Acusação
Capítulo 26
Acusação
Tracy levantou a cabeça novamente. Snape continuava a fitando de uma maneira especial. Ela queria fugir daqueles olhares perversos, esconder-se daquele rosto macilento e daqueles cabelos oleosos, mas não podia. Parecia não ter saída, sentia-se presa na própria mente. Ela sabia que o que fez foi muito errado, que enganar Severo daquela maneira era injusto, era sujo, era horrível. Mas ela persistia em tentar encará-lo. Ele estava desconfiando de algo, a garota tinha certeza. Baixou a cabeça para o pergaminho amarelado em que escrevera um poema pequeno, mas de grande significado para ela.
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono um ensaio de morte.
No cemitério das trevas
tudo morre provisoriamente.
Aquilo poderia não ter sentido para muitos, para ela o fazia todo. A violência é algo que acontecera sempre e que sempre acontecerá no mundo, tanto trouxa, como bruxo. Ela era uma das responsáveis pela a que ocorria no mundo bruxo. Queria morrer, queria sumir de todos os lugares e jamais ser encontrada novamente. Principalmente agora que Severo a encarava daquela maneira incômoda, como se desconfiasse dela.
- Todos os alunos no Salão Principal, imediatamente! Todos os alunos no Salão Principal, imediatamente!
Tracy, Hermione, Ron e Harry encararam-se quando ouviram a voz de McGonagall ecoar pelos corredores em que eles estavam. Estavam confusos e saíram rapidamente para o Salão, como solicitado.
- Que será que aconteceu? A voz dela passava muito nervosismo – disse Hermione, preocupada, enquanto dirigia-se pelos corredores.
- Para McGonagall não estar conseguindo esconder sua preocupação, algo muito sério – respondeu Ron.
- Será que alguém atacou o castelo? Faz tanto tempo que isso não ocorre, bem que poderia ter acontecido agora. Querem os alunos reunidos, para correrem menos perigo – sugeriu Harry.
- Ah, não sei, não – falou Tracy. – Mas concordo que deve ter sido algo muito sério.
Pegando alguns atalhos eles chegaram o mais rápido que puderam no Salão Principal, onde vários alunos já se aglomeravam nas mesas das casas. Havia vários burburinhos assustados dos primeiros anos e algumas sugestões extremamente malucas sobre o que havia acontecido.
- Creio que já estão todos aqui – falou McGonagall da frente do Salão, com a voz magicamente alterada. – Tenho uma horrível notícia a dar a todos vocês.
Os burburinhos, que haviam cessado por um momento, recomeçaram com vários “Eu não disse que era um grande problema?” e “Viu? Eu disse isso, mas não acreditam em mim”.
Tracy entreolhou Hermione. Estava começando a entender tudo aquilo. Torcia para que o plano tivesse funcionado.
- O professor Snape, alunos, foi encontrado morto nas masmorras – disse McGonagall, com voz pesarosa.
- Não!
Um grito muito alto invadira o Salão. Formou-se um aglomerado ao redor da mesa Sonserina e vários alunos espicharam o pescoço para tentar ver o que é que estava acontecendo.
- Alguém desmaiou! – gritou um.
- Ninguém desmaiou, idiota! Ela só está com falta de ar! – gritou outro, muito mais próximo do aglomerado.
Ela? Ela quem?
- Abram espaço, abram espaço! – pedia Madame Pomfrey, tentando passar entre os alunos. – Por favor, eu sou a enfermeira aqui! Deixe comigo!
As pessoas se dispersaram e o silenciou reinou vitorioso. Ron e Tracy adiantaram-se mais à frente e aproximaram-se do aglomerado.
- É a Farway – sussurrou Ron.
Não acreditando, Tracy elevou um pouco os pés, confirmando que era ela mesma. Parecia arfar muito, e Madame Pomfrey oferecia a ela uma poção verde escura. Abriu os olhos lentamente e pareceu respirar melhor.
- Está se sentindo bem, Srta. Farway? – perguntou a enfermeira.
- Sim – balbuciou ela em resposta.
- O que foi que aconteceu, o que você sentiu?
- Eu... Severo morreu? – perguntou ela com lágrimas nos olhos.
Pomfrey e McGonagall se entreolharam.
