Capítulo 11 – O show que nunca



Um silêncio de surpresa seguiu a última declaração de Theo. Os Hainsley olhavam intensamente para ela, com os olhos arregalados em choque. Napoleon tinha uma expressão retorcida numa careta pelo pensamento como se tentasse descobrir o que tinha perdido. Hermione encarava o olhar calmo de Theo.


-Você o que?


-Eu sou o Guardião.


-Você é o Guardião.


-Sim.


-Você.


-Sim.


-Você é o Guardião.


Theo riu. –Você pode ficar repetindo, mas não vai deixar de ser verdade.


Hermione, sem palavras, olhou para Napoleon procurando idéias. Ele olhava pra ela, sem nenhuma palavra de ajuda evidente em seu rosto. –Ok.. hã, desculpe...Eu geralmente sou mais articulada, mas... Acho que pensei que seria mais difícil te encontrar.


O sorriso de Theo diminuiu um pouco. –Ninguém me encontra. Você está aqui porque eu te encontrei. – ela ficou olhando suas unhas.


Hermione sentiu uma raiva subindo a garganta agora que sua surpresa inicial diminuía. Essa mulher... Se é que era uma mulher... Tinha machucado Harry. Ninguém escapava depois disso. Ela recolheu o pouco de autocontrole e sentou direito, olhando feio pra Theo, afastando o medo instintivo do poder que esta mulher exalava pelos poros. –O que você fez com Harry? –falou pelos dentes cerrados.


Uma longa pausa seguiu, durante a qual Theo apenas ficou sentada, encarando Hermione com um olhar especulativo. Finalmente ela suspirou. –Tudo o que fiz foi tentar ajudar.


-Depois do que ele passou, das coisas que ele disse... Espera que eu acredite nisso?


-Não, na verdade não.


Hermione balançou a cabeça. –Fez alguma coisa com ele. Eu sei.


Um pequeno sorriso irônico apareceu no canto da boca de Theo e ela se inclinou para frente. –E seu eu tivesse feito, o que exatamente planeja fazer a respeito disso?


Seu jeito debochado parecia um tapa na cara. Hermione não podia nem começar a formular uma resposta. –O que você é? – se ouviu dizendo.


-É complicado.


-O que está acontecendo com Harry?


Uma longa pausa. –Não sabe o que está perguntando, Hermione.


-Então me explique.


Theo a avaliou por um longo momento, depois pareceu chegar a uma decisão interna. Levantou, quase pulando de pé. –Certo então. Vocês dois, venham comigo. – disse apontando para Hermione e Napoleon. Ela virou pra Terk e Tax. –Quanto a vocês dois, bom trabalho. Mas lamento não poder deixar que lembrem que me conheceram. Então assim que sairmos, voltem pra suas vidas e lembrem apenas que ajudaram Hermione a conhecer a velha e comum Theo. Certo?


Terk olhou pra seu irmão, com uma sobrancelha levantada. Ele deu de ombros, parecendo conformado em ser confundido.


-Certo – Terk disse. –Certo? – perguntou pra Tax.


Ele fez que sim. –Certo.


Theo balançou a cabeça que sim uma vez, essa tarefa cumprida. –Está bem – ela disse. –Agora vão passear.


Terk e Tax levantaram ao mesmo tempo e saíram em direção ao balcão, virando e saindo de vista. Seus rostos estavam vazios, seus passos calculados e devagar. Hermione suspeitava que já tinham esquecido. Queria agradecê-los, mas Theo estava indo embora, forçando-lhe a seguir. –Aonde vamos? – ela perguntou, trotando para acompanhar as passadas largas.


-Vai ver.


Hermione a seguiu através da porta do café e então parou de vez e olhou a sua volta com o queixo caído. Napoleon, similarmente distraído, se bateu com ela. –Mas que...


Não estavam de volta às ruas em Bettendorf, mas em uma câmara alta, cavernosa, de mármore e circular com uma rotunda acima da cabeça. Luzes eram filtradas até o chão através de uma enorme clarabóia no ápice do domo. O chão polido tinha um mosaico abstrato. Hermione virou a tempo de ver a porta do café se fechar e depois desaparecer, deixando apenas outra parede em seu lugar. –Hã... – Napoleon começou.


-É.


Ele limpou a garganta. –Não vou fazer a tradicional piada de Toto/Kansas no momento.


-Obrigada – ela olhou em volta, procurando a anfitriã que obviamente tinha continuado a andar rapidamente para longe deles.


-Vamos, acompanhem o passo – A voz de Theo voltou até eles. Hermione e Napoleon correram pra acompanhá-la.


-Onde estamos? – Hermione disse, ofegante pela corrida e pela surpresa.


-Por favor, mantenham as mãos e pés dentro do carro até que o movimento pare completamente – ela virou em um corredor largo com portas colocadas mais ou menos a cada 10 metros.


-Certo, já chega dessa happy hour em Fawlty Towers. Tenho assuntos para resolver aqui e estamos perdendo tempo…


Theo lançou um olhar divertido pra ela. –Veja, srta. Planejamento, o tempo não passa aqui. Poderíamos passar alguns anos sentados, vendo na tv a repetição inteira de Doctor Who e não faria diferença para seu precioso Harry, então pelo amor de Deus, relaxe! – Hermione, repreendida, caiu num silêncio ressentido.O tempo não passa onde?


Depois de mais algumas curvas e corredores, chegaram a outra rotunda. Na parede distante estava um par de grandes portas duplas, que abriram sozinhas quando Theo se aproximou. Hermione olhou em volta, sem ter certeza do que esperar... Mas era apenas um grande e bem decorado escritório, muito parecido com o que o Ministro ou um Diretor teriam. Theo foi até a grande mesa e só então virou para eles. –Este é meu escritório – disse. – E este é North, meu assistente. – falou, sem indicar a quem se referia. Hermione não viu mais ninguém na sala.


-Onde... – Hermione começou. Alguma coisa entrou no canto de seu campo de visão e ela pulou, assustada com o homem que estava logo atrás dela. –Deus! Não faça isso!


-Esses são eles? – perguntou sem rodeios. Ele deu a volta para parar ao lado de Theo, olhando pra eles com desconfiança. Estava vestido com um terno feito à mão, tinha todo o cabelo severamente alisado para trás. Seus traços eram fortes e aristocráticos e, no momento, sem expressão... Mas seus olhos eram amigáveis.


-North, conheça Hermione Granger e Napoelon Jones. – Theo disse. –Por favor, sentem – falou a eles. Hermione sentou, relutante. Estava explodindo com tantas perguntas que imaginava se elas não iam começar a escorrer por seus ouvidos... e ela podia sentir o inicio de uma sobrecarga cognitiva ameaçando sua concentração. Theo se apoiou contra a borda da frente de sua mesa enquanto North continuava de pé, segurando uma prancheta como se fosse parte de suas roupa. –Agora, sei que deve ter... Muitas perguntas.


