O Vôo para Edimburgo
Capítulo Um – O Vôo para Edimburgo
“The Herald of the Latines
From Gabii came in state:
The Herald of the Latines
Passed through Rome's Eastern Gate:
The Herald of the Latines
Did in our Forum stand;
And there he did his office,
A sceptre in his hand”.
***
Harry passara a madrugada arrumando uma mala com alguns pertences; partiria para Roma na metade da manhã. Arrumou, em dois potes distintos, água e comida suficientes para que Bichento não passasse fome durante o tempo que ele estivesse fora. Não tinha certeza absoluta de quando voltaria, ainda que não estivesse em seus planos ausentar-se por mais de uma semana. Depois de colocar a mala no carro e fechar as portas e janelas da casa, ele começou a viagem em direção ao sudoeste.
Em pouco tempo, ele chegou ao Aeroporto Leonardo Da Vinci, de Roma. Escolhera o modo trouxa de viajar porque não tinha a menor pressa, e isso se confirmou nas duas horas e meia que permaneceu na sala de espera, apenas lendo alguns jornais – trouxas, obviamente – e observando a movimentação dos aviões na pista de pouso.
Apesar de seus planos serem para uma viagem tranqüila e solitária até Edimburgo, seu sossego foi interrompido algum tempo antes do embarque; um pequeno grupo de bruxas inglesas o reconhecera – para a aflição de Harry – e começara a agir como se a ele devessem a vida, pedindo autógrafos, tentando abraçá-lo e até mesmo usando uma máquina fotográfica trouxa para tirarem fotos dele.
Há algum tempo não passava por esse tipo de situação. Mais precisamente, desde setembro, quando fora a King’s Cross levar a filha. Absolutamente odiava aquilo, mas não poderia culpá-las. Respirou fundo e tentou dispensá-las da maneira mais sutil possível, uma tarefa que se revelou bem mais complicada do que o imaginado a partir do momento em que perguntas sobre a sua cicatriz tornaram-se o centro da conversa, ou melhor, do interrogatório.
Cansou-se de repetir que a marca que o ligava a Voldemort realmente desaparecera no dia em que o destruíra – e que toda essa badalação deveria ter terminado junto, há mais de onze anos –, mas ninguém parecia entender, ou querer entender, para assim poderem passar mais tempo próximo ao “Menino-Que-Sobreviveu”.
Por fim, a primeira chamada para seu vôo foi feita e Harry encontrou a oportunidade perfeita para escapar do assédio. Carregando apenas uma maleta, ele apresentou-se para o check-in, esperando ter livrado-se das inconvenientes bruxas, e foi quando alguém gritou às suas costas:
– Potter! Potter!
O bruxo virou-se intuitivamente e, somente no meio do movimento, ocorreu-lhe que poderia ser mais um daqueles desocupados querendo perguntar coisas desagradáveis, ou apenas constatar se o boato de que a cicatriz desaparecera era mesmo verdadeiro.
– Potter! Harry Potter!
– Ouça, sinto muito, chamaram meu vôo, eu preciso ir – Harry tentou desculpar-se, fazendo algum gesto no ar, sem nem ao menos olhar para o rosto de quem o chamara.
– Estamos no mesmo vôo – o ruivo informou e ofereceu a mão, esperando que um Harry muito surpreso o cumprimentasse. – Dumbledore me enviou.
Harry prendeu a respiração e sentiu as pernas enfraquecerem, não se preocupando em retribuir o cumprimento. A imagem das pessoas no aeroporto se aproximou e depois se afastou, e assim sucessivamente, até perceber que estava tonto. Tão tonto e confuso que se sentiu incapaz de reagir, incapaz de pensar em uma explicação, incapaz até de respirar.
– Harry, eu… – Rony pegou em seu braço, tentando impedir que Harry desmaiasse ali mesmo, coisa que ele estava prestes a fazer, tamanha a surpresa.
Ele esperou o amigo – pelo menos era assim que Rony ainda o considerava – respirasse fundo e que um pouco de cor voltasse a seu rosto, antes de continuar:
“Harry, eu sei que devo…”
Entretanto, ele foi interrompido pela segunda chamada para o vôo. Parou para ouvi-la e, segurando o braço esquerdo de Harry com mais força do que pretendia, falou mais uma vez:
“Vamos entrar no avião, Harry. Conversamos lá dentro.”
Harry, atônito, deixou-se conduzir pelo antigo amigo, mesmo sabendo que provavelmente era um estranho que estava pegando em seu braço; que um estranho poderia estar levando-o a algum lugar perigoso. Sua mente estava interpretando tudo em uma velocidade mais lenta do que a normal, esperando que aquela situação pudesse fazer sentido. O homem ao seu lado era extremamente semelhante ao Rony Weasley que ele conhecera, extremamente semelhante à imagem que Harry sempre fizera de um Rony mais velho. Porém, isto era impossível. Rony morrera, ele fora testemunha. Dumbledore mesmo dissera que nenhum tipo de magia pode trazer de volta os mortos. Então, quem seria este estranho que estava ao seu lado e que o chamara pelo nome?
As poltronas em que eles sentaram eram vizinhas; se tivesse realmente sido Alvo Dumbledore quem planejara esse encontro, então ele o fizera nos mínimos detalhes. Harry não esperou que a aeromoça começasse a passar as instruções; não esperou que as portas do avião fossem fechadas e que o avião começasse a mover-se pela pista de táxi. Uma pergunta queimava em sua boa há mais de dez minutos e, ao encontrar essa oportunidade, não hesitou em pronunciá-la lentamente, esperando que o homem que estava sentado à sua esquerda respondesse:
– Quem é você?
– Como assim, “quem sou eu”? Eu sou o Rony – foi a resposta que conseguiu, como se fosse a mais óbvia do mundo.
