SURPRESAS EM NOITE CHUVOSA



Capítulo I
SURPRESAS EM NOITE CHUVOSA



O céu mantinha-se cinzento durante toda a semana. Aquele dia não poderia ser diferente. Harry olhou de soslaio para a pilha de embrulhos vazios no canto do quarto, seu aniversário fora há dois dias e ele recebera os presentes das pessoas de sempre. Um presente em especial tirara um pouco a sua alegria. Hermione havia lhe mandado um enorme e pesado embrulho pelo correio trouxa, o que Harry e os Dursleys estranharam bastante. Quando Harry rasgou o papel que envolvia o presente, sentiu um pouco da angústia que estivera tentando conter durante todo o verão. Os dois grossos livros sobre Oclumência, que ela mandara, estavam, agora, sobre a cama, ao lado do espelho que Sirius lhe dera de presente de Natal, e estava quebrado.

Harry estava visivelmente entediado. Descera as escadas para o jantar logo depois que os seus tios e o primo haviam saído. As coisas não iam bem lá na rua dos Alfeneiros, nº. 4, embora nunca tivessem ido, é verdade, mas, agora, estavam piores. Estava estritamente proibido de sair de casa e, por vezes, de seu quarto. Tio Válter andava para todos os lugares com uma espingarda de caça que comprara, Harry desconfiava, de um comerciante ilegal. Duda temia a simples presença de Harry no mesmo cômodo. E tia Petúnia parecia mais pálida a cada dia. O ataque dos Dementadores no ano anterior mexera com as coisas mesmo.

Abriu a geladeira e pegou um pedaço de peru defumado e colocou no pão. Pegou a jarra com suco de maçã e encheu o seu copo, tranqüilamente. Depois de umas duas mordidas no pão, resolveu subir até seu quarto e encarar aqueles livros. Se, ao menos, tivesse ouvido a amiga há algumas semanas atrás, talvez Sirius estivesse vivo... Mas, não adiantaria remoer o passado, teria que superar a morte de Sirius e aprender, de vez, a arte da Oclumência.

O ressoar de trovão tirou a concentração de Harry e o fez derrubar o copo de suco. Ao se abaixar para limpar o estrago, sentiu uma forte pontada na testa. A dor era insuportável, nunca sentira sua cicatriz doer tanto assim antes. Harry caiu no chão gritando, seu rosto foi arranhado pelos cacos do copo quebrado e o sangue se misturou com o suco de maçã derramado. Com o ressoar de um outro trovão a dor se dissipou repentinamente. Foram apenas dois minutos de dor, mas, para Harry, pareceram uma eternidade. Levantou cambaleante e dirigiu-se à pia da cozinha. Molhara o rosto e viu seu próprio sangue escorrer pelo ralo. Pegou um pano úmido de limpou a sujeira no chão. Subiu sem terminar o seu sanduíche. Fez um pequeno curativo no rosto e voltou a se trancar no seu quarto.

O que será que estava acontecendo? Que dor foi aquela que sentira a pouco? Voldemort estava bastante zangado ou extremamente feliz, supunha. Mas por quê? Harry pegou-se tentando decifrar a mente de seu inimigo e, sem querer, sentou sobre o espelho quebrado. Olhar para o espelho o fez voltar a si. Sirius estava morto por causa da sua ânsia em descobrir o que Voldemort pensava. Fora enganado uma vez. Quem sabe se isso não era para lhe enganar novamente?

Harry, a muito contragosto, abriu um dos livros de Oclumência que a amiga lhe mandara. Outro trovão, logo a chuva começou a cair. O garoto percebeu quando os seus tios chegaram. Subiram as escadas resmungando. Duda ligou a Tv na sala, mas, não demorou muito para ouvir Tio Válter gritar do quarto para ele ir dormir.

Harry olha para o desenho de um cérebro com uma fechadura. O silêncio não demora a chegar. O livro o manda fechar a mente. Apenas o som da chuva lá fora. Harry tenta libertar sua mente de qualquer lembrança. Um relâmpago cruza os céus. O sono, aos poucos, vai tomando conta dele. Ele consegue ouvir sua própria gargalhada insana. Vê a Marca Negra se formar numa névoa esverdeada. Um estrondo o faz voltar de seus sonhos.