Hermione abriu a boca e então a fechou de novo. Quando ela falou, sua voz saiu tímida, o que a irritou. –Não sei por onde começar.


-Então me permita – Theo balançou a mãos, indicando os arredores deles. –Está num campo extradimensional que chamamos de Domínio. Não é um nome muito criativo, mas hei, não fui eu quem colocou, apenas trabalho aqui. Este é meu lugar.


-E você assume esta forma pra se comunicar conosco? – Napoleon perguntou, indicando seu corpo aparentemente humano.


-Que forma?


-Hã, você sabe, dois braços, duas pernas, essa coisa de forma-de-vida-baseada-em-carbono.


-Bem eu sou uma forma de vida baseada em carbono. Feias bolsas de água, nas palavras imortais do Tenente comandante Data. – ela sorriu. –Nasci em 15 de setembro de 1975 em Spokane, Washington, onde meus pais ainda vivem. Meu pai é policial, minha mãe tem um restaurante. Tenho duas irmãs, uma mais velha e uma mais nova e um irmão gêmeo. – ela olhou os rosto deles. –Sou um ser humano, gente. Exatamente como vocês, bem, não exatamente como vocês. – ela se inclinou pra frente. –Podem sentir?


-Sentir o que? – Hermione perguntou, franzindo a testa para mudança repentina de tópico.


-A resposta de seu corpo a esse lugar. Os dois são bruxos. Deviam sentir alguma coisa.


Hermione se mexeu em seu lugar. Ela realmente se sentia... diferente. Como se estivesse perto de um forte campo elétrico que ressoava por toda sua pele. Ela se sentia poderosa, da mesma forma que se sentia depois de executar um feitiço difícil. –Sinto... Não sei o que sinto. – ela disse. –O que é isso?


-Esse lugar, eu, North, tudo aqui ressoa com o mesmo poder que corre em suas veias, Hermione. Tem um pouco do Domínio dentro de você, escondido nos mesmos genes que recebeu de seus pais. Te dá habilidades especiais, que vocês chamam de magia. Aqui, conosco, está sentido a origem desta magia.


A voz dela, baixa e rouca, era cativante, e seu carisma poderoso. Hermione se sentia puxada pra ela, e ao mesmo tempo com medo. Não sabia o que pensar disso... e se o que Theo dizia era verdade e o tempo não passava aqui, não havia porque se apressar. –Como saber se você é o que diz ser? – ela perguntou, apesar da pergunta ser completamente hipotética. Ela sabia. Sentia. Mas estava curiosa pra ouvir a resposta.


Theo não saiu de sua posição, encostada na parte da frente de mesa. Cruzou os braço sobre o peito e olhou para Hermione... só que não era um simples olhar. Ela inclinou a cabeça como se estivesse se concentrado para ouvir uma música distante. Seus olhos, um castanho comum, pareciam girar e rodar mesmo que estivessem fixos no rosto de Hermione. Ela não podia desviar o olhar. Finalmente, Theo virou o rosto, mas rapidamente virou de volta.


-Ama muito a seu homem, porém tem medo dele – disse, seu tom firme e pedagógico. –Tem medo de casar com ele, porque pode se perder e não quer ser apenas a esposa dele. Uma vez pensou em cancelar tudo. Foi apenas algumas semanas antes dele desaparecer, e a idéia passou rápido... mas estava lá. Nunca contou a ninguém, não é mesmo?


-Não – Hermione sussurrou.


-Gosta de seu novo emprego, mas se preocupa dele estar te mudando pra alguém que não conhece. Se preocupa com este homem – ela disse, gesticulando na direção de Napoleon – mas ele te deixa nervosa com todas suas atenções. Tem medo de muitas coisas, Hermione. Um fantasma paira sobre sua cabeça, um fantasma que não pode ou não vai desaparecer... E tem medo dele também. Tem dele da memória dele te deixar, mas também que não te deixe. Ainda se pergunta se o amava ou se era simplesmente uma paixão adolescente. – ela começou a andar de um lado para o outro devagar, os olhos no chão.


-Acredita que eu sou o Guardião e ao mesmo tempo tem dúvidas. Quer acreditar que eu de alguma forma machuquei Harry, mas está começando a achar que não fui eu... e está preocupada que se fui eu, não tem nada que você possa fazer. Mas principalmente, tem medo de eu não poder ajudá-lo. Quer me pedir para curá-lo, para salvá-lo, mas está com medo de pedir porque eu posso dizer não –olhou para Hermione. –Isso cobre tudo?


-Jesus – Hermione resmungou. –Isso não foi muito legal.


-Essa foi só com coisas fáceis – Theo parou de andar e olhou para Hermione, franzindo a testa... e depois começou a rir. –Ah, com certeza, sim! Eu não sabia... – ela se recompôs e limpou a garganta. –Ah, não se preocupe. Não vou contar a ninguém – ela piscou, sorrindo.


Hermione não parecia se divertir. –Pode ler mentes – não era uma pergunta.


-Posso fazer muitas coisas –deu alguns passos na direção deles e depois, para surpresa de Hermione, sentou de pernas cruzadas no chão. –Está muito confusa e não gosta disso.


-Nunca gostei – Hermione forçou suas mãos a relaxarem, elas estavam apertadas em punhos do lado do corpo. –O que aconteceu com Harry? Ele fala sobre Guardião e Eternos e coisas que nunca terminam... Acho que sabe o que aconteceu. Me conte.


-Esta deve ser lá pra sexta pergunta. Me faça a primeira.


Hermione controlou sua impaciência. Era melhor que cooperasse se queria alguma coisa desta mulher. –Certo – pensou por um momento. –O que são os Eternos? Esta é a primeira pergunta?


Theo sorriu. –Não é "o quê", é "quem". Os Eternos são seres não-corpóreos, inteligentes, de pura energia, mais antigos que o universo físico. Quando o universo foi criado, eles ajudaram a dar sua forma, impondo o próprio senso de ordem e equilíbrio que tinham evoluído durante a sua existência infinita.


-Equilíbrio... Então há dois lados deles.


-Sim, tudo tem dois lados. Existem Eternos da Luz e da Escuridão.


-Bons e maus? – Napoleon perguntou.


-Isto é uma supersimplificação. No nível deles, o conceito de moralidade não tem significado. Pode dizer que os Eternos da Luz se dedicam à ordem e à criação, os Eternos da Escuridão ao caos e à destruição. As duas forças são moralmente neutras e necessárias para o equilíbrio.


-Você é um deles? – Hermione perguntou. Já sabia a resposta.


-Por Deus, não. Não acabei de dizer que sou humana? Não, sou apenas os músculos deles. –limpou a garganta e pareceu pensar cuidadosamente nas palavras seguintes. –Os Eternos são... difíceis de explicar. Podem tomar a forma de um ser corpóreo se quiserem, mas não nos entendem, nem como nosso mundo físico funciona. Eles têm um senso de responsabilidade em relação ao universo que eles viram evoluir... e então precisam de um meio de agir sobre ele sem o fazer isso com as próprias mãos. Ou seja, cada lado tem um campeão. Isso sou eu.


