Natal em Hogwarts



O Natal já estava próximo e o final do ano trouxe consigo nevascas intensas. A neve chegava a mais de um metro de altura e o lago estava completamente congelado. Os alunos não saíam do castelo, e as aulas do lado de fora foram todas canceladas, então todos iam das salas de aula para o salão principal para as refeições, e de lá direto para a sala comunal quentinha. Era tanta neve que até mesmo o correio ficou prejudicado, e as poucas corujas que conseguia chegar à escola tinham de ser tratadas por Hagrid.



Rony aguardava ansiosamente as férias de Natal. Era um de seus feriados favoritos, quando toda sua família se reunia, sua mãe fazia comidas gostosas e seu pai contava piadas. Ansiou por esse dia, fez planos com Harry, a quem ele havia convidado já com antecedência, quando poucos dias atrás recebeu uma carta de seus pais dizendo que iriam à Romênia visitar Carlinhos, e que por isso passariam o feriado em Hogwarts. Isso deixou Rony, Percy e os gêmeos bastante chateados pois além de querer ir um pouco para casa ver seus pais e sua irmã, sentiam falta do irmão mais velho. Porém sabiam o quão difícil seria fazer uma viagem tão grande para tão longe e ficar tão pouco tempo não seria viável. Além de ser uma viagem cara, o tempo estava frio, então teriam que ficar entocados dentro da casa pequena que Carlinhos dividia com um amigo e não poderiam sequer jogar uma partida de quadribol com o irmão.



Falando em quadribol, todos ficaram realmente impressionados com o desempenho de Harry na partida contra a Sonserina e durante semanas não se falava de outra coisa, e isso deixou Malfoy profundamente irritado. Agora, o garoto implicava com eles por qualquer motivo. Aliás, sobrava até para Hermione, já que agora ela andava com eles.



— Tenho tanta pena — disse Draco, durante a aula de Poções. — dessas pessoas que têm que passar o Natal em Hogwarts porque a família não as querem casa.



Ele andava alfinetando o fato de que Harry não iria para casa no Natal, porém na verdade o garoto não dava a mínima para isso, e parecia bastante animado para passar as festividades na escola. Quando a professora Minerva começou a pegar os nomes de quem iria ficar ele foi o primeiro a se candidatar. Qualquer coisa era melhor do que seus tios trouxas. De qualquer modo, se seus pais não fossem viajar, Harry iria passar o natal na Toca.



— Temos que aproveitar o tempo que teremos livre após a aula de poções para irmos a biblioteca! – Hermione sussurrou



Nas últimas semanas Rony, Hermione e Harry estavam quase morando na biblioteca. Já haviam consultado centenas de livros atrás de Nicolau Flamel, tentando saber quem era o homem para assim ter pistas do que estava guardado no terceiro andar. Desde que deu com a língua nos dentes, Hagrid quase não falava mais com os garotos, pois toda vez que o encontravam eles tentavam persuadi-lo a contar algo mais sobre o cara, e o meio gigante estava com medo de soltar mais informação que não podia.



Quando deixaram as masmorras ao final da aula de Poções correram em direção à biblioteca, mas no caminho encontraram um grande tronco de pinheiro bloqueando o corredor à frente. Acharam que era obra do Pirraça, mas atrás dos galhos grossos encontraram os olhinhos escuros e redondos de Hagrid.



— Quer ajuda? — perguntou Rony, metendo a cabeça por entre os ramos. Hagrid tinha algumas folhas em sua barba.



— Não, estou bem, obrigado, Rony.



Um movimento seguido de resmungos chamou a atenção do trio.



— Você se importaria de sair do caminho? — a voz arrastada de Draco saiu de trás dos galhos. O sonserino, seguido de seus capangas, pararam na frente de Rony, com o nariz em pé. — Está tentando ganhar uns trocadinhos, Weasley? Vai ver quer virar guarda-caça quando terminar Hogwarts. A cabana de Rúbeo deve parecer um palácio comparada ao que sua família está acostumada.