O garoto olha para o relógio na parede de seu quarto. Passava quinze minutos da meia-noite e ainda chovia bastante. O livro que estava lendo, quando adormeceu, estava no chão. Olhou a sua volta para descobrir de onde viera o barulho que o acordara. Por trás da janela fechada, Edwiges estava ensopada com um envelope atado em sua pata esquerda. Harry logo tratou de abrir a janela para a coruja entrar e pegar o envelope.

Um enorme “URGENTE” estampava o envelope em letras púrpuras. A julgar pela caligrafia redonda e perfeita, só podia ser de uma pessoa... Com o coração acelerado, o rapaz abriu imediatamente o envelope. Suas mãos tremiam ao ler cada uma das palavras escritas.

“Harry,
Preciso falar com você urgentemente. Aconteceu uma tragédia... Usarei a lareira dos seus tios.
Hermione.”


Tragédia? Como assim? O que será que havia acontecido? Será que a dor em sua cicatriz, que sentira a poucas horas, tinha alguma relação com o que a amiga queria conversar com ele. Ele sabia que Hermione não costumava exagerar e nem brincar com essas coisas. O que aconteceu devia ser bastante grave. E como ela usaria a lareira dos seus tios? Ela não estava incluída na Rede-de-Flu. Os Weasley usaram-na há dois anos, mas tiveram que pedir autorização ao Ministério da Magia, como a Hermione conseguiria... Um relâmpago cruzou o céu mais uma vez. Harry abriu a porta de seu quarto rápido e correu escada abaixo. Escorregou no tapete da sala e quase caiu. Olhou para a lareira de maneira suplicante. Ajoelhou-se e esperou a amiga aparecer.

Duas horas de agonia extrema depois, faíscas esverdeadas apareceram na lareira vazia. Hermione se materializou logo depois. Espanando as cinzas de suas vestes, ela sorriu amarelo para Harry. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, denunciando que ela havia chorado bastante. Antes que Harry pudesse abrir a boca para perguntar algo.

- Harry! – Hermione o abraçou apertado.

- H-Hermione? – Harry tentou se manter em pé. – O que aconteceu?

A garota afastou-se dele lentamente e caiu de joelhos, recomeçando a chorar. Ela não conseguia parar de soluçar. Balbuciava alguma coisa, mas as lágrimas e o soluço a impediam de verbalizar o que tinha a dizer.

- Meu deus, Hermione! – Harry ficou de joelhos ao lado da amiga. – Me diga o que está acontecendo...

- O Rony...

- O que tem ele? – Harry viu algo estranho no olhar de sua amiga, não conseguia dizer o quê.

- Por que ele tinha que estar lá? – Hermione conseguiu falar. - Por quê?

- Você está me assustando... – Harry tremia. – O que aconteceu com ele?

- Ele não podia... – ela recomeçou a chorar.

- Me diga o que está acontecendo... – Harry a encarou firmemente. – Por favor.

A garota respirou fundo e baixou a cabeça, contendo o choro.

- E então? – Harry não conseguia manter-se calmo.

- Fui chamada ao Ministério para uma audiência. – ela falou baixinho.

- O quê? – Harry pareceu confuso. – O que...? O que isso tem a ver com...? Onde está o Rony?

Hermione encarou o chão. Harry percebeu que a bolsa que a amiga trazia sob o braço estava se mexendo. A garota, então, estendeu-a, relutante, para ele. Ele a pegou cuidadosamente e a examinou sem entender. Fez uma cara de incompreensão para a amiga. Hermione fez um gesto para que ele a abrisse. Um rato de pêlo avermelhado saiu de dentro da bolsa e a garota recomeçou a chorar.

- Eu juro que não entendi. – Harry segurava imóvel a bolsa nas mãos. – Onde...?

Soluçando, Hermione apenas apontou para o rato, que tentava se esconder perto do sofá.

- Só quero que me explique o que esse rato tem a ver com o que aconteceu com o Rony. A não ser que... Oh, Meu Deus! – Harry olhou espantado para o rato. – Como isso foi acontecer?

- Eu não tive a intenção... Nada disso era para acontecer. Eu apenas tentei evitar que algo pior acontecesse.

