Capítulo 3 || Parte 1
Entramos em um pequeno prédio de faichada azul e roxa, sem nenhuma placa.
COMO é freqüente nessas ruas (bruxas) de grande circulação, o lugar parecia pequeno por fora, mas no interior era enorme. Eu nunca havia estado ali antes, mas já sabia mais ou menos o que me esperava. Lily, por sua vez, deixou o queixo cair até o chão (sem que ficasse menos bonita).
Nos encontrávamos em frente a um balcão, atrás do qual se podia vislumbrar várias e várias estantes que iam até o teto alto. Não dava pra ver as paredes laterais, o corredor principal, pelo qual se ia a todos os outros, parecia infindável.
A mulher baixinha de óculos fundo de garrafa que estava no balcão pirragueou para nos chamar a atenção.
'- Vão ficar aí babando muito tempo?- não gostei dela. Muito mal educada!
'- Por favor, quatro passes.- Sirius pediu.
'- Ha! Vocês vão entrar? Quantos anos têm, crianças? Treze?- ela perguntou debochada.
'- Temos dezessete, vai querer ver as identidades ou vai ser prestativa e nos deixar passar logo?- hum, eu tinha esquecido que a Lily é barraqueira! E essa mulher deu mais do que motivos pra ela ser tão grossa quanto possível.
'- Vou ter que pedir pra ver as identidades, pirralhos.
'- Ai ai, essa atendência está decadente, cada vez pior...- ela falou para si mesma tirando os nossos documentos da bolsa que trazia.
A moça do balcão examinou longamente as fotos comparando-as conosco. Abriu uma gaveta e tirou quatro crachás azuis, que nos deu sem falar mais nada. Sem agradecer seguimos adiante.
'- O que tem nessas estantes, Tiago?- ela me perguntou.
'- Olhe e verá.
Entrando no corredor que estava pela frente nós vimos. As prateleirs estavam abarrotadas de casas. Casas em miniatura, como se fossem maquetes, mas imitando com perfeição seus modelos. Era como o sonho de uma menininha de 5 anos, um lugar cheio de casinhas de boneca. Em cada uma havia uma etiqueta informando seu código, localização, aposentos, etc. Estávamos na número 2.468, que era na metade do recinto.
'- E então? O que acham de começarmos pelo começo?- Remo perguntou, ainda meio impressionado com o tamanho do lugar. Provavelmente fazia as contas de quantas opções tínhamos.- Devemos ter umas 5 mil dessas pra ver.- não disse?
'- Por mim tudo bem.
Andamos bastante até chegar no "Corredor Um".
'- Quando eu vou ao supermercado minha mãe sempre diz que os melhores produtos ficam lá em cima, pras pessoas não alcaçarem e levarem os mais caros, que ficam ao alcance.- Lily disse.
'- Faz sentido. E reduz nossa procura à metade.
'- Então é isso, procurando no alto.
Vimos castelos, fazendas, casas feitas de doce (como a da bruxa de "João e Maria"), barracos, ocas (aquelas casinhas que os índios constroem com bambu), puxadinhos e até iglus. Eu estava com dor no pescoço de tanto olhar pra cima e com dor no braço por causa do soco que recebi do Almofadinhas, só por ter sugerido uma casinha de cachorro rosa choque e amarela.
Lá pelo "Corredor Trinta e Dois" começaram a aparecer lugares mais habitáveis. Chegamos à conclusão de que seria bom procurar por apartamentos de dois quartos (como disse Sirius, "Onde dormirão os intrusos?") num prédio que só bruxos pudessem encontrar, com o mesmo feitiço que protege o Caldeirão Furado dos trouxas, em algum lugar perto do bar.
Eu estava andando concentrado nas etiquetas das maquetes junto à Lily, que tem aquela mania das garotas de andar de braço dado com a pessoa do lado. De repente, batemos em algo. Na verdade, em alguém. Na verdade, na verdade, em alguéns. Me senti olhando para uma espécie de espelho de idade. Em nossa frente havia um casal: um moreno de óculos, olhos castanho-esverdeados e cabelos despenteados (bem menos que os meus) acompanhado de uma ruiva de olhos verdes (não tão linda quanto a minha) da mesma altura do homem. Pareciam, na minha opnião, recém casados e tão impressionados com a semelhança como nós.
'- Desculpe.- minha ruiva falou.
'- Não foi nada.- respondeu minha cópia adulta sorrindo simpático. Deu uma passo com a mulher, que nos disse, piscando:
'- À propósito, vocês formam um casal lindo!
Ai, essas pessoas que adoram deixar os outros sem graça! Meu rosto esquentou muito.
'- Obrigado.- eu disse destraído, sem outras palavras vindo à mente.
'- Nós não...casal... Obrigada.- ela falou ao mesmo tempo que eu.
Aluado e Almofadinhas davam risinhos atrás de nós, assistindo à cena.
'- Ah, parem, vocês dois.- a ruivinha disse.
'- Olha que casalzinho fofo, Aluado, ganharam elogio até de desconhecidos.
'- Não somos um casal, Sirius!- ela disse corando.
'- Ainda.- ela ficou ainda mais vermelha.- Concorda?
Ela bufou e seguiu para o fundo do corredor pisando forte.
'- Cara, isso foi estranho.- eu disse.- Não é todo dia que a gente encontra uma sósia, muito menos crescida.
