Capitulo 2



 


Capitulo 2


 


                                             XXX--XXX


 


Antes que seu avô pudesse fazer algum comentário, Hermione deu os poucos passos necessários para chegar à porta da cozinha.  Abriu-a no exato momento em que Harry pisou do degrau da entrada. Havia uma centelha, apenas uma centelha de surpresa nos olhos acinzentados.


 


— Você é muito ousado — disse ela friamente.


 


— Assim dizem — concordou ele com facilidade. — Você está mais bonita do que estava uma hora atrás. — Harry deslizou um dedo pelo rosto dela. — Há uma co­loração rosada sob o tom dourado agora. Muito bonita. — Traçou a linha do queixo de Hermione antes de baixar a mão. — Você mora aqui?


 


— Sabe muito bem que moro — retorquiu ela. — Você me seguiu.


 


Harry sorriu.


 


— Desculpe-me desapontá-la, Mione. Encontrá-la aqui é apenas um bônus. Es­tou procurando por Timothy Granger. Ele é seu amigo?


 


— Ele é meu avô. — Ela se moveu, quase de maneira imperceptível, posicionando-se entre Harry e a entrada. — O que quer com ele?


 


Harry reconheceu o movimento prote­tor, mas antes que pudesse comentar, Pop falou de trás dela:


 


— Por que não deixa o homem entrar, Hermione? Ele pode me dizer isso pessoalmente.


 


— Sou basicamente humano, Mione — disse Harry baixinho, o tom de voz a fa­zendo olhá-lo mais de perto.


 


Hermione olhou brevemente por sobre o ombro, então se voltou para Harry. O olhar que lhe lançou era ameaçador, como se dissesse: "Não faça nada para aborrecê-lo."


 


Mas notou algo nos olhos dele que não havia esperado: gentileza. Aquilo era mais desconcertante do que a arrogância ante­rior. Deu um passo para dentro da cozi­nha, segurando a porta aberta num convi­te silencioso.


 


Harry sorriu-lhe, afastando casualmen­te uma mecha de cabelo do rosto enquanto entrava na cozinha. Hermione ficou para­da por um momento, se perguntando por que deveria estar tão abalada pelo toque de um estranho, 


 


— Sr. Granger? — Ela ouviu o tom sin­ceramente amigável na voz de Harry e viu quando ele estendeu a mão para seu avô. — Sou Harry Potter.


 


Pop assentiu em aprovação.


 


— Você é o sujeito que me telefonou al­gumas horas atrás. — Ele olhou para Hermione por sobre o ombro de Harry. — Vejo que já conheceu minha neta.


 


Os olhos dele sorriram em resposta.


 


— Sim. Charmosa.


 


Pop riu e moveu-se em direção ao fo­gão.


 


— Eu estava prestes a fazer mais um pouco de chá. Que tal uma xícara?


 


Hermione notou o leve arquear da sobrancelha de Harry. Chá, pensou, provavel­mente não seria a primeira escolha dele.


 


— Seria ótimo, obrigado. — Ele andou até a mesa e se sentou, como se conhecesse Pop há muito tempo e a nível pessoal. Meio relutante, meio desafiante, ela se sentou ao seu lado. Seus olhos lhe faziam perguntas por trás das costas de Pop.


 


— Eu já lhe disse antes que você tem olhos fabulosos? — murmurou ele. Sem esperar resposta, voltou a atenção para a caixa de equipamentos de pesca de Pop. — O senhor tem ótimas iscas aqui — ob­servou, pegando uma lula de osso, então uma rolha de madeira pintada para simular um sapo pequeno. — O senhor mesmo as cria?


 


— É parte da diversão — afirmou Pop, levando uma xícara fresca para a mesa. — Você pesca muito?


 


— De vez em quando. Suponho que o senhor conheça os melhores lugares ao longo do Grand Strand.


 


— Alguns deles — disse Pop modestamente.


 


Hermione fez uma careta dentro da xícara de chá. Quando o assunto de pesca era abordado, Pop podia falar sobre isso du­rante horas e horas.


 


— Pensei em pescar um pouco na beira do mar enquanto estiver por aqui — comentou Harry sem demora. Hermione ficou surpresa ao ver uma expressão astuta nos olhos dele.  