– Rony está morto – Harry replicou mais rapidamente do que fizera a pergunta anterior, falando com frieza, encarando o estranho e procurando algum sinal, qualquer sinal, que lhe permitisse acreditar que, apesar de tudo, ele estava enganado. – Por que Dumbledore mandaria você?
– Ele precisa conversar com um de vocês sobre a Leahnny.
Harry suspirou, não acreditando nem um pouco no que ouvira. Se houvesse uma mínima possibilidade de Rony não estar realmente morto, então seria necessário mais do que um simples recado de Dumbledore para fazê-lo reaparecer. Era loucura isso. Rony estava morto. Harry o vira morrer e comparecera ao enterro… Não entendia como sua mente ainda poderia considerar algo assim depois de tanto tempo. Não, ele já superara e não seria enganado por alguém que encontrara uma forma de se passar pelo amigo. Não se deixaria atormentar mais uma vez, não agora que estava tudo no passado.
– É engraçado, não acha? – Harry comentou casualmente, dessa vez sequer encarando o estranho. Achava que ele não merecia que o fizesse.
– O que é engraçado?
– Sabe, eu admito que sofri com a sua morte. Hermione também sofreu… mas, depois de um tempo, nós superamos… então ficamos juntos, as coisas conseguiram se acertar… É engraçado você resolver voltar dos mortos justo agora… Não sei o que você pretende, me culpar ainda mais, quem sabe? Porque, se for isso, tenho certeza de que não vai dar certo.
– Não é isso, Harry… – Rony respondeu em um tom calmo, ainda que sua voz carregasse algo que poderia ser distinguido como consternação por quem analisasse atentamente.
– Então o que é? O que o fez voltar agora e fingir a própria morte por mais de quinze anos? Porque só posso supor que você tenha fingido, já que nenhuma magia pode trazer os mortos de volta… – Harry encarou a janela como se a vista do aeroporto, que agora parecia mover-se por causa do deslocamento do avião, fosse muito mais interessante.
– Você tem razão, eu não morri… eu tive de fazer alguns sacrifícios, mas…
– Você teve de fazer alguns sacrifícios? Explicação perfeita essa, não? “Sinto muito, Harry, mas escolhi enganar todos a minha volta, dizendo que morri, fazer todos sofrerem, para de repente voltar e dizer que tudo não passou de uma piada de primeiro de abril”.
– Não é isso, Harry… eu vou precisar de algum tempo para explicar-lhe todos os detalhes e só por isso não vou levar em conta o que você disse.
Harry suspirou em impaciência, mas isso não impediu que Rony continuasse.
“Há um motivo para o que eu fiz, Harry.”
– Deve haver mesmo. E espero que seja um motivo muito bom para explicar o que você fez.
– Eu disse um motivo. Se ele é bom ou não… para mim, foi o suficiente. É só isso que sei.
– Por que, Rony? – perguntou Harry, sem acreditar sinceramente que o homem a sua frente fosse, de fato, o amigo que ele acreditava estar morto.
– Foi por Dumbledore – Rony sussurrou, evitando que a conversa fosse ouvida.
– Por que ficar escondido tanto tempo? Por que não nos procurou? – sua voz soava magoada e ressentida enquanto ele tentava buscar uma explicação, algo que o permitisse acreditar que, de fato, não perdera seu amigo.
– Porque passei esses anos todos investigando um bruxo que sempre foi muito importante no círculo de Voldemort. Você sabe que tipo de trabalho é esse… eu não poderia procurar ninguém, muito menos você.
– É claro… não poderia procurar o grande Harry Potter, já que ele nunca foi capaz de proteger a mente contra as invasões de Voldemort… – Harry odiava profundamente quando as pessoas o tratavam de maneira diferente.
– Não foi isso que eu quis dizer. Admita ou não, você é o alvo mais visado pelos seguidores de Voldemort, e eles não poderiam saber que eu estava vivo.
– Por que não?
– Eu não posso explicar sobre a missão, Harry… a única coisa que posso dizer é que não podemos deixar ninguém saber nem que os Inomináveis existem…
– Achei que você estivesse trabalhando para Dumbledore e não para o Ministério.
– E desde quando não é Dumbledore que manda no Ministério? Harry, eu não posso lhe contar detalhes do que eu fiz durante esses anos. Não sem a permissão de Dumbledore…
– Então quer dizer que já descobriu o paradeiro desse bruxo que você estava perseguindo para poder voltar agora? – O cérebro de Harry começava a analisar mais objetivamente a situação.
– Dumbledore pediu para que eu voltasse. Você é a primeira pessoa que encontro desde que deixei o trabalho. Mas não, eu não o encontrei; muito pelo contrário, estou de volta porque perdemos todas as pistas. Não temos mais nada.
– Você pode me dizer ao menos com quem você trabalhava?
– Kingsley, alguns aurores, certos membros da Ordem…
Harry continuava pensando e analisando cada informação recebida. Rony… Inominável… perseguindo bruxos das trevas junto com aurores e com a Ordem da Fênix… voltando agora, depois de ter desaparecido por quinze anos… voltando agora porque Dumbledore precisava conversar com Harry sobre Leahnny…
– O que isso tem a ver com a minha filha? – parando imediatamente o raciocínio, Harry perguntou o que lhe viera à mente.
– Nada, eu presumo. Dumbledore precisava de alguém para encontrá-lo, eu havia acabado de acertar a minha volta e também tinha decidido que você seria o primeiro a saber. Apenas unimos os dois interesses.
Minutos de silêncio seguiram-se; Rony esperando alguma reação de Harry, enquanto esse considerava se deveria dar ao bruxo ao seu lado um voto de confiança; se deveria aceitar essa versão dos fatos, acreditar que Rony estava de volta e esquecer os anos que distanciaram os dois amigos.
Preferiu esperar mais um pouco e não precipitar sua decisão, então mudou de assunto:
– E… seus pais? Eles sabem?
– Não. Foi muito duro fazê-los sofrer. Você não tem idéia de como eu me sentia quando os via. Para falar a verdade, eu realmente morri naquela época. Morri por dentro, Harry.
