Um fiasco de passeio
- Emmeline Vance, fique longe dessa barra de chocolate. – Fiz uma cara feia para Marlene. – Estou falando sério, pare de descontar sua frustração nos doces...
- Me diz qual o sentido de vir a Dedos de Mel se eu não puder comprar um desses? – Suspirei segurando a enorme barra de chocolate perto dos lábios, dei uma mordida. Já era minha. – Além do que, está frio e chuvoso e esse passeio está um tédio.
Como jovens poderiam se divertir se praticamente todos funcionários de Hogwarts estão nos acompanhando nesse passeio. Certo que não eram tempos de andarmos sozinhos por aí, mas aquilo não fazia parecer mais que ficar dentro do castelo.
- Não culpe o tempo pelo seu mau humor. Culpe a falta de tato do Lupin – Lene pagava por um saco de gominhas que ela adorava.
- Não briguem. Emme, que tal um chocolate quente? – Estávamos saindo da loja e lá vinha Lily com aquele tom atencioso novamente.
- Não, obrigada pela gentileza – disse com certa amargura e para não reclamar mordi outra vez o chocolate. Estávamos passando em frente a Zonko’s quando Lene me segurou pelos braços e nos fez parar.
- Eu não sei o que há com vocês duas... Mas se resolvam! Poxa vocês estão estranhas a semana inteira e já que me deixaram fora disso, tratem de consertar o que há antes de eu voltar. - Ela fechou o casaco e arrumou o cabelo, entrando na loja de travessuras, me deixando um pouco sem graça. Eu realmente não queria estar tão mau humorada, mas Remus não falava comigo e Lily estava me tratando como se eu estivesse doente.
- Lily, você mal sabe o que viu. A Pirada da Professora Agnes também não. Pare de agir assim!
- Você não entende Emme. O que eu vi nem consigo explicar....- Suspirei olhando complacente para a ruivinha que já tinha os olhos cheios de lágrimas – Havia garras e dentes afiados... E aquilo foi pra cima de você e tudo se transformou na forma do Sinistro... E...
Lily mal conseguia terminar, mas eu sabia o que o sinistro significava. Segurei-a pelos ombros.
-Por enquanto estamos em Hogwarts. Não há nenhuma fera aqui para me devorar. Então relaxa, Lily. Vamos tentar esquecer isso um pouco, pode ser? Talvez seja certo, mas não há o que fazer. Prometo pra você que se eu avistar alguma fera com garras e dentes afiados, não vou me colocar contra ela. Vou fugir pra China...
Lily riu enxugando os cantos dos olhos e me abraçou.- Me perdoe por agir assim, fiquei assustada. Você e Lene são como irmãs para mim. Odiaria perdê-las. Fugiria nada, acho que você correria de encontro a ela se isso a levasse a algum lugar... –ela tentou achar uma palavra apropriada, mas foi interrompida bem a tempo.
- E aí meninas, prontas para se divertirem? – James se aproximava, animado demais, Lily sorriu meio contrariada, mas eu não consegui. Olhei para Remus que parecia me evitar e suspirei.
- Nos divertir como? Não temos idade para entrar nos lugares divertidos e o que quer façamos estamos sendo vigiados.
- Porque vocês não estavam bem acompanhadas. Agora vocês acabaram de encontrar os especialistas no assunto. -James riu e deu o braço para Lily- Vamos?
Ela rolou os olhos resmungando algo para ele, mas aceitou e os meninos entraram em uma fresta, entre a Zonko’s e uma loja de roupas, todos os seguimos. Lene me deu um tapinha e foi atrás de Sirius, seguido também por Remus.
- Pode ir primeiro Peter. – ele sorriu agradecido e entrou, com um pouco de esforço- Hmm eu te ajudo. – fui atrás dele, o empurrando, ouvindo as risadas logo a frente, imaginando quanto tempo demoraria para retornarmos a Hogwarts.
