleys rodeavam o corpo inconsciente do pássaro. Harry se aproximou devagar. Ele reconheceu a coruja no chão quase de imediato. Tio Valter cutucou levemente o corpo de Errol, a coruja dos Weasley, com o pé e deu um pulo pra trás quando ela se levantou de repente batendo as asas, alvoroçada.

- Pega a espingarda, Petúnia. – Walter estava bastante vermelho. – Eu mato esse bicho dos infernos. VOCÊ. – virou-se para Harry, que ainda se encontrava parado na porta. – O que fez dessa vez?

- Como assim? – Harry parecia ter saído de um transe.

- Não se faça de desentendido. – Tio Walter apanhara a espingarda das mãos de Petúnia e deu um passo em direção ao sobrinho. – Da última vez que você aprontou, tivemos uma revoada de corujas.

- Mas eu não fiz nada. – Errol levantou voou mais uma vez. Duda caiu sentado na poltrona logo atrás com o susto. Harry deu um pulo e tentou agarrar a coruja. Ela bateu na parede e caiu na cabeça de Tia Petúnia que deu um grito alto.

- PEGUE A MALDITA CARTA QUE ESSA COISA TROUXE E PONHA-A PRA FORA. – Tio Walter gritou para Harry que mal podia conter um sorriso.

Harry ponderou, por um instante, se devia divertir-se um pouco mais com os gritos e sustos dos Dursleys, afinal, diversão era coisa rara na rua dos Alfeneiros. Entretanto, dado o atraso dos Weasley em buscá-lo aquela manhã, resolveu ler logo a carta em questão. Podia conter alguma explicação ou - Harry não queria pensar nisso - más noticias.

“Querido Harry,
Sinto muito não podermos ir buscá-lo no horário combinado, aconteceu um imprevisto e pedimos a Tonks que nos faça essa gentileza. Ela passará por volta das 3 da tarde, mas ela é dada a atrasos. À noite nos falamos com calma.
Beijos,
Molly Weasley”


Como assim um imprevisto? Harry entrara em um transe momentâneo, mas não teve muito tempo para devaneios acerca do assunto. Tia Petúnia soltara outro grito. Harry apertou os olhos e conseguiu ver alguma coisa pulando no alto da cabeça da tia com extrema felicidade. Harry sabia que a cena era engraçada, mas não conseguiu rir devido à preocupação com a carta anterior. Pichitinho tinha um pequeno envelope amarrado na pata e, com apreensão, o garoto desatou o nó que a prendia à coruja.

Por um instante Harry não sentiu as pernas, caiu de costas na poltrona, antes ocupada por Duda. Alguém só podia estar brincando... Rony só podia estar brincando. Ele podia ouvir uns gritos distantes de seu tio, mas não conseguia identificar o que dizia. Talvez não tivesse entendido direito a carta. Leu novamente. Como...? Rony não...

O garoto se levantou aturdido e, segurando firme a carta nas mãos, sentou-se ao pé da escada novamente. A espera por Tonks parecia uma eternidade. Percebeu Errol voando próximo ao teto e Pichitinho veio lhe fazer companhia. O relógio na parede nunca foi tão bem analisado por Harry. Cada segundo ia avançando devagar. Por fim, às 3:12 da tarde, a campainha tocou. Num pulo, Harry se levantou e agarrou suas coisas. Pichitinho segurou-se como pôde na manga de sua camisa. Ao abrir a porta deparou-se com Tonks espanando uma poeira invisível em seu casaco violeta e estava com um cabelo curto e cor de laranja.

- Olá, Harry! – disse entusiasmada.

- Tudo bem. Vamos? – Puxou suas coisas até trazê-las todas para fora.

- Hei! Não seria certo levá-lo sem comunicar aos seus tios. – Tonks fez uma cara estranha. – Eles podem achar que você foi seqüestrado ou coisa parecida.

- São meus tios, Tonks. – Harry a olhou com calma. – Eles adorariam que isso fosse verdade. E... se quer mesmo saber? Não ligariam a mínima.

- Eles continuam lhe tratando mal? – Tonks encarou o garoto num tom de seriedade. – Não é possível. Mesmo depois do que falamos a eles na estação... Agora tenho mais um motivo para falar com eles. - deu um leve sorriso e entrou na casa.

Podia ver tia Petúnia a encarando no final do corredor, incrédula. Harry olhava apreensivo para todos os lados da rua. Suas coisas a tiracolo. Colocara Pichitinho dentro da gaiola de Edwiges e observou a hora em que Errol saiu voando pela porta aberta, Harry não saia ao certo se ela estava na direção correta. De repente, um estouro dentro da casa. A espingarda de tio Walter.

- TONKS? – gritou Harry.

