Conto XXIII – Praticando Aerom
Nota Inicial: O segundo conto da terceira temporada de Contos Marotos narrará um episódio ocorrido já na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Os marotos são apresentados a uma nova matéria que se mostra incomodamente astuta: a adivinhação. O conto será narrado pelo Almofadinhas, em primeira pessoa.
Remo Lupin
Estávamos nós quatro no Salão Comunal da Grifinória. Era o terceiro dia do nosso ano letivo e soubemos que teríamos uma novidade para aquela tarde: estudaríamos uma nova matéria, com um novo professor, em um novo ambiente. Porém, não tínhamos idéia alguma de qual tipo de curso estávamos para começar.
- Estou realmente achando que teremos uma espécie de DCAT, mas dando mais destaque à prática – sugeriu Pedro, quando nós arrumávamos nossas mochilas para ir à nova aula.
- Não sei. Não seria tão útil assim, não é? – Remo rebateu, imprensando uma pilha de livros em sua mochila.
- Como não? Praticar feitiços defensivos e ofensivos não teria utilidade? – indaguei desta vez.
- Bem, em quê, realmente, iríamos utilizá-los? O único bruxo que ainda assustava alguém já está preso, não é? – Remo respondeu e sua voz expressava um certo orgulho – Graças a Dumbledore.
- Se é o que diz... – Tiago respondeu, observando o amigo fechar o zíper de sua bolsa – Só acho que este tipo de aprendizado nunca é demais.
E ao dizer isto, tomou a sua mochila e jogou-a nas costas. Eu, Pedro e Remo imitamos o gesto e saímos juntos para a aula-surpresa que nos aguardava.
- Adivinhação... – Remo murmurou, sem expressão, quando o professor Zoomby Hoot terminou o seu discurso sobre a matéria e todos os seus “caminhos secretos e elementos divinos”.
- Agora, meus caros alunos e minhas caras alunas, peço-vos que olhem para a abóbada celeste que surge bela e azul pelas janelas. Mas não olhem humanamente. Sejam transcendentais! – e o professor, com suas vestes azuis, disparou para uma janela às suas costas. Puxou uma cordinha dourada que pendia do teto e todo o cortinado que impedia a entrada da luz do sol pulou para o lado de cada uma das janelas que encobriam.
A luz estonteante daquela tarde de setembro invadiu o aposento e banhou as nossas faces. O efeito criado foi incrível. Há alguns instantes, estávamos todos na penumbra, mas então o professor abre as nossas mentes e se faz a luz! Um resultado perfeitamente dramático e muito bem planejado.
- Olhem para as nuvens – continuou o prof. Hoot – Olhem e vislumbrem as imagens que elas querem nos apresentar. Vejam! Mais alguém vê um cavaleiro ali? – e apontou para um amontoado de nuvens que de início me pareceu disforme, mas então um belo e medieval cavaleiro surgiu a meus olhos – As nuvens nos mostram o que querem que nós saibamos. Portanto, abramos as nossas mentes, os nossos olhos, e deixemos nosso âmago disposto a interpretar os símbolos e a vislumbrar as mensagens que o céu nos revela – e seus olhos fixaram-se mais uma vez no céu anuviado – Posso ver o futuro e o passado de cada um de vocês, mas não me cabe falar o que posso ou não fazer. A técnica da aeromancia é gratuita e democrática. Vamos praticá-la!
- Surpreendente! – eu não cansava de exclamar para os outros três marotos desde que saímos da sala de adivinhação. De fato, eu estava estupefato com o que fizemos durante toda aquela tarde.
- Foi muito legal! – os olhos de Pedro brilhavam, o livro “Enxergando os sinais” em baixo do braço – É incrível como é simples. Basta olhar para o céu, observar as formas com que a nuvem se mostra e conferir aqui no livro o que cada desenho quer dizer!
- Eu também gostei – Remo falou, embora parecesse um pouco menos animado que eu e Pedro.
- E você, Tiago? – perguntei, porque o amigo ainda não se manifestara.
- Bom, foi legal... mas estou me sentindo um pouco injuriado. Juro que não compreendo o porquê de ter aparecido aquele novelo de lã para mim – e fechou a cara, caminhando um pouco mais à frente do que nós. [Nota do autor: o significado do novelo de lã será explicado nas notas finais]
Chegara, enfim, o fim de semana. Embora estivéssemos animados com a perspectiva de termos dois dias sem aulas chatas e longas tardes para debruçar e descansar, o livro “Enxergando os sinais” foi o nosso grande companheiro. Em uma tarde de sábado, sentados à beira do lago à sombra de uma árvore grande e coberta de verdes folhas, praticávamos aeromancia, a técnica de adivinhação ensinada pelo mestre Hoot.
