Mãos á obra
-Gahhhhhhhhhh!!!Sirius!PÁRA-PÁRA-PÁRA-PÁRA-PÁRA-PÁRA!- Remo metralhava as costelas do amigo desferindo uma paulada atrás da outra com uma colher de madeira.
-O que?Mas eu não to fazendo certo?-Sirius finalmente parou de aumentar a temperatura do fogão.
-Não,não, não é as...
FUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!!!
A panela de pressão finalmente decidiu soltar seus bofes: começou a apitar freneticamente, enlouquecidamente, soando tão autoritária e estridente como soaria um alarme de bomba em Bagdá. Tiago deu um salto digno de rã dois metros para trás, empunhando um rolo de macarrão.Pedro, pálido como um osso, zuniu para debaixo do amigo, segurando as pontas de seu avental.
-VAI EXPLODIR!-urrou Sirius, puxando Remo para longe. O lobisomem ainda lutou para se livrar, tentando alcançar a panela e ver se conseguia abaixar a temperatura, mas era tarde demais.
O pino bufava, girava e se contorcia como se estivesse vivo. A panela roncava conforme a pressão máxima se rebelava, se esgoelando como quem diz “Sai de pertoooooooooo!” e além de tudo ela dava pulinhos frenéticos sob sua base no fogão. Rabicho se aproximou para abrir a tampa e ver se “toda a fumaça saía de uma vez” quando os outros três marotos voaram para cima dele:
-Sua mula, nããããããooooooooo!!!-Sirius agarrou-se nas pernas de Pedro com tanta força e determinação que acabou arrancando as calças do infeliz. Caiu no chão junto aos pés de Rabicho segurando os jeans, largos como uma tenda de circo, firmemente entre os dedos. Os demais só não gargalharam com a visão da cueca e pernas grossas do baixinho porque o clima ali estava frenético demais para qualquer outra coisa.
Apesar de tudo,nem mesmo o gesto mal pensado de Sirius pôde mudar o triste destino daquela cozinha:Pedro fora eficiente demais em seus movimentos, e em sua tentativa desesperada de ser útil já levara as mãos rechunchudas para a tampa da panela...
-AHHHHHHHHHHHHHH!!!-Tiago se jogou atrás da mesinha de madeira que ficava no centro da cozinha, se entrincheirando ali da maneira mais segura possível. Lupin correu para se proteger também, mantendo a mesa posicionada de lado, com as quatro pernas apontadas para o fogão. Almofadinhas zuniu para lá também. Ficou agachado atrás da muralha improvisada; os olhos frios espiando cuidadosamente na beirada da mesa. Pedro, graças ás calças que agora estavam largadas em suas pernas, foi até os amigos pulando feito um canguru. Tentou no meio do caminho puxar suas calças para cima, agarrando seu cinto, mas o nervosismo fazia suas mãos tremerem compulsivamente, além do que tudo o que ele tinha em mente era alcançar a mesa e se proteger...todo o seu corpo se esforçava para alcançar o esconderijo.
FUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!!!
A panela berrou sua última declaração antes do momento fatídico chegar: estufada, louca, delirando, ela explodiu. Todas as batatas que cozinhavam lá dentro foram lançadas para o ar como balas de canhão, acompanhadas por água fervendo. Os quatro se encolheram atrás de sua trincheira, o que foi de grande utilidade, pois as batatas se chocaram violentamente com a mesa/abrigo, enquanto outras se espatifaram em diversos cantos da cozinha, se esmigalhando ao final de seu gracioso trajeto.Uma fumaça densa encobriu toda a cozinha após o ataque da panela de pressão, embaçando os vidros e sufocando os rapazes:
-Cof!Cof!Cof! –um Sirius estupefato tentava abrir espaço para respirar, abanando a fumaça escura com as mãos.-Todo mundo tá vivo ainda?
-É, é, eu to bem.
-Cof, cof! Eu também!
-Pontas?!
