A Vingança de Sirius
N/T: Tradução de “Never Alone, Never Again”, por Bored Beyond Belief. Capítulo 5/42.
A vingança é uma forma de arte, assim como logros podem ser. A peça-chave para vingar-se é fazer com que a perda provocada aos receptores seja tão grande que estes não estariam dispostos a sofrê-la novamente.
O segundo truque, tão importante quanto o primeiro, é deixar claro que há a possibilidade de uma nova vingança, pois, se o receptor soubesse que, em algum momento, poderia cometer outro ato sem ser punido novamente, ele o faria.
O aumento gradativo das punições é outro fator importante. Caso a lição não seja aprendida na primeira vez, torne-a mais dolorosa na segunda. Alguém talvez diga que este fator seja mais parecido com disciplina do que vingança. Porém, não é. Disciplinar implica não obter qualquer tipo de satisfação da lição ensinada.
Sirius sorriu abertamente diante do pensamento. Ele se divertiria bastante, e não só naquela noite…
Sirius aprendera uma dura verdade sobre si mesmo enquanto vivera em Azkaban: ele possuía um lado perverso dentro de si. Fora esse lado que fizera com que as pessoas – até mesmo aquelas que o conheciam e amavam – tivessem acreditado na mentira de Pettigrew. E ele não se ofendera com aquilo. Muito pelo contrário. Ainda achava difícil acreditar que era capaz de fazer algo bom.
Até mesmo Remo não entendera que nunca haveria tentação grande o bastante para sequer fazê-lo pensar na hipótese de colocar aqueles que amava em perigo.
E fora aquilo que o tornara o inimigo eterno de Voldemort.
Como Auror, Sirius conhecera e compreendera a maldade de Você-Sabe-Quem, porém, experimentá-la na própria pele… As pessoas haviam sentido um grande medo dele naquele fatídico Halloween – e haviam tido todo o direito de sentir-se daquela forma. Fora a noite em que perdera amigos demais, em que vira tragédias demais. Fora a noite em que encontrara os corpos de Tiago e Lily e em que ouvira os choros de Harry.
Naquela noite, todos eles haviam sido traídos por um homem que, até então, Sirius considerava como um de seus mais estimados amigos.
E fora naquela noite que percebera o quão errado estivera ao duvidar de Remo. Por que fizera aquilo? Ainda se perguntava. O que Rabicho ganhara para cometer aquele ato?
“A casa dos Dursley”, murmurou selvagemente ao jogar o pó de flu na lareira, adentrando-a logo em seguida e deixando para trás a casa adormecida dos Weasley.
Seus olhos brilharam perigosamente sob a luz do fogo enquanto observava a sala de estar imaculadamente limpa, sua boca distorcida pelo rosnado que emitiu, mostrando os dentes. A casa parecia tão inocente, tão… normal. Tudo o que ouvia era o tique-taque de um relógio de pé, provavelmente situado dentro do gabinete, e o som distante dos roncos de Válter.
Sirius não deixou de notar a ironia no comportamento completamente anormal dos Dursley com relação a Harry. Eram tão obcecados que não tinham idéia do quão loucos eles mesmos haviam-se tornado.
Cobrindo-se com a capa de Harry, subiu sorrateiramente os degraus da escada em direção aos quartos, evitando as tábuas que rangiam com uma destreza obtida após anos de prática.
Seu afilhado perdera tudo após aquele funesto Halloween, e Sirius compreendia as ramificações dos ferimentos de Harry. Eles não indicavam apenas um verão ruim, apesar do que o garoto dissera. Indicavam anos de abuso.
O homem passara um bom tempo revivendo as conversas que tivera com o afilhado, enquanto este dormia superficialmente no sofá dos Weasley. Houvera tantas pistas… chocara-se com o fato de ninguém ter reparado antes. Rony conversara francamente com ele sobre algumas das poucas coisas que Harry lhe contava. Tanto o ruivo quanto Hermione sabiam que corresponder-se com o garoto durante o verão era, às vezes, impossível; sabiam que, para Harry, até mesmo fazer as tarefas pedidas pelos professores era difícil naqueles dois meses sem aula.
Todo ano, Harry chegava das férias pálido e doentio. Rony e Hermione haviam notado o voraz apetite do garoto logo após as Cerimônias de Seleção, assim como também haviam percebido o quão pouco ele comia antes de sentir-se cheio.
