King’s Cross
A Estação King’s Cross estava lotada como todo ano acontecia. Cheia de homens de terno, crianças eufóricas e mulheres formosas. Os londrinos passavam o ar elegante e monárquico em qualquer lugar ao qual marcavam presença. E numa estação de trem o senso de moda e de idealismo não era diferente.
Mas naquele dia, primeiro de setembro de 2017, não tinha apenas “engravatados” indo para o trabalho ou lutadoras que precisavam pegar um expresso para irem trabalhar nos subúrbios da capital inglesa. Havia também pessoas vestidas de maneira estranha, com crianças que carregavam bichos nada comuns em suas gaiolas, outras que levavam vassouras cheias de estilo em mãos e outras que conversavam alegremente se dirigindo a uma coluna no meio das plataformas 9 e 10, e atravessando-a como se fossem fantasmas.
A plataforma 9 ¾ era a passagem de entrada ao mundo bruxo, para os primeiranistas. Os que tinham sangue puro e os mestiços já apresentavam algum conhecimento sobre o mundo mágico, mas para os muggles a magia era uma arte que eles precisariam dominar e aprender a conviver, pois ser bruxo não era nada fácil. Ensinamentos esses que seriam aprendidos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
Enquanto várias crianças atravessavam a pilastra juntas de seus pais, ou de seus amigos, os outros nem se importavam com o que acontecia. Pessoas atravessando paredes e os muggles não enxergavam um palmo à frente deles. Esse era o problema da nova geração. Ocupados de mais com suas próprias coisas para conseguirem ver além da própria zona de conforto.
A pequena Julie observava tudo isso. A ignorância daqueles que eram seus diferentes e o olhar ativo e satisfatório de seus semelhantes. Ela caminhava ao lado de sua avó, indo em direção a parede “atravessável”. Quanto mais se aproximavam, mais a novata ficava assustada.
Era seu primeiro ano em Hogwarts e o receio tomava conta de todo seu corpo. A mestiça tinha medo de entrar para a casa verde e prata. Não por não gostar de lá ou dos estudantes que nela residiam, mas sim porque seria mais uma semelhança para as pessoas lhe apontarem o dedo.
Ela sabia que o segredo de seus antepassados não ficaria escondido por tanto tempo e que logo todos estariam lhe julgando sem conhecê-la e foi a repreensão e o medo de que fosse dessa forma interpretada, retraiu a ser uma garota tímida e arrogante, que trata quase tudo na brincadeira perto dos amigos e não gosta muito de ficar perto de desconhecidos.
Atravessou a passagem, o temor corroendo suas entranhas e fazendo um verdadeiro rebuliço em seu estomago. A ansiedade tomava de conta e ela estava gélida, exatamente como um defunto, encarando a enorme locomotiva vermelha a sua frente esperando ela, igual esperava a todos os outros estudantes.
Já era quase hora de partir e Julie deu para trás. Parou de andar e olhou assustada para a avó que prontamente se abaixou, mesmo sentindo dor nas costas e não podendo fazer tal feitio, para ficar, mais ou menos, na altura da neta.
– O que aconteceu querida? – Emily perguntou docemente, pondo uma mão no ombro da garota enquanto a outra acariciava seu rosto.
– Eu não quero ir para Hogwarts! Eu não quero ir para a Slytherin, vovó! – respondeu um pouco altiva e nervosa. – Eu não quero ser comparada a ele em mais uma semelhança estúpida.
– Calma Julie! Quem lhe garante que irá para aquela casa? – ela desviou o olhar, um pouco envergonhada com a sua estupidez e infantilidade. Há muito deixara de ser criança, não em idade, mas em espírito, e não aceitava dar um show daqueles em plena estação de trem. – Olhe para mim. Não sabemos qual casa será a sua, e isso não é importante para mim ou para seu avô. Não nos importamos com isso, contanto que você estude e seja alguém na vida. Essa seleção será apenas um detalhe em meio às coisas boas e ruins que a vida lhe proporcionará. Então esqueça essa besteira e “vá na fé”. Deixe que o chapéu se preocupe com a sua escolha e não seja tão imprudente a ponto de querer jogar para o alto sua vida acadêmica por conta de uma besteira.