-Um campeão? – Napoleon franziu a testa. –Não tenho certeza se entendo.


-Sou porta-voz deles, representante, pode dizer que também sou... bem, meio que um bíceps, o modo que eles agem no mundo. Tenho um exército a minha disposição para lutar as batalhas e proteger as idéias que os Eternos da Luz passaram a vida desenvolvendo.


-Deixar o mundo a salvo para democracia?


Theo sorriu – Algo do tipo, é. – ela levantou com um movimento fluido. –A maior parte do exército é composta de guardiões como o North aqui. – ela viu a confusão neles. –Hã, ele é uma forma de vida corpórea imortal, e acreditem ou não é assim que preferem ser chamados. É pomposo demais então geralmente os chamamos apenas de guardiões, diferente de mim O Guardião, singular. Guardiões existem em várias partes do universo e muitos deles vivem aqui. Outros no exército são espíritos de mortais que morreram e escolheram se alistar. O Domínio é... acho que é nosso quartel-general.


A cabeça de Hermione estava começando a doer. Achava que quando finalmente encontrasse o Guardião, seria um individuo que morasse entre eles, talvez em segredo, com poderes e mistério e talvez espionasse os bruxos. Agora que descobrira que a escala não era o mundo bruxo nem mesmo toda humanidade... mas todo universo. As palavras de Spike ecoaram novamente em seu ouvido... Isso é mais do que pode suportar, Hermione.Theo a olhava com atenção, Hermione tinha a sensação que ela ouvia todos esses pensamentos que passavam por sua cabeça. –A base disso... está alem de mim. – Hermione admitiu. –Está tudo misturado entre teologia e metafísica.


-Metafísica, talvez, mas teologia não.


-Algumas coisas que você diz... Parece com Deus.


-Hermione, se existe um Deus, nunca o conheci. Os Eternos não são supranaturais, são entidades tangíveis de energia que pode ser medida. Eles não proclamam se proclamam como deuses... Apenas protetores. Mentores, até.


-E então temos você – Napoleon disse. –Você é diferente.


-Sim – ela se apoiou contra a mesa de novo. –Os primeiros Guardiões eram como North, imortais... Mas não estavam prontos para o preço que vem com o trabalho.


-Que preço? – Hermione se inclinou para frente, muito interessado.


-Poder – o rosto de Theo ficou sombrio quando ela falou. –A Guardianidade vem com poder que é, para todas intenções e propósitos, infinito. É preciso carregar a responsabilidade do trabalho. Onipotência pode soar atraente, mas é horrível. Ninguém, imortal ou não, devia ter o poder que os Eternos acharam que cabia ao Guardião. – ela suspirou. –Os primeiros imortais que assumiram o trabalho foram à loucura com ele. Um deles ficou completamente pirado e fez desaparecer um sistema solar inteiro apenas com o pensamento. – Hermione deu de ombros. –Então os Eternos decidiram que dali em diante o Guardião seria mortal. Acharam que a ligação com a morte, a realidade com o mundo físico fora deste lugar ajudaria a dar uma base. Para achar a pessoa certa para o trabalho, eles analisaram cada mortal consciente no universo até que encontraram a combinação perfeita de personalidade, auto-controle e Deus sabe que outras qualidades eles acharam importantes. Quando um Guardião se aposenta, um novo é escolhido – ela respirou. –Eu sou o quatro milésimo trecentésimo vigésimo oitavo Guardião desde que este sistema foi implementado. Sou Guardião a pouco tempo e ainda tenho muita coisa pela frente se quiser me igualar a alguns ilustres predecessores, um deles inclusive ficou com o trabalho durante dez mil anos depois da morte de seu corpo mortal.


-Por que te escolheram? – Hermione perguntou.


-Não tenho idéia.


-Quantos anos tinha?


-Dezessete.


-Deve ter sido difícil.


-Não tem idéia. Estava voltando pra casa depois da escola... estava no último ano... e quando abri a porta de minha casa entrei no Domínio, do mesmo modo que você em Bettendorf. Levou um tempo para o antecessor de North me fazer entender onde estava e o que tinha acontecido. Fui levada diante dos Eternos e eles me disseram que eu fora escolhida. Estava tão chocada que quase não ouvi o que diziam. Mas eles falaram que eu era livre para recusar. Quase recusei até que Seth... hã... o assistente... me explicou o que isso significaria. – ela trocou um olhar ilegível com North.. Hermione teve a sensação que havia outra história ligada a este homem, Seth. –Entenda, se eu recusasse a Guardianidade, eles escolheriam outra pessoa, mas essa pessoa não seria a melhor para o trabalho, porque eu era. Isso poderia não importar, mas talvez importasse. É um grande risco se você considerar a importância do trabalho. Então aceitei.


-E...Você alguma vez volta pra... hã... Terra? – Espere, estamos na Terra agora? – Napoleon perguntou, olhando em volta com a testa franzida.


-Beeeem, na verdade não. Como eu disse, o Domínio é uma dimensão diferente, fabricada e controlada pelos Eternos. Mas tecnicamente, não, não estamos na terra.


-E você volta pra lá alguma vez?


Theo riu. –Eu moro lá. Tenho um apartamento e um trabalho e um cachorro e todas as coisas normais que as pessoas comuns têm.


-Como pode, com tudo isso?


-Não estava me ouvindo? O tempo não passa aqui! Posso ficar dias, semanas até mesmo meses aqui e quando voltar, posso chegar em qualquer tempo. Posso voltar dois segundos ou dois meses depois do que saí, da forma que eu escolhe. Não interfere, a não ser que você conte as conseqüências emocionais de ter uma vida dupla. Raramente passo muito tempo aqui de uma vez. Sinceramente, North faz a maior parte do trabalho do dia-a-dia. –Ela corou, parecendo um pouco constrangida. –Está me entendendo?


-Sim –respondeu. –Surpreendentemente estou –olhou Theo nos olhos. –Mas ainda não me disse se pode ajudar Harry.


Theo balançou a cabeça. –Sua mente trabalha só nisso, não é?


-Por mais interessante que isso tudo seja, é a única razão de eu estar aqui.


Theo balançou a cabeça que sim e encarou Hermione por um momento, um meio sorriso no rosto. –Vamos conversar novamente esta manhã – ela disse.


-Mas o que nós... – Hermione parou ao se ver falando com ninguém, porque Theo tinha sumido. Como ela tinha ido, não sabia... Mas onde o Guardião estava à apenas meio segundo, não havia nada.


North se adiantou. –Se me seguirem – ele disse. Hermione e Napoleon levantaram.


-Onde está nos levando? – Napoleon perguntou.


-Preparamos quartos de hóspedes pra vocês. Devem descansar, especialmente você, Hermione.


-Espera que eu vá dormir sem as respostas pelas quais vim até aqui? Enquanto Harry estiver lá...