Harry parou por um momento para encarar o amigo, que parecia concentrado em observar a poltrona à sua frente.
– Você continuou vendo seus pais durante esses anos?
– Sim. Sempre de longe, mas eu dava um jeito. Seria impossível simplesmente me afastar de tudo e de todos.
Os gestos, as expressões, o tom de voz de Rony demonstravam sua sinceridade e Harry, aos poucos, deixou-se acreditar nisso. Ele poderia apenas imaginar de onde Rony tirara coragem para escolher abandonar tudo – principalmente a família – por causa de uma missão.
– Você vai voltar para a Toca? – Harry perguntou.
– Preciso saber qual a reação deles primeiro.
– Como? Pediu para que Dumbledore os contasse?
– Eu… na verdade, estava pensando em outra pessoa para me ajudar.
– Quem?
– Você, Harry… Eu esperava que você falasse com eles, mas não quero lhe pedir isso, principalmente não agora… eu sei que você ainda não acredita em mim...
– Não sei se não acredito em você… e eu não mantive muito contato com eles durante esse tempo…
– Eu sei. Por isso mesmo pensei em você antes… mas eu posso falar com eles, você não precisa fazer isso por mim…
– Eu posso contar a eles… acho que você nem deve temer a reação deles. Tenho certeza que a Sra. Weasley ficará muito feliz em reencontrá-lo.
Rony baixou os olhos, novamente evitando encarar Harry. O amigo notou que ele estava muito nervoso, massageava os nós dos dedos e prendia as lágrimas. Da última vez em que o vira, Rony era apenas um garoto de dezoito anos, muito diferente do homem que agora precisava de boas-vindas, que precisava de apoio e precisava deixar de sentir-se só, e lembrar que a amizade entre eles não seria apagada por alguns anos de distância.
Harry finalmente abraçou o amigo, permitindo que as lágrimas de Rony finalmente irrompessem. Harry também chorou. Sem lágrimas, mas chorou ao admitir, por fim, que estivera errado, que o bruxo a sua frente era realmente Rony e não um impostor qualquer que só queria fazê-lo sofrer e trazer de volta as más lembranças.
– Obrigado – Rony murmurou e se desvencilhou do abraço.
– E a Luna, Rony?
– Não sei se ela precisa de mim agora…
– Eu soube que ela teve um filho… – comentou Harry.
Embora ninguém pudesse negar a semelhança entre Billy e Rony, Harry preferia ouvir do próprio amigo a confirmação de que era pai.
– É… eu também soube dele… mas foi só depois que eu fui embora…
– Ele ainda está em Hogwarts, mas duvido que não sinta sua falta.
– A Luna… – Rony respirou fundo, olhando para o chão –… ela não deixou que eu o visse, pelo menos no início… e agora… eu não sei o que ele sabe sobre mim. Talvez nem queira me ver. Billy já é maior de idade, talvez até tenha sido melhor ele ter crescido longe…
– Você não pode dizer uma coisa dessas, porque não sabe como é crescer sem ter os pais… – Harry respondeu, seu tom mais áspero do que pretendera.
Rony manteve os olhos baixos e murmurou:
– Desculpe, eu não tive a intenção… É que é muito mais fácil pensar assim. Me ajuda a esquecer das centenas de noites que eu passei em claro, imaginando como seria nossa família se pudéssemos ter convivido.
– E quanto à Luna?
– Ela… – Rony fez uma pausa. Pretendia continuar a frase, mas não conseguiu. Em pouco tempo, aquela parada transformou-se em lágrimas, consoladas por um novo abraço de Harry.
“Ela sabia de tudo… eu contei antes de ir embora. Era a única pessoa de fora que sabia. E… ela não reagiu muito bem, acho que por causa da gravidez.” Rony continuou depois de um tempo.
– Vai procurá-la agora?
Depois de um longo suspiro, Rony disse:
– A decisão é dela. Daqui pra frente, todos saberão onde estou. Se ela achar que ainda temos o que conversar…
– Hum… e você me acompanha até Hogwarts quando chegarmos? – perguntou Harry, decidindo que essa seria a última questão que permitiria confiar totalmente em “Rony”. Queria ver se ele não tinha medo de encontrar Dumbledore.
– Sim. Também tenho que falar com o Diretor.
– Se quiser, posso ir com você à Toca no domingo, mas antes preciso buscar Hermione.
Pela primeira vez, em dezessete anos, Harry viu seu amigo sorrir.
– Eu fiquei de olho em vocês também. – Rony piscou para Harry. – Depois do julgamento, até cheguei a achar que não ficariam juntos.
– Leahnny… eu não poderia fazer isso com ela. – Rony continuou observando, segurando o riso. – Você sabe que eu precisava ficar com a Mione. Vou levá-la para a Itália...
– É, eu fiquei sabendo. Não é à toa que o encontrei em Roma.
– Ah, é…
– Conheci sua garotinha também. – Rony finalmente gargalhou. – E então, como foi que você encarou essa de ela ter ido para a Sonserina?
– O quê? – Harry empalideceu. Não se importara muito com a Seleção, estava certo de que ela seria escolhida para a Grifinória.
– É, cara, o que você achou da Leahnny ter ido para a Sonserina?
Harry viajara logo depois do embarque de Leahnny em King’s Cross e não recebera carta alguma da filha desde então; a garota só escrevera para a mãe e, em nenhuma das cartas que Hermione lhe enviara, ela citara a Casa para qual a filha fora selecionada.
– Eu não sabia – concluiu ele.
– Puxa – exclamou Rony, percebendo que o amigo não teria motivos para mentir. – Como é que você não sabia?
– Hermione não mencionou nada sobre a Seleção, eu só assumi que a Leah tivesse ficado da Grifinória, nunca pensei que…
– Sei. Mas, você sabe – começou Rony, franzindo o rosto –, a Sonserina é a casa dos bruxos das trevas… você acha que isso quer dizer alguma coisa?