- Sim – falou a professora. – Foi assassinado. Ainda não sabemos como. Mas não se preocupe! – ressaltou ela. – Logo encontraremos o culpado e iremos puni-lo como merece.
Farway fechou os olhos novamente.
- Duvido que o encontrem – balbuciou ela.
- Como disse? – perguntou a professora.
- Disse que... bem, não interessa. Eu quero vê-lo, posso?
McGonagall assentiu com a cabeça e passou as mãos pelos olhos.
- Onde está o professor Dumbledore? – indagou Harry.
- Na sala dele, vendo se consegue identificar o que matou... Severo – respondeu a professora de Transfigurações.
- Ele não conseguiu ainda? – perguntou Harry.
- Não, Sr. Potter – falou ela. – Vamos nos dispersar. Voltem para seus dormitórios e Salas Comunais, as aulas de hoje estão todas canceladas.
Eles se encararam e grandes grupos de alunos saíram do Salão, falando em cochichos. A maioria expressava feições de desconfiança e incerteza em relação à informação. Quando Ron, Hermione, Harry e Tracy saíam, alguém gritou.
- Foi ela!Tracy virou-se, para observar uma Farway completamente perplexa e com os olhos inchados apontar um dedo para ela.
- Que? Eu... eu não estou entendendo – todas as atenções voltaram-se a garota.- Não minta! Foi você, com aquele livro – enquanto falava, Farway aproximava-se de Tracy.
- Livro? Que livro? – Tracy tremia imensamente.
- Aquele livro que você me...
Tracy olhou ao redor, procurando algum olhar acolhedor. Só via pessoas a olhando com desprezo, e ainda mais dúvida do que anteriormente. Repentinamente seus olhos pararam em um homem alto, com vestes rotas e rasgadas em algumas partes.
- Remo Lupin – ela sussurrou para si mesma. – Ele odiava Severo. Ele está na escola, agora que ele morreu.
- Que está dizendo, Tracy? – indagou Farway, que não ouvira o que a garota pronunciara.
- Mas é claro! – gritou ela. – Foi o Lupin! Só pode ter sido ele!
Mais uma vez as atenções voltaram-se unicamente para uma pessoa. O homem encarou a todos com muita tranqüilidade.
- Ele odiava o Snape, segundo Harry! Sempre odiou! – argumentou Tracy. Harry encarou a garota, mas não foi retribuído.
Remo Lupin piscou uma vez e adiantou-se para a garota.
- Sim, eu odiava Severo Snape. Mas, ao contrário de você, não seria capaz de matá-lo – sussurrou.
- Está insinuando também que o matei? – indignou-se Tracy.
- Eu não faço insinuações. Quando desconfio de algo, o confirmo e então acuso.
Tracy calou-se instantaneamente. Sabia que as meras palavras que proferira não serviriam para convencer ninguém de que Lupin, ao invés dela, é quem tinha assassinado Snape.
- Como você, lobisomem, explica o fato de estar novamente aqui em Hogwarts, três anos depois de ter sido praticamente expulso daqui pelos pais dos alunos? E ainda mais, volta aqui dois dias antes de um arquiinimigo seu ser assassinado! Não acha coincidência demais?
- Sabe muito bem para que eu vim aqui, Mignonette! – gritou Lupin, perdendo a paciência.
- Não conseguiu o que seria seu intento. E ainda matou um homem – Tracy fez expressão de desaprovação. – Quanta deslealdade!
- Quer que eu diga à Harry o que é deslealdade, Mignonette? – Lupin estava completamente alterado, os olhos castanhos em fúria.
Tracy paralisou. Ele poderia ser perigoso.
- Agora treme nas bases, não é? Por que não me acusa agora? Teria como defender-se se eu a acusasse? – indagou Lupin aos gritos.
Ela precisava, mas não conseguia pensar em nada para dizer. Se não arranjasse uma maneira de escapar dali rapidamente Lupin a humilharia, esmagaria como uma simples formiga diante de toda a escola. Isso se não revelasse a verdade a todos. Maldita hora em que Severo ficou sabendo de tudo!
- Fale alguma coisa, Mignonette... Defenda-se, se sentir-se capaz. Do contrário, eu mesmo falarei tudo...
Tracy pôs as mãos sobre o rosto e começou a chorar copiosamente. As lágrimas fluíam de seus olhos, umedecendo todo o rosto enquanto aquela figura quase loira debulhava-se em meio ao Salão Principal.