North parou e se voltou para eles. –Não ouviu o Guardião? Não estão perdendo tempo nenhum. Quando saírem daqui, podem voltar para Harry minutos depois de terem saído ou dias depois ou em qualquer intervalo que desejarem. Não importa se dormirem, comerem ou se descansarem o tanto que precisam. O tempo não tem significado aqui.


-Então como pode haver manhãs? – Napoleon disse, sua voz transparecendo um tom de "agora te peguei".


North lhe deu um sorriso paciente. –Os dias solares são fabricados aqui pra o conforte dos mortais e espíritos de lá que moram aqui. Relaxe, sr. Jones. – ele os guiou até a primeira rotunda que viram quando chegaram. De um lado havia um corredor com portas duplas, pra onde North os levou.


A luz do sol (ou o que ela presumiu fosse uma simulação) iluminava quando ele abriu uma das portas e os levou até lá fora. A visão quase a deixou sem respirar.


Do lado de fora da construção havia uma longa seqüência de jardins. Alguns eram naturais, alguns formais... canteiros de flores e gramados, fontes e lagos com pontes cinematográficas. Árvores sombreavam o caminho e pequenas estruturas ponteavam a terra. Ao lado dela, Napoleon fungou. –Parece a maldita Disneylândia. – ele resmungou.


North riu. –Sempre achei isso também. Essa é idéia dos Eternos de um cenário calmo pra nós. É grande o suficiente para abrigar todo exercito do Guardião... Terrenos diferentes, climas diferentes para se escolher.


Passando por lá, havia um grande número do que parecia ser pessoas, algumas sozinhas outras em pequenos grupos. Todos tinham maneiras diferentes de se vestir... Alguns usavam robes que pode se esperar de em seres de outro mundo, outro usavam túnicas folgadas, alguns roupas comuns, das que poderia se ver em um mortal. Ela viu uma mulher usando roupas de banho e carregando uma toalha. –Todos este estão... no exército?


-Sim – North respondeu. –Todos servem aos Eternos de alguma forma. A maioria é imortal como eu. Venham - ele disse. Eles o seguiram em pelo caminho sinuoso, de queixo caído com a beleza que os rodeava. North os guiou por uma alta cerca viva até um jardim bem cuidado. No meio do jardim havia uma grande estrutura de vidro, pedra e ferro trabalhado. Não era exatamente uma mansão, mas também não era exatamente uma construção. –Pavilhão de hospedes – North disse simplesmente. –Podem ficar aqui durante sua visita.


-Você fala como se estivéssemos aqui simplesmente para tomar um chá – Hermione disse.


Com isso, North virou. –Está com uma pressa terrível para uma pessoa numa dimensão sem tempo – ele disse, um leve tom de recriminação aparecendo em sua voz firme. –Esteja avisada. Theo pode ser perversamente do contra quando deseja. Quanto mais impaciente ficar, mais ela terá prazer em te manter aqui por dias e dias. Se quiser ir embora logo, não expresse sua... impaciência. –Dito isso, ele continuou sua rota até a porta da frente do pavilhão de hóspedes.


Ele os levou até lá dentro, trocando apenas um olhar com o homem sentado de vigia, e depois subiu as escadas até um largo corredor com carpete fofo prateado. O lugar todo parecia e dava sensação de opulência. Hermione supôs que neste lugar não era difícil ser o mais opulente possível. –Seu quarto, Hermione – North disse, indicando a porta à sua esquerda. Ela se abriu com o som da voz dele. –Napoleon, seu quarto é o seguinte.


-Ah, obrigada – ele disse, incerto.


North fez que sim com a cabeça como se seus assuntos estivessem resolvidos. –Vou te chamar pela manhã. Se precisar de qualquer coisa, só precisa pedir – para o alívio de Hermione, ele não desapareceu como Theo, apenas virou e voltou andando.


-Vou para cama – Napoleon disse. –Te vejo pela manhã.


Murmurando a concordância, Hermione entrou em seu quarto. Era decorado extravagantemente com tons de coral, dourado e violeta escuro. Ela sorriu e viu que na cama estava sua mochila, que ela vira pela última vez em Lasceuax.. Ela se aproximou ao ver que estava vazia. Abriu uma gaveta do bureau e encontrou suas coisas todas arrumadas.


Sentou na cama, agitada. O tempo não passa aqui, ela ficava repetindo pra si mesma. Mas a sensação que estava perdendo a vida frágil de Harry a cada minuto não sumiu tão facilmente.




Quando Argo entrou no laboratório, Sirius e Sukesh estavam discutindo as opções de tratamento de Harry, que basicamente consistiam em variações no nível de sedação e de repressão mágica. Harry mesmo estava dormindo e Sirius torcia que seu descanso fosse finalmente pacifico.


-Cavalheiros – Argo disse, entrando e se juntando a eles na janela. –Como ele está?


-Na mesma – Sukesh disse. –É necessário mantê-lo quase constantemente subjugado.


Ela balançou a cabeça, sua expressão sombria. –Odeio vê-lo assim – ela virou deu alguns passos antes de encará-los novamente. –Temos um assunto sério a discutir, Sukesh. Queria esperar até que Granger e Jones tivessem partido para abordar o tópico.


Sukesh pareceu confuso, mas Sirius podia adivinhar o que ela queria dizer. –O que é, Argo? – o médico chefe perguntou.


Ela o olhou nos olhos, firme. –Se Harry ficar tão instável a ponto de não podermos controlá-lo ou contê-lo seguramente, será um grande perigo para todos a seu redor. Não temos nenhuma experiência com Mages, ninguém tem, e não temos meios de medir exatamente o tamanho de suas habilidades. Pode não haver meio de detê-lo. Se chegar a esse ponto... vamos ser forçados a neutralizá-lo permanentemente.


Sukesh pareceu mais confuso. –Neutralizá-lo?


-Ele vai ser colocado pra dormir, doutor.


-Sukesh colocou sua prancheta na mesa. –Está sugerindo que a gente o assassine, diretora? – sua voz estava gélida.


-Não. Estou sugerindo que pode ser necessário sacrificá-lo pra manter a segurança dos que estão a sua volta. – ela olhou Sukesh nos olhos, sem vacilar. –Não gosto da idéia mais que você, Sukesh. Harry não é apenas meu segundo no comando, ele é meu amigo. E como uma bruxa, ele tem um certo lugar de honra em meu coração, do mesmo modo que no de vocês. Abomino a idéia de perder o garoto-que-sobreviveu dessa forma, mas minha responsabilidade é pelo bem maior do mundo bruxo, da forma que a sua deve ser. Todos nós, incluindo Harry prometemos sacrificar nossas vidas para proteger os ideais da Federação e a segurança de seus cidadãos. Mas não hesitarei em sacrificá-lo se for necessário.


Sirius viu que Sukesh ia protestar. –Ela está certa, Sukesh – ele disse baixo.


O doutor olhou pra ele de queixo caído. –Você vai concordar com isso? É amigo dele!