– Já houve bruxos das trevas que não eram da Sonserina. – Harry lhe lançou um olhar reprovador. – E não falo apenas de Pettigrew.
– Hmm, tudo bem, eu não quis dizer nada.
– Quando você foi a Hogwarts?
– Na última reunião que tivemos, há um mês e meio.
– Não vejo Leah há mais tempo…
– Eu não conversei com ela, só a vi de longe. Ela tem os olhos da Mione.
– Como ela estava?
– Bem, Harry. Estava sorrindo e conversando com os colegas, como qualquer criança normal.
– Ela não soube quem eu era até o embarque em King’s Cross. Quero dizer, mesmo depois de onze anos, ainda não esqueceram que eu derrotei Voldemort...
– Como assim? – perguntou Rony. – Leahnny não sabia que era uma bruxa?
– Nós não sabíamos que ela era. Leah nunca demonstrou sinais de magia antes de ir para Hogwarts. Temíamos que ela tivesse nascido trouxa, bem, você sabe por que… a família de Hermione… minha mãe…
– É, havia a possibilidade. Mas como vocês a criaram? Ela sabia sobre o nosso mundo? Sabia que você e Hermione eram bruxos?
– Sabia, mas tentávamos não fazer muito alarde, como se fosse comum ter bruxos e trouxas na família. Nosso apartamento em Edimburgo é cheio de quinquilharias trouxas e, durante alguns anos, ela estudou em uma escola primária trouxa. Nosso contato doméstico com a sociedade bruxa é quase nulo, exceto por Minerva e Remo, que nos visitam de vez em quando, e Dumbledore, é claro.
– Certo. Isso quer dizer que sobre você… a fama, essas coisas, ela não sabia de nada?
– Nada. O máximo que ela sabia é que temos dinheiro suficiente para viver confortavelmente sem que eu precise trabalhar. Talvez ela ache que o dinheiro vem das pesquisas feitas pela Mione, não sei.
– Vocês já conversaram depois que ela descobriu?
– Não tivemos tempo em setembro.
– Ela vai passar o natal com você?
– A princípio, sim. Ainda não decidi, entretanto, como a levaremos para a Itália.
***
Enquanto Dumbledore aguardava a chegada de Harry Potter e Ronald Weasley – prevista para o final da tarde daquele mesmo dia –, aproveitava para resolver “problemas internos de Hogwarts”, como seu Vice-Diretor os chamava.
À sua frente, encontrava-se Leahnny Granger, acompanhada do Vice-Diretor de Hogwarts, Draco Malfoy. Estavam sentados um ao lado do outro, em silêncio, e a filha de Harry Potter demonstrava de longe qualquer nervosismo.
Leahnny encarava Dumbledore como quem exigisse uma explicação imediata para o motivo da convocação. Dumbledore, por outro lado, não transparecia ansiedade alguma; seus olhos eram serenos e tranqüilos, quase despreocupados, apesar do clima tenso da sala.
– Tem algo a alegar em sua defesa, Leahnny? – perguntou o diretor.
A aluna respirou devagar, relaxou o corpo, devolveu o olhar aparentemente despretensioso do diretor e disse:
– Avery insultou minha família – disse Leahnny, sem emoções exageradas na voz.
– Parece que foi um comentário sórdido sobre a ascendência de Hermione e outro sobre a Casa a que Potter pertenceu, Diretor – Malfoy informou.
– E você deu importância a esses comentários, Leahnny?
– Obviamente, Dumbledore.
– Eu agradeceria, Leahnny, se, dentro da escola, chamasse-me de Professor ou Diretor.
– Desculpe, senhor.
– O problema, Diretor – continuou Malfoy, exasperado –, são os feitiços negros que Granger usou contra Avery.
– Leahnny – o diretor inclinou-se sobre a escrivaninha –, Harry lhe ensinou esses feitiços?
Ele precisava perguntar, mesmo sabendo que Leahnny estaria mentido no caso de uma resposta afirmativa. Harry desconhecia por completo as habilidades da filha – ainda que Dumbledore confirmasse, desde o começo, que Leahnny era bruxa; ele jamais ensinaria a ela tal tipo de magia, não se pudesse evitar.
– Não, Diretor – a garota respondeu, sem emoção alguma na voz.
– E pode dizer-nos quem o fez?
Leahnny fugiu do olhar que Dumbledore lhe lançara. Encarou o chão da sala, pôs uma mecha de cabelo negro para trás da orelha direita e, ainda sem levantar os olhos, disse:
– Eu aprendi sozinha, Diretor.
– Entendo. Imagino que tenha lido em algum lugar o encantamento. Acredito que somente a Seção Restrita da biblioteca de Hogwarts possui tais referências – especulou Dumbledore, ainda mais certo sobre a necessidade de conversar com Harry em breve, principalmente sobre os espólios que Leahnny possivelmente adquirira ao ser admitida em Hogwarts.
– O senhor está me acusando de invadir a biblioteca da escola, Professor? – perguntou ela, voltando a encará-lo.
– Estou meramente discorrendo sobre o fato de que livros dessa espécie, se forem procurados na escola, serão encontrados somente na Seção Restrita – justificou Dumbledore, como se estivesse fazendo um comentário fútil sobre o tempo.
Dumbledore passou os instantes seguintes decifrando a expressão no rosto de Leahnny. Ela preferira não comentar a última afirmação do diretor e, quando ele percebeu que a aluna permaneceria em silêncio, decidiu retomar a fala.
“Seu pai está vindo para cá, Leahnny. Tenho certeza de que ele poderá me informar aquilo que você não soube. Ou estou errado?”
– Ele pode informá-lo de muitas coisas que não sei, ou fatos que tentaram esconder de mim – Leahnny respondeu selvagemente.