Sirius teve de suprimir o que sabia ser um rosnado em sua garganta. Suas tendências mais perversas poderiam divertir-se naquela noite…
Válter Dursley estivera sonhando com cortadores de grama. Cortadores de grama gigantes que haviam criado dentes e estavam tentando comer suas pantufas. Ele correra para casa com a intenção de se esconder – apenas para encontrar Edgar, seu pomposo chefe, beijando e acariciando Petúnia. Ofegantes, ambos se afastaram com um sobressalto, remexendo-se de forma envergonhada e tentando arrumar suas roupas.
“Como você pôde, amorzinho?”, ele se lamuriou tristemente, usando o apelido que geralmente reservava para momentos mais “íntimos”. Não que eles acontecessem com tanta freqüência quanto antes…
“Não seja ridículo, Válter. Harry saiu para tomar milk-shake e Duda está gravando um comercial de ração para cãezinhos. Eu estava entediada!”, ela respondeu mal-humoradamente.
Válter mandou Edgar para fora, planejando lançar um belo murro no queixo do homem, mas escorregou e caiu. Olhando para baixo, pensou que cairia sobre uma mesa de vidro que realmente não deveria estar em sua casa. Fechou os olhos, sabendo que uma grande colisão entre seu corpo e uma mesa iria doer, porém, não sentiu o impacto contra o vidro.
Em vez disso, sentiu suas costas contraírem-se e percebeu que acabara de acordar de um sonho. Estava deitado de bruços, seu rosto enterrado no travesseiro. Na verdade, parecia como se tivesse caído direto do sonho sobre a cama, pois Válter poderia jurar que quicara no colchão ao acordar.
Ele hesitou, pensando em como sonhos de que se está caindo eram estranhos, até perceber o quão silenciosa estava a casa. Por que ele acordara? Algo estava faltando ali… o que era? Válter virou-se bruscamente na cama, ficando sobre suas costas e encarando o teto do quarto escurecido. O relógio de pé de Petúnia parara de tiquetaquear. O homem sentiu o alívio tomá-lo.
Até então, não percebera, mas seu coração começara a martelar em seu peito. ‘É isso!’, pensou, aliviado. ‘Ela esqueceu de dar corda no relógio!’ Suspirando, Válter fechou os olhos. A casa estava tão mais quieta agora que ele não morava mais ali. Ficara furioso ao descobrir, e até mesmo com medo de que alguém descobrisse o que fizera… o que todos eles haviam feito. Porém, ninguém viera. Ninguém nunca viera.
Por mais que o garoto parecesse amar aquele mundo, eles certamente não lhe davam muita atenção. Válter sorriu diante daquele pensamento. Afinal, se o enviavam de volta todos os verões… era porque ninguém o queria. Por quatro anos, rezara para que Harry Potter nunca voltasse. Assim que superara o choque inicial e a raiva de eles terem invadido sua vida – a vida de sua família – e exigido que o garoto fosse para a escola, Válter percebera uma coisa.
Talvez Harry nunca mais voltasse. Válter não fazia idéia de para onde ele ia e certamente nunca se importara. Contanto que nenhum policial aparecesse à sua porta, era muito melhor que o garoto desaparecesse sem deixar qualquer vestígio em vez de ser escondido em um armário, onde um vizinho ou cliente de negócios poderiam ouvi-lo ou vê-lo. Porém, desaparecer… havia uma grande quantidade de possibilidades para aquilo.
Válter desejara desesperadamente, por anos, que o garoto fosse para a escola em Setembro e nunca mais voltasse a aparecer; que ele, a mulher e o filho chegassem à estação para buscá-lo, cumprindo aquela estranha obrigação de abrigar o garoto que Petúnia parecia sentir que devia aos pais, e não o encontrassem. Válter imaginava-se esperando por quase uma hora antes de dar de ombros e ir embora com a família; imaginava-se envolvendo os ombros do filho e oferecendo-se para comprar sorvete para todos. Era um belo sonho.
Particularmente, Válter não desejava nada além de miséria para o garoto que arruinara seu lar feliz. E parecia que seu desejo lhe fora concedido aquele ano. Quando haviam ido buscá-lo na estação de trem, Válter vira algo diferente em Harry naquele dia… uma tristeza, um ar de perda. Soubera então que algo terrível acontecera a ele; algo que o machucara. E, ainda assim, aquela gente estava enviando-o de volta para sua casa. O homem sorrira cruelmente diante daquilo. Poderia, então, fazer o que quisesse. Onde estava o precioso padrinho dele agora?
