Único



Mamãe está grávida de novo. - Bellatrix anunciou, aos sussurros, no escuro do quarto de Andrômeda. Ela entrava sorrateiramente no quarto da mais nova todas as noites, para conversarem sobre assuntos proibidos.


- Acha que dessa vez ela vai ter um menino? - perguntou Andy e chegou para o lado na cama, dando espaço para a irmã deitar-se ao seu lado. Ela entrou em baixo dos cobertores, e suas mãos encontraram as da menor, seus dedos se entrelaçando.


- Duvido. Já nem sei mais quantas vezes ela perdeu depois que a chorona nasceu. - a voz de Bella não carregava grande emoção, os abortos naturais da mãe vinham se tornando rotina para a menina de quase sete anos. Andrômeda deu uma pequena risada.


- Não fale assim, quase sempre somos nós que a fazemos chorar - ela disse, com falsa repreensão, e Bella também riu. Não adiantava, porém. Por mais que puxassem o cabelo, tomassem a chupeta ou torcessem a orelha da irmã mais nova, sua mãe quase nunca a pegava no colo para confortá-la, apenas ralhava com as mais velhas e mandavam que fizessem a pequena se calar. Exceto quando eram gravemente ameaçadas, em geral elas deixavam Narcissa berrando e esperneando, apenas para irritar os pais, até que alguém (normalmente Monstro) se cansava e a fazia calar. - Se nascer, e for um menino, o que vai acontecer conosco? - Andrômeda voltou ao assunto sério, e o pequeno sorriso nos lábios da mais velha desapareceu.


- Eu não sei. - respondeu com sinceridade. Não diria doces mentiras para confortar a mais nova, nenhuma das duas vivia no mundo de fantasias em que a maior parte das crianças escolhia permanecer. Andy a abraçou, sentindo conforto nos braços da mais velha. Independente do que seria o futuro, elas teriam sempre uma à outra pra se apoiar.


Uma semana depois, apenas Cygnus compareceu ao café da manhã, além das filhas. A família fez sua refeição em silêncio, Narcissa fazia alguma bagunça com a comida, mas ninguém realmente se importava, Monstro limparia depois. O pai levantou-se assim que terminou de comer, e seus olhos pousaram por um pesado minuto nas filhas mais velhas.


- Cuidem de sua irmã hoje, a mãe de vocês está doente. - ele disse, antes de sair para o trabalho. Foi então que elas souberam que Druella havia perdido outra criança. Bellatrix e Andrômeda não sentiam-se tristes ou preocupadas com a mãe, o único sentimento que a notícia lhes trazia era alívio. Se os pais já não lhes davam atenção porque as três tinham vindo meninas, elas não queriam nem imaginar como seria se nascesse um filho homem.


Naquele dia, depois que o pai voltou do trabalho, ele foi até o quarto que dividia com a esposa, onde ela passara toda a tarde, e os dois tiveram uma longa conversa. As filhas ouviram parte do que falavam por trás da porta, Bella tampando a boca de Narcissa para que ela não atrapalhasse, e quase matou sem querer a irmã por sufocamento. Valeu à pena, porém, pelo que ouviram.


- Devemos parar de tentar, minha saúde não é mais a mesma, não sei se conseguirei suportar mais um aborto, ou mesmo mais uma gravidez. - era a voz da mãe, um pouco rouca.


- Sim, meu primo Órion vai se casar em breve com Walburga, que se torne responsabilidade dele ter um filho homem para perpetuar nosso nome. - Cygnus respondeu, de forma grave. - Precisamos educar nossas filhas, elas nunca conseguirão bons casamentos como estão. - um suspiro pesado pôde ser ouvido através da porta.


- Estou tão cansada... Mas está certo, preciso tomar as rédeas dessa situação. - concordou Druella, e nesse momento Narcissa começou a se debater com mais força nos braços da mais velha, e Bella percebeu que a pequena estava ficando roxa. Saíram correndo dali, e só quando estavam relativamente longe ela finalmente soltou a boca da loira, que começou imediatamente a chorar.


- O que significa tomar as rédeas, Bella? - perguntou Andrômeda, tentando sem muito jeito balançar a mais nova para que ela se calasse.


- Não sei, mas boa coisa não deve ser. - a mais velha disse, empurrando sem o mínimo de delicadeza uma chupeta na boca da bebê, que abafou o choro incessante.