- E o que poderia ser pior que isso? – o garoto apontou para o rato.

- Ele... – a garota havia parado de chorar e falava bastante rápido. – Tentava duelar com o Vitor...

- Ele o quê? – Harry a interrompeu. – Ele estava tentando duelar?

- É. – Hermione o encarou. – Ele apontou a varinha para o Vitor...

- Vitor? – Harry, mais uma vez, a interrompeu. – Vitor Krum? É sério? Mas o que... Como?

A amiga corou. Sua face ficou mais vermelha que os cabelos ruivos de Rony. Vitor Krum era o apanhador da seleção da Bulgária e a havia acompanhado ao Baile de Inverno em Hogwarts há dois anos. Rony era um fã incondicional dele, lembrava da Copa Mundial de Quadribol. Embora Harry soubesse que agora o seu melhor amigo não o suportava... Não depois dele ter dançado com Hermione no Baile. Não depois disso. Mas o que ele estava fazendo ao tentar duelar? Onde exatamente eles se encontraram?

- Vitor me fez uma visita. – Hermione quebrou o silêncio momentâneo.

- E o Rony tentou duelar por causa disso?

- O fato de ele ser um idiota, todos nós já sabemos, não é? – Hermione demonstrou um estranho menosprezo em sua voz.

- Isso não é verdade, Hermione. – Harry tentou conter o rato que avançava furioso para atacar a garota.

- Ora, vamos! A quem você quer enganar?

- Olha, eu não vou discutir isso agora. – Harry não conseguiu impedir o rato de morder o sapato de Hermione e nem o chute que ela deu nele. – Mas, voltando a... Você ainda não me explicou como isso tudo aconteceu.

Hermione olhou feio para o rato. Respirou fundo, parecia tomar fôlego para contar uma longa história. Não parecia mais demonstrar a tristeza do começo da conversa.

- Tudo bem, Harry. Vou te contar tudo. – começou. – Você sabe que eu e o Vitor estamos namorando há um ano, então...

- Vocês o quê? – Harry, que ainda estava de joelhos, perdeu o equilíbrio e caiu para trás sobre o tapete.

- O que foi, Harry? – Hermione fez cara de espanto. - Por que tanto estardalhaço?

- Como assim? – O garoto se levantou e puxou uma cadeira para mais próximo para poder sentar – Namorando há um ano? Como...?

- Vai me dizer que você não sabia... – a garota parou um instante para refletir. – Ah, é verdade, você não sabia. Pois bem. Agora está sabendo. Continuando...

- Hermione, mas... Como assim? – Harry não compreendia a tranqüilidade da garota ao falar isso. – você não pode estar namorando todo esse tempo sem que a gente saiba...

- Algum problema? – ela fez uma cara de desafio.

- Não, claro que não. Mas é que... – o rato guinchou baixinho próximo da cadeira de Harry. – Tudo bem. Continue.

- Vitor me mandou uma coruja dizendo que precisava falar comigo e que era bastante importante. – Hermione corou um instante e Harry abriu a boca para falar alguma coisa, mas foi compelido a calar. – No dia seguinte, no caso ontem, Vitor apareceu logo cedo e ficamos conversando o dia todo, e nem percebemos as horas se passarem. Durante a noite, quando ele já se despedia, ELE – apontou para o rato. – apareceu.

- E o que exatamente aconteceu quando o Rony apareceu?

- Ele queria me perguntar alguma coisa sobre um feitiço... Não sei bem. – Hermione tentava puxar alguma coisa da memória. – Só me lembro que ele começou a discutir com o Vitor, a gritar e apontar a varinha para ele.

- O Rony...? – Harry olhou desconfiado para o rato, que parecia irritado.

- É, o Ronald. – Hermione falou aborrecida. – Você sabe que o Vitor não leva desaforo para casa. Eles iam começar um duelo, quando eu me intrometi.

- Quando você transformou o Rony num rato você quer dizer.

- Não foi bem assim. Você sabe que o Vitor conhece bem mais feitiços que o Rony... Eu só tentei amenizar o fato de que o tapado do Rony não saberia se defender.

- E o transformou num rato por causa disso. – ele o encarou.

