Negro Amor
“Gaste seus dias cheios de vazio
Gaste seus anos cheios de solidão
Desperdiçando amor numa carícia desesperada
Sombras rodopiantes de noites”
(Wasting love - Iron Maiden)
Naquele começo de noite, Gina havia se encaminhado para a casa de Dagda, com o propósito de conversar com Rony e Hermione. Ouvira conversas soltas pelos corredores da Casa das Moças a respeito de Harry e queria saber se o irmão estava ciente de algum detalhe a mais.
-Gina, eu não vejo o Harry desde ontem de manhã - O ruivo respondeu, enquanto os três conversavam na cozinha da casa de Dagda.
Além deles, somente Tonks estava lá, no quarto, fazendo sabe-se lá Merlin o que. O Sacerdote e sua filha estiveram um pouco ausentes naquele dia devido às suas tarefas no Templo.
-Eu pensei que você e a Mione soubessem de alguma coisa... - Gina falou. - Eu escutei algumas conversas estranhas entre as Sacerdotisas, mas não tinha certeza se era verdade.
-Que conversas? - Hermione indagou, arqueando as sobrancelhas.
-Ouvi um papo sobre o Harry fazer um teste e que ele ia receber alguma coisa de Avalon, mas não entendi muito bem, sabe... Eu vi ele sendo levado para o Edifício dos Sacerdotes, mas não tive tempo de conversar com ele. - Soltou um suspiro, ajeitando uma mecha de seu cabelo vermelho atrás da orelha.
-Um teste? - Hermione arregalou os olhos. -Será que é alguma coisa semelhante ao Torneio Tribruxo? Ou pode ser alguma prova mágica diferente, não pode? E que coisa é essa que o Harry vai receber?
-Não faço a mínima idéia... -A ruiva respondeu pensativa. - E você, Rony, o que acha disso tudo? Tem algum palpite?
Rony não respondeu nada, só ficou com uma expressão vaga no rosto, imerso em seus próprios pensamentos. Gina tinha uma leve impressão de saber o que aquilo significava e um sorrisinho maroto brotou em seus lábios.
-Rony?! - Ela chamou outra vez.
O ruivo se assustou e quase deu um pulo do banco onde estava sentado. Gina e Hermione sufocaram risadinhas ao verem o rosto do rapaz corar gradativamente.
-O que foi? - Perguntou emburrado, lançando olhares nervosos à irmã.
-Em que mundo você está, irmãozinho? - Gina deu um cutucão leve no braço de Rony. - Tava parecendo até a Luna com aquela cara de avoada.
-Arre, Gina pára de gozação. Eu? Parecendo a Di-Lua? Fala sério, viu... - Olhou de soslaio rapidamente para Hermione, e completou -Eu estava apenas pensando. È errado parar pra pensar, é?
-Não, não...Desculpe se eu estou interrompendo o momento pensativo do meu querido Roniquinho.
As garotas riram outra vez, sendo fuziladas pelo olhar irritado de Rony.
-Mas Gina, o seu irmão está estranho assim desde ontem. - Hermione apoiou os braços encima da mesa. Às vezes olhava para Gina, às vezes arriscava um olhar rápido para Rony. - Aliás, você ficou assim desde que jogou xadrez com o Dylan. Não vai me dizer que você ficou implicando com ele, não é Rony?
-Eu? Implicando com aquele aprendiz de seboso? - Rony parecia indignado. - O cara é um mala e depois eu é que sou implicante. Não acredito que você está se importando com ele desse jeito. Mas pode ficar sossegada, Hermione, que eu não fiquei implicando com o seu amiguinho não, tá? - E essa última frase foi proferida com um tom carregado de ironia.
Tensão no ar. Gina que era apenas uma espectadora naquele embate pôde notar que seu irmão parecia um pouco magoado com o que Hermione havia dito. Talvez fosse por conhecer bem o seu irmão, ou talvez fosse o seu Dom que estivesse lhe dizendo isso, mas a ruiva era capaz de notar que havia algo de diferente em Rony. Certo, não era novidade nenhuma as brigas e discussões entre ele e Hermione, mas dessa vez tinha algo novo no ar.