Há tempos Rony estava esperando só um motivo para surrar a cara pálida daquele sujeito por ele zombar da situação financeira de sua família. Antes que Hermione, Harry, ou até mesmo os capangas de Malfoy pudessem evitar, Rony o agarrou pelo colarinho da camisa, levantando o punho para acertar-lhe um soco no nariz. Justamente nessa hora, Snape apareceu próximo a eles. Rony soltou o garoto mas era tarde, e os olhos negros do professor chegaram a brilhar de satisfação por ter visto o descontrole do ruivo.



— Ele foi provocado, Professor Snape — Hagrid defendeu-o — Draco ofendeu a família dele.



— Seja por que for, brigar é contra o regulamento de Hogwarts, Hagrid — disse Snape calmamente. — Cinco pontos a menos para Grifinória, Weasley, e dê graças a Deus por não ser mais. Agora, vamos andando, todos vocês.



Draco, Crabbe e Goyle passaram pela árvore com brutalidade, espalhando folhas para todo lado com sorrisos nos rostos.



Rony tremia dos pés à cabeça. Primeiro pela injustiça do professor, segundo por não ter descontado sua raiva na cara de Draco.



— Eu pego ele — prometeu Rony, olhando o loiro se afastar, trincando os dentes —, um dia desses, eu pego ele.



— Odeio os dois. — Harry bradou — Draco e Snape.



— Vamos, ânimo, o Natal está aí — Hagrid tentou animá-los — Vou lhes mostrar o que estamos fazendo; venham comigo ver o salão principal, está lindo.



Então os três acompanharam Hagrid e sua árvore até o salão principal, onde a Professora Minerva e o Professor Flitwick estavam trabalhando na decoração para o Natal.



— Ah, Hagrid, a última árvore, ponha naquele canto ali, por favor.



O salão estava demais! Haviam cerca de doze árvores de Natal espalhadas pelo salão, todas devidamente decoradas, algumas com esferas luminosas que mudavam de cor de tempos em tempos, outras com neve de verdade caindo acima delas, deixando uma bonita crosta de gelo nos galhos. Algumas eram iluminadas por velas que cintilavam em volta das folhas.a ideia de passar o Natal em Hogwarts já não era mais tão ruim assim.



— Quantos dias ainda faltam até as férias? — perguntou Hagrid.



— Um — respondeu Hermione — Ah, isso me lembra: Harry, Rony, falta meia hora para o almoço, devíamos estar na biblioteca.



— Ih, é mesmo — disse Rony, despregando os olhos do Professor Flitwick, que fazia sair bolhas azuis da ponta da varinha e as levava para cima dos galhos da árvore que acabara de chegar.



— Biblioteca? — espantou-se Hagrid, acompanhando-os para fora da sala — Na véspera das férias? Não estão estudando demais?



— Ah, não estamos estudando. Desde que você mencionou o Nicolau Flamel estamos tentando descobrir quem ele é. — Harry não perdeu a oportunidade.



— Vocês o quê? — Hagrid parecia chocado. — Ouçam aqui: já disse a vocês, parem com isso. Não é da sua conta o que o cachorro está guardando.



— Só queremos saber quem é Nicolau Flamel, só isso — falou Hermione, displicente.



— A não ser que você queira nos dizer e nos poupar o trabalho... — acrescentou Harry. — Já devemos ter consultado uns cem livros e não o encontramos em lugar nenhum. Que tal nos dar uma pista? Sei que já li o nome dele em algum lugar.



— Não digo uma palavra. — respondeu Hagrid decidido.



— Então vamos ter que descobrir sozinhos — disse Rony, e saíram depressa para a biblioteca, deixando Hagrid desapontado.



A biblioteca estava vazia exceto pelos três. Hermione puxou uma lista de assuntos e títulos que decidira pesquisar enquanto Rony se dirigiu a uma carreira de livros e começou a tirá-los da prateleira aleatoriamente. Era uma prateleira de Herbologia, a garota achava que o tal Flamel poderia ter algo a ver com plantas raras, enquanto Harry vagou para o outro lado e Hermione ficou nas primeiras prateleiras. Rony folhava os livros sem prestar nenhuma atenção nos assuntos, tentando visar apenas os nomes importantes. A única coisa que tinham em mente era que se o cara estava vivo, então seja o que for, fazia parte da literatura moderna.