 


— Bem, talvez possa lhe mostrar um ou dois lugares. — Pop estava entusiasma­do com o tema. — Você tem seu próprio equipamento?


 


— Não aqui comigo.


 


Pop descartou aquilo como algo sem importância.


 


— De onde você é, sr. Potter?


 


— Harry — corrigiu ele, recostando-se na cadeira. — Da Califórnia.


 


Aquilo, decidiu Hermione, explicava o visual de garoto de praia. Ela bebeu seu chá que já estava esfriando com um ar casual enquanto o estudava pela borda da xícara.


 


— Você está muito longe de casa — comentou Pop. Mudou para uma posição mais confortável, então pegou um cachim­bo que economizava para conversas interessantes. — Planeja ficar muito tempo em Myrtle Beach?


 


— Depende. Eu gostaria de lhe falar so­bre o parque de diversões.


 


Pop aspirou rapidamente seu cachimbo enquanto segurava um fósforo no depósito de fumo. O tabaco pegou, enviando fumaça com aroma de cereja para o ar.


 


— Foi o que você disse ao telefone. En­graçado, Hermione e eu estávamos falando agora mesmo sobre contratar ajuda extra para o verão. Só faltam aproximadamen­te seis semanas para a temporada começar. — Ele aspirou e deixou a fumaça flutuar no ar preguiçosamente. — Menos de três até a Páscoa. Já trabalhou operando brinquedos, ou em barracas de jogos?


 


— Não. — Harry provou o seu chá.


 


— Bem — Pop deu de ombros pelo fato de Harry ser inexperiente. — É uma simples questão de aprender. Você parece esperto. — Mais uma vez, Hermione viu o breve sorriso de Harry. Ela colocou a xíca­ra sobre a mesa.


 


— Não podemos pagar mais do que um salário-mínimo para um principiante — disse ela, tentando desencorajá-lo.   


 


Ele a deixava nervosa, foi forçada a admi­tir. Com alguma sorte, conseguiria fazê-lo desistir de trabalhar em Joyland, de modo que ele tentasse sua sorte em algum outro lugar. Mas algo a incomodava. Harry não parecia o tipo que aceitaria um emprego para operar uma montanha-russa ou que fazia bicos para ganhar uns trocados no verão. O semblante dele parecia autoritário, e a postura indicava um poder casual. En­tretanto, havia algo não totalmente respeitável no seu charme quase vulgar.


 


Ele encontrou seu olhar com uma ex­pressão de total inocência.


— Parece razoável. Você trabalha no parque, Mione?


 


Hermione reprimiu uma resposta ofensiva pela familiaridade com que era tratada.


 


— Frequentemente — respondeu de modo essencial.


 


— Hermione tem uma boa cabeça para ne­gócios — intrometeu-se Pop. — Ela me mantém na linha.


 


— Engraçado — disse Harry especulativamente. — De alguma maneira, pen­sei que pudesse ser modelo. Você tem o rosto para isso — acrescentou em tom de flerte.


 


— Hermione é artista — disse Pop, bafo­rando seu cachimbo com satisfação.


 


— Oh?


 


Hermione viu os olhos de Harry se estreita­rem e se focarem nela. Sem graça, mudou de posição na cadeira.


 


— Parece que estamos fugindo do assunto — começou ela friamente. — Se você veio para pedir um emprego...


 


— Não.


 


— Mas... você não falou...


 


— Acho que não — Harry a interrom­peu novamente e adicionou um sorriso. Então se voltou para Pop, e Hermione reco­nheceu uma súbita mudança nos modos dele. — Não quero um emprego em seu parque, sr. Granger. Eu quero comprá-lo.


 


Os dois se entreolharam intensamente. Pop estava surpreso, inegavelmente sur­preso, mas havia também uma expressão de consideração em seus olhos. Nenhum dos dois notava Hermione. Ela olhou para Harry, o rosto aberto e jovem, e um pouco assustado. Queria rir e dizer que ele esta­va fazendo uma brincadeira boba, mas no fundo sabia que não era brincadeira. Harry dissera exatamente o que queria dizer.