Hermione não era burra, muito pelo contrário. Notou que o que dissera havia tido um efeito devastador no jovem ruivo. As respostas e o tom de voz dele eram os de sempre, mas o brilho no olhar dele ficou diferente num misto de mágoa com algum sentimento que ela não foi capaz de decifrar no momento.
-Então, mas como eu estava falando antes. - Gina interrompeu o momento, tocando o braço do irmão. - Você não tem noção do que possa estar acontecendo com o Harry?
Mas quando o rapaz pensou em abrir a boca para falar alguma coisa, eles ouviram três batidas ritmadas na porta. Os três jovens se entreolharam, surpresos, imaginando quem iria bater na casa de Dagda àquela hora da noite. Silêncio. Os três ficaram observando a porta com um olhar confuso.
-Ah, eu não acredito que ninguém vai abrir a porta. - Hermione bufou, levantando-se e indo em direção à porta. - Vocês dois, viu...
Enquanto Hermione se afastava, Gina se aproximou mais de Rony e falou perto do ouvido dele:
-O que foi que aconteceu agora a pouco? - O ruivo se aproximou mais da irmã, para poder escutá-la melhor e os dois já estavam com as cabeças ruivas quase grudadas. - Eu já vi você e a Mione implicando um com o outro milhares de vezes, mas você nunca teve um olhar tão magoado quanto hoje. Não adianta negar que eu conheço você tão bem quanto a Hermione conhece “Hogwarts: Uma história”. Ou já se esqueceu que eu passei a maior parte da minha vida com você?
-Eu sei disso, Gina...
-Sabe? Que bom! Mas mesmo assim não confia na sua irmã e não quer falar o que está acontecendo...
-Gina, eu... - Rony ficou um pouco relutante, mas percebeu que essa atitude só o atrapalharia. - Eu não sei lidar com isso tudo...
Um sorriso de entendimento começou a brotar no rosto de Gina, ao ver que enquanto falava, Rony lançava olhares furtivos à Hermione que estava parada em frente à porta.
-Não sabe lidar com o que, Rony?
Mas antes que o ruivo pudesse responder à dúvida de sua irmã, ele se ergueu rapidamente do banco onde estava sentado e franzindo as sobrancelhas deixou que uma expressão confusa se espalhasse por seu rosto.
-Rony, mas o que...-E antes que Gina terminasse de formular a questão, desviou o seu olhar de Rony e o dirigiu até a porta, onde Hermione a mantinha entreaberta, com uma expressão mais confusa do que a do ruivo.
-O que foi, Hermione? Parece até que está vendo um fantasma... -Uma voz masculina falou com divertimento.
-Fantasma eu acho que não, mas um lobisomen... - Rony falou, voltando a se sentar.
Lupin entrou na cozinha da casa de Dagda, como se aquilo fosse a coisa mais comum do mundo. Ok, entrar em uma cozinha é realmente uma coisa comum, mas a excentricidade do caso está no fato de que Lupin era um lobisomen e de que eles ainda estavam na Lua cheia.
-P-Professor Lupin, mas... - Hermione tinha uma expressão intrigada no rosto. Olhou para o céu, através da porta, e viu a Lua cheia brilhando cálida e envolvente nos céus de Avalon. - Isso não é possível. Ou é?
-Gente, vocês dois são mal educados ou o que? - Gina se ergueu, colocando as mãos na cintura. - Hermione, abra a porta direito e deixe o Professor Lupin entrar e você, Rony, deixe de ser inconveniente e pare de fazer esses comentários.
Lupin sorriu marotamente.
-Obrigado, Gina. - Ele disse enquanto entrava, sentando-se na mesa em frente à Gina. - Do jeito que esses dois aí me olharam, eram bem capazes de me azararem antes mesmo de eu dizer “boa noite”.
Os três jovens sorriram nervosamente. Nada daquilo fazia sentido: Lupin. Lua cheia. E nada de Lobisomen? Realmente entranho!
-Remus? É você que está aí? - A voz vibrante de Tonks foi ouvida, vinda de dentro da casa. Logo, ela já estava na cozinha, caminhando tranqüilamente, como se a visão de Lupin ali fosse a coisa mais corriqueira do mundo. Ela se sentou ao lado de Lupin e o cumprimentou carinhosamente com um beijo rápido.