— O que é que você está procurando, menino?



Rony virou-se para Madame Prince, a bibliotecária, assustado, mas não era com ele que falava. Ela olhava de cara feia para Harry, que estava na seção reservada.



— É que... eu não... Não é nada — disse Harry, assustado.



Madame Pince apontou-lhe um espanador de penas.



— Então é melhor sair daqui. Vamos, fora!



O garoto saiu de cabeça baixa. Definitivamente ele não era nada bom em arranjar desculpas.



— E agora, Mione? — Rony se juntou a amiga, trazendo consigo alguns livros — saímos também?



— Não! — Ela foi enfática, mas com a voz baixa — Temos de continuar procurando.



Rony, Harry e Hermione já tinham concordado que era melhor não perguntar a Madame Pince onde poderiam encontrar Flamel. Tinham certeza de que ela saberia informar, mas não podiam arriscar que Snape descobrisse que estavam investigando para saber o que estava tramando. Eles precisavam descobrir alguma coisa, precisavam de provas que incriminassem o professor, já que os outros professores não desconfiavam dele.



Passaram mais alguns minutos checando os livros que já tinham pegado, mas de tanto receberem olhares desconfiados da bibliotecária, acharam melhor dar suas buscas como encerradas. Quando saíram da biblioteca encontraram Harry encostado na parede de frente, esperando-os, e os três voltaram, frustrados, para a sala comunal. Rony tinha certeza que já havia visto aquele nome em algum lugar, mas por não ser um leitor assíduo, não conseguia pensar em muito livros que pudesse tê-lo visto, e ele já tinha olhado a grande maioria dos que lembrava. Se pelo menos ele fosse para casa nesse natal... Poderia perguntar à sua mãe ou pai, com certeza saberiam.



A noite, o trio estava na sala comunal vazia, onde Rony e Hermione jogavam xadrez, enquanto Harry os assistia. Muitos alunos foram dormir mais cedo para voltar para casa nas primeiras horas da manhã. Alguns tinham partido ainda naquela noite.



 — Vocês vão continuar procurando enquanto eu estiver fora, não vão? — perguntou Hermione, aflita, movendo uma peça. — E me mandem uma coruja se encontrarem alguma coisa.



Ela estava tão nervosa que Rony estava vendo a hora dela desistir de ir pra casa para passar o natal inteiro na biblioteca.



— E você poderia perguntar aos seus pais se sabem quem é Flamel — disse, para descontrair — Não haveria perigo em perguntar a eles.



— Nenhum perigo, os dois são dentistas. — ela falou, e ela e Harry riram. Rony ficou confuso.



— Eles são o que?



— Dentistas. Sabe? Cuidam dos dentes das pessoas.



Não, Rony não entendeu. Pra que alguém cuidar dos dentes dos outros? Cada um que cuide do seu! Os trouxas inventavam cada coisa...



— Tomamos café da manhã juntos amanhã, Mione? — Harry perguntou



— Provavelmente não. Sairei no primeiro trem, as seis.



— Nesse caso, boas festas. — disse ele, espreguiçando-se — Vou dormir agora.



Harry sumiu pela escada no mesmo momento que Hermione soltou um longo bocejo.



— Acho que também vou, acordarei antes de amanhecer...



— Está com medo de perder? — Rony desafiou — Vai desistir da última partida?



— Mas é claro que não! — ela se aprumou na cadeira — Dessa vez tenho chance de ganhar.



Rony riu pelo nariz. Ele reconhecia as jogadas que ela estava fazendo. Na verdade, já teria terminado o jogo há pelo menos três movimentos atrás, mas gostava de fazê-la pensar que estava indo bem em uma estratégia, pois toda vez que Hermione achava que tinha chance de vencer, ela sentava-se ereta na cadeira e apertava os olhos, e ele gostava de vê-la fazer essa expressão. Mas ela tinha razão, estava tarde e não podia continuar segurando o jogo. Já tinha uma jogada em mente, e dois movimentos depois...