- Remo, por favor, pare – disse uma voz imponente entrando no Salão.
Todos viraram as cabeças para ver quem entrava. Era Alvo Dumbledore, parecendo mais velho e cansado do que nunca com suas longas barbas brancas e olheiras profundas.
- Acompanhe-me até minha sala, Remo. Conversaremos lá.
O ex-professor de Defesa Contra as Artes das Trevas lançou um olhar malévolo em direção a uma Tracy em frangalhos e começou a caminhar em companhia do diretor. Porém, no momento em que eles sairiam do Salão, chegaram os representantes do Ministério.
- Remo John Lupin, o senhor está preso por assassinato.
- Escuta aqui, que foi que você fez? – indagou Farway, segurando o braço de Tracy, impedindo-a de mover-se.
As duas encontraram-se num corredor deserto próximo ao horário de se recolher.
- Solte-me, sua maluca! – retorquiu Tracy. – E eu não fiz nada.
- Ainda acha que alguém vai acreditar em suas histórias, Tracy? Eu sei muito bem que você fez algo com aquele livro...
- Algo, Farway? Pela maneira como fala não sabe é de nada.
A garota puxou se braço.
- Faça o favor de me contar o que foi que você fez.
- Já disse que não fiz nada. Não tenho absolutamente nada a ver com o assassinato de Severo! Ele está no nosso lado, para que eu iria querer matá-lo? Para ter um aliado a menos? É exatamente disso que preciso agora – ela falou sarcasticamente. – Deixe-me em paz, Farway.
- Mas se não foi você, quem foi? – ela indagou, parecendo conformada, mas não convencida.
- Oras, quem foi! Foi aquele Remo Lupin, não é óbvio?
Farway crispou os lábios.
- Não – disse friamente. – Eu conheço Lupin, sei que ele não mataria ninguém.
- Então não o conhece – Tracy disse. – Junte as peças, Farway. Ele não nos disse o que veio fazer aqui.
- Disse que você sabia.
- E eu lá vou saber disso! – a garota disse mais do que rapidamente.
- Tracy. Se não foi você, tenho certeza que sabe quem foi – Farway sibilou, a encarando, buscando as tão preciosas informações.
- Já disse que foi o Lupin. Eu tenho certeza que foi ele. Aquele lobisomem infeliz não sab...
- Cale a boca! – berrou ela.
Tracy parou no mesmo momento, encarando-a com um humor sádico.
- Tudo bem, mademoseille – debochou. – Como quiser.
Uma nuvem muito escura pairava sob o céu, escondendo todas as poucas estrelas que resolveram aparecer para iluminar a noite pesarosa. Todos no jardim de Hogwarts pareciam estar envolvidos em um imenso torpor. Ninguém andava, ninguém falava, ninguém chorava, ninguém se mexia, todos mal respiravam.
Esse início de março foi pesaroso. Estavam finalizando sua primeira semana e não havia uma boa alma que quisesse continuar na escola. Como se não bastassem as aulas estarem cada vez mais puxadas, ainda havia isso para importuná-los. Todos os pensamentos giravam apenas em torno da morte de Snape e a prisão de seu suposto assassino. Alguns acreditavam que fora trancafiada em Azkaban a pessoa certa. Outros, afirmavam o Ministério estar enganado. Outros mal sabiam o que pensar.
Tracy olhou para o céu enquanto finas gotas de chuva caíam sobre eles. Várias cadeiras foram postas nos jardins, corretamente, para que os alunos dessem um último adeus ao detestável professor de poções. Poucos alunos deram-lhe valor quando vivo e, agora, morto, menos ainda. Ao longe, via-se seu caixão negro já devidamente lacrado.
Alguns alunos ousaram quebrar o silêncio, fazendo em si mesmo um feitiço de proteção contra a chuva. A grande maioria não o fez, estava demasiada concentrada em coisas mundanas para perceberem que água caía-lhes sobre a cabeça.
Tracy ergueu a cabeça, fitando o garoto que chegara perto dela e sentara-se ao seu lado, no chão. Ela preferira o chão pelo contato com a terra, e as cadeiras provavelmente a fariam mal. O rapaz ruivo fitou-a intensamente, sem dizer palavra alguma. Elas seriam, na verdade, totalmente dispensáveis naquele momento. A garota sabia muito bem o que aquele olhar de Leo queria dizer.