A Auror viu a expressão intrigada dos jovens e arqueou as sobrancelhas:
-Aconteceu alguma coisa aí, gente?
-A gente é que deveria fazer essa pergunta, Tonks... - Rony falou.
-Er, bem... Sem querer ser inconveniente, Professor, mas... Você não deveria se transformar em Lobisomen nessa semana? - Hermione indagou, sentindo as faces coradas.
-Viu, Remus, eu falei pra você que não fazia sentido ficar se escondendo... Agora que eles já te viram, conta a história direito né?
Duas cabeças ruivas e uma castanha se inclinaram para a frente, com olhares curiosos e ansiosos para Lupin, do mesmo jeito quando ele os ensinou a enfrentar um bicho-papão alguns anos antes. Na verdade, não havia muito a ser explicado. Era tudo muito simples: em Avalon, a maldição de Lupin havia sido neutralizada. Ele não sabia como isso havia acontecido e desconfiava que não havia uma explicação lógica para explicar o fato e nem mesmo Hermione foi capaz de encontrar uma para justificar isso.
Terminado o diminuto relato, os três estavam com a boca ligeiramente aberta, com aquela típica expressão abobada.
-Caraca! Mas se a sua maldição não se manifestou aqui, por que você ficou tanto tempo escondido? - Rony indagou.
-Eu falei pra você, mas não, o Sr. Cabeça-Dura aqui não quis me escutar. - Tonks começou a falar rapidamente, com um olhar de repreensão à Lupin, que reprimia uma careta por ser chamado a atenção na frente de três adolescentes. - Eu falei que não fazia sentido você ficar escondido, que tinha mais era que aproveitar...
-Mas eu aproveitei bem esses dias, Nympha - E lançou um olhar significativo para ela, piscando marotamente.
Mas um pigarrear alto de Rony chamou a sua atenção e vendo o olhar atento dos jovens sobre ele e Tonks, se sentiu extremamente sem jeito, corando até a raiz dos cabelos castanhos. E resolveu mudar de assunto.
-E cadê o Harry? - Lupin indagou, vendo que em todo o momento não havia visto o rapaz e nem ninguém havia mencionado o nome dele.
-Era o que nós estávamos tentando entender, antes do meu querido irmãozinho e Hermione ficarem se bicando. - Gina brincou, recebendo olhares reprovadores do ruivo e da amiga.
Hermione fez cara de quem já estava começando a perder a paciência e se empertigou na cadeira.
-Na verdade, Professor, nós não vemos o Harry desde ontem de manhã. Eriu mandou chamar ele e depois disso não o vimos mais. A Gina disse que ele foi levado para o Edifício dos Sacerdotes. Sem contar as conversas paralelas que ela ouviu por lá.
-Que conversas? - Tonks arregalou os olhos, com a típica expressão de curiosidade.
Os dois ruivos e Hermione se entreolharam. Contar ou não contar? Eis uma difícil questão...
Lupin e Tonks ficaram tão alheios aos jovens durante o tempo em que estavam em Avalon, que estavam totalmente perdidos e “por fora” das novidades. Bem, eles não podem ser culpados por isso, afinal, aquele tempo de calmaria que passaram em Avalon foi uma espécie de Lua de Mel para o casal e eles bem que estavam precisando de uma.
-O Harry pode até achar ruim depois, mas ele vai precisar de ajuda mais pra frente e eu não conheço ninguém que seja tão confiável quanto o Professor Lupin. Então eu acho melhor nós falarmos tudo.
-Hermione, não precisa ficar me chamando de “Professor”. - Lupin disso suavemente. - Eu lecionei pra vocês somente por um ano. Me sinto honrado em ser chamado assim, mas ficaria mais a vontade se você me chamasse apenas de Lupin.
Hermione sorriu e se voltou para os irmãos Weasley.
-Vocês estão de acordo sobre falarmos sobres aquele assunto?
Os dois concordaram.
