Parte VII



Finalmente nos conhecemos, Mago.



 



Alvo soube que não teria a menor chance contra ela. A Feiticeira então deu um assobio que parou a matilha, ou desacelerou sua marcha. Alvo não olhou para trás para conferir. Mas viu pelo olhar da mulher que ela não esperava vê-los feridos.



Então ela falou. Alto e claro, como se fosse um anúncio oficial — e parecia ser:



— Povo de Nárnia! Vocês que se escondem, que se curvam, que não se opõem à coroa. Convoco-os a presenciar o fim do intruso. Seus comparsas já estão todos mortos. Apareçam, narnianos! Apreciem o campo de batalha e a vitória de Nárnia sobre o intruso.



— Você é a intrusa — Alvo viu-se falando. — Você tomou um trono a que não tem direito.



E percebeu que montes de animais e criaturas surgiam de dentro das árvores ou debaixo da terra, parecendo todos muito tristes com o que seriam obrigados a presenciar.



— Como se atreve? — disse a rainha entredentes, e apontou sua grande vara mágica para Alvo. Uma forte nevasca foi em sua direção. O garoto fez um movimento de varinha em contrário, e da ponta de sua varinha uma luz vermelha saiu e espalhou-se pelo ar, derretendo a maioria dos cristais de neve no caminho.



A Feiticeira ficou lívida, se é que isso era possível. Aproximou-se mais, voltando a falar.



— Eu poderia estalar os dedos e a Polícia Secreta traria você em pedaços para mim. Mas prefiro fazer do meu jeito. Mago contra Feiticeira... não parece justo?



E chegou bem perto de Alvo, pegando-o pelo pescoço e levantando-o do chão. Ele sentia o gelo da mão da mulher contra sua garganta, mais do que a falta de ar.



Ela riu.



— Garoto presunçoso. Sua magia não é páreo para mim — e deixou-o cair, tossindo e arfando, mas embora o ar lhe voltasse, parecia continuar gelado. O frio se espalhava por seu peito e sua cabeça, congelando-o por dentro. Bem devagar, o ar lhe faltava novamente.



Ele estava caído no chão, sem conseguir brandir a varinha, deixando-a cair. Isso não podia acontecer...



— Vamos, Mago! Lute! — gritou a rainha, sabendo que ele não podia se levantar.



Alvo quis pensar em algo para detê-la, mas não conseguia. Ia aos poucos perdendo a consciência.



Ia perecer assim. Como um fraco, perdendo uma batalha que não travara, num mundo desconhecido e que também não o conhecia. Ia virar uma estátua de pedra que depois seria quebrada.



Só o riso cruel da Feiticeira ecoava em seus ouvidos. Todo o resto parecia se distanciar, incluindo sua própria vida anterior. Aberforth, Ariana... Hogwarts. Como um sonho enevoado suas lembranças rodopiavam em sua mente. E ele ia perdendo os sentidos, como se seu corpo lentamente adormecesse. Gelo. Gelo queimava em seu peito; era só isso que ele sentia.



Sentiu o baque da própria cabeça no gelo, até que uma outra voz, parecendo vir de muito distante, quente e poderosa, chegou até ele.



— Levante-se, Mago.



Então Hogwarts e sua família se afastavam de novo. E ele conseguia respirar e filtrar o ar gelado para dentro dos pulmões. E então foi capaz de se levantar.



Devagar, voltando a sentir calor, voltando a si, Alvo levantou-se. E então viu a Feiticeira e a Polícia Secreta correndo para longe, fugindo. E a expressão dos cidadãos de Nárnia agora era de contentamento. Eles davam vivas, abraçavam-se. Todos eles olhavam para trás de Alvo, e então ele também se virou.



E contemplou o lendário Aslam, grande e majestoso. Um enorme leão de pelo dourado. O arrebatamento que sua simples figura provocava era indescritível. Caiu de joelhos, sem saber o que dizer.



— Levante-se, Mago — repetiu o leão. Alvo obedeceu. — Venha comigo.



Então ele foi andando para longe, com Alvo em seus calcanhares. Todos olhavam-nos maravilhados. Alvo pensou que ele devia dar uma satisfação a seu povo, mas os narnianos pareciam nem precisar disso. A presença de Aslam era o bastante para eles.



Quando estavam já bem distantes da cena de guerra, Aslam parou e voltou a falar.



— Lutou bem, filho de Adão... ou melhor, filho de Merlim.



— Mas, Aslam... — e Alvo percebeu que a simples menção do seu nome já parecia aquecê-lo. — Eu... não servi para nada, meus amigos morreram. A Feiticeira ainda reina.



— Nem todos morreram e ela não reinará para sempre.



Alvo mirou Aslam nos olhos, como se eles o atraíssem magneticamente.



E, olhando nos olhos de mel do leão, Alvo viu, claramente, Gulmus correndo desembalado em direção à Arquelândia. Muita coisa misturava-se em sua mente. Pelo menos, o seu feitiço de desilusão servira par ajudar Gulmus a fugir, mas por que só ele...? E, o que o fauno buscava em Arquelândia... reforços, ou simplesmente abrigo? Ele realmente deixara os amigos sozinhos na batalha?



— Tudo acontece por uma razão, Mago — respondeu Aslam, piscando os olhos e encarando Alvo. — Nada foi em vão. Gulmus é o último fauno em Nárnia... por ora. Ele gerará uma linhagem de faunos como ele, que herdarão sua gentileza e fé nos filhos de Adão. Sua amizade não será esquecida, e isso será vital para uma vitória no futuro...



Alvo não entendia. Aslam continuou a falar.



— Nada foi em vão. Haverá canções sobre um mago de outro mundo que enfrentou a Feiticeira Branca, e que ela não conseguiu derrotar. Haverá esperança para os narnianos... eles precisam disso.



Alvo ainda acariciava o cabo da varinha, com a cabeça baixa. Embora as palavras de Aslam fossem reconfortantes, não eram o bastante. Ele não sentia, de forma alguma, como se tivesse feito o bastante.



— Essa guerra não é sua — falou Aslam, por fim. — Contente-se com o que lhe coube, pois fez muito bem.



— Aslam... — Alvo levantou os olhos. — E quanto às guerras que são minhas? No meu mundo? Serei capaz de vencê-las?



— Só o tempo dirá, Mago. É certo que você será grande... Cabe a você escolher como.



Alvo então soube que ia se lembrar dessas palavras, embora elas não lhe dissessem muito agora.



— É hora de partir, Alvo. Nárnia lhe será grata.



— E eu serei grato a Nárnia — respondeu o garoto, voltando a se ajoelhar na frente do leão.


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