-E eu o amo, mas Argo tem razão. Se ele se tornar tão perigoso que não possa ser controlado, terá de ser neutralizado. Não vou ficar parado esperando enquanto ele se vira contra tudo que passou a vida defendendo. Ele ia preferir ser morto a se tornar um instrumento de destruição e possivelmente machucar outros, talvez muitos.


Sukesh balançava a cabeça que sim. –Certo, certo. Mas não vou fazer. Sou um médico, tenho um juramento a manter e a primeira coisa que diz é não fazer mal.


-Já esperava, Sukesh. – Argo disse, com mais gentileza na voz do que Sirius já ouvira. –Se essa hora chegar, eu mesma vou fazer. Não pediria a mais ninguém pra realizar este trabalho.


-Não – Sirius disse. –Eu faço – os dois viraram para encará-lo. Sirius apenas olhava para Harry, deitando imóvel e em silêncio. –Você disse que eu era amigo dele, Sukesh. Em meu coração, sou seu pai. Se chegar a esse ponto, eu vou tomar conta dele.




Ela bateu na porta de novo, mais alto. Pausa. Ouviu barulhos detrás da porta e então ela se abriu. Napoleon estava lá, sem camisa, seu cabelo de pé pra todo lado, seus olhos quase fechados. Hermione fez um esforço consciente pra não ficar olhando pro pierciengs nos mamilos dele. –Oqueéquehámione – ele resmungou.


Ela hesitou. –Não consigo dormir. Preciso conversar.


Ele exalou, abrindo e fechando a boca e se apoiou contra a porta. –O que, agora?


-É.


-Qual é, estou tentando dormir um pouco. Esta é a cama mais confortável que já coloquei minha coluna. Devia experimentar a sua. – ele começou a fechar a porta, mas Hermione esticou a mão para impedir. Ele olhou pra ela, um pouco menos de sono em seus olhos.


-Por favor – ela disse –Não posso... só preciso conversar, tá certo?


Ele ficou lá por um minuto. –Ah, tá certo. Entra. – finalmente deixou. O quarto dele era parecido com o dela, confortável e decorado com extravagância. Ele viu que ela olhava a seu redor. –Eu sei. Horrível, não é? – É como acordar no pesadelo do luxuoso hotel. Fico esperando a rainha mãe entrar com biscoitos e limonada. – ele pegou uma camisa e a vestiu.


Hermione sentou na cama, puxando as pernas contra o peito e descansando o queixo sobre os joelhos. Napoleon se jogou numa cadeira estufada perto do closet. Por alguns instantes, nenhum dos dois falou.


-Então – ele finalmente disse. –Sobre o que quer falar?


Ela piscou. –Eu não sei – disse.


-E então você... me acordou no meio de meu sono profundo pra me dizer que não sabe sobre o que quer falar. Muito obrigado – ele sorria enquanto dizia isso.


-O que acha de Theo? – ela perguntou.


Napoleon ficou sério e acendeu um cigarro. Hermione pediria para ele não fazer isso, só que viu que a fumaça sumia quase imediatamente depois de exalada. –Não tenho certeza do que pensar. – respondeu. –Mas sei de uma coisa... ela não é pra se brincar. Precisamos tomar cuidado.


Hermione concordou. –Não sei o que pensar dela. Ela parece amigável, mas ameaçadora. Diz que está no lado bom das coisas, mas não pareceu muito preocupada com o bem-estar de nós mortais.


-Tenho a impressão que o bem-estar dos mortais está mais ou menos no número 391 da lista de prioridades.


Hermione abraçou as pernas. –Tenho que convencê-la a ajudar Harry.


-Hermione, acho que o sol vai virar pó antes de você convencer aquela mulher a fazer alguma coisa que não queira.


-Talvez esteja certo.


Ele se inclinou para frente. –Por que está fazendo tudo isso?


Ela franziu a testa. –Não entendi.


-Quero dizer, por que está aqui?


Ela deu de ombros. –Eu tinha que fazer alguma coisa.


-Podia ter me mandado sozinho. Ou Lupin. Tem muitos amigos na DI em quem poderia confiar. Sua relativa falta de experiência torna sua presença questionável. Por que se colocar em risco?


Ela sorriu. –Você realmente não entende Harry e eu, não é?


-Parece que não – ele apagou o cigarro. –Me faça entender.


Ela repousou a cabeça nos joelhos de novo e pensou por um momento, virando o anel de noivado no dedo. –Mesmo que ele não fosse praticamente meu marido, e ele é, mesmo que eu não o amasse, e eu amo, e mesmo que a gente fosse apenas amigos, eu ainda estaria aqui. – ela deu uma risadinha. –Desde que eu tinha onze anos, venho tentando mantê-lo longe do perigo. Não posso dizer em quantas entediantes partidas de quadribol sentei pra ver em minha vida, apenas pra estar lá e me certificar que ele não acabasse se matando. Não sei o que Harry tem que faz as pessoas quererem tomar conta dele. Afinal, é ele quem geralmente é o herói, lutando boas lutas e nos mantendo longe de perigo.


-É o cabelo – Napoleon disse do nada. Hermione franziu a testa.


-O quê?


-É isso que faz as pessoas quererem tomar conta dele. É aquele cabelo bagunçado. Dá a ele essa cara de garotinho e faz as pessoas quererem consertar pra ele.


Hermione apenas o encarou por um momento e depois começou a rir. –Você tem uma teoria interessante aí.




Sirius abriu os olhos e encontrou Sukesh de pé ao lado dele, o balançando pelos ombros. Ele se sentia tenso e dolorido por estar dormindo no sofá há varias noites. –O que? – ele perguntou, sentando. Seus olhos se arregalaram alarmados. –Alguma coisa aconteceu?


Sukesh balançou a cabeça que não. –Tudo está bem, não se alarme. Harry está acordado. Quer falar com ele?


-Claro! Vou... – ele parou. –Como isso é possível?


-Ele dormiu a maior parte do dia, parece ter recuperado um pouco da força.


-É seguro? E se ele voltar a ser Harry2 novamente? – Sukesh abriu a boca, mas Sirius o cortou. –Não, esqueça. Eu não ligo, vou arriscar. – levantou e passou as mãos no rosto e então se apressou até a câmara de isolamento. Sukesh ficou por perto e Sirius sentou ao lado da mesa onde Harry ainda estava deitado amarrado. As pálpebras dele se contraíram e ele parecia estar apenas semi-consciente.


-Hermione? – ele murmurou.


-Sou eu, Harry. Sirius. – ele esticou a mão e segurou a de Harry, apertando com força e ficando aliviado quando Harry apertou em resposta.


-Ah, hei. – os olhos de Harry se abriram mais e ele virou a cabeça pra olhar pra ele. A Sua voz estava baixa e rouca, mas praticamente firme. –Fiquei muito tempo dormindo?


-Um bom tempo, sim.


-Ela já voltou? – Harry perguntou esperançoso. O coração de Sirius afundou. Ele claramente não tinha idéia de quanto tempo tinha se passado. –Eles... ela já voltou?