O diretor fez um sinal para que Malfoy se retirasse. Quando este encostou a porta, Dumbledore levantou-se e pôs-se a acariciar as penas de Fawkes, que estavam muito vermelhas e brilhantes. Seu objetivo era deixar a aluna mais à vontade para que não continuasse a rebater as perguntas com ironias venenosas.
Após longos minutos de silêncio, leves batidas ouviram-se à porta. Fawkes soltou uma estridente nota e voou para o ombro de Dumbledore, enquanto o diretor cruzava pacientemente a sala para atender.
– Olá, Dumbledore – disse Harry, entrando na sala, sem notar a presença de Leahnny, ocultada pelas costas da poltrona.
– Como vai, Harry? Entre, Ronald. Vejo que já conversaram.
– Sim – confirmou Rony.
– O que aconteceu, Alvo? – perguntou Harry. – Por que você mandou me chamar com tanta urgência?
– Discutiremos isso em particular mais tarde – Dumbledore declarou e Harry estava prestes a questionar a confiança depositada em Rony quando o diretor esclareceu, andando até a frente da cadeira de Leahnny. – Achei que gostaria de encontrar alguém.
– Filha?! – Harry surpreendeu-se com a presença dela na sala do diretor.
Leahnny nada respondeu. Limitou-se a encarar o pai com uma expressão que já estava se tornando sua característica mais marcante. Nem séria, nem alegre, nem interrogativa e muito menos temerosa. Leahnny aprendera a esconder o que sentia por trás dos olhos castanho-claros que brilhavam intensamente.
Harry estranhou a situação – assim como os outros bruxos que o acompanhavam –; não esperava uma recepção tão fria da própria filha. Ao que lhe constava, eles não estavam brigados à última vez que se viram, em King’s Cross. Aproximou-se da poltrona que ela ocupava e abaixou-se à sua frente. Acariciando levemente a face da garotinha, afastou alguns fios de cabelo que caíam sobre os olhos e usou uma voz extremamente paternal para dizer-lhe:
– Gostando de Hogwarts, meu amor?
– Muito – ela respondeu, mas novamente foi impossível definir se o tom era sincero ou irônico.
– Eu sinto muita falta de você, Leah.
– Eu sei – comentou a garota e, então, apontou para Rony. – Quem é ele?
– Ah, esse é o Sr. Weasley, filha.
Rony aproximou-se e estendeu a mão para a garota.
– Prazer em conhecê-la, Leahnny. Sou um… – ele procurou os olhos de Harry e estes confirmaram que deveria prosseguir –… amigo de seu pai.
– Um grande amigo – acrescentou Harry.
– Isso. E da sua mãe também – Rony completou, ainda esperando o cumprimento.
– Vocês se conheceram em Hogwarts? – Leahnny perguntou, mas o interesse que ela tinha na conversa não era o óbvio.
– Sim.
– Eu imaginei – disse Leahnny, ignorando categoricamente a mão estendida de Rony, levantando-se da poltrona e indo em direção à porta.
– Leahnny? – chamou Dumbledore.
– Desculpa, diretor – disse ela, virando-se rapidamente e ficando, por um momento, muito parecida com Hermione quando não conseguia responder uma pergunta de Snape –, é que estou atrasada para o jantar. Com licença.
– Leahnny-Flynn Granger – Harry chamou, sem alterar o tom de voz.
A garota parou diante da porta, de costas para os três bruxos, respirando pausadamente.
“Leah,” Harry chamou novamente. Ela prendeu a respiração.
– Sim, papai? – a voz de Leahnny soou muito menos áspera do que antes, mas ainda assim, irônica.
– Foi bom ver você, filha.
Depois de um longo suspiro, Leahnny deixou a sala de Dumbledore. Harry simplesmente não entendia por que ela mudara tanto e por que o tratara tão friamente. O máximo que conseguia supor era que ela acreditara em quaisquer mentiras contadas pelos outros sobre ele.
Talvez ele devesse ter suspeitado que algo estava errado a partir do momento que ela passara a escrever somente para Hermione; justo ela, que era mais apegada ao pai. Harry realmente precisava encontrar a esposa, conversar com ela sobre isso e mais, passar o natal junto à filha, para que assim tudo o que estivesse entre eles fosse esclarecido. Ao menos ele esperava assim.
– Ela é mesmo uma sonserina – Rony comentou, interrompendo o silêncio de alguns instantes.
– Como foram de viagem? – perguntou Dumbledore, mudando de assunto.
– Bem – Harry sentou-se e resolveu mudar de assunto. – Mas, conte-me, Alvo, o porquê da urgência. Foi pelo mesmo motivo que trouxe Leahnny aqui?
– Foi, Harry. Já tivemos três incidentes desde o início das aulas. Todos protagonizados por ela.
– Que tipo de incidente? – insistiu Harry, enquanto Rony observava a tudo, acomodando-se na poltrona ao seu lado.
– Aparentemente, alguns insultos destinados a você e Hermione foram proclamados por alguns alunos sonserinos.
– Desculpe, Alvo, mas não entendi muito bem qual é o problema. Você me chamou aqui só porque Leah se envolve em brigas? Porque, sinceramente, não considero essa situação um caso de urgência. Malfoy e eu brigávamos pelo menos uma vez por semana nos meus anos de Hogwarts.
– Eu desejava que fosse apenas isso, Harry. O problema é que ela usa Artes das Trevas nos feitiços contra os colegas.
Dumbledore fez uma pausa para que suas palavras tivessem o efeito desejado. Precisava que Harry não subestimasse a gravidade da situação como ele próprio fizera no passado quando outra certa jovem começou a usar Artes das Trevas contra os colegas sem que ele a censurasse apropriadamente. Harry estava pensativo, sem notar a fênix que saíra do ombro de Dumbledore e pousara no chão, a seus pés, reclinando a cabeça para aproximar-se mais dele.
– Leah deve ter aprendido com outros sonserinos – Harry pronunciou-se depois de algum tempo, sob olhar interessado de Rony –, porque não ensinamos a ela feitiço algum em casa.
