Parte II
Nárnia, terceiro ano do reinado de Jadis.
Alvo mal podia distinguir um metro à frente do nariz, em meio a árvores de galhos secos que o espetavam por toda a parte e a espessa neve que caía sem trégua. Caminhou a esmo por aflitos minutos até encontrar árvores de copa mais alta e com alguma folhagem, o que vetava parte da neve e tornava a caminhada um pouco mais suportável. Foi quando se deu conta de que não fazia a menor ideia de como voltar à porta da Sala; era um labirinto até lá. Pensou em como era estranho (e provavelmente muito perigoso) ter entrado num bosque nevado por uma porta que, na maioria das vezes, nem existia. Mas uma única razão lógica lhe confortou um pouco: se estava ali, era porque precisava estar. Então tinha que descobrir o porquê.
Pousou a mão por cima do bolso da calça, só para sentir o peso da varinha ali. Sentia-se estranhamente desprotegido.
Passou a observar o local com atenção, e percebeu que tudo ali era muito curioso. Algumas árvores se balançavam fazendo ruídos inconstantes, enquanto outras permaneciam completamente imóveis. Após alguns minutos de caminhada por uma trilha incerta coberta de neve que encontrara, sua audição já mais acostumada aos sons da floresta pôde distinguir vozes. Ou talvez fossem grunhidos. Agarrou a varinha, esperando ver alguém ou algum animal silvestre — se deu conta de que a quietude do local era muito estranha.
Prosseguiu com mais cautela, ouvindo o som de murmúrios crescer mais perto de si, vez por outra acompanhado pelo de passos. Aquele lugar parecia cada vez mais frio e hostil. Tinha calafrios estando agasalhado apenas pelo suéter de lã. Apertou a varinha na mão.
E exatamente no instante em que fez isso, sentiu uma pancada forte na cabeça e o próprio baque no chão gelado, antes de cair na inconsciência.
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— Não sei se nós devíamos ter feito isso — disse uma voz masculina baixa e nervosa.
— É claro que devíamos ter feito isso — sentenciou de volta uma voz feminina, ao mesmo tempo melodiosa e dura. — Ele portava um instrumento estranho que parece coisa dela. É óbvio que ele é coisa dela. São até parecidos.
— Não tanto — ponderou uma terceira voz —, para mim ele parece um simples filho de Adão. E essa coisa que ele carregava não me parece muito perigosa.
— Talvez não seja — tornou a voz feminina —, mas e se ele for um experimento dela? Ela mesma se diz filha de Eva, e a esse tempo, provavelmente está fundindo espécies e criando mais... seres como ela.
— Não creio — voltou a dizer calmamente a outra voz. — Ela não pensa em sucessão, acha que pode governar para sempre (não dizem as lendas que ela está em Nárnia desde o Princípio?), e sendo ele um filho de Adão só há de lhe trazer problemas.
— Então você acha que ele veio para ocupar um dos tronos de Cair Paravel? — perguntou descrente a voz feminina.
— E por que não? — perguntou, tímida, a primeira voz. — Isso... isso não foi fabricado em Nárnia, tenho certeza.
— O que não prova nada, Gulmus. Ela pode muito bem estar criando novas armas para nos surpreender e munir um novo exército...
— Mythra, não precisamos de sua paranoia. Já estamos muito bem sem ela, obrigado — disse a voz calma com uma nota de impaciência.
Alvo que, até o momento, estava amarrado e de olhos fechados, atreveu-se a abri-los um pouco para tentar compreender melhor a discussão; sua cabeça ainda doía e ele estava zonzo.
Não poderia estar mais surpreso quanto ao que viu.
Não eram pessoas que conversavam, mas criaturas mágicas, e bem diferentes das que ele estudava em Hogwarts. A voz melodiosa e dura pertencia a uma figura feminina esguia, de beleza aterradora, que ele logo associou a fadas de histórias trouxas; a voz calma a um coelho branco e marrom, bem maior que o normal, que parecia indiferente, e a nervosa a um fauno de pelagem escura e expressão agoniada.
Alvo deve ter feito algum ruído que não escutou, pois segundos depois a fada (o que ele pensou que ela fosse) virou-se para ele e falou.
— Parece que o nosso amigo acordou.
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