 


Ela havia reconhecido a autoridade e o poder sob o exterior lisonjeiro. Aquilo era negócio, pura e simplesmente. Hermione podia ver no rosto dele. Seu estômago se revolveu em pânico quando olhou para o avô.


 


— Pop? — Sua voz era muito fraca, e ele não deu o menor sinal de que a ouvia.


 


— Você é uma surpresa — disse finalmente o homem mais velho. Então reco­meçou a fumar seu cachimbo. — Por que o meu parque?


 


— Fiz algumas pesquisas sobre diverti­mentos por aqui. — Harry não se inco­modou em dar detalhes. — Gostei do seu parque.


Pop suspirou e soltou fumaça para o teto.


 


— Não posso dizer que estou interes­sado em vendê-lo, filho. Um homem se acostuma com certa maneira de viver.


 


— Com a oferta que estou preparado para fazer, o senhor pode achar fácil se acostumar com uma outra coisa.


 


Pop deu uma risada baixinha.


 


— Quantos anos você tem, Harry?


 


— Trinta e um.  


 


— Aproximadamente o mesmo tempo que estou neste negócio. O quanto você sabe sobre dirigir um parque de diversões?


 


— Não tanto quanto o senhor. — Harry sorriu e se recostou novamente. — Mas eu poderia aprender com o professor certo.


 


Hermione viu que seu avô estava estudando Harry cuidadosamente. Sentiu-se excluída da conversa e magoada com isso. Seu avô era capaz de fazer aquilo com muita sutileza. Ela reconheceu que Harry Potter possuía o mesmo talento. Permaneceu sen­tada em silêncio. Sua educação natural a proibia de interromper uma conversa par­ticular.


 


— Por que você quer possuir um par­que de diversões? — perguntou Pop subi­tamente. Hermione podia dizer que ele esta­va interessado em Harry Potter. Um alarme de aviso começou a tocar em sua cabeça, A última coisa que queria era que seu avô se tornasse muito envolvido com Harry. Ele significava problema, com toda certeza.


 


— É um bom negócio. — Harry respondeu à pergunta de Pop após um momento.


 


— É divertido. — Ele sorriu. — Gosto das coisas que colocam diversão na vida.


 


Ele sabe como dizer a coisa certa, reco­nheceu Hermione com raiva, notando a ex­pressão de Pop.


 


— Eu apreciaria se pensasse sobre isso, sr. Granger — continuou Harry. — Pode­mos conversar a respeito em alguns dias.


 


E sobre como avançar e recuar, pensou ela.


 


— Não posso me recusar a pensar sobre o assunto — concordou Pop, mas meneou a cabeça. — Entretanto, você deveria dar mais uma olhada por aí. Hermione e eu dirigimos Joyland por um longo tempo. O parque é como um lar para nós. — Ele olhou para a neta de maneira provocativa.


 


— Vocês dois não iam sair para jantar?


 


— Não! — Ela deu um olhar zangado para o avô.


 


— Exatamente o que eu pensava — murmurou Harry com suavidade. — Va­mos, Meg. Vou lhe pagar um hambúrguer. — Ele se levantou e pegou a mão dela, ajudando-a a ficar em pé. Sentindo-se ner­vosa e com raiva, Megan tentou controlar seu temperamento.


 


— Não posso lhe dizer o quanto detesto recusar um convite tão charmoso...


 


— Então não recuse — Harry a interrompeu antes de voltar-se para Pop. — O senhor gostaria de ir conosco?


 


Pop riu e acenou uma das mãos num gesto que descartava a idéia.


 


— Vão vocês. Tenho de preparar meu equipamento para amanhã cedo.


 


— Quer companhia?


 


Pop estudou Harry por sobre o topo de seu cachimbo.


 


— Vou sair às cinco e meia — disse ele após um momento. — Tenho um equipamento extra.


 


— Estarei aqui.


 


Hermione estava tão perplexa que permitiu que Harry a conduzisse para o lado de fora sem fazer mais nenhum protesto. Pop nun­ca convidava ninguém para acompanhá-lo em suas pescarias matinais. Aqueles eram seus momentos de relaxamento, e gostava muito de sua solidão para compartilhá-la.


 


— Vovô nunca leva ninguém com ele — murmurou ela, pensando alto.


 


— Estou lisonjeado.