– Mas vovó... – Julie tentava contestar a mais velha, como sempre fazia quando tinham aquela conversa. Mas desta vez ela não tinha argumentos ou qualquer tipo de contradição, porque ela sabia que a avó estava certa. E por mais que aquela dúvida a assombrasse seria só mais uma coisa na lista de assombrações da garota. Julie se permitiu sorrir e abraçou a mulher a sua frente, sussurrando um obrigado engasgado. Emily sorriu também. As aventuras da neta só estavam começando e ela sabia que sua seleção não seria tão ruim quanto às coisas terríveis que estavam para acontecer.
– É melhor irmos pequena. Já está quase na hora. E não se esqueça, mande-me uma carta assim que tiver a oportunidade, me contando tudo. – as duas seguiram para mais perto da maria-fumaça e se despediram, como todas as outras famílias faziam. E um pouco distante, Julie vira alguém que lhe chamou atenção. Uma pessoa que ela desejara conhecer desde o dia que um sonho maluco o havia lhe mostrado.
Aqueles cabelos pretos, o óculos redondo, os olhos verdes penetrantes e a cicatriz. A cicatriz que o fizera famoso e que lhe deu um destino terrível, mas necessário. Seus olhos grudaram em uma miniatura dele, um garotinho exatamente como o mais velho. Os cabelos extremamente negros e despenteados, os olhos, ainda que ela não pudesse enxergar direito por conta de seu leve grau de miopia, verde esmeralda, mas diferentemente do pai, ele não usava óculos ou tinha uma cicatriz.
– Vovó, aquele é... – ela apontou para seu alvo e a avó bateu em sua mão lhe repreendendo e logo depois confirmando a dúvida de Julie.
– Harry Potter. – os olhos da pequena brilharam esperançosos. Ela queria muito falar com ele, abraça-lo, agradece-lo por tudo. Emily logo entendeu e a advertiu. – É melhor deixar seus argumentos para outra hora, Julie. Outra ocasião. Não é hora e nem lugar para falar de um assunto como esse.
– Está certo. Mas eu vou cobrar vovó. E você irá comigo – a menina sorriu e deu um beijo em Emily se despedindo mais uma vez e levando consigo, para dentro da locomotiva, seu malão e sua corujinha das neves, Atena. Tão esperta e linda quanto à deusa de mesmo nome, que foi homenageada pela garota.
Julie andou pelos vagões, com dificuldade de achar uma cabine na qual conseguisse ficar sozinha. Sem ninguém querendo conhece-la ou querendo uma amizade logo de cara. Ela desejava se afastar o máximo possível de tudo e de todos para não precisar explicar quem ela realmente era.
Enfim achou uma, mas não estava completamente vazia, havia um loiro dentro dela encostado a janela assistindo as pessoas do lado de fora do trem acenar um “Adeus” para seus filhos e filhas. Ela entrou sem ao menos lhe perguntar se podia ficar ali e se acomodou, colocando seu malão e sua coruja no compartimento de carga e se sentando de frente para o garoto, mas sem puxar assunto. Apenas observando a estação à procura de sua única parenta ali.
Ao acha-la acenou e sorriu alegre. A mulher lhe retribui o sorriso um pouco chorosa. O último apito soou, anunciando que a locomotiva iria partir. Pais frenéticos gritavam para seus filhos pedindo para que não se esquecessem de se alimentar direito ou para não perderem seus bichos. Outros choravam incontrolavelmente e outros apenas acenavam sorridentes, assim como Emily e os pais do garoto em frente Julie.
O expresso de Hogwarts finalmente começou a se movimentar e quando ele fez a curva, sumindo de vista das pessoas na plataforma, ela se recostou no banco respirando profundamente e tentando se acalmar. Seria só uma seleção. Só um teste do qual conseguiria passar ilesa e com um grande sorriso no rosto.
– Quem é você? – o garoto loiro perguntou, tirando-a dos devaneios que açoitavam sua mente. Ela levantou uma sobrancelha e olhou para ele, que continuava encostado na janela.
– O que?
– Quem é você? Foi o que perguntei. – respondeu ríspido, se ajeitando no banco e a encarando tentando tirar a resposta à força dela. - Porque você entrou na cabine sem se pronunciar e isso não é o que faz pessoas educadas.
– Eu pareço não ser educada? – indagou, se divertindo com aquilo. Ele queria apelar para o orgulho e ela iria apelar para a defensiva e ofensiva.
– Você não aparenta, mas demonstrou ser. Mas aparências enganam, afinal de contas. Você parece ser uma sangue-puro, mas não acredito que seja.
