A Nova Moradora da Rua dos Alf
A Nova Moradora da Rua dos Alfeneiros nº 15
Era mais um domingo típico de verão no bairro de Little Whingin. Sem a falta de água que ocorrera no verão anterior, este ano a alegria entre as crianças era muito maior. Havia várias delas fazendo muita algazarra na rua, e outras tantas brincando no parque da Rua Magnólia. Os homens lavavam seus carros e, ao mesmo tempo, participavam de uma competição não declarada do carro mais bem limpo e lustroso; as madames estavam fazendo qualquer coisa que lhes dava prazer em suas casas e um grupinho de adolescentes acompanhavam a movimentação das crianças no parque de maneira muito suspeita, como se estivessem planejando algo.
E na Rua dos Alfeneiros nº4, à parte de toda a diversão, se encontrava Harry Potter, um garoto de quase 16 anos, magricela, de estatura mediana, com cabelos muito pretos e constantemente despenteados, olhos muito verdes e uma cicatriz fininha em forma de raio na testa. Harry sentia-se muito infeliz, odiava as férias de verão, e tinha um bom motivo para isso. Ele estudava em um colégio interno e no verão era obrigado a voltar para a casa de seus odiosos parentes, os Dursley. Os tios e o primo sentiam profundo asco pelo garoto pelo fato de eles não o considerarem uma pessoa normal. Na verdade, pelos padrões de muitos, não só dos Dursley, ele era uma aberração pelo fato de ser um bruxo.
Obviamente que os Dursley se certificaram de que nenhum vizinho soubesse o que Harry era, porém a reputação dele estava arruinada, uma vez que os tios fizeram com que todos pensassem que ele freqüentava o Centro St. Brutus para Meninos Irrecuperáveis, e, certamente, garotos que freqüentavam essa instituição tampouco estavam dentro do padrão de normalidade aceito pela vizinhança. Quando Harry aparecia na rua, as pessoas o apontavam e cochichavam, o que o fazia lembrar-se do que passara em Hogwarts no último período letivo, quando os alunos o tratavam da mesma maneira que os vizinhos devido às reportagens publicadas no Profeta Diário dizendo que ele era apenas um lunático carente de atenção quando dizia que Voldemort retornara.
Somando isso à melancolia que ele sentia com tudo pelo que passara no ano anterior, ele preferia ficar em seu quarto, remoendo-se em tristeza que sentia com a morte de seu padrinho, Sirius Black. Para Harry isso não só representava a perda de um ente querido, mas também suas esperanças de deixar a casa dos Dursley de uma vez por todas. Porém ele não podia queixar-se de seus odiosos parentes; depois da conversa deles com os membros da Ordem da Fênix, os Dursley estavam mais toleráveis. Harry correspondia-se com a Ordem e seus amigos constantemente, de acordo com as instruções que recebera, tinha que lhes mandar cartas a cada três dias, retratando o que estava acontecendo com ele.
Certa vez recebera uma carta de Lupin ordenando que os tios lhe comprassem roupas decentes, pois ele só recebera as roupas de segunda-mão pertencentes a Duda no passado, e que as comprasse sempre que as roupas não servissem mais em Harry. Desgostosa da vida, tia Petúnia levara o sobrinho a uma loja de departamentos e deixou que ele escolhesse seis mudas de roupa, dois conjuntos de pijamas e três pares de sapatos prometendo que no ano seguinte iria substituir o que não servisse mais.
Contudo, Harry não conseguia se animar com a nova vida na Rua dos Alfeneiros. Daria o céu para que tivesse o padrinho de volta para sustentar a esperança de morar com ele um dia. Uma semana depois que voltara de Hogwarts, seu desânimo e tristeza aumentaram quando ele se deu conta de que não precisaria ter usado a lareira da Umbridge para se certificar de que Sirius estava no Largo Grimmauld, ele podia ter simplesmente pego o espelho que o padrinho lhe dera no Natal para se comunicar com ele e constatar que estivera são e salvo, e longe das garras de Voldemort.