– Não o estou acusando, Harry. Considerei mais provável ela ter buscado livros na Seção Restrita da biblioteca, ou até mesmo ajuda externa e, com ajuda de uma certa capa e de um certo mapa, não seria difícil à Leahnny acessar os livros sem autorização.
– Eu não os dei a ela, não a contei muita coisa sobre o mundo bruxo, e muito menos sobre meus pais. Eu esperava o natal para esclarecê-la, mas parece que ela não tem tanto interesse nisso… – Harry foi reticente, olhando para o nada. Continuou depois de alguns segundos: – Vocês falaram com Hermione?
– Após o primeiro incidente, enviei uma coruja a ela, mas, com a reincidência, decidimos contatar você. Hermione está muito ocupada agora com a fase de exposição da pesquisa.
– Eu sei. Irei buscá-la amanhã em Edimburgo, após a apresentação final perante o Conselho.
– Gostariam de ficar em Hogwarts essa noite? – ofereceu Dumbledore.
Rony considerou por um momento. Afinal, não voltaria para casa, não àquela noite. Esperava que o amigo preferisse ficar ali a passar a noite sozinho no apartamento que dividia com Hermione. Porém, antes que pudesse manifestar-se, Harry respondeu por eles:
– Não, obrigado, Alvo. Eu planejo visitar Remo e Minerva essa noite. Rony pode vir se quiser. Eles ficarão felizes em vê-lo.
– É uma ótima idéia – aprovou Dumbledore. – Acho que até eu o acompanharei para visitar Minerva. Vamos?
– Agora? – Rony surpreendeu-se, mas o diretor apenas sorriu. – Ok.
***
Hermione encostou a porta e largou a capa sobre o sofá. Passou a mão pelos cabelos castanhos e notou que estavam mais úmidos do que esperava – começara a garoar exatamente quando aparatara a uma quadra do apartamento. Largou a varinha no móvel da sala, abriu as cortinas e foi para o quarto. Acostumara-se a não usar magia dentro de casa por causa da filha, e era exatamente nela que estava pensando no momento.
Pegou o porta-retrato do oratório e ficou admirando a garotinha doce, sentada em um balanço da escola trouxa que freqüentara até os onze anos. A imagem não apresentava movimento algum, assim como todas as outras que adornavam a sala; procuravam ao máximo evitar contato com objetos mágicos e similares, pelo menos em casa.
Desejou não estar sozinha ali, mas a apresentação de seu projeto perante o Conselho fora mais breve do que o esperado. Saíra-se bem e agora estava de volta, antes do previsto, e estava sozinha. Após quatro meses, voltava para casa para encontrá-la vazia. Nem Bichento estava lá para recebê-la, mas Hermione não estranhou isso. Se Harry passara três meses fora, então deveria ter levado o gato junto para evitar que este ficasse sozinho e sem comida.
É claro que Leahnny não poderia estar ali. Ela só voltaria de Hogwarts no Natal. Quanto a Harry… na última coruja, ele avisara que faria uma viagem para Dumbledore. E não dizia mais nada além de que sairia do país e que deveria voltar neste final de semana.
Por alguns minutos, quis que Harry não ajudasse Dumbledore e passasse tanto tempo fora, mas não poderia culpá-lo. Eles deviam muita coisa a Dumbledore e sabia que Harry estava lutando pelo que era certo. Sem contar que deveria ser difícil para ele ficar três meses sozinho em casa, já que ela estivera muito ocupada com a pesquisa chefiada por McGonagall.
Hermione tomou um banho demorado e tentou ler algumas páginas de um livro, mas logo perdeu a paciência e recolocou-o na estante. Foi até a janela, abriu o vidro e deixou a brisa fresca da noite de Edimburgo beijar seu rosto. Perdeu a noção do tempo mirando as estrelas, observando o movimento da rua abaixo e pensando no trabalho em que estivera envolvida.
Quando a madrugada já estava muito avançada, Hermione afastou-se da janela e puxou o fino voil da cortina. Ouviu um barulho na porta e gelou.
Parou no meio da sala, de costas para o vento que continuava entrando. A porta abriu-se lentamente. Em segundos que pareceram horas, Hermione viu um homem entrar e pendurar o casaco no cabide. Ele acendeu a luz que ela apagara antes de ir até a janela e largou uma pequena mala sobre o sofá.
– Harry? – chamou ela.
– Amor? – Harry respondeu, aproximando-se dela.
– O que você está fazendo aqui?
– O que você está fazendo aqui? – ele repetiu a pergunta dela.
– Eu moro aqui, Sr. Potter.
– Não, não! – disse ele, divertindo-se. – Eu é que moro aqui, Srta. Granger…
Hermione olhou ao seu redor, como se procurasse alguém.
– Não estou vendo nenhuma Srta. Granger…sou a Sra. Potter, lembra? Você e eu nos casamos…
– Ah, agora estou entendendo por que a senhora alega morar aqui – disse Harry.
– Entendeu mesmo, Sr. Potter? Porque, se precisar, eu posso desenhar…
– Eu prefiro uma demonstração prática, se a senhora não se importar… – continuou ele, enlaçando as mãos na cintura dela e trazendo-a para mais perto.
– Como foi de viagem? – perguntou Hermione.
– Acontece, Sra. Potter, que eu trouxe… – começou ele, falando bem pausadamente –… duas passagens para… Roma…
Ele observou a reação dela por alguns instantes e então encerrou:
“… no Expresso do Oriente.”
– Harry, seu maluco! – disse ela, batendo em seus ombros. – Que história é essa?
– É que uma vez, Sra. Potter, – ele continuou com seu tom sério e pausado – há muito tempo, uma linda bruxa disse-me que queria casar, ter filhos e morar na Itália…
– Você lembra disso, Har?
– Shhhh! – xingou ele, ainda extremamente sério. – Não me interrompa, Sra. Potter!