Ela suspirou profundamente e sentiu o braço dele passando sobre suas costas e aproximando-a de si. Então deitou a cabeça sobre seu peito, trazendo a mão para os olhos na tentativa de evitar que lágrimas caíssem deles. Não estava triste pela morte de Severo, de maneira alguma, isso a alegrava imensamente. Porém, algo diferente assolava seu coração. Por algum motivo não conseguia tirar Harry, Ron e Hermione de sua cabeça.
Cerrou os olhos e lhe veio à mente o momento dos beijos de Leo. Parecia ainda senti-los em sua boca, os lábios dele nos seus, as palpitações rítmicas de seu coração. Pensou em esquivar-se, mas o corpo não se mexia para tal tarefa. Queria apenas ficar ali, junto dele, sentindo o calor de seu corpo aquecê-la. Mal se importava com outra parte de seu corpo que não fossem os braços acolhedores do rapaz. O mundo podia acabar e ela nem perceberia.
- Dumbledore é rápido, fiquei sabendo que já contratou um novo professor para lecionar Poções – comentou Lia ao café da manhã de segunda-feira. – E as aulas mudaram das masmorras para a ala oeste do castelo.
- Oh, não! – resmungou Ron com a boca cheia. – Achei que fossemos ficar, no mínimo, uma semana sem aula de Poções!
- Ronald, por favor. Poções são importantes – retrucou Hermione.
- Você só fala comigo para reclamar – falou Ron, voltando toda sua atenção para a empada novamente.
Hermione revirou os olhos, enquanto lia mais algumas páginas de seu livro. Todos terminaram o café da manhã em silêncio, sem pronunciar mais palavra alguma.
- Faltam poucos minutos para a aula. Que tal irmos indo, para não desapontarmos o novo professor logo no primeiro dia? – sugeriu Tracy.
- Claro, vamos – concordou Hermione e todos as seguiram.
Caminharam rapidamente pelos corredores, à procura da nova sala de aulas. Muitos alunos comentavam contentes nos corredores o fato da mudança, o que seria muito mais agradável para todos.
- Está triste, Malfoy? – indagou Harry quando viu o loiro aproximando-se.
- Por que deveria, Potter? – ele falou displicente, prestando atenção à outras coisas.
- Quem lhe protegia não está mais aqui. Um grande problema, não? Quem é que vai dar ponto de graça para a Sonserina e, ao mesmo tempo, tirar pontos de graça da Grifinória? – indagou debochado.
- Pois saiba que eu não preciso do Snape para nada, Potter. E tenho certeza que minhas habilidades com poções irão fazer com que o novo professor me favoreça muito antes do que seu lento raciocínio possa imaginar.
- Ah, essa eu quero ver!
Alguém entrou repentinamente na sala, fazendo com que todos os alunos se calassem e prestassem atenção à nova figura ali presente. O homem era alto, tinha cabelos negros curtos e a pele levemente morena. Os olhos eram castanhos, auxiliados por óculos de graus aparentemente fortes.
- Bom dia, alunos – sua voz era dura, exigente. – Como devem imaginar, sou o novo professor de Poções de vocês. Chamo-me Matthew Orleans e, caso alguém esteja interessado na informação, tenho vinte e sete anos. Formei-me no Ministério da Magia há pouco tempo e quando surgiu a oportunidade de lecionar em Hogwarts, realmente corri para conseguir o emprego, o qual considero a melhor oportunidade que já tive.
- Que cara idiota – cochichou Draco.
- Quando se julga alguém, não define a ele, mas sim a si mesmo. Então, Sr. Malfoy, eu ficaria muito feliz se parasse de se menosprezar. Menos dez pontos para a Sonserina – ele falou friamente.
Draco paralisou imediatamente, imaginando como o novo professor saberia seu sobrenome. Harry controlou-se para não falar algo, afinal, precisava mesmo dar-se bem em Poções esse ano.
- Como talvez tenham percebido, já sei qual é o nome e o sobrenome de cada um de vocês. Por isso não precisaremos perder tempo com apresentações – continuou o professor. – Ah, outra coisa. Não quero que me chamem de você, Matt, Matthew, ou dêem-me qualquer outro apelido. Para os senhores sou Professor ou Senhor Orleans. Agradeço-lhes pela compreensão. Bem, vamos começar. Escrevam aí...
