Parte VI
Os Conspiradores passaram a noite arrumando os pertences em trouxas e discutindo sobre os lugares aonde podiam ir, tudo com pressa, pois precisavam sair dali o mais cedo possível. Alvo ajudou mais na parte da bagagem; com um movimento de varinha ele pelo menos já era capaz de juntar alguns objetos.
Eles estavam deixando a caverna ao amanhecer quando se deram conta de que estava tudo perdido. Qualquer plano ou rota de fuga. Porque lhes foi entregue um recado.
Uma trilha de sangue escuro que se estendia sobre o gelo terminava à entrada da caverna, no que parecia ser um pedaço de pedra esquisito. Olhando de perto, eles viram que se tratava de uma escultura de um animalzinho agonizante, com expressão de terror na cara. Um esquilo.
— Sonya — murmurou fracamente Herman, como se não acreditasse. Os outros ficaram em silêncio chocado.
É o que ela pretende fazer conosco, deu-se conta Alvo, na mesma hora. É o que quer fazer comigo.
— É tudo culpa minha — disse baixo, com os olhos vidrados em Sonya. — Se eu não tivesse vindo para cá...
— Sem tempo para autopiedade agora, Mago — era a voz de Mythra falando, e estranhamente não parecia tão dura. Alvo mirou-a. Lágrimas brilhantes corriam por seu rosto impassível. Gulmus tinha o rosto enterrado nas mãos, soluçando baixinho, e Herman não conseguia tirar os olhos do pequeno esquilo congelado. — Estamos indo para a batalha.
-x-
Andaram os primeiros metros com o silêncio cortando como o vento enregelante que os rodeava. Alvo não sabia o que esperar, mas certamente esperava a derrota. Seria irônico morrer ali, ser transformado em estátua num mundo que nem o conhecia, e que ele também mal conhecia. Tinha feito amigos, entretanto. Eles podiam vê-lo como um tipo de salvador, ou estorvo, mas Gulmus, Mythra e Herman o tinham aceitado como ele era, como parte do grupo. E isso, ali naquela terra hostil, significava muito. Ele não sabia como dizer isso, e esperava poder dizer na batalha. Ganhando-a com eles.
— Para onde estamos indo? — perguntou, por fim.
— Para onde mais? — disse Herman friamente. — O castelo da Feiticeira Branca. Eles estão em algum lugar entre lá e aqui.
Foi dizer isso que os viram. Se aproximando. Uma matilha de lobos, enormes, ameaçadores, vindo para matá-los. Havia dois ursos entre eles também. Alvo segurou firme na varinha. Começou a erguê-la para o ar, para tentar um encantamento de proteção, quando o maior e mais negro dos lobos começou a falar, em voz rascante e alta:
— A rainha não tolera conspirações. É por decreto dela que estamos aqui para acabar com a última facção de rebeldes em Nárnia.
Depois dessas palavras, tudo aconteceu numa fração de segundo. Alvo concentrou-se para desiludi-los, mas o feitiço pareceu só pegar em Gulmus, pois ele não o viu mais. Mythra flechou alguns lobos à distância, mas a maioria deles se aproximou muito rápido. Os dois ursos se juntaram em Herman, que deu espadadas, mas sua pequena espada foi esmagada e perdida no gelo com um movimento de um dos ursos. Alvo começou a brandir feitiços feito louco, sem pensar nas palavras, mas em defesa, em salvar seus amigos, em salvar Nárnia. Ficou surpreso ao ver que funcionava. Uma espécie de raio alaranjado saía de sua varinha e atingia os inimigos, jogando-os para longe, atrasando-os, ao menos.
Então compreendeu. A sobrevivência ali era algo selvagem. Quando ele se desligava de tudo, sem pensar em corresponder a expectativas e só deixava a magia fluir, ela funcionava. Sua única arma era a varinha, a sua magia, e ele a brandia com fúria. Apontou, urrando, para o urso que quebrara a espada de Herman, e ele caiu, debatendo-se um pouco. Mas o outro já havia terminado o serviço, e erguia a cabeça peluda do corpo do coelho com sangue na boca. Alvo brandiu o mesmo feitiço contra ele, e ele caiu mais longe fazendo mais barulho que o outro, mas isso já era inútil.
Alvo virou-se, sentindo-se tonto e amargo, à procura de Gulmus e Mythra. Não havia o menor sinal do fauno. A dríade, entretanto, enfiava uma flecha no olho de um lobo, sendo cercada por pelo menos mais quatro. Alvo apontou a varinha para todos em seu raio de alcance, e todos caíram com o mesmo raio alaranjado. Mas eles se levantavam rápido e vinham com mais raiva. Mythra conseguiu recuperar o arco que tinha deixado cair, mas não tinha mais flechas. Então tirou um punhal da cintura e o segurou fortemente. Ela e Alvo pararam, de costas um para o outro, cobrindo-se. Era evidente que não tinham a menor chance.
— Fuja, Mago — sussurrou Mythra, de repente. E seu tom era urgente.
— O quê? — perguntou Alvo, sem acreditar. Ela realmente queria que ele a abandonasse agora, no fim?
— Preocupe-se com a Feiticeira — prosseguiu a dríade. Os lobos se levantavam. Cercavam-nos. — Eu os distraio enquanto puder.
— Não posso — ele murmurou de volta. Um lobo cinzento rosnava para ele, claramente mirando sua varinha para pular em seu braço e arrancá-los, a varinha e o braço.
— Você não tem escolha — ela retorquiu, virando-se e arremessando o punhal no olho do lobo que mirava a varinha de Alvo. No mesmo instante, três lobos pularam nas costas dela, derrubando-a. Alvo queria salvá-la, mas sabia que ela estava certa. Sabia enquanto ouvia seus gritos e o regozijo dos lobos atrás de si. Sem realmente se dar conta disso, ele corria, em frente, na direção de onde a Polícia Secreta tinha vindo, pensando apenas no quanto odiava a Feiticeira Branca e em como queria fazê-la pagar. Sabia que só olhar para o rosto dela seria o suficiente para produzir nele o instinto de uma magia poderosa que ele não teria medo de usar.
Não demorou muito até que surgisse no horizonte um cavalo branco, montado por uma mulher tão branca quanto, que parecia se aproximar rápido demais. Alvo parou.
Havia lobos nos seus calcanhares e a Feiticeira mais poderosa de que ele já tinha ouvido falar à sua frente. Ela era inumanamente alta e sua beleza era esmagadora. Os cabelos negros brilhavam e seu elmo prateado reluzia. Ela desceu do cavalo à certa distância, e se aproximou calmamente. E sua voz era cortante.
— Finalmente nos conhecemos, Mago.
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