Deitado em sua cama, Harry não parava de rememorar o último ano letivo, o pior de todos que passara em Hogwarts. Por mais que tivesse passado por algumas dificuldades nos outros, certamente nunca tinha passado por tantas privações e sofrimentos quanto em seu quinto ano: fora proibido de jogar quadribol, teve sua vassoura confiscada pela sapa gorda da Umbridge, Hagrid fora despedido de Hogwarts, se desentendera definitivamente com Cho, desapontara-se com a aparente falta de interesse de Dumbledore para com ele, aulas de Oclumência com Snape, a impossibilidade de se comunicar com Sirius devido à constante vigilância de Umbridge e depois disso ainda houvera o encontro com Voldemort e a morte de Sirius; sem contar o que teve que passar antes mesmo do início do ano letivo quando enfrentou dois dementadores que foram mandados por Umbridge para apaga-lo e impedir que ele arruinasse o mandato do Ministro da Magia, Cornélio Fudge, e em conseqüência disso, a audiência de que teve que participar e a quase expulsão de Hogwarts. Enfim, fazendo as contas, Harry achou que só as reuniões da AD tivessem valido a pena.
Harry já não conseguia mais chorar a perda do padrinho. Sentia-se oco, seco por dentro, como uma ostra vazia. E não conseguia pensar em nada o que fazer além de ficar deitado remoendo-se com as lembranças. Já havia terminado metade das lições de férias nas três primeiras semanas e sobrara-lhe uma redação muito espinhosa de Poções e uma outra muito monótona de História da Magia, além de mais algumas outras que Harry nem ao menos lembrava que tinha, no momento. Sua única vontade era que o mundo explodisse.
Além de tudo pelo que estava passando, o garoto ainda tinha uma missão a cumprir: ele, e somente ele, tinha o dever de matar Voldemort, ou morrer tentando. “... e um dos dois deverá morrer na mão do outro, pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver...” Era isso que dizia a profecia de Trelawney. Mas Harry não se achava capaz de derrotar o maior bruxo das trevas dos últimos 100 anos. Escapara dele por várias vezes, isso era bem verdade, porém sentia-se estupidamente fraco ao comparar seus poderes com os de Voldemort.
Harry surpreendeu-se quando se pegou pensando se descobrir que era um bruxo fora realmente algo bom, Talvez fosse melhor ter ficado com os Dursley, pelo menos não tinha a missão de matar ninguém! pensou com melancolia. No momento seguinte arregalou os olhos de espanto com o que dissera e soltou uma sonora gargalhada, nunca se imaginara dizendo isso, porém tivesse pensado em abandonar Hogwarts anteriormente por estar sendo possuído por Voldemort, ou pensar que estava. De qualquer maneira, aquela gargalhada tinha reavivado sua energia. Dane-se o que os vizinhos vão dizer, pensou levantando-se; e sem pressa se encaminhou para fora da casa para dar uma volta.
Ao pôr o pé na calçada sentiu-se observado, quando se lembrou que, provavelmente, havia alguém invisível ali, observando cada passo que dava. Ficou imaginando quem seria dessa vez, teria o Dumbledore deixado Dunga segui-lo?
Decidiu parar de pensar nisso e subir a rua em direção aos maiores números, onde os vizinhos não conheciam os Dursley a ponto de falar a respeito da sanidade mental de Harry. A rua descrevia uma alta ladeira, de modo que as casas de cima não eram visíveis das de baixo. Chegando lá encontrou uma intensa movimentação, um caminhão de mudança parado à porta da casa nº15 do outro lado da rua, e um grupinho de garotos, o grupinho de vândalos que observava o parque (ao qual estava incluído Duda), observava algo. Afim de que não fosse avistado por eles, Harry se escondeu atrás de uma árvore, de onde podia ouvir claramente a conversa do grupo.
– Ela parece ser linda! – comentou Pedro Perkiss em um sussurro audível – Viu os cabelos vermelhos?!
– Eu a vi primeiro. – respondeu a voz de Duda, parecendo muito arrogante – Nem pensem em se aproximar dela!
Os outros se calaram e Harry observou Duda atravessar a rua e se encaminhar para a casa e viu uma garota, de cabelos acaju que brilhavam lindamente no sol, sentada no meio-fio. Ela tinha o rosto abaixado para um livro em seu colo e parecia absorta em sua leitura.
– Oi, tudo bem? – Harry ouviu Duda perguntar. A garota levantou o rosto, era meigo e angelical e Duda, bem como Harry, pareceu abobado.
– Eu sou Dudley, – disse Duda recobrando o estado normal – ou Dudão, se preferir. E eu comando tudo por aqui.
Harry achou aquilo muito idiota de se falar, se ele estava querendo conquistar a garota, estava fazendo tudo errado. A garota não ia se importar com qual seria o domínio de Duda, pelo contrário, sentir-se-ia repugnada em ouvi-lo falar com tanta arrogância; porém o primo, um brutamontes fortão, jamais saberia que o que ele precisava era dizer-lhe palavras doces para que ela fosse conquistada. E as previsões de Harry estavam certas, a garota olhou Duda de cima a baixo com ares de quem não gostou nem um pouco do que ouviu.