-Ah, filho, eu lamento – Sirius disse. –Ela foi há apenas seis horas. – o desespero vazio que apareceu nos olhos de Harry ao ouvir isso fez Sirius ter vontade de chorar. Harry fechou os olhos por um instante.


-Seis horas. Que inferno – Harry voltou a olhar para Sirius. –Parece que foi há um mês. – a falta de esperança apareceu novamente no rosto dele e Sirius viu seus olhos se enchendo de lágrimas. –Acho que não posso sair dessa.


-Pode sim – Sirius disse firme. –E vai.


-Não sabe como é estar aqui.


-Só... Não pense nisso. Fale comigo. Me diga alguma coisa.


Um rosnado curto que poderia ser uma risada escapou dos lábios de Harry. –Como o que?


-Me diga... sobre a lua-de-mel. Me conte o que está planejando. Hermione falou que é um grande segredo e que não vai contar nada a ela.


Harry deu um pequeno sorriso. –É, grande segredo.


-Bem, eu posso guardar o segredo. Qual o plano?


Ele suspirou. –Certo, então –olhou para o teto. –Eu... Vou levá-la num cruzeiro ao redor do mundo. Dois meses.


Sirius assoviou. –Uau.


Harry balançou a cabeça. –Começa em Londres. Depois Espanha, mediterrâneo... Grécia... – ele parou, mordendo o lábio e parecendo estar reunindo forças dentro de si. –Egito, Índia, Japão, Alaska e depois Califórnia... Caribe e subindo pra Nova Iorque antes de cruzar o oceano e voltar pra casa.


Sirius estava impressionado. –Harry, isso é... fantástico.


-Vai ser quase todo numa linha oceânica norueguesa. A melhor do mundo. Bem luxuoso. Suítes privadas com nossa própria varanda. – ele sorriu. –Não economizei nada.


-Acho que não. Essa viagem deve ter custado uma fortuna.


Harry balançou a cabeça. –Não me importa. Já estava na hora de gastar um pouco, hein?


-Com o casamento e essa viagem, me impressiona não ter gastado tudo.


Harry virou e olhou o padrinho nos olhos. –Mesmo que fosse... ela vale cada galeão. Não é mesmo?


Sirius sorriu pra ele. –Sim, vale sim. Ela é realmente especial, sua Hermione.


Harry sorriu em resposta, mas o gesto pareceu tomar muito de suas forças. –Minha Hermione – ele disse, como se pensando que ela poderia ser considerada assim. –É o que ela é?


-Ah, acho que não existe nenhuma dúvida disso.


-Sempre tenho dúvidas – respondeu. Sua voz agora tremia violentamente, seus dedos apertavam a mão de Sirius mais forte. Sirius colocou a mão na testa dele.


-Relaxe agora, Harry. – disse. – Economize suas forças.


-Obrigado por... ficar comigo – Harry disse, conseguindo sorrir.


-Claro que fiquei com você – ele hesitou. –Você é meu filho. – apesar disso não ser tecnicamente verdade já que Sirius nunca adotou Harry formalmente, com certeza parecia verdade em seu coração. Ele e Harry nunca falaram nisso, mas esse laço familiar sempre foi entendido entre os dois. Agora, Harry apenas concordou com a cabeça.


-Fico feliz – disse. –Preciso de um pai agora.


-Bem, você tem um bem aqui. – Sirius segurou a mão úmida de Harry entre as suas. –E eu não deixarei que nada te aconteça.


Harry o encarou com um olhar intenso. –Eu sei... Argo esteve aqui. Eu a vi. Sei que deixou ordens.


-Não importa.


-Importa sim – Harry disse entre os dentes cerrados. –Escute o que ela disse. Sei o que ela falou e está certa. Se eu me tornar perigoso demais... eles vão ter que fazer o que têm de fazer. Não quero machucar mais ninguém. Se ele tomar o controle... não serei mais eu. Prefiro não ser nada. – Sirius só conseguia balançar a cabeça que sim, sem confiar em sua voz, o nó na garganta grande e imóvel. –Sirius, preciso que prometa que vai cuidar disso. Se... se...


-Não se preocupe com isso – Sirius disse, sua voz rouca e entrecortada. –Vou tomar conta de você. Eu mesmo vou fazer o necessário.


-Se Hermione voltar e ela não puder me ajudar... ela não vai conseguir... você vai ter que... – ele falava agora em frases curtas, mas Sirius entendeu tudo.


-Eu sei – ele disse num tom assegurador. –Está tudo bem, vou cuidar de tudo.


-Bom – ele deu um fraco sorriso. –Porque senão, vou ter que... voltar e te assombrar.


Sirius balançou a cabeça. –Você daria um ótimo fantasminha camarada, Harry.


Harry riu um pouco. O suor agora aparecia sobre suas sobrancelhas e sua pele estava da cor de papel. Ele parecia estar chegando ao fim de suas energias. Sirius sabia que não o teria por muito tempo até que tivessem que sedá-lo ou amarrá-lo novamente... Mas Harry não deixaria sua outra personalidade voltar até que terminasse e ainda não tinha terminado. –Sirius, sei que posso confiar em você... Cuide dela. – Sirius concordou. –Ela pode... se cuidar sozinha, mas... no inicio pode ser difícil.


-Pode ser? - Sirius ecoou. Hermione era uma mulher forte, mas ele sabia a profundidade de seus sentimentos pelo seu afilhado. Se ele morresse, ela talvez precisasse de ajuda pra sair da cama por uns dias. Claro que ele prometeria a Harry que ia cuidar dela, mas não podia prever em que estado ele próprio estaria. Não queria pensar nisso.


Harry estava murmurando, sua voz falhando. Sirius se inclinou pra frente. -... tenho que ir... ele está vindo... – ele só conseguiu ouvir mais algumas palavras. Sukesh já estava se aproximando. Um espasmo percorreu o corpo de Harry e Sukesh empurrou Sirius pro lado pra fazer o feitiço de sedação. Sirius estremeceu quando as costas de Harry se arquearam e um grito lhe subiu a garganta. A cabeça dele ia de um lado para o outro no travesseiro e Sukesh teve que fazer três feitiços para acalmá-lo. Ele apertou as amarras e saíram do quarto, Sirius se sentindo abalado e emotivo.


-Está ficando mais difícil mantê-lo calmo, não é? –perguntou.


Sukesh fez que sim. –Temo que logo nenhuma magia poderá contê-lo.


Sirius cruzou os braços sobre o peito. –Quanto tempo? – perguntou baixo.


-Ninguém pode dizer – Sukesh respondeu, sua voz baixa e calma. –Eu diria que não mais que três ou quatro dias.


Sirius passou a mão sobre os olhos, se recompondo num esforço consciente. -Meu Deus, três ou quatro dias. Depois da vida que ele levou, chegamos a esse ponto.


Sukesh hesitou. –Tenho fé em Hermione, general Black.


-Eu também. Só espero que ela tenha chances.