– E não sou. Sou uma “mestiça nojenta” – retrucou sorrindo astutamente e analisando o garoto atentamente. Pronta para lhe dar um diagnóstico também e assim o fez – Não é assim que sangues puros como você nos chamam? Mestiços nojentos? Pessoas não dignas de pisaram no mesmo estabelecimento que vocês?
– É. Com certeza os sangues puros que são tão idealizados por pessoas como você, são assim. Mas para seu completo erro, eu não chamo ninguém deste jeito. Porque eu tenho a decência de conhecer a pessoa antes de sair julgando se ela é nojenta ou não. – o garoto revidou, zangado com a análise errada ao seu respeito. Julie começou a gargalhar o deixando mais irritado ainda – Do que tanto ri?
– É que passou pela minha mente que poderíamos ser amigos – a garota explicou cessando aos poucos com a risada.
– E porque pensou isso?
– Porque parecermos ter muito em comum. Principalmente a necessidade de retrucar as pessoas que estão erradas.
– É. Acho que podemos ser amigos. – ele começou a rir também, depois de analisar toda a situação. Julie acabou entrando, mais uma vez, na onda do riso e os dois ficaram deste jeito por dois minutos até o loiro romper aquela besteira. – Que tal pararmos de rir que nem dois retardados e nos apresentarmos devidamente?
– Por mim tudo bem. Prazer, eu sou Julie. – ela estendeu a mão, mas o loiro hesitou a olhando esperançoso. – Que foi?
– Não tem sobrenome?
– Prefiro ser chamada somente de Julie
– Por quê?
– Porque meu sobrenome não é agradável. – Julie fez uma careta e balançou a mão mais uma vez na esperança de que ele apertasse e se introduzisse.
– Eu não me apresentarei até você dizer seu sobrenome. – cruzou os braços sobre o peito desafiando-a a implorar para que ele dissesse seu nome. Mas Julie não era do tipo que cedia, ainda mais quando notava que era pura provocação.
– Eu não me importo. Entrei sem saber seu nome e continuarei assim. – sorriu desdenhosamente e deu de ombros. Encolheu o braço de volta e olhou pela janela.
A paisagem tinha apenas mato, o que era muito entediante para uma criança hiperativa. Mas ela precisava voltar sua atenção para outra coisa ou iria acabar fazendo o que o loiro queria. Implorar para que ele se apresentasse.
Sim. Julie não cedera à provocação dele, mas isso não queria dizer que não era curiosa. Felizmente aguentou tempo suficiente para que o garoto implorasse primeiro que ela.
– Me fala, por favor.
– Você é muito curioso. – se virou para ele contendo o riso por ter conseguido o que queria. Desejava gritar e jogar na cara dele que havia vencido o jogo da curiosidade. Mas se conteve, só esperando sua reação.
– Nunca ouviu falar que a curiosidade faz os sábios e os astutos? – revidou instigante. Inclinou-se para frente e arqueou as sobrancelhas a desafiando mais uma vez a rebater sua resposta.
– Nunca ouviu falar que a curiosidade matou o gato? – Julie também se inclinou e fitou os olhos tempestuosos do seu parceiro de cabine. Ele fazia o mesmo. Os olhos castanhos claro da morena, completamente indecifráveis que com o tempo ele esperava desvendar os mistérios que traziam.
Eles continuaram sustentando o olhar um do outro. Tentando ler a mente um do outro. Tentando descobrir o que cada um escondia por trás dos espelhos da alma. Descobrir os segredos da alma. Por fim, o loiro desistiu.
– Já! Mas nunca entendi esse ditado. – Julie riu gostoso e balançou a cabeça. E o parceiro abriu um sorriso, logo se voltando para ela e indagando – Então, vai me dizer seu nome? Completo.
– Ok! Meu nome é Julie Alexandra... – ela hesitou, procurando naquele garoto que a fizera sorrir duas vezes em menos de uma hora, se seriam realmente grandes amigos. Podendo contar um com outro sempre que precisarem. Mesmo após ele descobrir de quem ela era parente. Suspirou profundamente, e proferiu a palavra que estava pesando em suas costas – Riddle.
– Uau! – soltou, deixando a boca aberta. O silêncio reinou fazendo Julie se arrepender de ter entrado naquela maldita cabine. Ter conseguido um amigo. E o pior, pensar que realmente poderiam ser grandes amigos. Mas felizmente, seu “achomêtro” não estava tão ruim assim. Sua capacidade de dedução ainda prestava. O garoto assobiou saindo de seu estado de choque e estendendo a mão para Julie – Eu sou Scorpius Hyperion Malfoy.
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