E aquela conversa se estendeu madrugada afora. Lupin e Tonks se viram envolvidos em várias histórias paralelas que se misturavam e se fundiam, formando uma narrativa interessante, que envolvia desde Horcruxes e Voldemort, até profecias e visões...
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(N/A: Comentário rápido, pessoas. Recomendo que daqui em diante, se puderem, leiam o capítulo ouvindo a música tema deste capítulo.)
Um. Dois. Três dias. E pouco a pouco o motivo que levara Morrigan a sair de Avalon começou a ficar esquecido. Não esquecido por completo. Uma vozinha insistente em sua cabeça lhe dizia que era totalmente insano de sua parte continuar ali, na casa de um homem que ela mal conhecia. Mas ela respondia com uma convicção doentia, que estava ali temporariamente e que mais insano ainda seria partir numa busca sem saber para onde ir.
Mas por mais que os dois relutassem em admitir, a convivência entre eles não era tão odiosa quanto julgassem que fosse se tornar. Pouco a pouco, as afinidades se mostravam maiores e as qualidades (assim como os defeitos) se mostravam semelhantes. As conversas durante o chá, os momentos em que preparavam a poção de Snape; tudo isso foi firmando uma relação de cumplicidade entre os dois. E havia um acordo silencioso nessa relação: um não fazia perguntas pessoais sobre a vida do outro.
Óbvio que a curiosidade era reinante, mas por orgulho, nenhum deles ousava perguntar nada. As perguntas trariam conhecimento sobre a vida do outro. Conhecimento poderia gerar amizade e a amizade gera laços fortes. Bem, Snape não queria ter laços nem de amizade e nem de nenhum outro tipo com ninguém. Pelo menos era isso o que ele achava. Estava tão habituado à sua eterna e amarga solidão, que a possibilidade de se afeiçoar a alguém era no mínimo absurda.
O clima já começava a dar mostras de mudança devido ao outono que se aproximava; e uma brisa gélida acompanhada de um clima ameno começava a expulsar o verão. Naquele princípio de madrugada, Morrigan despertou sentindo uma sede sobrenatural. Levantou-se e desceu até a cozinha da casa em busca de água. Estava apenas de camisola e nem se importou com este fato. Apesar de estar convivendo apenas com um homem naquela casa, tinha a mais absoluta certeza de que Snape não iria se aproveitar dela e fazer qualquer tipo de coisa contra a sua vontade.
Maybe one day I'll be an honest man
Up till now I'm doing the best I can
Long roads, long days, of sunrise, to sunset
Sunrise to sunset
Quando ela já estava se encaminhando para o seu quarto, passou em frente ao quarto de Snape, que tinha a porta entreaberta. Devido ao silêncio reinante na residência, a jovem pôde ouvir facilmente a voz de Snape resmungando algo durante o sono. A voz dele parecia angustiada, com uma nota de desespero crescente.
Parte daquela angustia invadiu Morrigan, como se mil facas estivessem cravadas em seu coração. Ela entrou no quarto, com a certeza de que aquela era a atitude mais acertada. Acendeu algumas velas que ficavam num candelabro na mesinha de cabeceira e se aproximou da cama onde Snape estava dormindo. A luz alaranjada das velas iluminou o rosto pálido do homem que tinha uma expressão de dor e agonia. O que fez o coração da Sacerdotisa doer mais ainda.
Como era rotineiro na vida de Snape, ele estava tendo mais um de seus pesadelos. As vozes o acusavam de maneira impiedosa. Mas havia uma que falava algo diferente. Snape era capaz de suportar as acusações, mas não podia suportar o que aquela voz serena lhe dizia.
' Severus... por favor...' .
E no pesadelo, Snape revivia um dos momentos mais repulsivos de sua vida. Contra a sua vontade e odiando a si mais do que nunca, ele erguera sua varinha contra Dumbledore.
‘Avada Kedavra’
E um jato de luz verde saiu da ponta da varinha de Snape e acertou diretamente Dumbledore no peito.
E a cena se repetia várias e várias vezes, com as vozes ao fundo o acusando, o chamando de covarde.
-Eu não sou covarde... - Ele resmungou no meio do pesadelo. Revirava-se de um lado para o outro e gotículas de suor brotavam em seu rosto. - Não me chame de covarde... você não sabe de nada... você não entenderia...
