Cena I - Casa
A/N: Essa fic foi escrita especialmente por causa do Desafio H² que o pessoal fez no fórum da Aliança 3 Vassouras. Ela se passa (para quem quiser entender melhor o contexto da história) entre o final de Cogitari Ancilla e o início de Regillus Avernus, embora aqui sejam descritos não mais do que onze dias (eu acho :S) e não onze anos... De qualquer forma, espero que gostem... essa separação deles eu colocaria na Regillus, mas como decidi depois fazer dela uma fic mais fofinha (leia-se: melosa e grudenta), acabei jogando para cá. Presente de Natal para quem conseguiu ler Cogitari até o final (o que não é o meu caso :P)... vamos à história:
Interlude – Cena I – Casa
“After your picture fades and darkness has
Turned to grey
Watching through windows I’m wondering
If you’re OK
And you say go slow
I fall behind
The drum beats out of time”
- Cyndi Lauper, “Time After Time”
***
Estavam morando nesse novo apartamento desde o dia em que voltaram da lua-de-mel. Ficava em Edimburgo, não muito distante do prédio onde os amigos Minerva McGonagall e Remo Lupin moravam. Casados há seis anos, tinham uma filha linda, Leahnny Flynn Granger que, às vezes, Harry julgava amar tanto quanto amava a esposa.
A garotinha nascera três meses após o julgamento que deu a Harry a absolvição definitiva perante o mundo bruxo; três meses após a última batalha contra Voldemort – a batalha que causou a queda do Lord das Trevas. Os Potter eram felizes, na medida do possível. Hermione continuava trabalhando na pesquisa chefiada pela professora McGonagall, e adorava fazê-lo. Harry passava os dias no apartamento, cuidando da filha e preparando tudo para os momentos que a esposa conseguia passar em casa.
Leahnny crescia feliz, sem se preocupar com o fato de ser filha de dois bruxos famosos e poderosos; na verdade, ela cresceu na total ignorância quanto a esse fato. Harry e Hermione constantemente questionavam se essa seria a melhor opção, mas por fim, sempre decidiam esperar os primeiros sinais de magia para contar à filha toda a história.
Era uma noite agradável de final de verão e Harry não estava mais sozinho em casa; sua esposa chegara há poucos minutos e fora direto para o quarto, não sem antes largar sobre a mesa uma grande quantidade de pergaminhos que trouxera do trabalho. Bichento pulou do colo de Harry, no sofá, e a seguiu, a passos ligeiros e com o rabo erguido. Esgueirou-se pela porta antes que Hermione pudesse fechá-la, miando ansioso; buscando atenção da dona.
Também se aproximando e empurrando lentamente a porta, Harry encontrou a esposa despindo-se para entrar no banho, de costas para ele. Hermione não se virou para encarar o marido até o momento em que Harry falou:
– Você não me viu?
– Ah, desculpa, amor – ela falou casualmente. – Eu entrei correndo e não tenho muito tempo, preciso voltar ainda hoje para o laboratório.
– Mas você acabou de chegar... o que vai fazer de novo no laboratório?
– Temos que começar um experimento, Harry.
– Certo, eu deveria saber que isso é muito importante – ele respondeu, com um tom de ironia e depois comentou, como se acabasse de constatar: – Nossa filha não está em casa.
– Onde ela está? – Hermione interrogou sobre a garotinha, olhando-no diretamente.
– Com o Lupin.
– Ah... – ela disse, entrando no banheiro.
– Ele passou aqui, mais cedo, para pegá-la. Achei que não tinha problema... e pensei que... bem, nós poderíamos usar esse tempo sozinhos...
– Sinto muito, Harry, mas eu realmente não posso demorar.
– Quanto tempo você vai ficar lá?
– Eu não sei, dois dias, provavelmente.
– Mais dois... – ele engoliu em seco –...dias?
– Sim, Harry. O que foi? – disse Hermione, virando-se. – Não é a primeira vez.
– E não vai ser a última... eu sinto saudades, sabia? É fim-de-semana e... – ele aproximou-se da esposa – há três dias que não nos víamos...
– Eu também sinto saudades, mas eu preciso...
– Não precisa, amor – disse ele, calmamente. – Minerva e Neville devem estar lá... eles são competentes... você pode ir amanhã...