Enquanto pensava, Válter ouvia o sinistro silêncio produzido pelo relógio parado. Sabia que o que fazia era errado. Sabia com cada fibra de seu ser. Sabia também que nunca admitiria ou reconheceria aquele fato, assim como nunca deixaria de cometê-lo. Odiava tanto aquele garoto, pensava, sentindo seus lábios se curvarem em desprezo diante do mero pensamento daquela aberração. Suas mãos ansiavam por bater nele.
Se Harry não tivesse desaparecido, Válter provavelmente teria se levantado no mesmo momento, arrombado o quarto dele e descoberto uma maneira de puni-lo. Odiava o garoto e o que ele fizera com sua família pefeita. Odiava-o pelo que fizera a Petúnia, que estivera tão feliz quando se casara com ele… Após o nascimento de Duda, ela quase irradiava alegria. Porém, todo o fulgor se apagara naquela fatídica manhã em que ela encontrara aquele garoto na entrada. Ela soubera, então, assim como ele, que a vida aconchegante que levavam estava arruinada…
Abruptamente, Válter sentiu uma imensa pressão contra sua boca. Seus olhos haviam-se ajustado ao escuro, e era óbvio que não havia nada à sua frente. Tentando respirar, ele começou a se espernear freneticamente, desesperado para acordar Petúnia. Pensava que talvez estivesse tendo um ataque cardíaco, pois não conseguia respirar ou mover-se, como se estivesse pregado à cama… mas seu peito não latejava.
Uma ferroada afiada contra seu pescoço, porém, fê-lo ficar imóvel em segundos. Podia sentir uma gota de sangue escorrendo por sua pele ferida e uma respiração quente contra sua bochecha. Ao toque, o objeto que o machucava parecia ser a lâmina de um punhal… mas não havia ninguém ali!
“Válter Dursley, você não acreditava que eu existia?”, uma voz sibilou em seu ouvido.
Quase guinchando em pânico, o gordo homem tentou levantar-se. Ele estava ali! O padrinho! Só poderia ser ele… mas não conseguia ver ninguém! Era como se um fantasma estivesse atacando-o – e ele não sabia pelo que procurar. Tudo o que conseguia ver sob a fraca luz da rua que iluminava o quarto era o teto, o closet espelhado do outro lado da cama e a imagem refletida no mesmo – ele a mulher deitados. Seus olhos estavam arregalados e aterrorizados; o rosto de Petúnia estava escondido sob o lençol.
Ele estava lutando contra o nada, mas, ainda assim, seus gritos obviamente estavam sendo silenciados. Válter percebeu que podia discernir fracamente a lâmina de um punhal flutuando próxima ao seu pescoço. O objeto começou a pressionar mais a fundo e ele ficou imóvel, com medo de que a ponta afundasse demais. Também parou de gritar. Era incrível como Petúnia conseguia dormir tão profundamente.
“Eu já matei, não sabia? Não acreditou nas ameaças do meu afilhado?”, a voz perguntou. Soava penetrante, com um tom grave… perigosa.
Válter, de olhos arregalados, balançou a cabeça. Não, não acreditara. Observou a si mesmo gesticular negativamente no espelho do closet. O punhal remexeu-se em sua garganta, como se quem sustentasse o objeto estivesse ajustando-o para segurá-lo mais firmemente.
Petúnia começou a roncar de leve, tornando a situação ainda mais irreal enquanto Válter fitava seu reflexo aterrorizado no espelho. Não havia mais ninguém ali. Sua mulher se remexeu um pouco, soltando um ronco mais alto antes de retornar à mesma cadência anterior. Se permanecesse daquela forma, ela acabaria roncando por toda a noite ao lado de um cadáver. Ou talvez, ela seria a próxima… Seria o padrinho do garoto um fantasma? Ele nunca mencionara aquilo. Porém, Válter nunca ouvira falar de fantasmas capazes de fazer aquilo.
“Eu vi o que vocês fizeram. Todos vocês fizeram algo, não foi?”, a voz exigiu, e Válter sabia que seria inútil mentir. A verdade já fora descoberta.
Lentamente, ele assentiu. Como resposta, a voz rosnou em seu ouvido.
“Ele é uma criança. Indefeso. Um inocente que perdeu tudo. E, apesar de tudo, apesar de você ter aparecido, ele é gentil, carinhoso e forte. Já você, Válter Dursley, tão inocente ao dormir, tão desprotegido, não pode fugir. Não há qualquer lugar neste planeta onde você possa se esconder. E, se Harry morrer… eu juro que vocês todos estarão pedindo pelo perdão dele antes do fim”, a voz falou. Depois, abruptamente, a pressão sobre sua boca desapareceu, assim como o punhal foi removido de seu pescoço.