Morrigan havia ficado absolutamente espantada com aquilo tudo. Sem pensar em mais nada, ela se ajoelhou no lado vago na cama de Snape e o sacudiu levemente pelo ombro. Nada. Snape ainda resmungava e praguejava, dizendo coisas que a jovem não era capaz de compreender.
Dream on brother, while you can
Dream on sister, I hope you find the one
All of our lives covered up quickly by the tides of time
-Severus, acorde... - Morrigan o sacudira novamente, agora com um pouco mais de força.
E com um pulo que assustou a Sacerdotisa, Snape acordou tendo uma expressão atordoada no rosto e o olhar febril, fazendo com que ele se parecesse menos com o homem frio e debochado que ela conhecera naquele estranho Pub. Mas o que realmente assustou Morrigan naquele momento, foi a atitude de Snape a seguir.
Ele abraçou Morrigan pela cintura e afundou o rosto no peito dela. A jovem pôde sentir o suor frio que escorria pelo rosto dele umedecer sua camisola na altura de seus seios.
-Por favor, faça as vozes pararem...
A voz dele estava tão carregada de dor, tão carregada de aflição que Morrigan ficou chocada, sem saber ao certo o que fazer. Mas então ela se recordou que era antes de tudo uma Sacerdotisa e como tal, ela sabia que deveria agir com ternura e carinho com aqueles que necessitavam. Acariciou levemente as costas de Snape e um arrepio estranho invadiu o seu corpo.
Tudo era sombras e trevas. Junto com a escuridão havia o som perturbador das vozes em sua cabeça, mas, aconteceu algo novo. As trevas foram se dissipando e uma voz cheia de vida e de amor o chamou. E ele atendeu aquele chamado.
E assim como Morrigan dissipara as brumas de Avalon para chegar até ali, ela também dissipara as sombras que atormentavam os sonhos de Snape. Era realmente reconfortante para ele sentir o corpo quente e sólido daquele mulher o abraçando, fazendo com que ele esquecesse quem era e as coisas horríveis que fizera.
Depois de um bom tempo eles se afastaram. Nenhum dos dois sabia o que fazer ou o que dizer naquele momento. Snape estava odiando a si mesmo por se mostrar tão frágil e vulnerável. Por um momento os dois se olharam nos olhos, mas não conseguiram sustentar o olhar por muito tempo.
Sentindo as faces se aquecendo num rubor incomum, Morrigan se levantou da cama.
-Você está todo suado, é melhor trocar essa camisa. - Ela caminhou em direção ao armário, sem ousar olhar para Snape. - Se não se importar, vou pegar outra para você, Severus...
Snape estava sentado na cama, com um olhar estranho e vazio. O pouco contato que tivera com Morrigan naquela noite havia sido o suficiente para despertar algo totalmente novo nele. Era desejo, mas não só a necessidade física de ter um corpo para se satisfazer. Não era simplesmente volúpia. Era algo diferente. Algo maior e mais amplo. Um sentimento profundo que ele meramente não sabia explicar.
Ficou perdido em pensamentos que só foram interrompidos quando viu Morrigan parada ao lado de sua cama, segurando uma camisa limpa e de tecido leve. Só então notou o estado dela: tinha os cabelos longos e negros soltos e vestia uma simples camisola branca, os olhos negros brilhando calidamente na penumbra. “Parece até mesmo um anjo”. Um anjo de voz doce e olhar sombrio. Um anjo tentador, belo e de sorriso encantador.
“Ora, essa. O que está dando em você, Severus?”
Voltando a si rapidamente, ele tomou a camisa de maneira brusca das mãos de Morrigan. Ele era capaz de sentir como se fosse uma brasa quente, o olhar dela sobre si. Mas nem ligou. Tirou a camisa do pijama que estava ensopada de suor e quando estava começando a vestir a outra camisa que Morrigan lhe trouxera, ele sentiu que ela segurava o seu pulso com firmeza. Ela se sentou sobre a cama em frente a ele e puxou o braço esquerdo dele para mais perto de seu corpo. Snape tentou soltar o braço, mas Morrigan tinha uma força absurda para alguém de tão pouca estatura. E então ela viu. A Marca Negra!
