Barato da Noite
Sou um cara que sempre gostou de ficar sozinho, pensando nas coisas. Quando ainda mme amarrava num livro, principalmente de mistério, ficção científica, de terror, passava as vezes uma tarde inteira lendo e me esquecia da vida. Mas depois que conheci o Harry e o Dino, comecei a curtir a rua. O Harry morava perto de casa, mas só fui conhecê-lo na escola. Ele era um pirado e não tinha medo de nada. Lembro um dia, lembro um dia quando um tal de Jibóia, do terceiro colegial deu uns trancos nele. O Harry que era bem menor ficou doidão, foi pra cima do cara e quase o matou. Ninguém conseguiu segurar o Harry. Já o Dino, euu nunca consegui saber qual a dele. Qualquer coisa que a gente falava, ele dizia: " falou"," é isso aí", "tô nessa". Mesmo assim, era um cara legal, porque entendia de skate como ninguém. E skate era a coisa que a gente mais curtia. O maior barato descer as ladeiras do Morumbi, tirando fina nos carros e zoando os coroas babacas que se assustavam com as nossas manobras. A noite era melho ainda, como algumas lâmpadas da rua estavam cobertas pelos galhos das árvores, em algumas curvas ficava escuro pacas. Dava um frio na espinha quando a gente passava a toda e derepente surgia um carro na escuridão. Levei uns tombos, me esfolei todo, mas quem curte skate e não leva tombo? Até que uma noite a gente tava descansando, o Harry tirou um pacau de maconha do bolso, ascendeu e disse:
_ Vai um pega?
O Dino disse:
_ Só.
Embora eu nunca tivesse experimentado e nem visto o Harry puxando fumo, é claro que sabia o que era. Mas para não passar por trouxa, fingi que era entendido e perguntei:
_ É da boa?
_ A melhor, meu. Vai um tapa?
Peguei o pacau e dei uma tragada forte. Engasguei com a fumaça e comecei a tossir. O Harry e o Dino tiraram a maior da minha cara: _ Olha o retardado!
Sem parar de tossir, tentei dar um soco no Harry, que desviou e continuou a me zoar. Acabei sentando na calçada e disse resignado:
_ Tá bom, tá bom, nunca fumei.
Eles sentaram do meu lado, e o Harry me disse:
_ Também quem mandou dar uma de entendido?
_ É isso aí - disse o Dino.
Harry me explicou:
_ Dá uma tragada bem devagar e segura a fumaça no pulmão o maior tempo que puder.
Fiz o que ele me dizia e, quando a fumaça entrou em meus pulmões, comecei a sentir o barato. Era um calor gostoso dentro do peito. Soltei a fumaça e as coisas pareciam mais coloridas, mais nítidas.
_ Que louco meu! - eu disse levantando e dando um longo suspiro.
Voltei a tragar e gritei: _ Que loucura!
_ Só - disse o Dino, e a voz dele parecia vir de muito longe.
Sentia o corpo leve e uma grande euforia, o que fazia rir a toa, de bobeira.
O Harry, que estava encostado num muro deu uma ultima tragada, levantou-se e disse:
_ Agora que você vai ver o que é loucura mesmo.
Pegamos os skates e começamos a subir a ladeira. Era uma noite escura, e uma forte ventania parecia querer nos empurrar pra trás. A atmosfera estava elétrica, pesada, ameaçando chuva. Mas eu aspirava o vento quente com força, com prazer. Sentia dentro de mim uma energia desconhecida, uma sensação diferente que nunca havia experimentado antes.
Quando chegamos no alto da ladeira, que parecia muito mais íngreme, começou a cair o maior pé d‘água.
_ Vamo nessa! - gritou o Harry dando impulso.
Saí atrás deles, a chuva caíndo com fúria, os trovões estourando sobre nossas cabeças. Meu coração estava a mil. Numa curva, um carro derrapou pra desviar da gente e quase bateu num muro.
_ Vai te fuder, seu otário! - gritei ao passar por ele.
A chuva me castigando corpo, continuei aquela descida maluca, como se enfrentasse a morte cara a cara. E a constatação de que fazia aquilo sem um pingo de medo me deu uma euforia tão grande, que me senti como o próprio deus da tempestade.
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