Tenho que admitir que fiquei surpresa. Após nos enfiarmos em vários buracos, finalmente conseguimos ficar sozinhos. Começou a chuver novamente e corremos para debaixo de uma árvore grande. Ótimo, pensei. Mas naquele momento eu já tinha me decidido, pararia de sentir pena ou raiva por Remus não estar falando comigo. Dividi minha barra de chocolate com o restante do pessoal.
-Mas vamos falar sobre você, Emmeline. O que a fez escrever aquele discurso tão opinativo de Direito sobre a magia? Porque você estava falando sobre conhecimento, mas creio que queria dizer claramente as palavras ‘magia’, ‘ nascidos trouxas’ e ‘mestiços’ não?- Sirius Black me surpreendeu com aquela pergunta, mas sua voz não continha nenhum traço de sarcasmo. Muito menos sua expressão, já de volta a perfeição. Ele me procurara na estufa outro dia para pegar a poção que curaria seus ferimentos.
- Pra dizer a verdade eu não escrevi nada, falei só o que pensava. Se eu dissesse algum desses termos a sala viraria um corujal.
A chuva parou e nós continuamos andando. James e Lily estavam a frente, pareciam em uma redoma de vidro, o assunto não acabava nunca entre eles, mesmo que ela estivesse quase sempre contrariando-o. Remus estava logo lá atrás conversando com Peter e acompanhando seu ritmo.
- Eu seria na verdade quase uma usurpadora. Minha mãe é trouxa. Tenho uma família com avós, tias e primos que não fazem idéia do que sou. Então meio que fez sentido pra mim. Eu acho tudo um absurdo. Quer dizer, esses comensais. Eles estão recrutando crianças pelo o que eu soube, o que elas vão fazer de suas vidas? Nem tem os ideais formados ainda...
Lene me deu um leve beliscão, pelo qual eu não reclamei. Ela mesma tinha comentado comigo que Sirius desabafara uma vez tristemente que não sabia o que aconteceria com seu irmão mais novo, que ele não lhe dirigia sequer a palavra, então ele não sabia qual era a situação, mas os rumores eram tristes.
Tínhamos chegado a frente da Casa dos Gritos, encarávamos a casa a distancia enquanto a conversa fluía.
-Que tal um desafio? – Lene sorria marotamente. – Tenho umas gominhas falsas aqui entre essas delicias. Proponho que quem tirar uma delas, precisa passar ao menos vinte minutos na casa mal-assombrada.
- Eu não tenho certeza sobre esse ser um desafio possível, Lene. As pessoas falam desse lugar. – Lily olhou de James para Lene e depois para mim, buscando por algum apoio. – Dizem que a casa habita uma criatura horrível... ninguém chega sequer aqui por medo.
- Ah Lily, eu acho que se tivesse alguma coisa aí, já teria devorado as pessoas do vilarejo faz um bom tempo.- James, Sirius e Peter caíram na risada e eu dei de ombros. Desde nosso primeiro mês em Hogwarts, ouvíamos boatos sobre algo ali, mas depois de anos sem nenhum acontecimento grandioso, além de boatos, eu não poderia acreditar que havia algo realmente assustador.
- Então, é só você aceitar o desafio, Srta.Vance- Sirius foi tão desdenhoso que quase poderia dizer o que havia ou não na casa. Suspirei e Lene foi passando o saco de gominhas. Ela ofereceu primeiro para James, que recusou, assim como Lily. Aparentemente eles não queriam se separar tão cedo, não que Lily fosse admitir tal coisa. Peter pegou uma, assim como Remus e depois ela me ofereceu. Balancei a cabeça negativamente e Sirius pegou uma gominha.- Como você é covarde, após um discurso tão inspirador eu esperava mais! – Lene iria pegar uma gominha, mas passei a sua frente apanhando primeiramente, claramente ofendida pelo comentário. Lene pegou outra e suspirou.
-Todos prontos? Agora!
Vi Remus e Peter não mudarem de expressão, pelo contrário, até aproveitarem suas gominhas. Quando coloquei a minha na boca, não pude dizer o mesmo. Fechei os olhos, que lacrimejaram diante do azedume daquela goma, parecia que eu tinha engolido um limão azedo com algo com gosto de chulé.