– Você não tem balança em casa? – perguntou lançando ao garoto um olhar frio, e, retornando a mirar o livro, continuou – Olhe, desculpe a grosseria, mas por que você não vai comandar tudo por aí, e me deixa em paz? Tenho mais o que fazer.
Duda permaneceu em silêncio por alguns segundos, o espanto estampado em seu rosto. Então, deu meia volta e com cara de poucos amigos se juntou ao seu bando que voltou para o parque da rua Magnólia. Quando Duda e seu grupo desceram a ladeira e estavam fora do campo de visão de Harry, ele saiu de trás da árvore, atravessou a rua e se postou em frente à garota, exatamente como Duda havia feito anteriormente. Ao ver um par de pés a sua frente, a garota levantou a cabeça, pronta a insultar quem quer que tivesse vindo lhe atrapalhar a leitura, porém, quando viu os olhos verdes e penetrantes de Harry e o sorriso na face do garoto, não lhe veio nenhuma palavra rude. Os dois ficaram por um momento se encarando, sem dizer nada. Harry achou lindos aqueles olhos cor de mel, e tivera certeza que reconhecia aquele rosto tão angelical de algum lugar.
– Oi, eu sou o Harry. – disse o garoto quebrando o clima constrangedor que estava prestes a se formar.
– Christine – disse ela, enfim, sorrindo.
Harry entrou em estado de graça: nunca tinha visto um sorriso tão maravilhoso e cativante como aquele. Então percebeu o quanto parecia bobo olhando pra ela daquela maneira e pensou em alguma coisa pra dizer.
– Eu... Ah... – gaguejou ele desviando o olhar – Você se livrou muito bem do Duda... Ou melhor, Dudão...
– Ah! Aquilo?! – riu-se a menina – A reação dele foi só devido a uma primeira impressão, normalmente garotos como ele não gostariam realmente de mim assim como eu sou... Ele parece ser bem mandão e muito tradicional, sabe, gostar de pessoas comuns e desprezar as diferentes.
– Ah, isso, com certeza, ele é... – disse Harry pensando cuidadosamente no que ia dizer a seguir – Eu sou primo dele e ele me odeia muito. E não se pode dizer que eu seja muito ãã... comum.
– Ah é? E no que você poderia ser tão diferente? – perguntou Christine em tom de desafio
– Bom, pra começar, eu não gosto das férias de verão. Você já ouviu falar de alguém que não gostasse das férias de verão?
A garota pareceu se espantar e se divertir ao mesmo tempo.
– Você não gosta das férias de verão? – perguntou.
– Pois é... Eu sei, eu sei, sou muito estranho só por isso, e você ainda não ouviu n...
– Não, você não entendeu! – disse ela sorrindo – Eu não gosto das férias de verão, e não pensei que encontraria alguém que também não gostasse.
Harry ficou boquiaberto de espanto. O que mais estaria por vir?
– Então, no que mais você é tão incomum?
– Bom, eu não tenho nenhum amigo aqui. – disse Harry sentando-se no meio-fio ao lado de Christine – Sabe, nunca me dei bem com pessoas de lugar nenhum, só da minha escola, e é exatamente por isso que eu tenho tanta aversão ao verão.
– É, acho que seu primo me odiaria tanto quanto te odeia, eu sou igualsinha a você! Quer dizer, talvez não tão igualsinha assim... – acrescentou Christine pensando melhor.
Você não imagina o quanto somos diferentes. pensou Harry.
– Então, de onde você está vindo? – perguntou apontando o caminhão de mudanças.
– Da França.
– Nossa! Mas você não tem sotaque francês, nem nada! – disse Harry lembrando do sotaque de Fleur.
– Bom, é que eu só morei lá por quatro anos. Eu nasci e morei até os onze anos em um vilarejo que fica ao norte da Inglaterra.
– Hmm... Certo. E por que você voltou pra Inglaterra?
A garota pareceu meio desconcertada com a pergunta, como se fosse algo constrangedor.
– É que... Bem, meu pai é uma espécie de... Oficial da Justiça e parece que... Ahm... Algo está acontecendo aqui na Inglaterra e ele foi chamado pelo ministro. Bom, não sei de detalhes. Escuta, – disse mudando o tom de voz – que tal tomarmos um suco? Está quente hoje.
– Tudo bem. – disse Harry; ele mal podia acreditar que estava fazendo amizade em um lugar que não fosse Hogwarts, e ainda mais: na Rua dos Alfeneiros! Era a primeira pessoa trouxa com quem ele se dava tão bem.