— Cheque-mate — Rony anunciou.



— Como você consegue se dedicar tanto ao xadrez e pouco aos deveres de casa? — ela perguntou inconformada e ele riu.



Hermione ajudou-o a guardar as peças e os dois rumaram para o pé das escadas que levavam aos dormitórios. Eles se olharam sem saber o que falar um para o outro. Por algum motivo, sentiu seu rosto esquentar.



— Bem... Feliz Natal. — ela desejou primeiro.



— Ah, feliz Natal. — disse ele.



Ainda perdido no que deveria fazer, Rony estendeu a mão e ela fez o mesmo. Era pra ser um simples aperto de mão, ele já dera muitos apertos de mão na vida, mas não lembrava-se que eles causavam borboletas na barriga, ou que faziam seu coração bater mais rápido. Sua mente mandava que ele a soltasse, mas seu corpo não obedecia. Ela tinha o rosto corado e não o olhava diretamente nos olhos, mas também não fazia menção de soltá-lo. Foram alguns segundos naquela posição, sem falar, sem se mexer, só tentando entender o que era aquele turbilhão de sensações estranhas.



Por fim, Rony soltou-a primeiro, pigarreando. Hermione recuou alguns passos, sem jeito.



— A-até depois do Natal. — Ela falou baixinho, e correu escada acima, deixando Rony sozinho.



As férias finalmente chegaram, e ficar em Hogwarts nesse período era muito divertido, tanto que Rony e Harry sequer lembraram de Flamel ou Snape. Os meninos tinham o dormitório só para eles e a sala comunal estava muito mais vazia do que o normal, então podiam sentar nos melhores lugares para conversar, jogar xadrez ou tramar maneiras de fazer Draco ser expulso, mesmo que não fosse produzir resultados, sem ter ninguém correndo por todo lado até tarde. As refeições eram ainda melhores, eles comiam o que queriam sem disputar com outras pessoas, já que não tinha quase ninguém para dividir.



Rony passava horas jogando, ou melhor, ganhando de Harry no xadrez. Hermione ainda fazia uma jogada ou outra que oferecia algum perigo, mas Harry não era nada bom no jogo. Até mesmo as peças não confiavam em suas habilidades e ficavam o tempo inteiro tentando dar dicas ao garoto. Toda vez que iam jogar, seus irmãos apostavam para saber quanto tempo Harry conseguiria segurar Rony na partida, e quando o menino que sobreviveu se irritava e mandavam que jogassem em seu lugar, os gêmeos dispensavam, dizendo que estavam cansados de perder para o irmão caçula. Nenhum de seus irmãos conseguia vencê-lo no xadrez, o único capaz de vencer era seu pai, mas na maioria das vezes que jogavam, acabavam levando o jogo por horas a fio, até que desistiam.



Rony acordou cedo na manhã de natal, antes mesmo de Harry, que roncava sonoramente na cama ao seu lado. Até pensou em voltar a dormir, afinal, era férias, mas o monte de presentes ao seu pé fez o sono sumir na mesma hora. Sentou-se rapidamente, e começou a procurar o embrulho mais atraente para abrir quando Harry acordou com o barulho. O garoto arregalou os olhos quando viu a pequena pilha de presentes a seu pé.



— Feliz Natal — disse Rony sem nem olhar para o amigo.



— Para você também — respondeu Harry. — Olhe só isso! Ganhei presentes?



— E o que é que você esperava, nabos? — ironizou Rony, virando-se para a sua própria pilha.



