O Imprevisto no Trem



Depois de um jantar divertido, vou direto para a minha cama. Apesar do gritos e barulhos do quarto ao lado – Rony e Percy procurando o distintivo de monitor que provavelmente foram os gêmeos que pegaram – entro em um sono sem sonhos e só sou interrompida pela luz do sol batendo na janela seguida da batida de Tom na porta onde eu e Harry estávamos.


No café da manhã, a Sra. Weasley conta para mim, Gina e Hermione, sobre a poção do amor que preparou quando era moça. Estamos rindo sobre isso quando Sherlock Holmes chega ao Caldeirão Furado.


– Sherlock! – vou até ele e lhe dou um abraço.


– Mary... – ele dá tapinhas em minhas costas, um pouco sem jeito por termos uma plateia maior que de costume.


– Os carros chegaram? – pergunta o Sr. Weasley.


– Sim, já estão ali fora.


– E eles fizeram como pedimos? – questiona Fred formalmente.


– Colocaram as iniciais TC? – continua Jorge da mesma maneira.


Seguro a risada ao lembrar a piada.


– TC? – meu padrinho está confuso.


– Tremendo Chefão! - respondem os gêmeos juntos arrancando risadas de todos com exceção de Percy, Sra. Weasley e Sherlock que - olha só a ironia - não tinha entendido.


– Percy foi escolhido para monitor chefe - sussuro no ouvido do meu padrinho que se engasga numa risada entendendo.


– Enfim, acho melhor irmos - o sr. Weasley diz e logo em seguida cochicha algo no ouvido de Sherlock tendo uma curta conversa com ele aos sussurros que me deixa muito curiosa.


Ao seguirmos para os carros, chego perto de Sherlock e pergunto:


– O que você estava cochichando com o Sr. Weasley?


– Por que você é tão curiosa?


– Por que você me criou para ser curiosa?


– Isso é golpe baixo! - falou ele tentando reprimir um sorriso.


– Você está mudando de assunto.


– Não estou não! Só não vou te responder.


– Por que não?


– Porque não!


– Esse foi o pior dos seus argumentos sabia?


– Eu sei - ele fez uma careta.


– Agora me diz o que você e o sr. Weasley estavam conversando.


Meu padrinho suspira derrotado.


– Ele me perguntou se você sabia que o Black possivelmente estava atrás de você e de Harry, e eu respondi que sim.


– E por que ele queria saber disso?


– Porque o ministro é da opinião que nem você, nem o Harry deveriam saber disso. Ele acha que vocês não aguentariam o peso da notícia. Mas, como eu contei antes para você, Arthur acha que Harry deveria saber também.


– Quem o ministro acha que eu e o Harry somos? Criancinhas indefesas?


– Provavelmente.


– Eu espero que você não compartilhe dessa opinião...


– Eu contei logo pra você não contei? Acho que isso prova alguma coisa.


Sorrio. Entro no carro e enquanto ele não sai, fico olhando o movimento da Londres trouxa. E logo o meu olhar se depara com a entrada de um beco, onde eu vejo um cachorro preto enorme. Dou um sorriso, já imaginando quem é e dou um discreto aceno de cabeça que passa despercebido pelos meus companheiros no carro. Um carro passa na frente da entrada do beco e quando ele está a vista de novo, Sirius Black já havia ido embora.


A plataforma nove três quartos já está abarrotada de estudantes prontos para mais um ano em Hogwarts. Aqui e ali vejo carinhas impressionadas, indicando os alunos do primeiro ano. Assim que todos os Weasleys terminam de passar a barreira, ouço Percy falando:


– Ah, olha lá a Penélope – ele sai corando e estufando peito para mostrar o reluzente distintivo de monitor-chefe. Só que agora, ele está com os dizeres Tremendo Chefão. Obviamente eu e os gêmeos fizemos isso.


– Não se esqueça de contar sobre sua nova aquisição da Floreios e Borrões! – grita Fred.


Quem estava presente naquela hora – Eu, Gina, Jorge e Fred – começamos a rir até a Sra. Weasley ralhar com o filho que disse aquilo.


Coloco os malões no grande e vermelho Expresso de Hogwarts e em seguida, volto para a plataforma e me despedir de quem não irá conosco.


O Sr. Weasley está numa conversa mais ao canto com Harry, provavelmente contando sobre Sirius. A Sra. Weasley distribui sanduíches para todos comerem no trem e em seguida dá um abraço em cada um.