A casa tinha a mesma estrutura da casa dos Dursley, e provavelmente de todas as casas daquela rua, somente os móveis estavam sendo organizados de maneira diferente.
– Vamos ao meu quarto. – disse Christine – Ele é o único cômodo da casa que já está organizado.
A garota o guiou até o quarto que no nº4 seria o quarto de Duda. Era um típico quarto de garota, tudo em verde bebê: cortinas, colcha, carpete, e até mesmo os móveis tinham um tom esverdeado; e pregado no teto...
– O que é isso? – perguntou Harry se aproximando pra observar melhor o móbile.
Christine pulou em sua frente e arrancou o objeto do teto.
– Er... Nada! – disse jogando o móbile na primeira gaveta da escrivaninha e fechando-a depressa – Meu pai viaja muito e sempre traz esses artefatos bobos para mim. Eu disse pra ele não pendurar, é horrível! Mas ele vive teimando.
Ela falou tudo isso muito rápido, o que fez Harry lembrar-se de Hermione.
– Gozado, – disse sorrindo – você fala como uma amiga minha, muito depressa.
Christine sorriu com seu sorriso encantador e se encaminhou para a porta do quarto.
– Vou até a cozinha buscar o suco e já venho. Fique à vontade.
Harry ficou sozinho com seus pensamentos; poderia jurar que aquele móbile era composto de sete jogadores de quadribol montados em suas vassouras, e mais, poderia jurar, também, que reconhecera o uniforme do Holyhead Harpies, um famoso time de quadribol da Grã-Bretanha. O garoto sentou-se na cadeira em frente à escrivaninha e estava quase concluindo que era apenas um móbile trouxa de bonequinhos imitando bruxos em vassouras quando ouviu um barulho de mordida muito familiar, vindo da segunda gaveta. Movido pela curiosidade, abriu a gaveta e um livro saltou de lá de dentro e correu aberto, parecendo um caranguejo, para debaixo da cama, antes, porém, Harry conseguiu ler o título: O Livro Monstruoso dos Monstros.
Quando Christine retornou o encontrou agachado, com a cabeça sob a cama, tentando apanhar o livro.
– O que está fazendo aí? – perguntou a garota intrigada enquanto punha os copos de suco sobre a escrivaninha.
– Tentando pegar um livro que fugiu da segunda gaveta. – respondeu o garoto com calma, sem sair debaixo da cama.
– Livro?! – exclamou a garota, olhando horrorizada para a gaveta aberta de onde saíra o livro, e, gaguejando, tentou se explicar – Ahm... Esse livro é mais um dos brinquedos idiotas que meu pai me traz de suas viagens. Deixe-o aí, depois eu pego.
– Não se preocupe. – respondeu Harry – Eu estou quase alcançando a lombada.
– A lombada? – perguntou Christine, nervosa – Mas o que...?
– Prontinho... – interrompeu o garoto saindo debaixo da cama com o livro aberto, e imóvel, em suas mãos – Esse livro é muito interessante, não é?
– Bem, não sei, na verdade. Eu nunca consegui abri-lo, sabe... – e, como que se dando conta de alguma besteira que falara, calou-se imediatamente e ruborizou.
– É... Acho que somos mais parecidos do que eu imaginava. Eu devia ter adivinhado que é impossível encontrar algum trouxa que tenha qualquer traço de semelhança comigo.
Christine olhou para ele de forma desconfiada e, hesitando, escolhendo bem as palavras, perguntou:
– Você é... um... bruxo?
– Sou. – disse o garoto – E, acredite, somos os únicos bruxos da nossa idade a um raio de pelo menos três quilômetros. Seus pais não poderiam ter escolhido rua mais trouxa do que esta pra morar!
A garota deu uma risada que expressava ao mesmo tempo alívio e alegria, e sentou-se na cama. Os olhos dos dois se encontraram, ela parou de rir, porém seus lábios conservaram o belo sorriso. Harry sentiu-se estranho, porém era um sentimento familiar: era o mesmo sentimento que sentia quando seus olhos encontravam os de Cho.
– Você... ahm... estava na Beauxbatons? – perguntou para se desfazer do clima constrangedor.
– É, mas agora vou para Hogwarts.
– Ótimo! Vamos estudar na mesma escola! Mas e o seu pai, o que ele realmente é?