Harry voltou a encará-la com brandura.
“A parte do casamento, como a senhora acabou de lembrar-me, eu já cumpri; a parte dos filhos… bem, foi só uma, mas eu também dei um jeito…”
– Deu um jeito? – Hermione riu.
– Chegou a hora de realizar seu último desejo, minha cara…
– Morar na Itália?
– À beira do Lago Regillus…
– Do que está falando, Har? – ela tentou afastar-se dele por impulso, mas Harry segurou-a com força.
– Estou falando de uma casa situada a nordeste de Roma, à beira do mais belo lago do país, o Regillus, palco da grandíssima vitória dos romanos sobre os latinos em 496 AP.
– Alguém fez uma boa pesquisa na biblioteca, não, Sr. Potter?
– Sabe como é, Sra. Potter, maus hábitos espalham-se rapidamente…
– O que quis dizer com isso? – perguntou ela, mordendo o lábio inferior e estreitando os olhos.
– Esqueceu do “Sr. Potter” – disse Harry.
– Vamos passar a noite inteira só nisso?
– Bem, eu planejava ir para a estação somente amanhã à noite, para a viagem, mas se a senhora assim desejar, tenho certeza que poderemos ir agora para lá aguardar a partida…
– Na verdade, não era bem isso que eu tinha em mente…
– Então a senhora já tinha algo em mente, mesmo achando que eu não chegaria hoje? – perguntou Harry, desconfiado.
– Pelo contrário – esclareceu Hermione –, as idéias só afloraram quando você entrou por aquela porta.
– Hmmm… idéias? – sussurrou ele, causando um arrepio na esposa.
– Desenho ou demonstração prática? – devolveu ela, também sussurrando.
– Hmm, acho que as paredes não têm espaço suficiente para que a senhora desenhe...
– E a cama tem espaço suficiente para que eu demonstre, Sr. Potter?
– Nossa, você deve mesmo ter sentido falta de mim nesses três meses…
– Você nem imagina o quanto – disse ela, passando a mão pelo pescoço de Harry e colando mais seu corpo ao dele. – Mas, a julgar pela sua disposição a conversar, fui a única que sentiu falta de alguma coisa aqui… – completou Hermione, baixando os olhos.
Gentilmente, Harry tirou uma das mãos que estavam na cintura de Hermione e usou-a para tocar de leve o queixo da esposa, fazendo-a levantar o rosto.
– Senti… – começou ele.
Harry ergueu a mão mais um pouco, a ponta de seus dedos quase alcançando o canto externo dos olhos dela.
“… muita falta…” ele continuou.
A mão posada sobre o rosto de Hermione deslizou suavemente pelo cabelo dela…
“… de você.”
Hermione tirou os óculos do rosto dele e deixou-os cair imprudentemente no chão. Harry pareceu indiferente a isso, assim como ao vento que entrava cada vez mais forte pela janela; eles estavam próximos o suficiente para que qualquer uma dessas coisas deixasse de ter importância.
Viu Hermione piscar demoradamente, encarando-o com firmeza cada vez que abria os olhos. Quando ela cerrou as pálpebras mais uma vez, ele, com delicadeza, tocos os lábios dela com os seus. Tencionava deixar que ela começasse, mas assim que sentiu o calor da boca de sua amante, ali, colada na sua, descobriu que seria incapaz de retardar o beijo que guardara apenas em sua mente por tanto tempo.
Abraçou-a com força, concentrando-se em percorrer o pescoço da esposa com sua boca. O corpo de Hermione, pressionado fortemente contra o seu, obrigara-o a recuar a ponto de suas costas encontrarem a parede.
Os beijos de Harry mergulharam na gola semi-aberta da camisa dela. Hermione teve de empurrá-lo mais uma vez para que pudesse tirar-lhe a gravata e abrir os primeiros botões da camisa. Perdeu a paciência logo no segundo e arrancou todos os outros com um movimento brusco, exibindo o tórax dele, o qual passou a beijar, obrigando Harry a erguer o queixo e perder o contato de seus lábios com o corpo dela.
Hermione passou as mãos pelo peito de Harry e, com as costas dessas, empurrou a camisa, que deslizou pelos braços de Harry e caiu no chão. As mãos dela, após passarem pelos ombros do marido, puxaram-no mais para junto de si. Enquanto seus lábios encontraram os dele, suas unhas firmaram-se nas costas de Harry e suas pernas entrelaçaram-se na cintura.
Harry segurou-a com ainda mais força e ergueu-a. Deu mais um impulso e, segurando-a no colo, a carregou até o quarto, sem deixar de beijá-la um instante sequer.
Inclinando-se, largou Hermione sobre a cama. Começou a desabotoar a camisa que ela vestia – uma das que ele deixara no apartamento durante a viagem. Passou por cada botão, devagar, até chegar ao último. Um dos braços, ele usava para apoiar-se na cama, ficando alto o suficiente para se mover, mas não tão longe que não pudesse alcançar o corpo de Hermione com os lábios.
Com a outra mão livre, ele pôde explorar melhor a cintura da amante enquanto ela beijava agressivamente o lóbulo da sua orelha. Harry deixou que ela se erguesse um pouco, apenas o suficiente para livrar-se da blusa e, tão logo isso aconteceu, inclinou-a de volta ao travesseiro, retomando os beijos cada vez mais ardentes, as carícias cada vez mais ansiosas.
Hermione quebrou o beijo e fez menção de desabotoar-lhe as calças, mas Harry segurou suas mãos firmemente, como um sinal de que estava no comando. Ela percebeu que teria de obedecê-lo, ou acabaria atrasando-os ainda mais. Conseguiu sorrir em meio aos beijos que voltaram a percorrer seu colo. Quando Harry levantou os olhos para encará-la, ela pôde ver que ele também não estava nem um pouco disposto a demorar-se.