– Tchau Mary, querida – o abraço dela é quente, como um abraço de mãe é para ser – E cuide para que Fred e Jorge não aprontem tanto ok?


– Pode deixar Sra. Weasley – sorrio.


Então me viro para me despedir de Sherlock. Não que eu fosse ficar o ano todo sem vê-lo, muito pelo contrário, afinal ele é professor em Hogwarts.


– Cuidar para que Fred e Jorge não aprontem tanto? Você? Isso é uma piada?


– Muito engraçada por sinal – falo rindo – mas é óbvio que eu farei isso.


Ele ergueu uma sobrancelha.


– Fará?


– É claro que sim – então chego mais perto e abaixo o tom de voz – não quero ninguém ultrapassando meu número de detenções.


Sherlock gargalha e atrai muitos olhares na estação, mas por incrível que pareça ele não liga. Em seguida, me deixando novamente surpresa, ele me puxa para um abraço e deposita um beijo em cima da minha cabeça.


– Essa é a minha afilhada – ele diz quando nos separamos e seu olhar era repleto de... Orgulho – Nos vemos de noite em Hogwarts.


Não consegui conter um sorriso.


– Nos vemos de noite em Hogwarts.


Dou mais um abraço nele e em seguida entro no trem. Harry quase não consegue entrar em tempo, mas assim que se recupera da corrida, ele olha para mim, Rony e Mione.


– Preciso falar com vocês em particular – ele parecia nervoso.


– Tudo bem – olho para Fred e Jorge – encontro vocês depois ok? – eles assentem e se afastam.


Procuramos por uma cabine vazia, mas nesse momento é algo impossível, afinal fomos os últimos a embarcar no trem. Entretanto, lá no final do Expresso, tinha uma cabine vazia, exceto por um homem dormindo.


Suas vestes eram surradas e ele tinha um aspecto doente e cansado. Os cabelos castanhos claros, quase loiros, estavam desarrumados.


– Quem vocês acham que é? – pergunta Rony.


– O Professor R. J. Lupin! – eu e Mione respondemos ao mesmo tempo.


– Como vocês duas sabem? – perguntou ele espantado.


– Está na maleta – Mione respondeu apontando para a pasta em cima do homem que tinha as palavras escritas em uma tinta dourada já descascada.


Eu encarava o nosso novo professo absorta em meus pensamentos. R. Lupin. Remus Lupin. Será que esse é o amigo de meu pai e Sirius? Black o mandara para ajudar? Ou é só uma coincidência?


– Mary! – Mione estalou os dedos na minha cara.


– Hã? – volto a realidade.


– Que matéria ele vai dar? – ela pergunta.


– Provavelmente a única que tem vaga. Defesa Contra as Artes das Trevas – falei como se fosse óbvio.


Hermione lançou um olhar presunçoso aos garotos e eu percebi que eles estavam discutindo sobre isso enquanto eu estava divagando.


– Agora Harry, - falo me sentando – o que você queria contar para a gente?


Os outros três sentam também e o meu irmão gêmeo respira fundo antes de começar a falar:


– Ontem a noite eu ouvi uma conversa entre o Sr. e Sra. Weasley...


– Harry! – repreende Hermione.


– Estou orgulhosa de você maninho... – falo dando um sorriso maroto. Ele revira os olhos.


– A questão é: Sirius Black está atrás da gente – terminou olhando para mim.


– Eu sei... – minto, ou será que isso não é considerado uma mentira? – Sherlock me contou...


– E por que você não me contou? – fala ele um pouco magoado.


– Porque eu não sabia dos detalhes. E o Sherlock não queria me contar. Ele acha que se soubermos exatamente o que houve, vamos querer ir atrás dele...


– Isso explica porque o Sr. Weasley me fez prometer não ir atrás dele...


– Que tal você nos contar a história toda Harry? – Hermione interrompe.


– Tudo bem.


Ele narra os fatos da conversa entre os pais de Rony e o pedido de Arthur Weasley antes do trem partir.


Um resumo do que todos pensam que é a verdade. Exceto a mim e ao Sirius, é claro.


Para todo, Sirius Black era o braço direito de Voldemort antes do fatídico 31 de outubro onde eu e Harry perdemos nossos pais e agora acha que se matar a mim e ao Harry, Voldemort poderia voltar. O que é uma tremenda babaquice considerando o fato de que Sirius é totalmente inocente. Eu quero falar a verdade para os três ali na cabine, mas eu não tinha provas. E, além disso, se trata do rato do Rony. Eles me chamariam de maluca caso eu falasse o que eu sabia.