- Merlin, seu nariz Emme! – Lily gritou e eu levei a mão ao meu nariz, mas não senti nada diferente.
-Credo, Lene... Precisava pegar as gominhas de chulé? – Sirius reclamou e eu caí na risada quando olhei para ele, a ponta do nariz de Sirius estava um verde florescente que não combinava em nada com ele.
- Eu não daria risada, Memme.Você também foi sorteada...- Ao mesmo tempo que ria do meu nariz, Lene pareceu notar que não seria ela a entrar com Sirius, ela entortou um pouco o nariz, como só ela fazia, mas não protestou. Como se ela tivesse realmente que se preocupar comigo e Sirius.
- Bem, dona Emme. Vamos? – Sirius se ofereceu a me ajudar a pular a cerca, mas eu simplesmente o fiz sozinha.
- Padfoot...- Pela primeira vez no dia escutei a voz de Remus, tanto eu como Sirius o olhamos. Seu olhar estava firme em Sirius, como se ele quisesse dizer algo.
- Calma Moony, só vamos checar se não há nada perigoso por aqui! Não é, ‘Memme’? – Ele sorriu de forma besta pra mim, ignorei ele e Remus e fui adiante, querendo acabar logo com aquela besteirada toda.
Quando cheguei a porta da frente da casa, me surpreendi pela mesma estar aberta. Do lado de dentro, o hall já me parecia muito escuro e assustador. – Lumus – ergui a varinha a altura dos meus olhos, mas Sirius não fez o mesmo com a sua, andando logo atrás de mim. Parecia tudo tão abandonado e esquisito que comecei a acreditar na tal criatura.
- Então- Pulei, quase tinha me esquecido de Sirius. Funguei e continuei andando por um corredor- Já que você diz que nossos valores estão conectados a forma como usamos nossa magia. O que me diz sobre os meus? Afinal abandonei minha família...
Suspirei, me virando para ele.
- Sério? Achei que eles tinham te chutado de casa!- Sorri levemente- Não posso dizer que você não possui valores por isso. Eu mesma estou quase fugindo da minha mãe. Acho que depende dos nossos motivos, se forem nobres ou não.
Estava voltando a andar, mas incrivelmente enfiei meu pé em uma taboa falsa tão bruscamente que quase me estatelei no chão, minha sorte foi Sirius me segurar pela cintura. Ele me ajudou a tirar meu pé do buraco e me virou para ele sem esforço algum.
- Você está bem?- Assenti apoiando minha mão com a varinha em seu peito, iluminando nossos rostos. – Seu nariz não está mais verde... – ele disse zombeteiro tocando a ponta a ponta do meu nariz.
- O seu também não, Padfoot... – Ri suavemente, não compreendia os apelidos que eles se davam, mas podia entender muito bem a denominação “marotos” pelo sorriso de Sirius agora. De repente tomei consciência de que sua mão ainda me segurava pela cintura e poderia jurar que ele se aproximara mais de mim. Levantei o queixo, fitando aqueles olhos incrivelmente escuros. Ele colocou a outra mão em meu rosto e suspirou.
- Você faz idéia do quanto é linda? – Acho que meu cérebro demorou tanto para processar aquela informação que deu pane. Não consegui assimilar a situação, nossos corpos juntos e suas palavras. Só sei que Sirius encarou meu momento de lentidão como positivo, porque colou aqueles lábios carnudos nos meus e forçou a entrada da sua língua quente. O repudiei por um momento ou pensei ter repudiado, porque em poucos segundos eu estava com os braços ao redor do pescoço dele, envolvida com seu beijo e apertando meu corpo junto ao dele. O beijo pareceu levar uma eternidade, onde eu não sabia se o que eu sentia ainda era real ou se tinha sido presenteada com uma Felix Felicis. Só sei que quando nossos lábios finalmente se separaram, amortecidos após um longo tempo, eu suspirei quase não me sentindo como sempre. Ele me segurou o queixo e me deu vários beijos, nos lábios, no queixo, desceu pela mandíbula até a base do meu pescoço. Fechei os olhos imaginando que aqueles vinte minutos na casa dos gritos seria uma readaptação de um jogo dos meus primos que eu passaria a chamar de ‘vinte minutos no paraíso’. Foi quando o pensamento me ocorreu, finalmente tendo alguma oxigenação no meu cérebro: Eu estava na Casa dos Gritos. E aquele ser beijando meu pescoço era Sirius Black. O mesmo Sirius pelo qual Lene era apaixonada. O mesmo Sirius que era amigo de Remus Lupin, o garoto pelo qual eu não admitia ter uma queda. Eu não sei como isso deveria soar, mas para mim estava muito errado. Afastei Sirius com a maior força que eu pude.