Quando já ia se adiantando para dentro da casa, Tonks saiu com o cabelo azul na altura dos ombros e com uma cara emburrada. Sem dizer uma palavra ela fez um movimento com a varinha e as coisas de Harry desapareceram. Esticou o braço para o garoto e o chamou.

- Vamos. – limitou-se a dizer.

- O que... O que aconteceu lá dentro? – Harry segurou a mão de Tonks com receio.

- Digamos que eu tenha dado uma lição naquele velho gorducho. – Tonks olhou séria para o garoto. – Desculpe, Harry. Eu sei que são seus tios, mas aquele homem é muito mal educado.

- O que você fez? – ele olhou de esguelha para a porta da frente que ainda estava aberta.

- Não se preocupe. Ele está inteiro. – Tonks agarrou com firmeza as mãos de Harry. – Pronto?

- Não vamos de vassoura?

- De dia? E eu sozinha levando você? – Tonks fez cara de espanto. – A Ordem nunca ia deixar. Embora eu saiba que posso dar conta, seria muito arriscado. Vamos aparatar.

- Eu não sei aparatar. – Harry olhou envergonhado para a moça.

- Eu sei que não. – lançou um olhar complacente. - Até porque não é permitido ensinar essas coisas q menores de idade.

- E então? Como iremos...?

- Aparatação acompanhada. – Ela apertou as mãos nas dele. – Segure-se. Não solte minhas mãos.

Harry sentiu como se fosse puxado em todas as direções possíveis e, ao mesmo tempo, sugado pra dentro de seu próprio corpo. Era como se uma gaiola de ferro encolhesse e o espremesse fortemente. Nunca se sentiu tão nauseado em toda sua vida. Em alguns momentos sentia que as mãos de Tonks lhe escapariam e tentava segurar mais firme. Quando achava que não dava mais para segurar, sentiu um alivio e conseguiu respirar novamente. Desabou sobre a grama nos jardins d’A Toca e vomitou todo o café-da-manha.

- Você está bem, Harry? – Tonks estendeu-lhe a mão para ajudá-lo a levantar. Harry levantou-se sozinho. Segurar aquela mão novamente podia significar outra aparatação. – É normal se sentir mal nas primeiras vezes. Eu não conseguia parar de vomitar por duas horas seguidas logo no início. Depois você se acostuma. Você vai para o sexto ano, não é?

O garoto balançou a cabeça concordando, desconfiado.

- Esse é o ano das aulas de Aparatação. É incrível. Você verá.

Eles seguiram até a porta de entrada d’A Toca. Um dos gêmeos Weasley esperava sentado nos degraus. A expressão dele não transparecia a habitual alegria e descontração de sempre. Harry cumprimentou-o sem saber ao certo qual dos dois era ele, e percebeu, aliviado, um sorriso alargar-se em sua face.

- Está atrasada. Para não perder o hábito, não é?– sorriu para Tonks. – Eu vi a hora da Gina ter um troço.

- Não exagera, Fred. – Gina abriu a porta vermelha. – Já almoçaram?

- Eu adoraria comer essa comida deliciosa. – Tonks se adiantou à mesa.

- Vou avisando. – Fred correu porta adentro. - Foi a Gina que cozinhou.

Harry viu uma faca voar pela cozinha e, por pouco, não acertar Fred, que habilmente sacou a varinha e transfigurou a faca em um avião de papel. Tonks riu.

- Quanta brutalidade, minha irmãzinha. – Fred guardou a varinha no bolso de suas vestes. – O que você faria se eu não fosse tão bom com magia? Ficaria culpada pela morte prematura de seu lindo irmão com uma faca no peito? Imagino o que fariam com você em Azkaban... UHHHH

- A mamãe e o papai saíram logo cedo. – Gina ignorou os comentários sarcásticos de seu irmão mais velho. – Tive que cozinhar para não morrer de fome. E, por mais que Fred diga o contrário, sou muito boa na cozinha.

- Ninguém está duvidando disso. – Fred se sentou e pôs os pés cruzados sobre a mesa num tom de desleixo. – Fiz apenas um comentário ingênuo sobre quem havia feito a comida.

- Podem se servir. – Gina terminou de colocar a comida na mesa e deu um tapa na perna de Fred. – Tenha modos, Fred. O que a mamãe diria se ela estivesse aqui?

- Suponho que o mesmo que você, “mamãe”. – Fred se ajeitou na cadeira.

- Sinceramente, se era para deixar alguém como babá, pelo menos que fosse alguém que não precisasse de uma. – Gina pôs alguns legumes cozidos num prato e o ofereceu a Harry.

- Preciso falar com o Rony primeiro. – Harry apontou para cima e fez menção de subir as escadas.

- Acho uma boa idéia. – Harry parou um instante. - Ele não sai do quarto faz três dias. Com você aqui, quem sabe se ele não desce pra almoçar? Estou começando a ficar preocupada.