Ao longe, avistou o local que tanto procurara. O cemitério de Hogwarts, onde eram enterrados os professores, diretores, zeladores... enfim, todos da escola que não tivessem família para se preocupar com eles e nem para dá-los um enterro decente.
Ela sentia um frio estranho, andando entre aqueles mortos. Havia, mais ou menos, umas cinqüenta lápides. Todas iguais, com o brasão de Hogwarts a fundo e o da casa a qual o professor pertencera antes de morrer mais a frente. Seu nome brilhava em negros diamantes e o que fizera para a história de Hogwarts estava gravado logo atrás. Não foi difícil encontrar a lápide que procurava. Era grande, uma das maiores, e seu aspecto era de objeto novo.
Ao redor estavam plantadas diversas roseiras negras, uma coisa muito estranha que jamais havia visto. Quem se daria ao trabalho de retratar em rosas a solidão, o sofrimento, a angústia? Logo em rosas que eram símbolos de alegria, juventude e amor? Ela não entendia. Aquilo era bizarro demais e a deixava apavorada, com nunca estivera. Por que tamanho medo? Qual a finalidade? Não eram apenas rosas? Eram...
Pensando nisso, arranhou-se sem querer em vários espinhos de uma delas. Assustou-se ao ver o contraste que havia entre o mais escuro preto e o mais vivo vermelho. Preocupou-se, pensando que algum dia estaria entre eles. Entre os mortos. Sentiu medo. Surpreendeu-se pensando na imortalidade. Porém, lembrou-se da conversa que tivera com seu pai, nas férias. Não, ela não imaginaria nunca aquilo.
Estancou o sangue com um pedaço de suas vestes que haviam sido rasgadas enquanto chegava até o cemitério. Sentou-se na terra seca, próxima às grandes árvores sem vida e sem folhas, e encostou-se em uma lápide, que ficava a frente da de Severo Snape.
Por alguns segundos parecia sentir que seu espírito saía do seu corpo, como se estivesse sendo puxado para fora. Mas, logo depois, voltava para si, deixando-a sentindo uma estranha sensação de aflição. Tracy ouvia o vento sussurrar em seus ouvidos, quebrando todo o silêncio modorrento do local. Ele queria lhe levar para longe, para além da existência. Mas não conseguia.
E naquela nobre melodia confusa, ela se perdia entre as negras sombras projetadas no solo pelas lápides e pelas árvores sem folhas, secas. As sombras começavam a envolvê-la, deixando-a preocupada e temerosa. Seu coração não batia mais. Ao menos ela não o sentia bater. Sabia que estava viva, mas não vivia... era estranho.
Em alguns momentos, repentinamente, ela sentia que seu destino estava chegando ao fim. Seu coração doía, seu corpo inteiro doía e tudo refletia em sua mente, fazendo-a morrer aos poucos. As sombras deixavam de existir naqueles instantes e ela reconfortava-se apenas em olhar o céu. Dentro dela, os lamentos pediam para sair, e a dor estava se tornando insuportável.
Com o tempo, já não ouvia mais o vento sussurrar-lhe aos ouvidos seu triste destino... apenas existia. E, voltando à vida, ela então notou que estava somente perdida entre rosas, num cemitério escuro e que nada a faria definhar, por mais que a angústia que sentisse fosse pavorosa.
- Ora, ora, ora Severo – murmurou ela, como se o homem ainda pudesse lhe ouvir. – Feliz, agora?
A garota olhou para a lápide, parecia esperar que Snape saísse de lá e resmungasse com ela, e, de certa forma, ela queria muito isso, só para poder retrucar.
- Não vai responder? Oh, mas que pena – resmungou a garota para o nada. – Estou sentindo tanto a sua falta.
Ela riu. Não conseguiu segurar uma gargalhada pelo seu sarcasmo.
- Mas você teve o que pediu, não pode reclamar... – uma lágrima escorria pelo seu rosto – Pediu para morrer, Severo, e eu lhe matei. Pediu para ser morto cruelmente, Severo, e assim eu o fiz. Era o que você queria, não era? Denunciando-me ao Dumbledore – ela respirou profundamente deixando escorrer mais uma lágrima pelo rosto – Mas as coisas estão se resolvendo. Agora, com a sua morte, todas as atenções desviaram-se de mim.