Tiago ficara cego como uma toupeira: seus óculos estavam embaçados.Sem sua varinha o rapaz foi obrigado á levar as lentes até a ponta de seu avental e limpa-las. A peça de roupa feminina nunca lhe parecera tão útil e agradável como parecia agora e, após recolocar os óculos, Pontas checou suas vestes para ver se estava tudo em ordem. Notou que água fervendo tinha respingado em seu avental, e que graças á ele não houvera ferimentos. Ficou tão agradecido ao pedaço de pano que começou á alisa-lo como á um cachorrinho bem comportado:
-U-hum. Estou bem.
-O que aconteceu?-a voz trêmula de Pedro perguntou. O maroto agora ajustava suas calças novamente ao redor de sua cintura, prendendo as banhas.
-O que aconteceu sua anta?Você quer saber o que aconteceu?!-Remo se ergueu e, abrindo caminho por entre a névoa da guerra, foi abrir uma janelinha para deixar o ar escapar.- A panela já tinha esquentado á muito tempo, só que o Sirius aqui, ao em vez de baixar o fogo, aumentou e ela explodiu!
O que acontece é que a panela de pressão é um recipiente fechado. O vapor de água e o ar dentro do recipiente exercem uma pressão cada vez mais alta e,se o aquecimento continuar por muito tempo, a panela pode explodir.Por isso,as panelas são dotadas de válvulas mecânicas que se abrem quando a pressão começa a passar dos limites considerados seguros. No caso da panela dos rapazes, a pressão atingira um limite perigosíssimo e,bem...Rabicho decidiu “deixar o vapor escapar”, o que resultou no desastre.
-Mamãe vai ficar uma fera quando ver essa cozinha assim.- comentou Tiago, pisando numa poça de água no chão. Sirius recolheu uma batata semi amolecida que se chocara com a mesa deitada:
-O que é que essa receita dizia mesmo, Aluado?-perguntou,examinando a batata espetada em seu garfo.
Remo, ainda furioso com o que tinha acabado de acontecer, abriu o livro de receitas que havia sido abandonado em meio á confusão.Leu:
“Para o purê: cozinhe as batatas e passe-as no expremedor. Volte para a panela e adicione os demais ingredientes e mexa em fogo baixo por 3 minutos. Reserve, misture todos os ingredientes do molho e reserve. Grelhe os filés e sirva-os com o purê e o molho de pimentas.”
-Podemos fazer o molho, você grelha a carne e deixamos as batatas pro final.- sugeriu Sirius após ouvir a voz balanceada do amigo ler as instruções.-Eu é que não mexo mais nessa coisa!Essa panela é uma ameaça para a raça humana!
-Não seja bobo, Sirius!-Remo fechou o livro com força, desferindo seu nervosismo naquele ato.- Cozinhar com uma panela de pressão é mais rápido do que com uma panela comum!
-Só que é perigoso pra diabo!-alfinetou o animago.
-Nas suas mãos, qualquer coisa fica perigosa.-retorquiu o lobisomem.
-Tá bom gente, parem com isso!-interferiu Tiago, afastando Remo de Sirius com seu rolo de macarrão.- é só por a culpa no Rabicho!Simples!
-Heeeeeeeeeeei!-Pedro cruzou os braços e corou seus bochechões.
Àquela altura grande parte da fumaça já se esvaíra pela janela aberta. Os esfomeados marotos decidiram então fazer o molho primeiro e a carne, e só assim se voltarem para o purê, rezando e fazendo promessas para todos os santos de todas as religiões que conheciam (celtas, gregas, romanas, incas, saxônicas, européias, latinas, orientais, indianas entre outras mais criadas pela raça humana) para que tudo desse certo.
Tiago abriu o guarda-louça para pegar uma xícara de chá conforme o amigo pedira, mas acabou espatifando-a no chão com um “Ooooops!” baixinho.