Desembrulhou o pacote menor, era a pena que Fred mostrou para ele no início das aulas e que tinha manchado seu nariz: “Acho que você gostou dela, Fred!”. Rony foi desembrulhando os outros presentes rapidamente: Tinha alguns nuques de sua tia-avó Muriel; algumas lembranças de alguns amigos de seu pai do ministério; havia um de Gina, uma espécie de caricatura sua em uma massa de modelar, que ficava acenando com os braços tortos. Nela também continha um bilhete “Sinto sua falta. Gina.” O próximo, Rony sequer precisou abrir o pacote para saber que ali continha o suéter que sua mãe tricotava para todos os filhos nessa época em todos os anos. Ele detestava aquele suéter. Tinha cor de tijolo, que era praticamente a mesma cor de seus cabelos e cílios, e fazia parecer que ele tinha um cor só. Pelo menos junto do suéter feio tinha a deliciosa barra de chocolate que somente ela sabia fazer.



— Que simpático!



Harry tinha nas mãos uma espécie de moeda menor que os nuques que estava acostumado. Tinha o formato de polígono e uma foto de uma pessoa gravada, imóvel.



— Que esquisito! — disse. — Que formato! Isso é dinheiro?



— Pode ficar com ela — disse Harry.



Rony pegou a moeda com tanta satisfação que Harry riu. Com certeza daria a seu pai quando voltasse para casa.



— Esse aqui é do Rúbeo, — Harry continuou — minha tia e meu tio. E quem mandou esses?



— Acho que sei quem mandou esse — disse Rony, ficando um pouco vermelho e apontando para um embrulho maior. — Mamãe. Eu disse a ela que você não estava esperando receber presentes na última carta... Ah, não! — gemeu quando Harry abriu o pacote —, ela fez para você um suéter Weasley. — Todos os anos ela faz para nós um suéter — disse Rony, mostrando o dele —, e o meu é sempre cor de tijolo.



— Foi realmente muita gentileza dela — disse Harry, experimentando as barrinhas de chocolate.



Rony abriu mais um dos seus, uma caixa de feijõezinhos de todos os sabores dado por Hermione. Ia começar a saborear seus doces quando ouviu Harry fazer uma exclamação ao abrir o último presente. Virou-se, curioso, para saber o que era e quando viu deixou os feijões caírem na cama.



— Já ouvi falar nisso... — disse em voz baixa, levantando-se excitado. — Se isso é o que eu penso que é, é realmente raro e realmente valioso.



— E o que é? — Harry analisou o pano sedoso e prateado. Rony ainda não conseguia acreditar no que via, jamais em sua vida imaginou ver de perto algo parecido.



— É uma capa da invisibilidade — disse Rony — Tenho certeza de que é. Experimente.



Harry jogou a capa em volta dos ombros e Rony não conseguiu conter o grito de excitação.



— É, Sim! Olhe para baixo!



O corpo de Harry tinha sumido, era como se tivesse se tornado uma cabeça ambulante. Rony tinha lágrimas nos olhos de tão impressionado. Perto dos pés de Harry tinha um cartão.



— Tem um cartão! Caiu um cartão!



Harry tirou a capa e apanhou o cartão. Rony não resistiu e pegou-a. Era leve e sedosa, não era como as que vendiam por aí, que logo perdiam o efeito e fazia a pessoa ficar fosca ao invés de transparente. Essa era das boas, das antigas, que não se fabricavam mais.



— Eu daria qualquer coisa para ter uma dessas. — confessou, fazendo seu corpo aparecer e desaparecer repetidas vezes. Qualquer coisa... Que foi?



— Nada. — Harry falou, com o cartão na mão. O garoto estava com um meio sorriso no rosto, parecendo emocionado. Mas se não queria contar, não iria obriga-lo.



No mesmo instante uma bagunça seguida do barulhão de porta sendo escancarada chamou a atenção dos dois; Fred e Jorge entraram no dormitório dos primeiranistas aos pulos, rindo alto, fazendo bagunça. Harry colocou a capa sob o lençol. Realmente não era bom espalhar que tinha uma capa de invisibilidade para todos, isso era um trunfo para eles.



— Feliz Natal! — Jorge desejou. — Ei, olhe só, o Harry ganhou um suéter Weasley também!



Seus irmãos estavam usando suéteres azuis, um com um grande F, o outro com um J.