Theo estava revisando a agenda planejada para próxima reunião da equipe sênior quando North entrou sem bater, andando com passadas largas pela sala. Podia adivinhar pelo comportamento dele que acontecera algo que achou importante. –Acho que devia ver isso – ele disse sem rodeios, indo até a Parede. –A sala de situação pegou isso na linha de tempo de 12948A.


-A linha de tempo atual?


-Sim. – ele tocou um dos muitos painéis de vidros instalados na Parede, uma estação de monitoramento que ocupava uma parede inteira do escritório de Theo. Imediatamente ficou opaco, depois se dissolveu numa cena que se desdobrou enquanto Theo levantava pra ficar ao lado de North.


Dentro do vidro ela viu a cela onde Harry era mantido. Estava cheia de gente, mas o que chamava atenção era o fato de Sirius estar sentado na mesa, segurando Harry em seus braços e chorando enquanto o balançava pra frente e pra trás. Enquanto ela olhava, o médico encarregado, o cara indiano lindo (que ela sabia o nome, mas não conseguia lembrar no momento), começou a anotar na prancheta que segurava. –Hora do óbito, duas e quarenta e sete da tarde – falou em tom serio.


Os olhos de Theo estreitaram e ela viu que Harry estava mole como um boneco. Sangue escorria pelo ouvido que podia ver e veias proeminentes contrastavam com a pele da testa e das bochechas. Ela suspirou. –A sala de situações encontrou isso?


-Sim.


-Qual era o indicador de tempo?


-12948.


Theo virou da imagem. –Então daqui uns quatro dias.


-Sim.


Ela voltou pra mesa, pensando furiosamente. Sua mente bem humana fora forçada a se acostumar a pensar milhões de coisas de uma vez só. –Quero ver Jones. –disse. –Traga-o aqui.




Napoleon ria tanto que ele tinha passado do ponto onde a risada é apenas num zumbido inaudível. Hermione tinha que fazer uma pausa entre as palavras pra poder recuperar o fôlego. –Então... Rony diz... "Harry, seu retardado... Eu disse pra... voar por cima da torre!".


-Ah, Deus, não consigo respirar! – Napoleon falou entre risos, os dois braços cruzados sobre a barriga. Hermione pulava na cama, entrecortando e dando altas risadas. –Ah, cara... Essa foi demais.


-Ele ficou com cheiro de óleo de lavanda e canela por uma semana!


-Muito masculino, tenho certeza!


Gradualmente, a risada deles diminuiu, deixando os dois respirando fundo para recuperar o fôlego. –Pobre Harry – Hermione disse. –Ele podia ser famoso mundialmente e tudo, mas sempre foi mio desajeitado. Rony costumava tirar onda dele o tempo todo.


Napoleon observava a expressão dela. –Sente falta dele, não é?


Ela virou pra ele. –Rony? Todos os dias. Sinto falta do senso de humor dele, e da sua risada. Não beijava mal, também. – ela sorriu pra si mesma. –Nós três juntos, era... Especial. Era como se a gente se completasse. Parvati costumava dizer que éramos o trio mítico... Cabeça, coração e mãos. Eu, o intelecto. Harry, o homem de ação. Mas sem Rony, sem aquela faísca, aquela emoção... bem, a cabeça e as mãos não têm muito o que fazer ou muito com o que se preocupar. – a expressão dela era triste agora, e ela virou o rosto abruptamente, sorrateiramente passando os dedos por um olho e depois o outro. –Não sabe quanto eu queria que ele estivesse aqui agora – ela disse. –Se alguma vez precisei ouvir aquela risada, preciso agora.


Napoleon abriu a boca pra falar, mas foi interrompido por uma batida na porta. Os dois olharam em volta, surpresos. Ele levantou. –Quem diabos pode ser, são... – ele olhou para o pulso, mas não estava usando um relógio. –São... são... – não havia, é claro, nenhum relógio no quarto. –Ah, inferno. Acho que pela primeira vez na minha vida realmente é um minuto pra daqui a pouco. – ele foi até a porta.


Era North. –O Guardião deseja falar com você.


Hermione deu um pulo. –Finalmente! Pensei...


-Você não, Hermione. Apenas Napoleon.


Ela o olhou de queixo caído. –O que? Como isso...


Ele levantou a mão para interrompê-la. –Fique aqui. Virei chamá-la mais tarde. Venha, Napoleon. Não precisa se trocar, não temos cerimônias por aqui. –Napoleon olhou para Hermione, uma estranha mistura de intriga e fúria evidentes em seu rosto, e então ele seguiu relutantemente North pelo corredor.




Theo observava o rosto de Napoleon com atenção enquanto ele estava de pé em frente à Parede. Diante dos olhos dele, passava o que Theo já vira... a confusão de acontecimentos quando Harry começou a ter um ataque, as faíscas de magia saindo dele, as tentativas infrutíferas de estabilizá-lo. Na hora que ela ouviu a voz de Sukesh proclamar a hora da morta, Napoleon estava branco feito papel e colocara uma mão sobre a boca. O vidro escureceu. –Ah, não – ele sussurrou. –Meu Deus – ele desabou numa cadeira e deixou a cabeça cair sobre as mãos. Depois de um longo momento ele levantou os olhos e a encarou. Ele estava abatido, como se tivesse envelhecido dez anos nos dois minutos. –Ele está morto?


-Lamento que sim.


Napoleon balançou a cabeça. –Como vou contar a ela? Como ela... – ele não podia continuar.


Theo se afastou da mesa e deu a volta para sentar ao lado dele. –Napoleon, o que acabou de ver acontece quatro dias e treze horas depois do momento que você e Hermione saíram da linha do tempo, o que aconteceu cinco horas depois de vocês deixarem o Confinamento.


Napoleon virou pra ela. –Oq... quer dizer que isso não aconteceu ainda? – ela não disse nada, Napoleon pulou de pé. –Ah, sua vaca miserável! Me fez pensar que já tinha acontecido!


Ela apenas ficou olhando pra ele, calma. –Esse tipo de acontecimentos relativos ao tempo não tem o menor significado aqui, Napoleon. Estamos fora do fluxo normal do tempo. O que acabei de mostrar a você é a linha de tempo da qual você e Hermione saíram quando chegaram aqui. Se não voltarem pra lá, este será o desfecho. Já ocorreu. Vai ocorrer.


-Mas só se não voltarmos antes de acontecer.


-Correto.


-Bem, então, nos mande de volta! Agora mesmo! Nos mande de volta cinco minutos depois de termos saído, como você disse!


Ela levantou a mão num gesto calmante. –Isso não significa que isso vai mudar – ele sentou, relutante. –Não te mostrei isso pra te deixar agitado– ele de uma tosse com tom sarcástico. –Sério. Quero que saiba contra o que estou indo aqui. Passei os últimos minutos olhando relatórios de nossa sala de situação, onde nossos guardiões monitoram as linhas dos tempos. Em todos cenários que eles conseguiram localizar nas linhas do tempo, Harry morre. Se eu mandar vocês de volta, ele morre. Se vocês não tivessem partido, ele morre. Se eu mandar vocês cinco minutos ou três dias depois que saíra, ele morre. Entende isso? Entende em que posição isso me coloca? Até onde eu sei, ele vai morrer, a não ser que eu interfira. E esse não é meu trabalho. Não é de minha conta.