- Veja aquela nuvem! – bradara Pedro pela quinta vez, ao enxergar uma nuvem de formato bizarro – Parece uma... borboleta?
Mirei a nuvem com os olhos e a imagem que se formou aos meus olhos não podia estar mais nítida:
- São duas bocas, Pedro... se beijando – e pus os olhos no garoto, que no mesmo instante enrubesceu-se.
- Beijo: representa o surgimento de um grande amor em sua vida. Preocupe-se em notá-lo em meio ao mundo conturbado em que vive – Tiago leu, na página 26 do livro – Quem é a pretendente, então? – completou, também encarando Pettigrew.
- N-ninguém! – bradou Pedro, vermelho como um tomate maduro – Isto não quer dizer nada, francamente.
- Claro que quer dizer! Ao fim do segundo ano, no trem, você me pareceu bem mais, anh, assanhadinho para o namoro – Remo revelou, um sorriso maldoso estampado em sua pálida face.
- E eu te falei que não tenho ninguém. Não mesmo! Juro! – Pedro bradou, porque ninguém parecia estar acreditando; eu não estava, pelo menos.
- Bem, então vamos ver se descobrimos mais alguma coisa sobre você nas nuvens! – bradei, puxando o livro das mãos de Tiago e olhando para o céu.
Ventava forte e as nuvens moviam-se velozmente no céu. Desta maneira, as massas de ar faziam e desfaziam figuras no ar em segundos. Atenciosamente, encontrei uma forma que se destacava das demais. A figura formada lembrava um pequeno baú fechado.
- Baú: representa o encobrimento de um segredo. A chave está ao seu alcance – li, em seguida, no livro de adivinhação.
- O que isso quer dizer? – Tiago indagou, as sobrancelhas erguidas e um ar de curiosidade o encobrindo.
- Bem, talvez um de nós tenha um segredo e não queira contar – falei, virando os olhos de imediato para Pedro Pettigrew.
- Ah, nem vem! – o garoto bradou, ao perceber que outra vez era o centro das atenções.
- Vamos embora? – Remo propôs de repente, pondo-se de pé.
- Já? Não, Remo. Vamos consultar as nuvens só mais um pouco, O.K.? – Tiago respondeu e Remo assentiu – Então, é a minha vez!
E Tiago olhou para o céu azul e anuviado daquela tarde. As nuvens mostravam-se disformes aos meus olhos, mas o meu amigo sorriu e apontou:
- Ali, vejam, um par de algemas – e, de fato, agora havia um par de algemas flutuando a centenas de metros do chão. Pedro folheou o livro e leu:
- Algemas: o frio metal que as produz é menos gélido que o coração da besta que os cerca – e piscou, bobo – O que diabos isso quer dizer?
- Problemas, talvez? – arriscou Tiago, também sem entender.
- A besta que nos cerca... Snape, Filch? – Remo falou, em voz alta; estranhamente pálido.
- Está se sentindo bem, Remo? – perguntei, mas o amigo acenou a cabeça dizendo que sim.
Chegara a vez de Lupin também consultar as nuvens e ele o fez, murmurando em seguida:
- Um-uma lua.
- Lua: o brilho lunar representa a revelação, em que a farsa vem à tona, embora se omita à luz do sol – li, embora, a cada palavra que lia, achasse que tudo aquilo fazia cada vez menos sentido.
- Acho que essas coisas estão interligadas, se querem saber – Tiago concluiu, depois de um minuto de silêncio, tomando o livro de minhas mãos – Baú, algemas e lua. Em síntese, há algo realmente ruim ao nosso redor que há de ser revelado e a tal revelação está a nosso alcance.
- Remo, você não quer ir ao hospital, quer? – ouvi Pedro perguntar a Remo Lupin, que estava pálido e suando demasiadamente.
- O que está acontecendo? – falei, aproximando-me de um lívido Remo.
E no instante seguinte, sem nenhuma cerimônia, Lupin vomitou nas minhas pernas. Depois, pareceu se engasgar com alguma coisa, tossindo alto e forte. Mas então tudo parou e ele achava-se deitado na grama que circundava o lago, dizendo baixinho:
- Me desculpem... Sirius, me desculpe.
- Remo... o que houve? – Tiago falou, tentando parecer calmo e encarando o amigo nos olhos – Conte conosco. Fale o que está sentindo.
- Eu... eu estou... eu sou... – mas o garoto voltou a ter um ataque de tosse.
- Calma, calma... Fale, vamos – Pedro incentivava, aproximando-se de Remo assim como eu e Tiago nos aproximamos.
- Não estou me sentindo bem – Remo confessou, ainda deitado no chão – Levem-me para...
- Vamos nos afastar um pouco para deixar um espaço maior para ele respirar – sugeri, e nós três nos afastamos, deixando um Remo doentio jogado ao chão.