Snape se sentiu incomodado com aquilo, mas deixou de protestar. Sentiu os dedos delicados de Morrigan percorrendo toda a extensão de seu antebraço, provocando pequenos arrepios nele. Quando ela finalmente alcançou o lugar onde a Marca estava, a jovem se espantou ao ver como a pele naquela região era fria, parecendo desprovida de vida, como se nem o sangue ousasse circular ali.
Spend your days full of emptiness
Spend your years full of loneliness
Wasting love, in a desperate caress
Rolling shadows of nights
-Você... - Ela murmurou com voz rouca, ainda segurando o braço de Snape. - Esse tempo todo era você e eu não sabia... Deusa, eu nunca imaginei que fosse acontecer assim. - E ergueu os olhos, procurando o olhar de Snape. - Eu nunca imaginei que fosse te encontrar dessa maneira.
-Mas do que você está falando? - ele indagou, franzindo as sobrancelhas.
-Eu disse que não o deixaria novamente, não disse? - Ela começou a falar, sem se importar com o olhar cético de Snape. -Eu disse que o encontraria... Eu sabia que isso iria acontecer.
E por mais que ele pensasse que aquilo era totalmente insano e sem cabimento, as palavras de Morrigan fizeram com que um sentimento bom aquecesse o seu interior, que sempre fora tão frio e inóspito. Ele tinha a ligeira impressão de saber o que aquilo significava, mas julgava ser coisa da sua cabeça, afinal, havia sido apenas um sonho estranho com uma mulher misteriosa.
-Morrigan, você quer me explicar o que está acontecendo? - Ele reuniu o restinho de calma que ainda tinha. Mas era impossível se manter calmo, estando tão próximo daquela mulher. Sentir o seu perfume que lembrava as ervas mais doces que existiam. O toque firme e quente de seus dedos envolvendo o seu braço. O olhar penetrante e cheio de sentimento.
-Nós estávamos destinados a nos encontrar... -A voz doce o estava inebriando, o deixando totalmente encantado. - Você não acredita nas coisas que estão destinadas a acontecer desde o momento em que chegamos a este mundo?
Tolices românticas! - Resmungou, mas o calor do corpo dela o estava deixando entorpecido.
-E no que você acredita?
-Em coisas reais, em que posso tocar. E não nessa baboseira sobre destino...
Ela sorriu docemente, o sorriso mais lindo que já estivera em seus lábios. Pegou a mão de Snape e guiou até o seu próprio rosto e vagarosamente foi descendo, passando por seu pescoço e colo, e finalmente chegando ao peito. Morrigan pôs a mão de Snape exatamente no lugar onde estava seu coração, que batia de maneira descontrolada.
-Então me toque. Sinta um pouco do que estou sentindo...
Sands are flowing and the lines are in your hand
In your eyes I see the hunger
And the desperate cry that tears the night
E naquele momento, Snape mandou a calma às favas. Que importava se Morrigan falava tolices e despropósitos? Que importava se ele agia de modo frio e calculista diante de tudo? Naquele momento, tudo o que seu corpo e mente desejava era possuir aquela mulher. Encantamentos? Feitiços? Poderia até ser uma Maldição Imperius que ela estivesse usando que ele não iria se importar.
No instante seguinte, ele já havia colado os seus lábios nos dela, tocando-os carinhosamente. Logo os dois foram arrebatados pelo mais genuíno desejo e entreabrindo os lábios, Morrigan deixou que Snape aprofundasse o beijo. Deixou que ele a provasse, a saboreasse. E ele fez isso com posse, com propriedade, ocupando o que era seu por direito. “Minha?”, o pensamento o atravessou como um raio, mas o que importava? Naquele momento, naquela noite, Morrigan seria dele.
As carícias se tornaram mais famintas, cheias de urgência. Um gemido fraco de satisfação escapou dos lábios de Morrigan, ao sentir Snape acariciando seus seios e lentamente retirar sua camisola. Ela não protestou e nem tinha a intenção de protestar. Quando se deu conta os dois já estavam unidos e era impossível dizer onde começava um e terminava o outro. Os corpos se tocavam com precisão, como se já se conhecessem e fossem velhos amantes.