– Mas é meio estranho, não é – diz Rony assim que Harry termina – vocês irem atrás de alguém que quer matar vocês...


– Mas se ele fez algo de tão ruim assim que ninguém quer falar – pondera Hermione – talvez não seja tão estranho assim. O fato é: Vocês dois tem que tomar muito cuidado. Nada de procurar encrencas.


– Em geral, são as encrencas que me acham – responde Harry.


Hermione me encara e seu olhar já dizia que eu não tinha a mesma desculpa de Harry.


– Ah, qual é? O que é uma vida sem aventuras? Sem adrenalina? Sem emoção? Eu procuro encrenca sim, e me orgulho muito disso! – estufo o peito. Os três não conseguem segurar a risada. Mas eu ainda conseguia ver o medo nos olhos de Rony e Mione.


– Que barulho é esse? – pergunta Rony.


Apuro os ouvidos. Um apito fraco vinha do malão de Harry. Ao escutar atentamente, percebo que o meu malão também emitia aquele barulho. Cada um procura no seu malão, achando a fonte dele.


– São bisbilhoscópios? – pergunta Mione interessada.


– É, mas são dos baratinhos. Eles endoidaram quando eu os amarrei na perna de Errol. Tudo bem que eu não deveria usar a Errol, mas... Era isso ou vocês ficarem sem presente.


– É melhor colocá-los de volta. Podemos acordar o homem – fez Harry apontando para Remus Lupin com a cabeça.


Guardamos os bisbilhoscópios e continuamos a conversar sobre diversos assuntos. Malfoy e seus seguidores até vieram nos incomodar, mas acabaram saindo com medo de que o novo professor acordasse.


Já está quase anoitecendo o que não dá para ser notado exatamente, por conta da chuva grossa que caía lá fora. O trem começou a diminuir a velocidade.


– Legal! – diz Rony – Chegamos! Estou morrendo de fome.


– Não – consulto o meu relógio – falta algumas horas para chegarmos.


– Por que estamos parando então? – termina Hermione por mim.


Harry se levanta e vai até a porta espiando os corredores. De repente o trem para com um tranco e todas as luzes se apagam.


– Mas que droga...? – começo.


– Ai! Rony! Meu pé – escuto Hermione reclamando.


– Hey, tem alguma coisa se mexendo lá fora! – fala Rony – Acho que está embarcando no trem.



Curvei-me um pouco em cima do professor para tentar enxergar também. Não deu pra ver muita coisa.


A porta da cabine abre repentinamente e ouço dois baques no chão.


– Ai – uma voz masculina – desculpe...


– Neville – Harry pergunta.


– Ai minha mão! – uma voz feminina.


– Lucy? – questiono para a escuridão.


Neville e Lucy também eram gêmeos e da mesma casa e ano que eu e Harry. Eles era um pouquinho desastrados, mas todos os dois eram boas pessoas.


– Harry, Mary? – responderam em uníssono – O que está acontecendo?


– Não sabemos – falo – mas sentem aqui.


– Vou falar com o maquinista – escuto Hermione dizer.


Mas antes que eu escute seus passos saírem da cabine, mais um baque.


– AI! – pelas vozes, Gina e Hermione se chocaram.


– SILÊNCIO – uma voz do meu lado se impõe. O professor está acordado. Uma fraca luz envolve a cabine e o rosto de Remus Lupin aparece por entre as chamas recém conjuradas – Fiquem onde estão – ele começou a se levantar, mas novamente a porta se abriu com um estrondo. Só que dessa vez, não é nenhum amigo. Aliás, eu não posso dizer o que aquela criatura pode ser considerada.


Um vulto negro que vai até o teto com uma capa que cobre completamente o seu corpo. Não é possível ver nem seu rosto. O cheiro, igual a de carne humana em decomposição. Sua respiração, longa e lenta nos atingem, provocando um frio que penetra no mais profundo lugar que possa encontrar dentro da gente. Minha respiração entala na garganta. Não consigo mais expirar ou inspirar. Um medo cresce no meu peito. E uma voz, lá no fundo da minha consciência começa a gritar. Acho que estou me afogando em um rio. Quero gritar também. Estou desesperada. Parece que nunca mais vou sentir o calor do riso.


O grito fica mais forte. É uma mulher. Eu quero ajudá-la, mas eu não consigo. E então... Eu apago.

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