– Auror. Bom, e você já deve imaginar porque estamos aqui, não é? Não tenho muitas notícias, mas sei que mais uma pessoa morreu nas mãos de ahm... Vôce-Sabe-Quem... Parece que foi o tal do Sirius Black, que na realidade não era comensal, mas o padrinho do Harry Potter e amigo do Tiago Potter.
O estômago de Harry deu uma reviravolta. Ele tinha-se esquecido do padrinho, estava lutando subconscientemente para isso, e a garota acabara de lembra-lo que deveria estar sofrendo muito. O garoto cambaleou um pouco, pôs o livro de lado e se sentou na cama, ao lado dela.
– O que foi? – perguntou Christine – Você está pálido!
Harry se limitou a afastar a franja da testa. A menina levou a mão à boca assim que viu a cicatriz em forma de raio em sua fronte.
– Você é...! Ai, desculpa! Eu não sabia que você era ele, quer dizer... Ai que burrada!
– Não, tudo bem. – respondeu Harry tentando sorrir – Eu só fiquei assim porque lembrei daquele dia e...
– Eu juro que não toco mais no assunto. – interrompeu a garota – Olha, vamos falar de outra coisa. É... Ah, tome o seu suco! É de abóbora com morango, o suco que eu mais gosto de Beauxbatons.
Harry sorriu, sinceramente desta vez, e tomou seu suco.
– É realmente muito bom! Deveriam servi-lo em Hogwarts.
– Ah! Deveriam mesmo! É o melhor suco que eu já tomei. Aliás, a comida da Beauxbatons é uma delícia. Antes de acabar o último ano letivo eu fiz questão de descer à cozinha e pegar a receita dos meus pratos favoritos.
Os dois continuaram a falar sobre a cozinha de suas escolas e daí passaram a falar de seus amigos até que chegaram no grande evento que ocorrera no quarto ano de Harry: o torneio tribruxo. O garoto estava se sentindo novamente perto de uma pessoa amiga, com quem pudesse conversar sobre suas aflições e, sem nem perceber, estava contando tudo o que passara desde que descobrira que era bruxo e que era alvo do mais perverso feiticeiro da face da Terra. A garota ouviu sua história muito atentamente e Harry se espantou ao notar que ela não se importava nem um pouco em ouvir o nome de Voldemort.
– E agora, graças a esse idiota, estou, além de órfão, sem meu padrinho e fadado a viver com os Dursley até a maioridade. Ainda bem que isso não demora muito mais de um ano. – concluiu Harry.
– É, eu entendo bem o que é ser órfã. – disse Christine cabisbaixa – Voldemort matou meus pais também, quando eu tinha três meses, e moro com meus padrinhos desde então.
Harry não sabia o que dizer. Nunca encontrara uma pessoa tão parecida consigo, até nisso eles eram iguais.
– Eu não sei porque sinto tanta falta deles. – continuou a garota após um período de silêncio – Tia Guinevere e tio Felipe sempre foram tão maravilhosos comigo! São realmente como uma mãe e um pai, pra mim; apesar de eu, instintivamente, nunca tê-los chamado de mãe e pai. E Jane, a filha deles, sempre foi uma ótima irmã mais velha. Eles não são nem um pouco parecidos com os Dursley, eu tenho uma vida maravilhosa, mais ainda assim eu sofro muito com a morte dos meus pais.
– Talvez seja como você disse, algo instintivo. – disse Harry depois de pensar um pouco no que a garota dissera – E talvez o que mais te aborreça é que, ao contrário do que acontece com muitos órfãos, você não foi abandonada pelos seus pais e poderia estar vivendo uma vida normal com eles se não fosse pelo Voldemort. – concluiu deprimido, era óbvio que era isso que ele próprio sentia.
Um silêncio meio fúnebre pairou no quarto depois que Harry falou, e o garoto sentiu-se arrepiar com o ar carregado de tristeza e melancolia.
– Desculpe-me por ter prolongado esse assunto de morte. – disse Christine aborrecida e arrependida – Eu realmente não gosto de falar sobre isso. Podemos mudar de assunto?
Harry ficou muito feliz em poder falar sobre outra coisa e foi logo tratando do primeiro assunto que lhe veio à cabeça.
– Aquele móbile é do Holyhead Harpies, não é?
Christine voltou a sorrir, levantou-se da cama e apanhou o objeto de dentro da primeira gaveta.
– Você é mesmo muito observador, não é?! – disse enquanto pendurava o artefato novamente no teto e voltava a sentar-se na cama, contemplando os sete jogadores em miniaturas que se moviam em suas vassourinhas – Eu o comprei quando tinha dez anos e Tio Felipe levou a mim e Jane a um jogo delas contra o Chuddley Cannons, acabamos com eles: 300 a 50. Você torce por algum time?