— Mas o do Harry é melhor do que o nosso — comentou Fred, erguendo o suéter de Harry — Ela com certeza capricha mais se a pessoa não é da família.



— Por que você não está usando o seu? — perguntou Jorge, debochado. Ele sabia que Rony não gostava — Vamos, vista logo, eles são ótimos e quentes.



— Detesto cor de tijolo — lamentou-se



— Pelo menos você não tem uma letra no seu — disse Jorge, apontando para o seu. — Ela deve pensar que você não esquece o seu nome. Mas nós não somos burros, sabe?



— Que barulheira é essa?



Percy meteu a cabeça para dentro da porta, com olhar de reprovação para a bagunça que faziam. Em seus braços, trazia seu suéter azul escuro com uma grande letra M bordada.



— M de monitor! — Fred debochou, tomando o suéter das mãos do irmão mais velho — Vista logo, Percy, todos estamos usando os nossos, até Harry ganhou um.



— Eu... Não... Quero — bradou Percy, enquanto os gêmeos forçavam o suéter por sua cabeça, entortando seus óculos.



— E você hoje não vai se sentar com os monitores — disse Jorge.



— Natal é uma festa da família.



E os dois carregaram Percy para fora do quarto, com os braços presos dos lados pelo suéter.



Rony e Harry desceram para o almoço de natal, e uau! Que almoço!



Haviam centenas de perus gordos assados, montanhas de batatas assadas e cozidas, travessas de salsichas, terrinas de ervilhas passadas na manteiga, molheiras com uva-do-monte em molho espesso e bem temperado e, a pequenos intervalos sobre a mesa, pilhas de bombinhas de bruxo. Harry, que não conhecia, puxou a ponta de uma bombinha de bruxo com Fred e ela explodiu com o ruído de um canhão e envolveu-os em uma nuvem de fumaça azul, enquanto caiam de dentro um chapéu de almirante e vários camundongos brancos, vivos. Na mesa principal, Dumbledore tinha trocado o chapéu de bruxo por um toucado florido e ria alegremente da piada que o Professor Flitwick acabara de ler para ele. Rony já nem sentia mais por não ter ido pra casa nesse Natal, a festa em Hogwarts era demasiado divertida.



Rony, Harry e seus irmãos saíram do salão principal direto para o jardim, que estava totalmente congelado, onde passaram uma tarde muito alegre ocupados em uma furiosa guerra de bolas de neve. Depois, frios, molhados e ofegantes, voltaram para o quentinho da sala comunal, onde Harry insistiu para que estreassem juntos o novo tabuleiro de xadrez que ganhara, perdendo para Rony por cinco vezes seguidas em partidas que duravam até cinco minutos. Os gêmeos até tentavam ajuda-lo, mas era em vão.



Mais tarde retornaram ao salão principal para o lanche, onde se esbaldaram com sanduíches de peru, bolinhos, gelatina e bolo de frutas. Ainda tiveram pique para ficar até altas horas no salão comunal, conversando, rindo e assistindo Percy correr atrás de Fred e Jorge por toda a torre de Grifinória porque eles tinham furtado seu crachá de monitor.



— Sabe Rony... — suspirou Harry — Acho que hoje foi o melhor dia da minha vida.



O garoto estava particularmente feliz. Ele confessou mais cedo que nunca tivera um natal divertido, que geralmente ficava trancado em seu quarto e comia apenas as sobras da noite. Rony sentiu-se bem por ter ajudado o amigo a se divertir.



Quando Rony acordou no dia seguinte, Harry já estava acordado com a capa de invisibilidade na mão, com um sorriso sonhador estampado no rosto.



— O que você está fazendo aí? Ainda está cedo... Aconteceu alguma coisa? – Rony perguntou, esfregando os olhos.



— Aconteceu a melhor coisa do mundo! — Harry exclamou, abrindo o maior sorriso que Rony  já vira. Assim que você dormiu saí com a capa de invisibilidade com a intenção de ir à biblioteca continuar as pesquisas. Estava procurando alguma pista de Nicolau Flamel na seção reservada quando acabei pegando um livro que, se aberto, gritava muito alto. Filch apareceu na mesma hora e eu fugi para um corredor estreito, então Filch chamou Snape.