– Eles não são responsáveis por essa parte da pesquisa, Harry!
– Hum, mas com certeza tem mais alguém. Você não trabalha sozinha.
– Eu faço falta lá, Harry – disse Hermione, tentando convencê-lo a desistir.
– Você faz falta aqui, Mione.
– Harry, você sabe que eu não posso simplesmente largar isso. Agora saia e me deixe tomar banho.
– O que faz então? Simplesmente me larga.
– Não faça drama, Harry. É o meu trabalho.
– É o nosso casamento – disse ele, sério.
– Conversamos depois, agora saia, preciso me arrumar.
Obedecendo ao pedido da esposa, Harry parou de discutir e fechou a porta do banheiro. Sentou-se novamente sozinho na sala, esperando ela terminar o banho, e esperando que pudessem conversar ainda naquele dia, antes que ela se trancasse mais uma vez no laboratório para voltar sabe Deus quando.
Hermione demorou-se menos que o habitual para se arrumar. Harry surpreendeu-se ao vê-la pronta na sala quando voltou da cozinha, onde fora comer alguma coisa, já que não jantara.
– Você não vai comer nada? – perguntou ele à esposa.
– Não, obrigada, já jantei no laboratório, antes de vir para cá. Era mais rápido...
– Sei.
– Amor? – ela parou diante da porta, com a mão sobre o trinco. – Escute, eu... a gente conversa melhor quando eu voltar, certo?
Harry aproximou-se e pegou a mão dela.
– Não vá agora.
– Eu já lhe expliquei, Harry – disse ela, forçando um sorriso.
– Eu preparei essa noite para nós.
– Se você tivesse me avisado, mas...
– Era uma surpresa – murmurou ele, largando a mão dela e baixando os olhos.
– Desculpa, Harry – ela disse, mas sem estar realmente arrependida; sua cabeça ocupada com a próxima fase da pesquisa.
– Não tem importância.
– Tem importância sim, eu sei que você ficou magoado. Não precisa mentir para mim.
– Eu só queria... ver você mais... você passa muito tempo no laboratório. Eu sei que é importante – ele disse, antes que Hermione pudesse interrompê-lo –, mas você quase nunca volta pra casa... a Leah também sente saudades...
– Não coloque a Leah no meio. Isso é entre você e eu.
– Ela é nossa filha, não podemos simplesmente excluí-la – disse Harry.
– Você já contou para ela?
– Não. É melhor não, Mione.
– Por que não? Ela já tem seis anos, está na hora de saber a verdade.
– Ainda é cedo.
– E o que você quer fazer? Colocá-la em uma escola trouxa? Ela é uma bruxa, Harry.
– Não sabemos disso, amor. E sim, já a matriculei em uma escola trouxa.
– O QUÊ?
– Eu pediria sua opinião, se ao menos você aparecesse em casa. Tive que decidir sozinho, não podemos simplesmente deixá-la em casa até o dia que entrar para Hogwarts, se ela entrar para Hogwarts.
– Como você fez uma coisa dessas sem conversar comigo? Eu sou a mãe dela! Eu...
– Tentei falar com você três vezes na semana passada, mas ninguém respondeu as minhas corujas...
– Estava ocupada – desviou Hermione.
– Ocupada demais para a nossa filha.
– Eu não sabia que era sobre ela que você queria conversar.
– E se não fosse sobre a Leah? Estaria ocupada demais para o seu marido também?
– O que quero dizer é que poderia ser algo menos importante...
– Mas acho que não faz muita diferença, não é? Mesmo você estando em casa, nós não conversamos sobre nada, seja importante ou desimportante.
– Não gosto de você quando fica venenoso desse jeito – disse ela.
– Eu só estou falando a verdade, Hermione. Como você quer exigir satisfações sobre uma decisão que eu tomei se você nem ao menos quis discuti-la?
– Não é que eu não quis, é que eu não pude, Harry!
– É o que você sempre diz... pois bem, eu decidi não contar nada à nossa filha, decidi colocá-la em uma escola trouxa. O que está feito, está feito, agora, se daqui pra frente você quiser participar...
– Não seja cínico, Harry, é claro que eu quero.