 


Hermione notou que Harry ainda segurava sua mão, os dedos confortavelmente entrelaçados nos seus.


 


— Eu não vou com você — disse ela em tom decidido e parou de andar. — Pode ter sido charmoso e capaz de convencer Pop a levá-lo para pescar, mas...


 


— Então você acha que sou charmoso? 


 


 O sorriso dele era audacioso quando lhe pegou a outra mão.


 


— Nem um pouco — disse ela com fir­meza, reprimindo um sorriso em resposta.


 


— Por que não janta comigo?


 


— Porque não gosto de você — disse Hermione, encontrando-lhe os olhos direta­mente.


 


O sorriso de Harry se ampliou.


 


— Eu gostaria da chance de fazê-la mu­dar de ideia.


 


— Você não poderia. — Hermione começou a afastar as mãos, mas ele lhe apertou os dedos.


 


— Quer apostar? — Novamente, ela controlou a vontade de sorrir. — Se eu a fizer mudar de ideia, você irá ao parque comigo na sexta-feira à noite.


 


— E se eu não mudar de ideia? — perguntou ela. — O que acontece então?


 


— Não a perturbarei mais. — Ele sorriu de modo tão persuasivo, notou ela, quanto era confiante.


 


As sobrancelhas de Hermione se arquearam em especulação. Aquilo poderia valer a pena, refletiu.


 


— Tudo que você tem de fazer é jan­tar comigo esta noite — continuou Harry, observando o rosto de Hermione. — Apenas algumas horas.


 


— Tudo bem — concordou ela impulsivamente. — Está combinado. — Tentou libertar os dedos, mas ele não os soltou.


 


— Poderíamos apertar as mãos para selar o acordo, se você me soltasse.


 


— É verdade — concordou ele. — Mas vamos selar do meu jeito.


 


Com um movimento rápido, puxou-a contra seu peito. Hermione sentiu uma força lá que não era aparente na figura magra e esbelta. Antes que pudesse expressar irrita­ção, a boca de Harry cobriu a sua.


 


Ele era habilidoso e perfeito. Ela nunca soube se tinha aberto os lábios instintiva­mente ou se Harry a compelira a fazer isso com a sondagem gentil da ponta da língua.


 


Desde o primeiro instante de contato, a mente de Hermione foi esvaziada, para ser preenchida apenas com pensamentos de que não podia se centrar. Seu corpo do­minava, assumindo o comando em sim­ples rendição. Estava se derretendo contra ele, ciente do peito sólido contra seus seios... ciente da boca sensual saboreando a sua calmamente. Não havia nada mais. Ela descobriu que não havia nada no que pudesse se segurar. Nenhuma âncora para impedir que mergulhasse na água selvagem. Emitindo um pequeno gemido de protesto, se afastou.


 


Os olhos dele eram mais escuros do que ela pensara, e muito nublados para ser lidos claramente. Por que os havia considerado tão decifráveis? Por que tinha acreditado que Harry fosse maleável? Nada era como pensara que fosse minutos atrás. Sua respi­ração estava trêmula enquanto lutava, para se recompor.


 


— Você é muito quente — disse Harry de maneira suave. — É uma pena que lute tanto para ser distante. 


 


— Eu não sou. Eu não luto... — Hermione meneou a cabeça, desejando com desespe­ro que o ritmo de seu coração diminuísse. 


 


— Você é quente — corrigiu ele. — E luta contra isso. — Harry lhe apertou as mãos de maneira amigável antes de liberar uma delas. A outra, manteve na sua enquanto se virava em direção ao carro. 


 


 


Pânico se construía no interior de Hermione, e ela tentou reprimi-lo. Você já foi bei­jada antes, lembrou a si mesma. Aquilo fora apenas inesperado, e a pegara desprevenida. Mesmo enquanto formava a desculpa em sua mente, sabia que era uma mentira. Nunca havia sido beijada daquela maneira antes. E a situação não estava mais sob seu controle.


 


— Acho que não vou mais, afinal de contas — disse ela num tom calmo de voz. 


 


Harry se virou, sorrindo-lhe enquanto abria a porta do carro.


 


— Uma aposta é uma aposta, Mione.


                                            


                                            XXx—xxx

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