Assim que a Druella se recuperou, as filhas entenderam o que era tomar as rédeas. Narcissa, que não tinha ainda nem três anos, era nova demais para perceber algo assim. As maiores, contudo, com seus cinco e sete anos, já entendiam o que estava acontecendo. As aulas de piano e canto foram as primeiras a começar, logo pela manhã, e em seguida leitura, bordado, etiqueta, dança, postura... era interminável, e as mais velhas odiavam cada segundo. Elas sabiam que aquela educação toda era para que arrumassem bons maridos quando crescessem, para se livrarem delas o quanto antes, para que elas honrassem o nome da família. Sabiam que não era por amor ou cuidado. Narcissa, por outro lado, cresceu absorvendo os discursos de Druella, de que “faço isso porque te amo, porque quero para você o melhor futuro”, cresceu com as histórias doces e cheias de sonhos de Beadle, o Bardo, acreditando que encontraria um dia seu príncipe perfeito, imaginando que todos à sua volta eram bondosos e amorosos, que os pais apenas eram frios porque elas não eram boas filhas o bastante. Ela não conseguia ver, como as irmãs, que elas eram uma decepção para os pais independente do que fizessem, e só depois de adulta e desiludida foi compreender que Druella e Cygnus trocariam as três por um único filho homem, se fosse possível, não importava o quão mal comportado ele seria.


Durante a infância, as bruxas más dos contos de fadas de Narcissa eram suas irmãs mais velhas. Elas faziam questão de atrapalhar tudo, estavam sempre fugindo das lições da mãe, e quando eram forçadas a comparecer, erravam de propósito tudo que lhes era ordenado. Os esforços da mais nova para ser perfeita e agradar à mãe eram ofuscados pelos esforços de Bella e Andy para serem horríveis e irritar os pais. As duas eram unidas, faziam tudo juntas, e eram tão parecidas que por vezes se podia confundir uma pela outra. Cissy se sentia muitas vezes como uma estranha perto elas, era diferente na aparência e nos modos, e nunca conseguia concordar com as atitudes delas. Ela não compreendia porque elas tinham que desafiar tanto os pais, ela obedecia tudo que lhe era dito, e ainda assim era difícil receber em troca aprovação dos dois. Por que as irmãs se reforçavam tanto para receber o descaso que para ela vinha tão fácil?


- Queria que Narcissa nos entendesse. Toda vez que tentamos mostrar a ela que mamãe não nos ama de verdade, ela entende tudo errado e nos coloca como as malvadas. - disse Andy em certa madrugada, quando elas já tinham nove e sete anos, ambas deitadas na cama da mais velha.


- Acho que a gente devia desistir. Se a chorona quer ser a bonequinha da mamãe, problema dela. - a voz da morena continha certa amargura.


- Ela é nossa irmã, não podemos abandoná-la assim! - a mais nova defendeu, e Bella franziu o cenho, ponderando por um instante.


- Verdade... Mas acho que uma hora ela vai crescer mais e entender. Mamãe ainda controla a cabeça dela, e por enquanto nós não temos o que fazer, talvez a gente deva deixar isso pro tempo. - falou, de forma reflexiva, e a mais nova assentiu.


- Certo. Então, pra onde vamos fugir amanha? Agora que Monstro descobriu nosso esconderijo em baixo da escada, vamos precisar encontrar outro. - ela mudou de assunto, e Bella sorriu, inclinando-se para sussurrar em seu ouvido:


- Tem um armário no terceiro andar com um feitiço de expansão, podemos montar até uma casinha lá dentro. - sugeriu, com animação na voz, e o sorriso de Andrômeda se alargou.


- Mamãe nunca vai nos encontrar!


Elas aproveitaram o esconderijo no armário o máximo que puderam para fugir das lições, e durante os períodos de folga saíam para atazanar Narcissa. Juntas, elas eram a definição de pestinhas. Bella adorava matar gatos e outros pequenos animais que encontravam, e as duas penduravam seus corpos onde ficaria à vista da mãe ou da irmã mais nova apenas para ouvir os gritos histéricos. Uma vez, entraram no quarto de Cissy no meio da noite e cortaram suas tranças, o que lhes rendeu uma surra e dois dias de castigo. Em outra ocasião, empalaram todas as bonecas da mais nova em seu quarto, e ganharam mais uma surra. Castigos se tornaram rotina para as duas, mas nada as corrigia. Elas sabiam tudo que era necessário para serem damas perfeitas, mas em casa faziam questão de fazer tudo ao contrário.