O vento veio forte naquele momento e embaraçou todo o cabelo da garota, que ainda não se desencostara da lápide.
- Todos estão prestando atenção em, adivinha quem? Isso mesmo. Remo Lupin. Oh, coitadinho... – ela baixou a voz e disse em um sussurro, como se alguém pudesse lhe ouvir naquele lugar – Não sabem que fui eu quem lhe dei o livro envenenado. Sabe, me dá muita pena dele. Mas eu precisava, Severo. Precisava.
Ela estava com a voz triste, como se consolasse o cadáver.
- Fazer o quê, não é? Uma hora tudo finda... Até a vida finda. Sua hora só chegou um pouco antes do que o normal. Graças a mim, é óbvio. Se não fosse por mim – continuou ela, mirando o infinito céu azul – você estaria aqui, do lado de Dumbledore. E isso seria horrível para você, não seria?
Ela olhou para a lápide de Severo Snape novamente.
- Agradeça-me por tudo, Severo – falou ela.
Tudo ficou no mais absoluto silêncio. Apenas o vento voltou a uivar por entre os galhos das árvores.
- Não vai me responder? Agradeça-me, Severo – repetiu ela, fitando a lápide. – Agradeça-me, eu disse, Severo.
Nada, ainda. Tracy pegou uma pedra do chão e jogou no nome de Severo, escrito com diamantes negros, e tirando algumas dessas preciosidades do lugar.
- Você não merece minha compaixão. – falou ela, com olhos brilhando – Não merece. Não merece, não. Você é mau. Muito mau...
Outras lágrimas escorreram pelo rosto de Tracy.
- Por que você não fala comigo? – perguntou ela, visivelmente abalada – Estou sentindo sua falta, Severo. Fala comigo. Fala, vai! Fala!
Ela berrou mais e mais alto. Estava se arrependendo do que fizera. Mas não iria se render, não iria.
- Está tudo bem com você? Aí, onde está? Espero que esteja. Comigo está tudo ótimo – ela sorriu angelicamente – Tudo perfeito. Como já disse, não estão mais preocupados comigo. Querem saber quem é realmente Remo Lupin, o lobisomem.
Percebia-se que seu estado mental oscilava entre o bom e o mal. Ela não estava muito bem, não era mais normal. Seu cérebro estava sendo muito afetado pelos acontecimentos recentes.
- Papai descobriu quem realmente era você. Foi ele quem me fez te matar, sabia? Se Severo não vai até Voldemort... A herdeira do mal vai até Severo. E ceifa a vida dele.
Ela riu novamente. Estava maluca, definitivamente.
- Mas, quem se importa? Eu sou a única que sente sua falta aqui, querido – resmungou ela, sonhadora. – Arranjaram rapidinho um substituto excelente para você. Agora sim as aulas nas masmorras parecem aulas, verdadeiras aulas de Poções.
O ventou assobiava, as rosas negras entortavam seus caules e pendiam para a direita.
- Tudo mudou agora. Nada mais é como antes. Você não faz falta alguma, Severo. Oh, é claro que faz, havia me esquecido – falou ela, levantando-se e caminhando até a lápide do ex-professor. – Farway parece estar indo a loucura. Gostava tanto de você. Mas também, era a única! O restante da escola, tirando ela e Dumbledore, estão super felizes com sua partida.
Ela sorriu para a foto de Snape, que se movimentava, fitando-a com ódio.
- Todos estão debochando de você, rindo felizes, se divertindo agora. E você? Oh, quantas baratas tem aí dentro, Severo? Eu gostaria tanto de ver seu cadáver apodrecendo nesse caixão. É realmente uma pena que isso seja impossível.
Ela respirou fundo, sorrindo, e tirou a capa jogando-a em cima da foto de Snape.
- Não quero vê-lo nunca mais – disse ela, em tom macio – Eu te odeio. Odeio-te profundamente pelo estrago que você causou ao nosso plano, meu e do Lorde das Trevas. Sem falar na preocupação que me fez passar. Durante tantos meses, Severo... não teve pena de mim? Cheguei até a cogitar a possibilidade de me juntar a Potter e seus amiguinhos, desistindo da verdadeira razão para eu viver. Mas Slytherin não permitiu!