– Na verdade, não. Eu simpatizo com o Chuddley em respeito ao Rony, que é fanático. Mas eu gosto de quadribol, sou apanhador do time da Grifinória.
– Nossa! Que legal! Deve ser muito bom poder jogar. – disse Christine entusiasmada – Eu nunca joguei, mas já andei treinando. Estou na esperança de entrar para o time da casa que eu ficar em Hogwarts já que vou ganhar uma Nimbus 2001 no meu próximo aniversário; acho que tenho habilidades para artilharia.
– Se você ficar na Grifinória, é provável que consiga. Estamos precisando de três artilheiros, duas das nossas se formaram no último ano. – disse Harry lembrando com saudades dos jogos – E quando será seu aniversário?
– Não está muito longe... Eu faço anos no dia 31 de julho.
Com essa notícia Harry quase caiu para trás. Com isso já era coincidência de mais pra um só dia e só duas pessoas. Até onde iriam as semelhanças entre os dois?
– Eu... Eu não acredito! – disse boquiaberto – Você faz aniversário dia 31 de julho? Não é possível!
– Não é possível? – perguntou Christine confusa – O que não é possível?
– Eu também faço aniversário nessa data! – exclamou Harry deitando-se na cama – Mas será possível que sejamos assim tão parecidos?
Christine parecia ao mesmo tempo abobada e divertida com a situação. Meio abismada deitou-se ao lado de Harry.
– Isso é realmente muito estranho, não é? – observou pensativa – Eu venho pra Inglaterra morar na cidade, no bairro e na rua em que você mora e, de repente, eu começo a descobrir que somos iguaisinhos... Quer dizer, não é todo dia que alguém descobre que é tão parecido com o famoso Harry Potter.
– Que tal deixar o “famoso” de lado? – disse Harry ainda meio abobado com as novas – Mas que é realmente estranho, isso é... Nunca pensei em encontrar uma bruxa na rua dos Alfeneiros, que dirá uma bruxa tão parecida comigo!
Harry, que até então encarava o teto, virou o rosto para olhar Christine, e viu que ela o observava. Sentiu seu rosto ficar vermelho e notou o da garota também ruborizar levemente. Ela rapidamente voltou a encarar o teto, Harry, porém continuou a contemplar a garota de perfil. Pelos poucos segundos que o fez, pôde notar cada sarda a embelezar ainda mais aquele rosto, o nariz bem moldado, os lábios avermelhados que pareciam ter sabor de romã. O garoto surpreendeu-se com a impulsiva vontade de experimentar e atestar que era esse realmente o gosto deles. Christine não desviava o olhar do teto e tentava, inutilmente, fingir que não estava sendo tão detalhadamente observada, enquanto seu rosto ruborizava violentamente.
– Christy, o... – uma voz interrompeu aquele momento e os dois bruscamente desviaram sua atenção para a garota um pouco mais baixa que Harry de olhos acinzentados e longos cabelos louros parada à porta.
Aturdido com a inesperada aparição dela, Harry sentou-se novamente e sentiu o rubor do rosto intensificar de constrangimento. Christine levantou-se instantaneamente da cama e olhava com cara de susto e vergonha para a moça que, por sua vez, parecia divertir-se com a situação.
– Ah! – exclamou animada – E eis o novo amigo de Christy! Menino, ela tava uma pilha quando desceu para buscar o suco!
Ao ouvir isso, Harry ruborizou ainda mais e Christine encarou a garota com uma expressão de quem seria capaz de esganá-la. Ela, porém, continuou sorrindo e se aproximou de Harry.
– Jane Wentland, muito prazer! – disse estendendo a mão para ele.
– O prazer é todo meu... – respondeu Harry apertando a mão de Jane – Harry Potter.
O sorriso de Jane se desfez para dar lugar a uma expressão de susto e ela, instintivamente, recolheu a mão que o cumprimentava.
– Harry Potter?! – exclamou incrédula e, recobrando o sorriso, virou-se para Christine – Você não perde tempo, não é, Christy? Acabamos de nos mudar e você já fez amizade com ninguém menos que Harry Potter! Por que não me disse que era ele quando desceu para apanhar o suco?
– Eu... não sabia ainda. – gaguejou a garota em resposta – A propósito, o que você veio fazer aqui?
– Ah! É verdade, me esqueci. São oito horas, maninha, o jantar está na mesa. Vou descer e avisar mamãe que teremos um convidado.