'- Menos ainda em casal!- Aluado disse, fazendo Sirius recomeçar a rir.
'- Inveja mata, okay? Não posso fazer nada se eu e a Lily combinamos tanto um com o outro.
'- Então vai lá acalmar sua alma gêmea, vai.
'- Vou mesmo.- rolei os olhos e segui a garota.
'- Boa sorte! Vai precisar!
'- É, pode contar conosco para recolher as suas migalhas!- ouvi enquanto andava. Grandes amigos eu tenho, sempre prontos pra me animar.
Chegando onde ela estava ohando uma miniatura de chalé, a puxei pela mão sem falar nada para levá-la até onde os outros estavam. Humpt! Como se ela fosse sem discutir.
'- O que pensa que está fazendo?
'- O que você acha que eu estou fazendo?- perguntei veemente.
'- Tiago, seja um cavalheiro e pare de grosserias!- ela puxou a mão, soltando-a da minha.
'- Desculpe, Lil, eu só queria te levar para ir ver o resto dos corredores, Remo disse que ainda faltam--
'- Se eu quiser ir, sei ir sozinha, obrigada.- me deixou lá embasbacado e foi em direção aos nossos amigos.
Essa menina não é atensiosa? É maluca e quer me deixar maluco também para que eu possa entendê-la! Que amor de pessoa.
Quando ela se acalmou pudemos continuar. No final, Sirius tinha anotado o código de cinco casas. Fomos, então, de volta ao balcão, onde nos dariam a sala dos vendedores encarregados.
'- Oi de novo.- Sirius disse à mulher, que agora lia uma revista de fofocas bruxa.- As salas que temos que ir, por favor.
'- A pirralhada vai querer ver as casas?
'- Não. Sabe o que é? Gostamos tanto de você que decidimos procurar apartamentos pro dia que algum maluco fugido do manicômio entrar por essa porta e te pedir em casamento, aí já terá tudo preparado. -uh, língua afiada, né? Essa doeu até em mim.- Pode fazer seu trabalho e informar as salas?
'- Menina mal criada!- xingou baixinho arrancando o papel que Sirius tinha anotado. Leu, deu um risinho debochado e escreveu as salas que devíamos ir.
Olhando em volta, vimos um elevador meio enferrujado e entramos. A primeira parada tinha que ser no segundo andar. A cabine parou rangindo e com um tranco, com o qual quase caímos. Nos encontrávamos num salão tão amplo quanto o de baixo mas com mesas de trabalho por todos os lados e lareiras por toda extensão da parede, pelas quais desapareciam e surgiam pessoas cheias de fuligem a cada segundo. Suspensas no ar, acima de cada mesa, pairavam setas apontando para baixo, roxas berrante com um número e um nome escritos de verde. Sirius examinou o que a baixinha tinha escrito e indicou uma mesa num canto da direita. Seguimos até lá, onde havia um velhinho de cabelos bem brancos e óculos quadrados recostado na cadeira olhando fixamente pro teto sem piscar e com a boca aberta.
'- Com licença.
Nenhuma resposta.
'- Com licença, senhor!
Nada, apenas um ronco particularmente alto.
'- COM LICENÇA!
Agora sim. O velho quase caiu pra trás. Olhou pros lados procurando quem o tinha chamado, parando a vista em nós. Fechou um pouco os olhos para focalizar melhor, ajeitou os óculos no nariz e, finalmente, falou:
'- Hein?- não um grande progresso, mas já é alguma coisa...
'- Senhor... - como era mesmo? olhei pra cima e vi o nome na seta.- Faed? Nós gostaríamos de ver o apartamento.
'- Cimento? Aqui não vende isso não, meu filho.- o melhor foi a cara de pena que o senhor fez, como se pensasse "Coitado, o rapaz é maluco."
'- Eu sei que não vende cimento, eu disse apartamento.
'- Ah, sim, isso aí eu tenho... E qual você vai querer?
'- O número 3.657.
'- Sim, sim, por aqui.
Ele nos levou até uma das lareiras - o que demorou bastante tempo, por causa do passo lento dele - e pegou um pouco de Pó de Flu que estava num pote enorme no chão. Quando ele jogou no fogo, as chamas ficaram verdes, mas ele não entrou. Parou e ficou coçando a cabeça.
'- Algum problema, senhor Faed?- Lily perguntou calmamente.
'- Emblema? Mas eu não uso nenhum emblema...- ele olhou para a blusa de flanela que usava procurando o tal 'emblema'.
'- Problema, senhor! Algum problema?
'- Não, minha filha,- ele deu um risinho sem graça.- é que eu esqueci o endereço...
Lily sorriu falsamente a ele em sinal de apoio - mas conhecendo ela sei que estava com vontade de falar algo do tipo "Vovô, não está colaborando!"-, enquanto nós três tivemos que respirar fundo para conter uma resposta parecida.
'- Se puderem esperar só um minutinho eu vou procurar nos meus papéis e já volto... Você disse que o n° 1.634?
Ao ver a confusão que eram os tais papéis (uma salada de relatórios, memoriais, penas quebradas, e até embalagem de bala, além do cheiro forte de naftalina) - algo quase pior que o dormitório dos marotos - decidimos dizer ao Sr. Faed que voltávamos depois porque ainda tínhamos que ver muitas casas. Acho que ele não ouviu muito bem, até porque Sirius falou rápido na pressa de ir logo para a próxima opção.
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