- Você está louco, Black?
- Da última vez que chequei não, mas se estiver, provavelmente você enlouqueceu por alguns minutos também.
Eu não sabia o que responder aquilo, provavelmente porque ele estava certo. Mas me segurei à raiva que eu estava sentindo de mim mesma. Sem pensar que assim poderia parecer uma garota mimada e insensível.
- É isso que eu posso dizer, Black. Você me perguntou de valores. Pelo o que eu observo, você não possui nenhum! Merlin, é isso o que você sempre faz! Só sabe ficar por aí se gabando por tudo, por cada pobre menina que conquista. Você as deixa feitas a Marlene, sempre pronta para te agradar quando bem quiser. Mas não comigo. Eu não posso sequer suportar essa ideia. O que me faz pensar que o apesar de ter fugido de casa, você ainda age como um bruxo superior, esperando ser tratado como tal. – Respirei fundo e me virei, antes que ele pudesse responder. Caminhei forte até o fundo do corredor e entrei em uma sala, quase sem rumo. Apoiei-me na parede, ofegando. Eu não deveria ter dito aquelas coisas, mas não pude evitar tirar aquilo de mim. Só poderia ser um pesadelo.
Senti algo embaixo dos meus dedos e tirei a mão da parede, iluminando a área. A parede estava toda arranhada. Eram traços fundos e pelo o que me parecia, recentes. Olhei ao redor, os poucos móveis que tinha, estavam destruídos, tudo parecia estar arranhado, como se garras fortes tivessem passado por todo canto. Aproximei-me de uma mesa de centro espatifada e quase desmaiei. Havia sangue nela. Não era tão recente, mas não estava seco ao ponto de estar ali a mais de uma semana. Ofeguei e saí novamente para o corredor.
-Sirius! – Comecei a andar, mas parei instantaneamente ao ouvir um barulho. Quase como um grunhido forte se formando na garganta de um animal. Vir-me-ei iluminando a parte oposta ao corredor, mas não vi nada. Andei lentamente naquela direção, o grunhido novamente. Engoli em seco, querendo sair correndo, mas continuei a andar. Lembrei-me da brincadeira em forma de promessa que fiz a Lily e da resposta dela, que eu não correria de fera alguma. Por alguns segundos me passou pela mente se o que Lily vira seria verdadeiro. Ouvi barulho de portas batendo, meu coração se acelerou. Senti um peso sobre meu braço e virei rapidamente, pronta para azarar o que quer que fosse, mas era apenas Sirius.
- Calma, leoa. Sou só eu. Vamos embora, já deu nosso tempo.
A voz dele estava dura como pedra, eu não pude ver sequer um sorriso maroto em seus lábios, o que eu entendia perfeitamente. Mas aquilo tudo era culpa dele.
- Mas tem algo aqui...
- Não tem não, Emme. Pare de arranjar desculpas para ficarmos sozinhos mais um tempo aqui. Eu te perdôo por me atacar e tentar abusar do meu corpo.
Claramente, ele estava bravo comigo e conseguia reverter a situação melhor do que eu. Bufei e saí caminhando a sua frente, decidida a deixar aquela casa e tudo o que tinha visto ou acontecido perfeitamente onde cabia, em um lugar que eu jamais retornaria.
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