– Não precisa. – retorquiu Harry encabulado – Eu vou pra casa, não quero incomodar.
– Não é nenhum incômodo, bobinho. Além do que, acho que a Christy adoraria ter sua companhia. – disse Jane saindo do quarto.
O garoto olhou para Christine que sorriu, meio envergonhada da cena que Jane havia feito.
– Vamos, então? – perguntou ela se dirigindo à porta.
Harry a seguiu, sorridente, para o andar de baixo. Ficara encabulado com o que ouvira de Jane, porém adorou saber que Christine havia ficado tão entusiasmada por tê-lo conhecido. Chegando à copa se deparou com a mesa de jantar já posta e três pessoas, as quais Harry desconhecia completamente, que aguardavam sentadas; com a chegada dos dois elas levantaram-se.
– Esses são tio Felipe e tia Guinevere – disse Christine indicando as duas pessoas mais velhas.
O Sr. Wentland era alto e esbelto, portador de cabelos e barba castanhos e olhos levemente esverdeados e vestia um elegante terno azul marinho. Sra. Wentland era alta e magra, tinha longos cabelos loiros e olhos azuis-turquesa e vestia um vestido azul claro de um tecido muito leve que combinava com seus olhos.
Os dois cumprimentaram Harry que, após retribuir os apertos de mão, virou-se para a terceira pessoa desconhecida. Era uma garota ligeiramente mais baixa que ele e com a aparência quase idêntica à de Christine: cabelos acaju e olhos cor de mel.
– Eu gostaria de ter que apresentá-la só uma vez. – disse Christine, cansada, à garota – Essa é a Jane, Harry. Ela é uma metamorfomaga.
– Então não vou demorar a me acostumar. – disse Harry sorrindo a Jane – Conheci uma no verão passado, o hobby dela era ficar mudando de nariz.
– Achei que a aparência de Christine tinha lhe atraído muito mais que a minha, afinal, você parece realmente encantado quando a olha. – disse Jane ao que Christine e Harry coraram.
Sr. e Sra. Wentland trocaram olhares receosos e Harry não entendeu bem o motivo, talvez fosse porque Christine era sua afilhada.
– Bom, feitas as apresentações, acho que podemos jantar. – disse Sra. Wentland ao que todos se sentaram.
– Frango, Harry? – ofereceu-lhe Christine, e Harry espetou uma coxa de frango e pôs em seu prato.
– Então, – disse Sr. Wentland a Harry enquanto se servia de pastelão de frios – vocês foram bem rápidos, não?
– Rápidos? – perguntou o garoto lançando um olhar curioso a Christine que deu de ombros, indicando que entendera tanto quanto ele.
– Bom, nós sabíamos que mais cedo ou mais tarde vocês iriam se conhecer. – explicou Sra. Wentland – Só não imaginávamos que seria no primeiro dia.
– Então vocês sabiam que eu morava aqui? – indagou o garoto.
– Ah, sim. – disse Sr. Wentland apanhando a travessa com batatas – Dumbledore nos convidou a entrar para a Ordem da Fênix novamente e nos pediu para que viéssemos morar aqui, para o caso de qualquer emergência.
O desapontamento de Harry por descobrir que mais bruxos estariam ali para vigia-lo deve ter transparecido em seu rosto, pois Guinevere se apressou em dizer:
– É só uma precaução. É sempre bom ter alguém de sobreaviso para o caso de acontecer algo como no ano passado. – ao falar isso deu um sorriso maroto – Embora eu arrisque dizer que Umbridge não tentará aquilo novamente. Um amigo do ministério me contou que ela está enfrentando um inquérito no trabalho e tem sofrido de um medo mortal de qualquer criatura com cascos.
– Ela fez por merecer. – disse Harry sorrindo – O último ano letivo foi um inferno por causa dela!
– Tio, você disse que Dumbledore os convidou de novo a entrar para a Ordem. Vocês foram convidados na última vez? – perguntou Christine.
– Eu não me lembro de ter-lhe contado a respeito da Ordem, Christy. – disse Sr. Wentland.
– Fui eu quem contou. – disse Harry como que se desculpando – Mas vocês entraram para a Ordem na última vez? Eu vi uma foto de todo o grupo e não me lembro de tê-los visto lá.
– Nós entramos mais tarde. – disse Sra. Wentland – Mais precisamente, um mês depois do nascimento de Christine, e nessa época as coisas estavam muito tumultuadas. Quase nunca conseguia-se reunir todos os membros em uma reunião, e quando isso era viável, não havia tempo para fotos. Então, depois de dois meses de correria...