Bella apenas começou a mudar quando entrou para Hogwarts. Despedir-se de Andrômeda foi doloroso, mas ela se apaixonou pela escola. Ali tinha liberdade para ser quem realmente queria ser, e por mais que houvessem regras rígidas impostas a ela, nenhum professor tentava fingir que a amava, e as regras não eram coisas estúpidas como não trocar as mãos dos talheres. Ali, ela sabia, poderia desenvolver todo o seu potencial, e foi o que fez. Continuava, principalmente durante as férias, provocando os pais, desafiando sua autoridade, mas como o tempo de convívio diminuiu drasticamente, também diminuíram os conflitos. Quando foi a vez de Andrômeda entrar para a escola, havia uma certa rachadura entre as duas, algo que por algum tempo elas tentaram ignorar. No fundo, Andy ressentia a mais velha por ter lhe deixado sozinha com os pais, por mais que soubesse que ela a teria levado consigo para Hogwarts se pudesse. Os dois anos que passaram praticamente separadas fizeram com que as irmãs ficassem mais independentes uma da outra, e mesmo tentando manter-se próximas, aos poucos a maturidade as afastou.


Durante o começo do primeiro ano de Andrômeda, ela ia todas as noites ao dormitório da irmã e elas dormiam abraçadas como quando crianças. Essas escapadas começaram a se rarear ao longo do tempo, e antes do fim do ano a prática foi abolida. Cada uma tinha amigos de seu próprio ano, e Bella estava entrando na adolescência. Aquele fator foi o que mais as afastou: a idade, que antes separava Narcissa das duas por ser muito nova, agora separava Bella por ser muito velha, e Andrômeda se viu sozinha.


- Andy? - Bella disse, um pouco sonolenta, ao ouvir a porta de seu quarto se abrir. A silhueta de uma garota de cerca de treze anos se aproximou, a figura da irmã do meio ficando clara quando chegou à beira da cama.


- Sinto sua falta. - ela disse, e Bella automaticamente abriu espaço para que ela se deitasse. Estavam de férias, a mais velha iria em breve para seu quinto ano, a do meio para o terceiro, e a mais nova estava radiante pois começaria seu primeiro ano em Hogwarts.


- Nos vemos todos os dias. - estranhou Bella, enquanto a irmã entrava em baixo de seu cobertor. Andrômeda sorriu de lado, negando com a cabeça.


- Éramos o mundo uma da outra, agora somos só colegas. - disse, em tom saudoso, e a mais velha suspirou. Não sabia o que dizer quanto àquilo, não sabia porque haviam se afastado, havia apenas acontecido. - Eu sei, você tem seus amigos, eu tenho os meus, coisas acontecem, pessoas se afastam, tudo isso. Mas não quer dizer que eu não sinta falta.


- Eu também sinto falta, se quer saber. - disse, por fim, seu tom sussurrado como se fosse um grande segredo. Talvez fosse. Suas mãos se encontraram com as da mais nova e os dedos se entrelaçaram.


- Você quer mesmo seguir o Lorde das Trevas, ou falou aquilo no jantar apenas para escandalizar a mamãe? - Andy perguntou, e a jovem sorriu de lado.


- Gostei da reação dela, mas não, eu realmente quero lutar ao lado dele. Não nasci para ser uma esposa, você sabe disso, sou uma guerreira, e quero livrar o mundo dos sangues ruins. - sua voz mostrava seu entusiasmo, que contagiou Andrômeda. Ela também não desejava ser uma dona de casa como sua mãe, mas não tinha tanta certeza se era de fato uma guerreira. - Além do mais, estive pesquisando sobre Artes das Trevas, é tão fascinante... - aquilo fez os olhos da mais nova se arregalarem em espanto.


- Tome cuidado, não vai mexer em algo que não conhece! Eu estava estudando as Artes também, há coisas muito perigosas ali, mas parece que tudo tem um preço muito alto. - ela avisou, mas a mais velha já sabia daquilo.


- Não há grandeza sem riscos. - foi sua resposta, apenas, e Andrômeda sorriu.


- Queria ter sua coragem.


- Você a tem, mesmo que não saiba.


Se abraçaram, e por um momento o tempo se suspendeu e elas voltaram a ser as crianças solitárias e desprezadas que um dia foram, se apoiando uma na outra e em nada mais.


- Posso voltar amanhã? - perguntou Andrômeda em seu ouvido, sem soltar o abraço.