Agilmente, ele abriu a presilha do soutien dela. Hermione esticou os braços e, por eles, Harry tirou a peça, que, no segundo seguinte, jogou para algum lado da cama.
Seus beijos tornaram-se cada vez mais longos enquanto concentrava-se quase que por completo nos seios da esposa. As mãos de Hermione aprofundaram-se brutalmente no cabelo dele. Harry deixou seu corpo acomodar-se sobre o dela, sem machucá-la, pousou a cabeça sobre o peito e ouviu o coração de Hermione batendo acelerado. Sentiu que ela tirara uma das pernas de baixo dele e lentamente foi invertendo a posição dos corpos, apoiando-se sobre os próprios ombros.
Viu uma efêmera expressão de dor no rosto do marido e a desfez com um beijo que começou nos lábios, depois avançou pelo pescoço de Harry, primeiro do lado direito, depois do esquerdo, e, finalmente, descendo pelo tórax e chegando ao abdômen – onde Hermione deteve-se por um bom tempo. Com seus braços, ela impediu que as mãos de Harry fizessem o que ela já planejara fazer desde o princípio.
Desafivelou o cinto dele e tirou-o da cintura com um puxão brusco. Atirou-o no chão, próximo da porta, e voltou a beijar-lhe a pele, excitando-o ainda mais.
Desabotoou a calça com cuidado, parando por um momento para observar a expressão dele. Viu-o encarando-a aflito; novamente, impediu que ele interferisse e passou a abrir o zíper da calça vagarosamente, prestando atenção no modo como ele inspirava e espirava de forma cada vez mais irregular.
– Hermione… – Harry murmurou.
– Hum? – perguntou ela, sem levantar o rosto para encará-lo.
Quando a calça dele estava completamente aberta, as mãos delicadas de Hermione abaixaram-na até a altura dos joelhos. Harry inclinou-se e puxou a amante de volta. Os dois mantiveram os rostos colados, os narizes se tocando, os lábios se buscando, os olhos desafiando-se o tempo todo, e as mãos entrelaçadas ao lado do corpo.
“Esqueceu que sou a Sra. Potter agora?” ela sorriu e, antes que Harry pudesse responder, cobriu a boca dele com a sua. Enquanto o beijava, puxou o corpo dele ainda mais para perto – se é que isso era possível. As mãos de seu esposo brincavam com o fino elástico de sua calcinha, retirando-a aos poucos enquanto ela tentava fazer o mesmo com a roupa de baixo dele, não obtendo o mesmo sucesso. Harry a interrompeu e, repetindo o que ela fizera, deitou-a contra o colchão e colocou seu próprio corpo sobre o dela.
– Então, Sra. Potter – ele continuou, ofegante. – Como seu marido, devo cumprir com minhas obrigações conjugais…
Harry apertou o corpo da amante contra o seu. Terminou de tirar-lhe a roupa íntima e livrou-se da própria; respirou fundo e obteve, dos olhos dela, a confirmação de que poderia seguir em frente.
Começou a penetrá-la devagar e abafou o gemido dela com um profundo e demorado beijo. Hermione respondeu pressionando os dedos contra a pele de Harry, como se quisesse arrancá-la, mas evitando feri-lo com as unhas. Ele transferiu os beijos para o pescoço e correu as mãos pelo corpo dela, entre o colchão, obrigando Hermione a erguer-se alguns centímetros, provocando um novo gemido que, desta vez, não foi contido.
Repetiu isso e inspirou profundamente antes de atentar mais uma vez contra o corpo junto ao seu. Hermione tirou as mãos de suas costas e explorou seu peito, obrigando-o a erguer-se e, assim, encará-la. Ela estava séria e, ao mesmo tempo, sorria; Harry não entendia como é que ela conseguia manter aquela expressão tão peculiar. Sentiu as unhas dela na sua nuca, atraindo-o para si, provocando uma nova contração.
Ele continuou movimentando seu corpo sobre o dela, contra o dela, junto ao dela, fazendo Hermione cerrar os olhos, abraçá-lo com força, quase o sufocando. Naquele momento, acreditou que ela perdera o controle e que, para ela, o fato de ele estar dominando-a era exatamente o que esperava.
Aproximou-se com calma da hora de recompensá-la e, embora ela estivesse cada vez mais ansiosa, tomou o cuidado de não atender a todos os seus pedidos de imediato; sabia que ainda era capaz de “torturá-la” mais um pouco e que, mais tarde, ela agradeceria por isso – ainda que as marcas deixadas em suas costas parecessem uma demonstração de raiva pela demora.
Hermione abriu os olhos de novo, notando que Harry estava no limite do autocontrole. Sorriu abertamente. Gostava de vê-lo assim, e não se preocupou em ajudá-lo a se conter. Pelo contrário, envolveu seu corpo e impediu que o amante se afastasse, usando toda a força que tinha. Harry surpreendeu-se, respirou fundo e tentou erguer-se outra vez, mas Hermione o deteve, decidida.
Ele a olhou nos olhos e investiu novamente, com mais força do que das outras vezes. Sentiu os músculos dela contraírem-se e depois relaxarem, e o fazerem por repetidas vezes, até perceber que seu corpo respondia da mesma maneira. A pulsação de seu sangue acelerou-se nas veias enquanto via que Hermione estava mordendo um dos lábios e prendendo a respiração por instantes cada vez mais longos.
A ansiedade aumentou, abraçou-a com mais força e murmurou “eu te amo” no ouvido da esposa antes de perder o domínio sobre as palavras que dizia, as coisas que fazia e as sensações que o invadiam.
Ela, no entanto, não permitiu que ele parasse. Beijou-lhe o pescoço, depois a boca, o rosto, a testa, o queixo… abraçou-o e também perdeu qualquer noção de tempo que poderia ainda ter.
***
Próximo capítulo: uma visita à Rua dos Alfeneiros, uma visita à Toca... um sonho e uma discussão entre o nosso casal preferido.
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