– Hum, então é bom saber que as aulas dela começam em duas semanas. Seria interessante se você estivesse aqui para apoiá-la, ir para a escola pela primeira vez é um grande acontecimento para uma criança... mas você não deve saber disso... – disse Harry.
– Pare com isso, Harry. Eu estarei aqui. Do jeito que você fala até parece que eu nunca estou, que eu mal conheço a minha filha.
– Mas você nunca está.
– Eu conheço a minha filha – disse ela, cuspindo as palavras.
– Conhece mesmo a nossa filha, Hermione?
– Não me diga como cuidar dela, Harry. Eu estou fazendo o melhor que posso.
– O melhor que pode enquanto não está trancada naquele maldito laboratório, é o que quer dizer, não é mesmo?
– Você sabe que eu tento estar aqui, que eu tento estar com ela.
– Como sempre! Mas se fosse pra ficar comigo... Não sei porque você continua com isso, Hermione!
– Isso o quê?
– Eu não a entendo, sabe? Achei que nós éramos uma família, mas claramente, você nem deve saber o que é isso.
– Ah, sim, e você sabe como é!
Harry sentou-se no sofá, sem palavras. Hermione continuou parada diante da porta, ofegante pela tensão de discutir com o marido pela segunda vez naquela semana. Ele apenas respirou fundo, sem encará-la, e disse:
– Eu estava tentando saber o que é, eu achei que poderia descobrir quando quis começar uma família com você...
– É, então claramente a culpa é minha. Eu não dei uma família pra você, eu não fui uma boa esposa, não sou uma boa mãe. Você tem razão, Harry. A culpa é toda minha, só minha! Você é o santo Potter...
– Não me chame disso.
– O que foi, Harry? Vai me dizer que não é verdade? – ela desafiou, desencostando a mão da porta e andando até ele. – Ao menos eu trabalho, sabia? Não fico em casa o tempo todo fazendo se Deus sabe o quê!
– Alguém tem que cuidar da nossa filha enquanto você vive para os seus livros, pesquisas e pergaminhos intermináveis!
– Eu não vivo para pergaminhos intermináveis, Harry!
– Tem, razão, eles não são intermináveis, um dia você consegue ler todos, mas até que esse dia chegue, eu fico aqui esperando, qual o problema, não é mesmo?
– Eu esperei por seis meses para você sair da prisão.
– E eu estou esperando há seis anos para ter uma esposa!
– Har-
– E não coloque a minha prisão no meio dessa história!
– Por que não? Você quer falar de como eu faço tudo errado, mas quer saber? Essa foi a maior burrada que você já fez na vida!
– Sabe que eu tenho minhas dúvidas? – comentou ele, displicentemente olhando para a aliança que usava na mão esquerda.
– É nesse ponto que você queria chegar? Foi para isso que tirou a Leahnny de casa? – perguntou Hermione, ligeiramente mais tensa.
– Eu tirei porque queria tentar me aproximar, mas você não deixa, você não quer nem conversar!
– Estou conversando agora.
– Brigando comigo e olhando para o relógio a cada dez segundos... mas se você chama isso de conversa...
– Eu não sou a única que está brigando. Ninguém briga sozinho! E foi você que começou... de novo.
– De novo?
– Não suporto suas cobranças, Harry. Acha que eu peço para ficar no laboratório tanto tempo? Acha que eu gosto de passar dias longe da minha família? Eu também sinto falta de você e da Leah, mas não podemos ter tudo na vida. Às vezes é preciso renunciar à algumas coisas em favor de outras.
– Em favor de quê? De alimentar o seu ego? De fazer de você uma grande pesquisadora? Nós poderíamos nos manter muito bem sem o seu trabalho, mas... ah, claro, como ficaria o seu orgulho, não é mesmo?
– Não é sobre dinheiro ou fama, Harry. E você deveria saber disso melhor do que ninguém.
– É sobre o quê, então?
– É sobre salvar vidas, ajudar pessoas. É uma coisa que eu pensei que você achasse importante – comentou ela, incisiva.
– Eu acho importante.
– Pois então não se coloque entre o meu trabalho e eu!
– Ótimo. Vou embora, já que estou atrapalhando – disse Harry, abrindo os braços em desistência.
– Embora para onde?