- Você está exagerando, Harry. – Hermione o encarou de volta. - Isso não é grande coisa.

- Como assim não é grande coisa? O Rony virou um rato, Hermione. – Harry alteou um pouco o tom de voz. – Pequena coisa é que não é.

- Olha, eu só tentei ajudar. Lancei o primeiro feitiço que me veio à cabeça.

- Que foi...?

- Bem... Acho que me atrapalhei um pouco.

- Você o quê? COMO você se atrapalhou num feitiço? A Hermione que eu conheço nunca faria isso.

- Muito obrigada. Mas, Harry, não seja irônico. A verdade é que, aconteceram tantas coisas durante o dia que... Bem, eu simplesmente me confundi, oras. Isso é normal.

- É muitíssimo normal, Mione, mas não para VOCÊ.

- Sem gracinhas. – a garota corou mais uma vez. – Logo depois recebi uma carta me informando que eu teria que comparecer a uma audiência no dia 25 de agosto. Infringi uma regra, Harry. Usei magia fora da escola. Vou ser expulsa. Isso é uma tragédia.

O silêncio reinou por alguns segundos. Um relâmpago cruzou o céu durante o silêncio, seguido pelo barulho de um trovão. Harry estava de boca aberta, olhando para Hermione. A garota o encarou com uma expressão de incompreensão.

- Todo aquele estardalhaço sobre tragédia... Era só por causa disso? – Harry olhou irritado para a amiga.

- Como assim, “só por causa disso”? Eu vou ser expulsa, Harry.

- Tragédia é o que aconteceu com o coitado do Rony. Ele virou um rato, oras. Temos que fazer alguma coisa.

- Isso é simples. Leva ele para o Hospital St. Mungus que eles resolvem num instante. Agora se eu for expulsa, hospital algum poderá fazer nada. O que EU vou fazer?

- PEDIR AJUDA AO SEU ADORADO VITINHO.

Harry e Hermione se assustaram. O garoto caíra agora da cadeira onde estava sentado. O grito e o barulho de sua queda fizeram com que Tio Válter se manifestasse escada acima. Ele soltou um berro para que “a aberração” fizesse silêncio. Rony mantivera-se em pé a frente a Hermione. Sem dizer uma palavra a mais, puxou a bolsa da amiga, pegou um punhado de pó-de-flu e dirigiu-se a lareira.

- A TOCA. – vociferou ao jogar o pó sobre seus pés e desapareceu envolto às chamas esverdeadas.

Os dois que ficaram na sala se entreolharam, cada um mais espantado que o outro.

- Como ele conseguiu voltar ao normal? – perguntaram um ao outro ao mesmo tempo. – Não sei. – responderam, também, ao mesmo tempo.

Depois de alguns instantes, Hermione se levantou. Ainda estava com os olhos vermelhos.

- Acho que é melhor eu ir também. Desculpe incomodar você, Harry. – pegou o pouco pó-de-flu que restara na bolsa. – Tenho que preparar minha defesa para a audiência disciplinar. Talvez seja melhor eu pedir ajuda ao Vitor mesmo. Ele conhece muita gente no Ministério. – ela suspirou. – Foi ele que conseguiu incluir a lareira dos seus tios na Rede-de-Flu. Quem sabe ele possa fazer alguma coisa. – Até mais, Harry.

- Hermione? – o garoto a interrompeu no momento que ela ia jogar o pó-de-flu na lareira. – Posso te fazer uma pergunta?

- O que quer saber?

- O que o Krum queria falar, de tão importante, contigo? – Harry a olhou desconfiado. – Sei que não é da minha conta. Se não quiser dizer, tudo bem.

Foi então que Harry notou algo diferente em Hermione, mais precisamente em sua mão direita. Um anel dourado com um imenso diamante no meio. Era magnífico.

- Ele me pediu em casamento e eu aceitei. – ela disse com um sorriso nos lábios e levemente corada. Lançou o pó-de-flu na lareira e desapareceu.

Um trovão ressoou no céu da rua dos Alfeneiros. A chuva continuava a cair forte. Harry estava imóvel sobre o tapete da sala, acabara de cair novamente da cadeira e dessa vez pensou ter passado do chão.



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