- Vou deixar a porta aberta. - foi a resposta da mais velha, e quando se desgrudaram, Andy voltou para seu quarto, com passos silenciosos.


As visitas noturnas, porém não duraram muito. Logo o ano letivo começou novamente, e as três seguiram suas vidas de forma quase independente. O tempo passou, muitas escolhas erradas foram tomadas pelas três, até que anos depois, elas se vissem destruídas. A partida de Andrômeda da casa esmagou seu coração, e também o de Bellatrix, embora ela nunca fosse admitir. Foram um dia tudo uma para a outra, e era de doer a alma ver que se separavam com juras de morte. Andrômeda acusou a irmã de ter cedido aos pais e feito justamente o que queriam, casando-se com um sangue puro de boa família, e Bellatrix a acusou de trair tudo que elas acreditavam fugindo com um sangue ruim imundo, predizendo que ela terminaria uma dona de casa velha e acabada como a mãe. As lágrimas vieram livremente depois da separação, para ambas.


- Bella... - a voz de Narcissa soou hesitante, e a morena a ignorou. De costas para ela, seus dedos tocavam o borrão preto que há poucos dias fora o nome de Andrômeda na tapeçaria Black. A mais nova se aproximou devagar e pousou uma mão no ombro da irmã.
- Me deixe, Narcissa. Não tem que estudar para os NIEM‘s? - Bellatrix disse com rispidez, mas a loira não se afastou.
- Eles são só ano que vem. - respondeu, com certa mágoa por sua irmã não saber nem mesmo em que ano ela estava na escola. - Escuta, Andy era minha irmã também...
- Não fale o nome dela. - interrompeu a mais velha, e Cissy podia ver que ela se fechava em si mesma.
- Só quero dizer que... eu também sou sua irmã. - disse em um mero sussurro. Bella continuou de costas para ela, imóvel. Narcissa abaixou a cabeça, derrotada, e se retirou. Apenas quando ouviu a porta se fechar, Bella virou-se para onde a irmã estivera, encarando o vazio por um segundo com olhos marejados, e então soltou um suspiro. Talvez um dia se aproximasse da irmã mais nova, talvez um dia as barreiras entre elas diminuíssem, mas não seria naquele dia. Ela não sabia, na época, que essas barreiras só se quebrariam anos depois, quando as visitas frequentes de Narcissa se tornaram a única coisa a manter sua sanidade mais ou menos no lugar.


Quando o Lorde das Trevas caiu, Bellatrix foi arrastada para baixo, trancada para enlouquecer em Azkaban. Andrômeda permaneceu cuidando da família que escolheu para si, infeliz por ter se tornado apenas uma mãe de família, sem ideais, sem luta, sem objetivos. Narcissa despertou de seus contos de fadas com a relação fria e distante que Lucius mantinha com ela. No fim, as três definharam pelo mesmo motivo. A falta de amor na infância fez com que procurassem pelo amor de formas distorcidas. Uma se apaixonou por quem nunca poderia amá-la; outra fugiu por alguém que ao princípio representava tudo o que seus pais desaprovavam, mas ao fim a prendeu no mesmo tipo de vida que qualquer sangue puro a prenderia; a terceira tentou seguir os passos da mãe como lhe foi ensinado, mais uma de suas tentativas de agradar aos pais, e quando viu que nunca seria feliz daquela forma era tarde demais, já estava apaixonada por aquele que lhe trazia sofrimento.


E foi assim que a muito grande e nobre linhagem dos Black entrou em decadência.





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Comentários (1)

  • B.Black

    Caara, eu lendo essa fic só me lembro de um dia, nós duas na sua casa conversando sobre como seria a relação das três Blacks na infância *----* eu já amei ficar imaginando isso contigo, você escrevendo ficou perfeeeito! A Andy tá exatamente como eu imaginava kkkkk adorei, ficou uma short com um desenvolvimento muito bem articulado, a Bella criança atormentando a Cissy foi muito cara de miojas :v Uma coisa que eu amei foi ver a Bella como uma líder das três na infância, elas eram unidas (apesar da implicância com a cissy -q), a gente sempre vê ela como a comensal ou com o Lorde, eu curti ver a Bella criança apegada à família mesmo que seja só uma parte dela (:Agora é esperar você ir terminar a próxima *sorvete* u.u kkkkk parabéns, mariirgh, ficou foda <3

    2014-11-07
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