E foi neste instante que eu vi algo muito estranho no meu amigo, ali, no chão gramado. As vestes de Hogwarts que ele vestia estavam sujas de seu vômito, amassadas e alguns botões de sua camisa social branca encontravam-se abertos. Ali, perto do seu umbigo, destacando-se na pela branca do garoto, havia grandes e profundas cicatrizes.
- R-remo? O que diabos foi isto? – falei, aproximando-me do garoto e desabotoando a sua camisa. A mesma expressão de horror que se formou em meu rosto ao ver o que a camisa escondia estampou-se nos rostos de Pedro e Tiago.
O corpo de Lupin estava coberto de cicatrizes. Cicatrizes grandes e profundas, como se o garoto tivesse andado se rasgando com as próprias unhas; até marcas de mordida havia por ali.
- N-não se preocupem – Remo dizia, do chão, ainda mais pálido do que antes – Não é nada.
- O que você está nos escondendo? – Pedro indagou, aproximando-se de Lupin e agachando-se próximo a ele.
- Desculpem... mas... eu sou um... eu sou um lobisomem – as palavras saíram quase mudas das bocas de Remo, mas o seu pronunciar foi o suficiente para nos calar. Os três arregalamos os olhos no mesmo instante, temerosos, mas então procurei falar alguma coisa, qualquer coisa, que pudesse ajudar o meu amigo naquela situação.
- Estaremos sempre ao seu lado. Não importa o que você é ou deixa de ser nas noites de lua cheia. Somos seus amigos, conte conosco – falei, agachando-me e segurando na mão de Remo, em sinal de apoio. Não surpreso, vi Pedro e Tiago unirem-se a mim naquele gesto de amizade.
Essa revelação explicava muita coisa. Nós, garotos, sempre costumamos tomar banho juntos no banheiro aos fundos do dormitório masculino na torre da Grifinória, porém, não me recordo de termos tido a companhia de Remo uma única vez nos últimos dois anos. O garoto sempre arrumava motivos para se atrasar para o banho ou, até mesmo, para não se banhar.
Somado a isto, recordo-me do dia em que todos nós fomos convidados pelo professor de Trato das Criaturas Mágicas a mergulhar no Lago Negro para estudar algumas espécies de monstros marinhos dos lagos escoceses.. Remo adoecera naquela data.
Analisando bem, dá até para achar estranho o fato de não termos desconfiado de alguma coisa antes. Remo sempre sumia uma vez por mês e inventava que conseguira despistar a bibliotecária, passando então a sua noite na companhia de livros de feitiços. Mas, o mais estranho, no outro dia ele sempre estava debilitado e febril.
Porém, para nós, agora que sabíamos de tudo, pouco importava o que Remo Lupin mostrava-se uma vez por mês. Jamais perderíamos a sua amizade, diária e sincera, por preconceito ou medo. Ele é o nosso amigo e, reciprocamente, somos os seus amigos. Amizade sem companheirismo não faz sentido.
O que poderia parecer, até mesmo para as nuvens, um motivo de afastamento, mostrou-se o símbolo da nossa união. Ao redor deste fato, nós, marotos, nos agrupamos e nos tornamos sólidos amigos; agora mais do que nunca.
Notas Finais: (além de conter notas do autor, há também os pensamentos, detalhes e opiniões pessoais de cada maroto sobre os diversos acontecimentos do conto).
# O novelo de lã representa para a aeromancia a indecisão. Porém, o que incomodou Tiago, foi o adjetivo atribuído a esta indecisão: indecisão sexual. Rs.
# A aeromancia é um tipo de adivinhação que existe de verdade, porém, todos os seus elementos e formas de interpretação narrados neste capítulo são meramente frutos da minha imaginação.
# O ataque de tosse e vômito de Remo, bem como a sua palidez, foram fruto da sua ansiedade e medo. Ansiedade por achar que estava na hora de contar aos seus amigos que era lobisomem, medo de eles acabarem por descobrirem sozinhos. Isso, somado ao fato de a lua cheia estar se aproximando, abalou o garoto psicologicamente e resultou naquele mal-estar.
# Pedro não estava mentindo ao dizer que não tinha uma pretendente. O garoto, de fato, passou a olhar as garotas com outros olhos, mas ainda não se apaixonou por nenhuma delas, posso afirmar.
# Bem, estou feliz por estar escrevendo o terceiro ano de Contos Marotos. Como eles estão um pouco mais velhos, aos poucos, novos elementos podem ir sendo introduzidos... Esperem para ver.
# É isso! Um novo conto postado, mesmo depois de tanto tempo. Peço mais uma vez desculpas pelo atraso, mas, vocês já sabem, estou em ano de vestibular e fica muito complicado eu arrumar um tempo no PC só para escrever. Espero que tenham gostado. Comentem e até a próxima! ^^
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