Válter pulou da cama rapidamente, ligando a luz do quarto e vasculhando todo o âmbito. Nada. Não havia ninguém além de sua ainda abstraída mulher. Desesperado, correu pela porta em direção ao quarto de Duda. Porém, o garoto estava profundamente adormecido, esparramado sobre parte de seu ursinho de pelúcia, lençóis bagunçados ao seu redor e o travesseiro jogado no chão. Roncava também, apesar de não tão alto quanto Petúnia. Ele estava bem.
Válter deixou o quarto do filho rapidamente, começando a checar cada quarto metodicamente, um de cada vez, até sentir-se mais seguro. Nunca vira seu agressor, porém não havia dúvidas de que o padrinho do garoto estivera ali. Seu pescoço ainda latejava onde fora ferido.
Finalmente, sentiu-se razoavelmente seguro de que nada mais aconteceria, ao menos naquela noite, e retornou ao seu quarto. Fechou a porta ao passar e, após alguns momentos de debate consigo mesmo, enfim rendeu-se ao ímpeto de checar o closet e sob a cama, manobrando o próprio corpo com dificuldade, uma vez que sua largura não permitia que se curvasse muito.
Não vendo nada, retornou ao seu lado da cama. Talvez tudo não tivesse passado de um sonho? Não, a dor em seu pescoço dizia o contrário. Puxando os lençóis para voltar a deitar-se, Válter congelou ao fitar o punhal que fora colocado sobre seu travesseiro. Pegou o objeto, aterrorizado, e segurou-o à sua frente, virando-se com um ar enlouquecido enquanto começava a soluçar, brandindo-o e golpeando o ar cegamente.
Uma brilhante mancha de sangue – seu sangue – maculara a fronha branca de seu travesseiro.
Não havia lugar algum onde se enconder…
Sirius estava parado ao lado da lareira dos Dursley, ouvindo os soluços de Válter, a capa de Harry dobrada sobre seu braço. Encontrara uma abertura para realizar seus planos; uma forma de utilizar um tipo incomum de mágica dentro daquela casa sem ativar os feitiços de proteção do lugar.
Objetos naturalmente mágicos, como fotos bruxas, bisbilhoscópios e a capa de invisibilidade de Harry, funcionavam bem entre as paredes do número 4 da Rua dos Alfeneiros. Como eles possuíam uma magia constantemente ativa, podiam ser usados indiscrimanadamente. Os feitiços de proteção se ajustavam à sua presença.
Sirius sabia o quão apavadorado Harry estivera diante da possibilidade de ser pego utilizando magia dentro da casa dos Dursley. Havia poucas coisas mais aterradoras para ele do que a idéia de ser expulso de Hogwarts, o único lugar onde o garoto fora aceito. Ninguém nunca dissera a Harry que ele poderia ter utilizado sua capa a qualquer momento… e agora, ser expulso de Hogwarts era a menor de suas preocupações.
O homem sentiu as lágrimas se formarem em seus olhos e balançou a cabeça, frustrado. Sentia-se nauseado em estar parado dentro da sala de estar deles. Aquela família o repugnava.
Sirius esperava sentir-se muito melhor com o que fizera… mas isso não aconteceu. Tudo em que conseguia pensar era que realmente deveria estar com o afilhado naquele momento. Harry precisava de seu apoio, mas ali estava ele, abandonando-o mais uma vez. O garoto talvez tivesse outro pesadelo, e Sirius certamente não queria que ele acordasse sozinho. Aqueles pesadelos…
Ele conhecia aquele olhar no rosto de Harry, mesmo que o afilhado tentasse sorrir para traquilizar o padrinho. Sirius sabia o que significava. Vira aquele mesmo olhar várias vezes, apesar de que nunca em alguém tão jovem quanto Harry.
Sabia que seus próprios olhos o carregavam. Estremecia convulsivamente ao lembrar-se de onde vira olhares ainda piores. O estágio final… os olhos vidrados dos mortos enquanto estes eram arrastados pelos corredores de Azkaban, suas bocas ainda abertas em gritos agora silenciosos. Olhos que haviam sofrido perdas demais, dor e sofrimento.
Sirius lembrou-se do quão machucado e magro Harry estava e murmurou as palavras para acender o fogo, pegando um pouco do pó de flu com uma das mãos. A vingança nunca era tão doce quanto deveria, e ele estava perdendo o precioso tempo em que poderia estar ao lado do afilhado que tanto amava.
Era a hora de voltar para casa… para Harry.
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