Ela olhou sonhadoramente para o horizonte. Tinha desabafado. Tudo que ela queria dizer para ele, e não pode quando estava em vida, disse agora. Precisava dizer aquilo, sentia-se super leve agora, pronta para dar seguimento ao seu plano e vencer todos os idiotas sangue-ruins e traidores do próprio sangue. Principalmente Potter.
- Por que tanto ódio, Riddle? – perguntou-lhe uma voz masculina logo atrás dela.
A garota virou-se rapidamente para ver quem era.
- Ele me traiu – falou ela, tranqüilizando-se ao ver quem era. – Traiu minha confiança, desperdiçou as chances que tinha de se tornar grande, um vencedor merecedor de várias honrarias... Ele não quis isso. E o contrário disso ganhou minha vingança, a morte.
Dumbledore sorriu.
- Foi você quem o matou, não foi? – perguntou ele.
Tracy riu.
- O que o leva a pensar isso? – a garota perguntou. – O que o leva a achar que eu, uma garotinha indefesa, seria capaz de cometer um... assassinato?
- O ódio que há dentro de você – respondeu o homem, aproximando-se de Tracy.
- Não existe ódio dentro de mim. O que eu queria não era vingança, mas sim justiça. É justiça, justiça o que eu quis desde o começo...
Dumbledore aproximou-se mais e mais.
- Como presumo, minhas suspeitas estavam corretas. Você matou Severo – Dumbledore balançou a cabeça, com um olhar triste. – Como foi que descobriu que foi ele quem me contou tudo?
- Eu vi num livro del... isso não lhe interessa, seu... seu...!
- O que acha que eu sou, Riddle? Vamos, diga.
Tracy pegou sua capa de cima da lápide e recolocou sobre os ombros. Começou a caminhar para fora do cemitério, novamente em direção à Floresta Proibida.
- Não vou ficar aqui nem mais um minuto sequer! – gritou ela, de costas para o homem.
- Do que tem medo, Riddle? – perguntou Dumbledore – De ter que pagar, futuramente, pelo que está fazendo hoje? Lembre-se do que lhe disse há mais de um mês atrás, você ainda pode se redimir, juntando-se à Ordem da Fênix, e colaborando conosco, contando o que Voldemort pretende.
Tracy virou-se para encarar o velho homem, com imensa fúria retratada em seu rosto.
- O quê? Caso você não tenha percebido, eu não sou Severo Snape! – berrou ela – Não sou uma traidora! Comecei nisso, e agora vou até o fim!
- Não precisa gritar, meus ouvidos, felizmente, estão funcionando muito bem – falou Dumbledore, calmo como sempre fora – E, sabe também, que se precisar de ajuda para se proteger também estaremos com você, lhe ajudando.
- Jamais! – ela gritou. – Jamais, ouviu bem? Jamais! Não vou trair meu sangue... não sou como vocês! Eu sei me dar o devido valor!
- Sabe muito bem que você não é filha de Voldemort, somente.
- Não fale o nome dele! – disse ela, entre dentes – E eu sou só filha do Lorde das Trevas, sim!
- Você é filha de Lílian Evans também. E eu sei que isso algum dia irá fazer diferença para você.
Tracy calou-se. Aquilo a tocara.
- Seu irmão Harry – continuou Dumbledore – vai mudar sua vida. Esse laço que vocês têm ainda terá muita importância para você.
Tracy cansou-se de ouvir tanta besteira. Apenas deixou uma lágrima escorrendo pelo seu rosto ser vista antes de virar-se e sair correndo pela Floresta Proibida, de volta ao castelo. Dumbledore ficou feliz, pois havia conseguido deixar Riddle pensativa, conseguiu fazê-la preocupada, e com medo.
N/A.: Olá, meus amores! E então? Esse é um dos meus capítulos preferidos. O escrevi há muito tempo atrás, num momento da minha vida que eu valorizava muito os sentimentos e o verdadeiro espírito das pessoas. Espero que também tenham gostado dele! O próximo capítulo chama-se A Repercussão e trata justamente da opinião dos personagens sobre a morte de Snape. Curto, mas legal. Prometo que posto logo que tiver 850 comentários, okay? Voltarei aqui direto só para conferir. Ah, e se alguém quiser, passa na minha fic O Mestre dos Desejos, que eu terminei de postar esses dias. Recebeu vários elogios! Beijos a todos!
Manu Riddle
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