Era como se todo o universo tivesse conspirado para que os dois estivessem ali, naquela cama, fazendo amor de maneira passional.
Morrigan achou que seu corpo fosse explodir de tanto prazer e êxtase. Nunca imaginou que seu interior pudesse se rasgar e se abrir, e aceitar o outro de maneira tão completa. Era essa a questão: nunca imaginou que alguém fosse completá-la daquele modo. Como se fossem duas metades de um mesmo todo.
Após chegarem ao clímax da relação, Snape descansou o seu corpo ainda trêmulo sobre o corpo da jovem, deitando a cabeça entre os seios dela, sentindo-se amado e desejado pela primeira vez em sua vida. Entregues àquele momento sublime, adormeceram com braços e pernas entrelaçados. E contrariando todas as suas certezas e convicções, Snape seria capaz de afirmar com ênfase que era um homem completo.
Spend your days full of emptiness
Spend your years full of loneliness
Wasting love, in a desperate caress
Rolling shadows of nights
A madrugada estava chegando ao seu fim, mas o céu ainda permanecia escuro.
Snape abriu os olhos lentamente, perguntado-se se tudo o que havia acontecido havia sido somente um sonho bom. Se fosse apenas um sonho, ele não iria se incomodar, já que a perspectiva de encontrar alguém que o amasse e desejasse na vida real era tão estranha, que só o fato de sonhar com isso já era consolador. Estava tão acostumado à sua solidão, que ele já se achava incapaz de se sentir daquele jeito: passional como um adolescente.
No entanto, quando olhou em volta, viu que o que havia acontecido estava longe de ser um sonho. Se fosse um homem comum, teria corado ao perceber que estava nu e que suas roupas estavam espalhadas pelo chão. Olhou para o lado de sua cama, mas Morrigan não estava lá. Só depois viu que ela estava parada em frente à janela, de costas para ele, observando a rua fétida e sombria onde aquela casa se encontrava.
Snape se levantou e aproximou-se silenciosamente de Morrigan. Viu que a jovem olhava vagamente para o céu que ainda estava escuro, com uma das mãos sobre o próprio peito. Ele se postou ao lado dela em frente à janela e ficou observando o céu da mesma maneira que ela estava fazendo.
“Que estranho... Quando sai de Avalon, a Lua ainda estava cheia e não faz nem mesmo uma semana que estou aqui e a Lua já está negra...”. Morrigan suspirou. Lembrou-se que quando a Lua estava negra, as Sacerdotisas se recolhiam, assim como a Deusa ocultava sua face do mundo, para se aconselhar com os outros deuses. Estava imersa em pensamentos e de súbito sentiu falta da sua antiga vida; das tarefas que desempenhava no Templo, dos rituais alegres para celebrar a vida. Até mesmo do perfume dos bosques de Avalon ela sentia falta. Mal notou que Severus estava próximo a ela, a estudando com seu modo preciso.
-Está arrependida? - Ele perguntou, a voz carregada com um pouco daquela antiga frieza.
E Morrigan se recordou que se estava sentindo falta de Avalon e de sua antiga vida, foi porque ela própria renunciou a isso tudo. Foi porque ela própria foi atrás de um sonho, arriscando a vida confortável e segura que tinha.
-Estou...
E Snape estreitou os olhos para ela.
-... de não ter te encontrado antes. - Ela completou rapidamente.
-Você vai continuar insistindo nessa história absurda de destino e de sonhos?
Agora foi a vez dela estreitar os olhos para Snape e um sorrisinho irônico brotou em seus lábios. - Para você pode até parecer absurda essa história de destino, mas... eu nunca falei nada sobre sonhos. - Ela arqueou as sobrancelhas, sorrindo ao ver como conseguira deixar Severus desconcertado. - Então você também teve aquele sonho...
Droga! Por que ele tinha de se entregar daquele modo? Estava se sentindo um adolescente idiota que fica sem jeito na frente de uma garota experiente. Cruzou os braços e ensaiou lançar um de seus famosos olhares homicidas, aqueles que fazia alguns de seus alunos saírem das masmorras aos prantos. Ele ia lançar um desses olhares, ele ia reclamar. Ele apenas ia.