— E isso é alguma coisa boa? — Rony esbravejou — Você está ficando louco?



— Eu ainda não acabei! — Harry falou impaciente — Para não ser pego entrei em uma sala onde encontrei um espelho da altura do teto. Achei que fosse um espelho comum, mas o que um espelho estaria fazendo ali? Quando me aproximei ele não me mostrou somente minha imagem, me mostrou toda a minha família. Meu pai, minha mãe, meus avós, tios e tias... Foi incrível Rony!



Os garotos desceram para o salão principal ainda com Harry tagarelando sobre a experiência que teve àquela noite.



— Você podia ter me acordado — falou, aborrecido. — Queria ter visto também.



— Você pode vir hoje à noite. Vou voltar, quero lhe mostrar o espelho.



— Eu gostaria de ver sua mãe e seu pai — Rony se animou.



— E eu quero ver toda a sua família, todos os Weasley, você vai poder me mostrar os seus outros irmãos e todo o mundo.



— Você pode vê-los a qualquer hora. E só vir à minha casa neste verão. De qualquer modo, talvez o espelho só mostre gente morta. — Rony suspirou, colocando calda nas suas panquecas — É uma pena você não ter achado o Flamel. Coma um pouco de bacon ou outra coisa qualquer, por que é que você não está comendo nada?



Mas Harry não respondeu. Ver toda sua família pela primeira vez mexeu com Harry intensamente e Rony o compreendia. Se nunca tivesse conhecido sua família ficaria da mesma forma.



Os garotos passaram o dia ansiosos para ver o tal espelho. A noite saíram cobertos pela capa de invisibilidade para encontrar a tal sala, porém caminharam por mais de uma hora sem sucesso, tentaram até refazer o caminho de Harry ao sair da biblioteca, andando a esmo pelos corredores escuros mas nem sinal. Rony já estava exausto de tanto andar.



— Estou falando — disse Rony, — Vamos esquecer tudo e voltar.



— Não! — sussurrou Harry — Sei que é em algum lugar por aqui.



Aquilo era perigoso e desgastante. Por mais que estivessem invisíveis, poderiam ser descobertos e ganhariam uma detenção em pleno Natal. Rony já não queria ver espelho coisa nenhuma, mas Harry estava obcecado.



— Meus pés estão congelando. — Rony reclamou — Já estão até dormentes...



— É aqui... Logo aqui... É. — Harry falou olhando uma armadura.



Eles empurraram a porta. O tal espelho estava ali, e era enorme, ia do chão ao teto. Possuía uma moldura dourada e na parte de cima havia a frase erised strae hruo ytub ecaf ruoyt on woh si, mas Rony não entendeu seu significado. Harry deixou cair a capa dos ombros e correu para o espelho. Ele deu um enorme sorriso ao ver sua imagem. Rony se aproximou, mas tudo que via era Harry e a ele mesmo em pé naquela sala escura, nada de família Potter.



— Está vendo? — Harry cochichou.



— Não consigo ver nada. — Rony falou, forçando a vista para tentar ver algo.



— Olhe! Olhe eles todos... Ali, montes deles... — ele estava aflito, apontando.



— Só consigo ver você.



— Olhe direito, vamos, fique aqui onde eu estou.



Harry saiu da frente e Rony, cético, parou de frente para o espelho. Para sua surpresa, não estava vendo Harry e sua família, nem mesmo a família Weasley. Estava vendo a si mesmo mais velho, mais alto e musculoso. Seu rosto tinha menos sardas e seu cabelo estava comprido.



— Olhe só para mim! — exclamou.



— Você está vendo toda a sua família à sua volta?



— Não, estou sozinho, mas estou diferente... Pareço mais velho, — Ele então olhou para seu peito, um brasão reluzente com a letra “M” estava preso em seu uniforme — e sou chefe dos monitores.



— O quê?