A expressão sombria de Napoleon dizia tudo. –Então está me dizendo que nada pode ser feito.


-Não disse isso. Mas não vai ser fácil. Não posso contar a Hermione que Harry morre, não se eu quiser ter uma conversa racional com ela. Então estou dizendo a você porque quero que saiba o que estou sendo requisitada a fazer aqui. E quero que esteja preparado.


-Preparado pra que?


-Para o que essa situação pode fazer com ela... com todos nós.




Hermione estava sentada na mesma cadeira em frente à mesa do Guardião, com Napoleon a seu lado. Theo estava calma, mas parecia diferente. Séria. Pensativa. Quando falou, ela não fez nenhuma tentativa de mudar de assunto ou adiar as coisas.


-Eu não sabia o que estava acontecendo até que já tinha passado há muito tempo. – ela começou. Hermione sentou um pouco mais atenta, com esperança de que enfim, agora, descobriria o que acontecera a Harry. Theo parecia estar reunindo os pensamentos. –Sei que os bruxos e bruxas têm lendas sobre o Guardião e não são os únicos. Sei que ouviu alguma coisa sobre mim de um vampiro. A verdade é, a maioria das culturas humanas e não-humanas velaram ou disfarçaram mitos que na realidade eram sobre o Guardião e numa extensão menor, os Eternos.


Ela levantou e avançou para sentar na borda da mesa em frente a eles. –A coisa é, os Eternos têm suas próprias lendas. Especificamente, eles têm uma historia antiga, uma crença na verdade, sobre um Eterno nascido na forma mortal, de pais mortais. Eles chamam esse Eterno de o Encarnado. – Hermione se inclinou para frente, fascinada. –Eles procuravam este Eterno há milênios. Já faz um tempo que eles acham que um candidato provável a ser o Encarnado seria um Mage... A coisa mais próxima de um ser de pura magia que os humanos já produziram. – Hermione balançou a cabeça que sim, imaginando aonde isso iria. –Escute, fiquei de olho em Harry a maior parte da vida dele. Sempre soube que ele era um Mage, antes mesmo dele próprio saber. Os Eternos estavam menos convencidos. Eles viam que na maioria dos aspectos, ele era uma pessoa comum, com uma aptidão mágica incomum, mas era só isso. Não viam nenhum sinal dele poder ser o Encarnado.


As peças se encaixavam na cabeça de Hermione. –Eles o levaram, não foi? Os Eternos!


Theo fez que sim. –Sim, foram eles. Não conseguiria destacar como isso é estranho. Eles normalmente não se envolvem diretamente em assuntos relacionados aos mortais, nem um pouco. Para estas tarefas, bem, para isso que estou aqui. Isso, no entanto, eles fizeram por si mesmos e sem me informar... Na verdade, eles esconderam suas atividades de mim, a ponto de falsificarem meus monitores de modo que eu não percebesse que Harry tinha sumido.


-Por que?


-Porque eles têm seus próprios objetivos extenuantes.


-Mas... você trabalha pra eles, o que você poderia fazer?


Theo deu um sorriso amargo. –Não trabalho pra eles, não da forma que você quis dizer. Trabalho para os ideais que eles representam. Por isso os Eternos tomam tanto cuidado para escolher um Guardião. Depois que a posição é preenchida, eles não têm nenhum controle direto sobre o Guardião. Se tivesse um ataque de raiva e destruísse tudo eles não poderiam fazer nada sobre isso, então têm que ter muito cuidado a quem eles vão confiar a guardianidade. Se eu quisesse impedi-los, poderia. Mas não soube de nada até que eles me procuraram pra pedir ajuda.


-Ajuda?


Theo olhou para os pés. –Os Eternos levaram Harry e o incentivaram a usar seus poderes Mage. Eles sabem tudo sobre magia, o instruíram e ajudaram a se desenvolver bem rápido. Ficaram tão impressionados com o progresso dele que começaram se perguntar se ele de fato poderia ser o Encarnado. Então decidiram submetê-lo ao teste final... Só que ele falhou neste teste e eles perderam o controle. Por isso que tiveram que me procurar atrás de ajuda.


-Qual era o teste?


Theo suspirou. –Eles o mostraram a realidade. Mostraram a ele uma visão do infinito... E isso o deixou maluco.


-Porque nunca termina – Hermione completou. Ela se recostou em sua cadeira, as duas mãos sobre o rosto, de repente se sentindo exausta. –Meu Deus... Nunca termina.


-Sim. Então imagine minha surpresa quando me trouxeram este Mage gritando, se debatendo, completamente histérico com poderes altamente amplificados e me disseram pra cuidar dele. A gente brigou um pouco.


-O que você fez? Quando ele voltou parecia... normal.


-Acredite ou não, não é a primeira vez que algo desse tipo acontece. De um mortal ver alguma coisa que não deveria ter visto. Segui meu procedimento padrão e apaguei a memória dele do tempo que passou com os Eternos e o devolvi ao tempo e lugar de onde foi tirado.


-Então por que ele voltou dois meses depois dele ter sumido?


Theo hesitou. –Eu não sei. É uma das muitas coisas nessa situação que me intrigam.


-E esses outros mortais que você, hã, "conserta" geralmente desenvolvem personalidades psicóticas alternativas?


-Não, essa é minha primeira vez. – Theo cruzou os braços sobre o peito. –Tem mais alguma coisa acontecendo aqui, Hermione. Mas esse não é o problema.


-Não, com certeza não é – Hermione concordou. –O problema é, pode ajudá-lo?


Theo apenas a encarou durante um momento. –Não entende a posição que estou.


Hermione levantou de sua cadeira. Estava alguns centímetros mais alta que Theo, que por estar apoiada contra a mesa, parecia estar sendo subjugada. –Sabe o que mais? Não me importa. Você vai ajudá-lo, ou vai se ver comigo – os joelhos dela tremiam um pouco por estar falando dessa forma com esta mulher, mas ela era, afinal, apenas uma mulher, da mesma forma que Hermione.


Theo não olhou pra ela. –Não respondo a ninguém, Hermione. Simpatizo com sua situação, não ache nem por um momento que não. Mas não sou livre aqui como você deve imaginar.


Hermione levantou o dedo e apontou pra ela, fingindo não notar que o dedo tremia um pouco. –Me de uma resposta direta. É possível? Você tem habilidade física para ajudá-lo? Só me responda, sim ou não? – Hermione não podia suprimir as lágrimas de desespero que tremiam sua voz apesar de se esforçar para soar forte.


Theo olhou pra ela então. –Sim.


-Então ajude!


Theo suspirou. –Não posso.

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