Mas a gargalhada límpida e musical de Morrigan o deixou naquele estado de doce rendição. Ela envolveu o seu pescoço com os braços, com um olhar cheio de segundas intenções.
-Para quem queria que eu nunca a tocasse, até que você está gostando muito, hein?! -Snape ironizou.
Mas o que era aquilo? Era impressão de Morrigan ou Snape estava sorrindo? Não o seu sorriso cheio de ironia e sarcasmo, mas o genuíno sorriso de alguém que está se divertindo.
Os olhos dela brilharam intensamente outra vez. Snape viu que ela tinha os lábios vermelhos entreabertos, extremamente convidativos. Ele não resistiu. Voltou a beijá-la sendo correspondido calorosamente.
-E para quem disse que não queria me tocar, até que você está gostando muito. - Ela respondeu no mesmo tom, assim que conseguiu se afastar dos lábios dele.
-Para você ver com as coisas podem mudar, não é, senhorita Morrigan!? - Ergueu uma das sobrancelhas e um sorriso malicioso brotou em seus lábios, enquanto ele novamente retirava a camisola de Morrigan e a levava para a cama outra vez.
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Sobre o capítulo: Ai, ai...Não me matem, não me estuporem e nem me lancem maldições e azarações virtuais. Eu sei que alguns dos meus leitores não gostam do Snape, mas essa última cena era muuuuuito importante para a fic. (hm, no coments!) se no capítulo passado eu achei ele descaracterizado, definitivamente neste ele está. Quem diria? Sevie passional, hein? Mas o fato dele ter se entendido tão rápido com a Morrigan é semelhante ao que acontece nas novelas: quando o casal se acerta fácil no começo da trama, significa que eles ainda vão penar. E é um pouco de verdade isso, Snape e Morrigan vão sofrer um pouquinho ainda.
Bem, e temos a música tema do casal. eu não resisti e deixei praticamente uma songfic. segue ai a tradução:
Talvez um dia eu serei um homem honesto
Até agora estou fazendo o melhor que eu posso
Longas estradas, longos dias, do nascer ao por do sol
Nascer ao por do sol
Sonhe, irmão, enquanto você pode
Sonhe, irmã, eu espero que você encontre aquele
Todas nossas vidas cobertas pelas areias do tempo
Gaste seus dias cheios de vazio
Gaste seus anos cheios de solidão
Desperdiçando amor numa carícia desesperada
Sombras rodopiantes de noites
Sonhe, irmão, enquanto você pode
Sonhe, irmã, eu espero que você encontre aquele
Todas nossas vidas cobertas pelas areias do tempo
Os momentos passam e as linhas estão em sua mão
Em seus olhos eu vejo o desejo
E o grito desesperado que rasga a noite
Gaste seus dias cheios de vazio
Gaste seus anos cheios de solidão
Desperdiçando amor numa carícia desesperada
Sombras rodopiantes de noites
Eu ouvi alguém perguntar do Harry? Ah, sim, o teste é no próximo capítulo. Juro solenemente. Só não podia colocar esse capítulo antes porque iria zoar todo o meu roteiro. Vocês me entendem, né? E pra compensar a falta dele, o próximo capítulo vai ser praticamente só com ele.
E eu nem fui tão má assim. Postei o capítulo rapidinho, viu. Morgana quando quer, sabe ser generosa...rs..
Teve um detalhe que eu deixei meio "subentendido" na história: a cronologia em Avalon e no mundo exterior é diferente. Em Avalon o tempo passa mais devagar, então, não se espantem com isso, ok?
Ah, e só mais uma coisinha (acho que minhas notas finais estão ficando maiores que os meus capítulos..rs). Se alguém souber de algum dicionário online de latim, por favor, entre em contato comigo. É só mandar um email, comentário, ou me chamar pelo msn. Aliás, se alguém se interessar em me adicionar, o email é: [email protected]
Ufa! Terminei. Mais uma vez obrigada pela atenção e nos vemos no próximo.
Grande beijo
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