– Vou sair da sua vida, não vou atrapalhar mais o seu trabalho. Não é isso que você quer?
– Não foi isso que eu disse – respondeu Hermione.
– Mas é o que gostaria, não é mesmo?
– Quem é você para dizer o que quero e o que não quero?
– Tem razão, você passa tanto tempo longe de mim que nem a conheço mais. Eu achei que você gostaria de passar a noite aqui comigo, mas claramente eu estava enganado.
– Passar a noite com você? Discutindo, com certeza... Acertou, não gostaria.
– Ao menos enquanto discutimos você fica aqui, ao invés de sair correndo para aquele laboratório seu. Você acha que eu prefiro discutir com você a simplesmente ficar em silêncio do seu lado? Mas eu sei que no momento em que terminarmos isso, você vai embora de qualquer forma.
– Eu não tenho escolha. Pessoas dependem do resultado do teste que eu já deveria estar acompanhando.
– Por que não vai de uma vez? Estou prendendo você?
– Não vou sair assim – disse Hermione.
– Você faz isso o tempo todo.
– Não quando meu casamento está em jogo.
– Nosso casamento está em jogo todos os dias, Hermione. Deveria se lembrar disso ao menos quando volta para casa. Não é difícil, já que são raras as ocasiões que isso acontece.
– Você fala como se eu fosse a única culpada dos nossos problemas.
– Vamos, então diga que culpa eu tenho?
– Você me acusa de tudo, nem ao menos tenta me ouvir.
– E o que eu tenho tentado fazer desde que você entrou por essa porta, hoje?
– Começou a me acusar tão logo eu mencionei o teste – disse Hermione. – Estou mentindo?
– Deve ser por que você tinha acabado de estragar a noite que eu preparei para nós.
– Está me acusando de novo – apontou ela.
– Pode ter certeza que estou!
– Perfeito! Pode continuar, porque eu não vou desistir do meu trabalho só por causa...
– Só por causa do nosso casamento? – adiantou Harry.
– Só por causa das suas criancices!
– É criancice querer ficar perto da minha esposa? É criancice querer um casamento normal?
– Nada que você participe pode ser normal, Potter!
– Quem está venenosa agora? – murmurou ele, sem levantar os olhos.
– Você pediu para levar isso!
– Tem razão, eu deveria ter calado a minha boca. Está tudo perfeito, não está? Por que eu deveria reclamar de alguma coisa?
– Não está tudo perfeito.
– Eu sei disso, mas estou tentando consertar as coisas... e você não está colaborando.
– Porque tudo que você me obriga a fazer é me defender de suas acusações infundadas!
– Ok – ele acomodou-se no sofá. – Fale.
– Três semanas... Harry... faltam três semanas para que eu termine esse projeto, eu não posso desistir agora. Quando eu acabar, podemos conversar e resolver o que faremos, mas não agora, Harry.
– E durante essas três semanas eu só fico aqui, esperando por você, como fiz durante esses seis anos?
– Eu nunca o proibi de fazer alguma coisa enquanto isso.
– Eu nunca quis fazer nada longe da minha esposa, ao contrário de você...
– Eu tinha uma vida antes de você entrar nela, eu não posso mudar tudo de acordo com a sua conveniência, Potter.
– Isso é exatamente o que eu faria pela pessoa que eu amo!
– Você só diz isso porque não tinha muita coisa pra mudar na sua vida, não é mesmo?
– Eu te amo, Hermione, eu faria qualquer coisa por você.
– Você não parou de fazer Artes das Trevas quando eu pedi.
– E eu ao menos consegui matar Voldemort! Afinal, foi por isso que você voltou comigo!
Sem hesitar, Hermione ergueu a mão e acertou o rosto de Harry com um tapa.
“Ou teria algum outro motivo? Ah, sim, você precisava de alguém que criasse a sua filha quando você se enterrasse no seu trabalho!”
– Sabe de uma coisa, Potter? Você está certo! Eu estava com você, mas não porque o amava, e sim, por que tinha pena de alguém como você, mas até isso tem um limite. Adeus, Potter – ela deu as costas e, carregando um monte de pergaminhos, abriu a porta.
Antes de sair, ainda pôde ouvir Harry murmurar:
– Amor...
E ela saiu sem olhar para trás.
Continua...
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