Guinevere fez um som abafado com a garganta, como se estivesse desprovida da fala, e, antes que ela abaixasse o rosto para o prato, Harry pôde ver seus olhos encherem-se de água.
– Depois de dois meses, Voldemort matou seus pais, e então a Ordem não se reuniu mais. – concluiu Sr. Wentland, pesaroso, a história que a mulher estava relatando.
– Vocês conheceram bem os meus pais? – perguntou Harry.
Sra. Wentland pareceu muito perturbada com a pergunta. Virou-se para o marido em busca de apoio, depois olhou de Christine para Harry e disse:
– Bem... conhecíamos o suficiente para sofrer bastante a sua perda. – e apanhando a travessa de batatas continuou – Mais batatas, Harry?
Harry achou muito estranha a reação de Guinevere, porém aceitou as batatas e resolveu não fazer mais perguntas; se o assunto a perturbava, não seria ele que insistiria em prolonga-lo. Logo estavam todos conversando animadamente sobre quadribol e Harry teve a noite mais feliz e o jantar mais farto que poderia desejar na Rua dos Alfeneiros.
Uma hora mais tarde, depois de comer a sobremesa e combinar com Christine de se encontrarem no dia seguinte, ele estava chegando à casa dos Dursley e se preparando ara o furacão de perguntas que o receberia. E ele não estava enganado: tão logo atravessou a soleira da porta ouviu a voz enérgica de tio Válter, que estava com tia Petúnia e Duda assistindo à TV.
– Onde esteve o dia inteiro? – perguntou à guisa de boas vindas.
– Passei a manhã no meu quarto e saí para dar uma volta depois do almoço. – respondeu o garoto monotonamente.
– Você perdeu o jantar! – disse o tio irritado – Como espera que te alimentemos bem se nem ao menos os horários você cumpre?
– Eu já jantei. – respondeu o garoto calmamente, preparando-se para a tempestade que se aproximava.
– O que você quer dizer com eu já jantei? – perguntou Válter, lançando-lhe um olhar perigoso.
– Nada mais do que isso significa. – respondeu.
– Não se faça de engraçadinho! – tia Petúnia entrou na conversa – Onde foi que você jantou?
– No vizinho do nº15. – disse Harry – Agora, se me permitem, vou...
– Do nº15? – perguntou Duda desviando, pela primeira vez, a atenção da televisão – Não foi pra lá que...?
– Mudou-se a garota ruiva, foi... – respondeu Harry em tom cansado – Então, posso...?
– Pode ficar bem aí onde está, moleque! – bradou tio Válter – Quem lhe deu autorização para falar com os vizinhos? O que você andou dizendo a eles?
– Você falou com... ela? – perguntou Duda.
– Ela quem?
– A garota ruiva, quem mais?
– Sim, falei, e bastante. Ela me convidou para tomar um suco. – disse Harry divertindo-se com a cara do primo – Ah! Aliás, ela lhe mandou dois conselhos: – mentiu – mudar seu repertório de cantadas e fazer uma boa dieta à base de vegetais.
– O que você falou para ela? – perguntou tia Petúnia exasperada, o pânico estampado em seu rosto.
– Ah! Bastante coisa. – respondeu, prazeroso em torturar os Dursley daquela maneira – Comecei falando da minha escola e...
– Você falou daquele hospício pros vizinhos?! – bradou tio Válter, a caraça púrpura encarando o sobrinho perigosamente. Harry calculou que ele estava a ponto de começar a arrancar tufos de cabelo dos bigodes de tão furioso que estava.
– Ah, ela não se importou. – ele respondeu sorrindo tranqüilamente – Arrisco dizer que ela até ficou feliz, afinal, ela está indo para lá este ano... Achei que ela gostaria de aprender alguma coisa sobre a escola.
Harry deliciou-se ao ver as expressões dos Dursley mudando de fúria para confusão e depois choque. E sem dizer mais nenhuma palavra subiu as escadas rumo ao seu quarto, deixando os três atordoados na sala. Chegando lá, vestiu seu pijama e deitou-se. Estava cansado; cansado, porém feliz: aquele tinha sido o melhor dos seus dias na Rua dos Alfeneiros, e ele imaginou que deste dia em diante as coisas seriam diferentes. Pensar que havia mais alguém como ele ali proporcionava um imenso conforto.
Nesse momento Harry pensou carinhosamente em Sirius. Onde quer que ele esteja, pensou, é assim que ele gostaria de me ver: feliz. E com esse pensamento adormeceu.
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