— Estou... Estou usando brasão igual ao do Gui... — Ele olhou para suas mãos e sentiu uma grande euforia em seu peito — E estou segurando a taça das casas e a taça de Quadribol, sou capitão do time de Quadribol também!



Aquele Rony da imagem era seu sonho realizado, era tudo o que sempre desejou ser. Seu coração chegava a estar acelerado, seu estômago dava voltas e mais voltas. Com dificuldade, despregou os olhos dessa visão magnífica para olhar excitado para Harry.



— Você acha que esse espelho mostra o futuro?



— Como pode mostrar? A minha família está toda morta. — Harry esbravejou — Saia daí então, deixe-me olhar novamente. – Harry falou empurrando Rony, porém Rony, que era muito maior, o empurrou de volta.



— Você teve o espelho só para você a noite passada, me deixa olhar mais um pouco.



— Você só está segurando a taça de Quadribol, que interesse tem isso? Eu quero ver os meus pais. — Ele tornou a tentar empurrá-lo, mas Rony o empurrou para longe. Precisava ver aquele Rony novamente, nem que fosse mais um pouquinho.



Um ruído repentino do lado de fora no corredor pôs fim à discussão dos dois. Não tinham se dado conta do como estavam falando alto.



— Depressa!



Rony atirou a capa de volta para cobri-los na hora que os olhos luminosos de Madame Norrra apareceram à porta. Rony e Harry ficaram imóveis, ambos pensando a mesma coisa, será que a capa fazia efeito para os gatos? Passado um tempo que pareceu uma eternidade, ela se virou e foi embora.



— Isto é perigoso. Ela pode ter ido buscar o Filch, aposto que nos ouviu. Vamos.



E puxou um Harry relutante para fora da sala.



Rony foi dormir impressionado com o que viu. Será que um dia ele realmente seria aquilo tudo? Ou não, de repente aquilo só mostrava algo que queria ver. Foi ótimo se ver daquele jeito, com tudo que sempre quis, como se todos os seus sonhos e vontades tivessem se realizado. Não, não podia ficar pensando nisso ou acabaria ficando louco. Sempre quis ser destaque, ser notado assim como seus irmãos e amigos. E aquela imagem ele era...



Suspirou, cansado. Não podia continuar sonhando acordado com o que vira. Não era a realidade. Ele ainda era o Rony medíocre, e só lhe restava aceitar.



A neve ainda não derretera na manhã seguinte e os meninos decidiram não sair. Não era um bom dia. Harry e Rony mal se falavam, pensando no que aconteceu. A sensação de se ver do jeito que sempre sonhou e aquilo não ser verdade deixou Rony depressivo, e sabia que ver a família e não poder tê-los por perto também consumia Harry.



— Quer jogar xadrez, Harry? — convidou Rony, tentando mudar aquele clima.



— Não.



— Por que não descemos para visitar Rúbeo?



— Não... Vai você...



— Sei o que é que você está pensando, Harry, naquele espelho. Não volte lá hoje à noite.



— Por que não? — perguntou, desafiador.



— Não sei, estou com uma intuição ruim. De qualquer forma você já escapou por um triz muitas vezes. Filch, Snape e Madame Norrra estão andando por lá. E daí se eles não conseguem ver você? E se esbarrarem em você? E se você derrubar alguma coisa?



— Você está falando igual a Hermione.



— Estou falando sério. Harry, não vai não.



Harry não respondeu e Rony entendeu que ele iria mesmo assim. Seu amigo ficou fissurado de uma forma anormal pelo espelho e Rony estava realmente preocupado. Ter a chance de ficar ao lado da família, mesmo que fosse somente uma ilusão, era tudo que Harry desejou a vida inteira.



Naquela noite Rony foi dormir junto com Harry. Ainda tentou argumentar sobre não voltar para aquela sala, mas este fingiu estar com sono e fechou os olhos. Rony sabia que ele não estava dormindo, mas ia deixar que Harry percebesse sozinho que era melhor ele viver a vida que ele tinha da melhor maneira possível e não passar o tempo inteiro imaginando como seria a vida que o espelho mostrava.


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