Fred deu uma tossida forçada e foi até a gaiola onde Edwiges e Pichitinho estavam. Olhou para fora da janela, talvez procurando Errol. Ao subir as escadas, Harry ouviu uma discussão escada abaixo. Gina e Fred recomeçaram a brigar. Nessas horas Harry sentia falta de irmãos para implicar. Bateu à porta do quarto de Rony duas vezes antes de ouvir uma resposta.

- NÃO ENCHE.

- Sou eu, Rony. – o garoto hesitou um pouco, retirou a carta que recebera mais cedo do bolso e continuou. – Harry.

Demorou um pouco para a porta se abrir e revelar um Rony de aparência deprimente. Ainda vestia seu pijama azul, os olhos estavam inchados e vermelhos e seus cabelos ruivos totalmente desarrumados.

- O que foi? – Rony continuava parado à porta. – Se quiser falar comigo, seja breve. Não estou de bom humor hoje.

Definitivamente, Rony não era o mesmo. Harry esticou o braço e mostrou a carta ao seu melhor amigo, que arregalou os olhos inchados e engoliu em seco.

- O q-que é isso? – o ruivo tremia ao ler as breves palavras contidas na carta.

- Isso é o que eu gostaria que VOCÊ me dissesse.

- Como isso chegou até você? – Rony estava branco.

- Por meio coruja. Existe algum outro meio que eu não conheça? – Harry olhava desconfiado pra Rony. – Se isso for uma brincadeir...

- AQUELA CORUJA MALDITA. – Rony saiu do quarto apressado e quase derrubou Harry. – EU MATO AQUELA DESGRAÇADA.

OS dois desceram as escadas em seqüência. Rony tropeçava e proferia palavrões, logo em seguida vinha Harry, correndo atrás dele, sem entender o que estava acontecendo. O ruivo estava a matar Pichitinho assim que o encontrasse. Ao chegar à cozinha, Harry aproveitou-se de um tombo de seu amigo e se adiantou.

- TIREM AS CORUJAS DAQUI. – Harry olhou em volta e viu Fred segurar a gaiola rapidamente. Errol irrompeu pela janela e tombou num jarro de suco de abóboras que estava na mesa.

Tonks sorria com um copo na mão. Gina continuava sentada calmamente numa cadeira próxima, apesar da balbúrdia do recinto. Fred aproveitou-se da bagunça que Errol provocou para sair da cozinha com a gaiola contendo Edwiges e Pichitinho nas mãos. Rony caiu de joelhos e murmurou algumas coisas, em seguida se dando por vencido se levantou de cabeça baixa. Foi até Harry nas escadas e entregou-lhe a carta.

- Era para a Hermione. – Rony falou baixinho. – A carta. O Pichitinho deve ter seguido o Errol quando a mamãe mandou a carta dela. Eu sabia que não devia ter mandado nada. Foi melhor assim.

Harry viu o seu melhor amigo subir as escadas desolado. Olhou a bagunça na cozinha e lançou um sorriso amarelo para Gina que se levantou devagar. Pensou se deixar o amigo sozinho por um instante era o melhor a fazer, e concluiu que sim. Tonks, num movimento de varinha, arrumou a mesa completamente e, em seguida, saiu para falar com Fred. O corpo inconsciente de Errol foi retirado e colocado próximo da janela por Gina. O prato de legumes ainda estava à espera de Harry.

Gina sentou-se ao seu lado e ficou sem saber o que falar por um instante, apenas sorriu. Harry não havia percebido antes o quanto Gina tinha um sorriso bonito e, por um instante, pegou-se pensado em como seria beijar aquela boca. Não foi preciso esperar muito para descobrir. Sem querer, o papel em sua mão caiu e Gina agachou-se para pegar. Harry gelou e empalideceu.

- Er... – Harry não conseguia falar. Olhou para trás, Rony iria matá-lo.

- O q...? – Gina olhou para Harry vermelha.

– Eu posso explicar. – Não, ele não poderia.

- Eu sinto o mesmo, Harry.

Ao terminar de dizer isso, Gina se aproximou e beijou Harry na boca, tão repentinamente que o fez derrubar o garfo que ainda segurava. Ele a abraçou e retribuiu o beijo carinhosamente. Depois de instantes que pareceram eternidade eles se separaram. Harry ainda sentia o delicioso gosto dos lábios de Gina na boca quando ela se levantou e subiu, sorridente, as escadas com a carta que Rony escrevera para Hermione nas mãos. As palavras escritas ainda estavam marcadas na memória de Harry:

“Eu te amo”

Ele sabia que o correto seria contar a verdade para Gina. Mas as palavras de Gina em resposta ao conteúdo da carta também lhe marcaram a memória: “Eu sinto o mesmo”. E, Harry admitia, adorou beijá-la.

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