-Traz logo essa xícara, Pontas!-Lupin pedia enquanto organizava sobre a pia azeite, pimentas e uma bacia. Sirius escolhia alguns limões na fruteira e, sem que Aluado visse, começou a brincar de fazer malabarismo com os frutos verdes, os derrubando várias vezes no chão.
-Já vou....humm...eu estou escolhendo uma cor de rosa pra combinar com seu avental!-ele ganhou tempo, enfiando a cabeça dentro do guarda-louça em busca de uma outra xícara.
-Deixa de frescura!Pega qualquer uma.
Tiago pegou outra xícara e, desviando dos cacos provenientes de sua vítima anterior, seguiu na direção de Remo. Caminhava leve, livre e solto mas é claro que ele não contava com os limões de Sirius: o rapaz derrubara um em meio ao seu malabarismo, e agora a bolinha verde vinha rolando pelo chão. Tiago tropeçou no fruto e desabou ruidosamente no piso da cozinha, se estatelando junto com a segunda xícara de chá de sua mãe.
-Ah, foi mal...-Sirius se adiantou para ajudá-lo a se levantar, quando pensou melhor-Ah, quer saber?Foi bem feito! Isso é pela panelada que você me deu!Humpt!
Pedro ria em guinchos estridentes, mas Remo sentia toda a sua paciência escapar pelas narinas, que bufavam e esfumaçavam como fizera a panela minutos antes. Ele revirou os olhos para o céu pedindo forças divinas e tentou mentalizar em sua cabeça uma imagem calma e pacífica, como por exemplo um campo verdinho e florido, coberto pelos raios de um sol brilhante,sol este que também refletia a água cristalina de uma cachoeira, aos fundos, que se rebentava em algumas pedras formando um arco-íris leve. Ele expirou e inspirou profundamente,tentando absorver o clima de sua paisagem e materializa-lo em seu espírito.
-Vamos fazer um ovo frito e acabar logo com isso?- Sirius ofereceu ajuda para que Tiago se levantasse. O rapaz, enraivecido, pisou despreocupadamente sobre os cacos de sua xícara,que agora se estilhaçava debaixo de seus sapatos com “craks-craks” constantes.
-Não senhor!-protestou Pedro-Eu quero comida de gente!- e pegando ele mesmo uma xícara de chá, Pettigrew completou-Tome, Aluado. Vamos fazer logo essa carne.
-Ok, meia xícara de azeite. –avisou Remo, despejando o líquido grosso dentro da xícara e desta para a bacia.
-Uma colher de suco de limão.Ih!Vamos ter que fazer suco de limão!!
-Água, açúcar, limões e liquidificador. –disse Remo sem erguer os olhos para Sirius, pois estava compenetrado em adicionar á bacia 4 colheres (de sopa) de pimentas variadas socadas grosseiramente.
-Cuméquié?!
-É o que você vai precisar pra fazer o suco.- Remo explicou calmamente.-O que está esperando?!
Sirius pensou numa quantidade infindável de comentários para retrucar, mas ao em vez disso deu de ombros e foi em busca de tudo aquilo para sua limonada. Tiago foi buscar a carne congelada de dentro do freezer, além de uma faca e um martelinho de madeira (ele só pôde agir daquela maneira porque se lembrara vagamente de sua mãe, que sempre pegava, junto com a carne, uma faca e um martelinho de madeira. Ele não entedia o porquê daquilo, só podia imaginar a faca e o martelinho como sendo itens padrões. Inseparáveis da carne, assim como são leite e sucrilhos).
-Oh Aluado...- a voz de Sirius soou do outro lado da cozinha.Remo ergueu os olhos avelã para ele- O que é um quilidicafor?
-Eu sei lá! Quili- o que,Sirius?
-Quili...pera,sei que consigo!Dicafi...ah,droga, eu falei agora á pouco! Cafidofi...
-Liquidificador?
-Isso, essa geringonça aí!
Remo deu risada. Tiago,olhando á sua volta, encontrou o objeto trouxa:
-Minha mãe usa isso aqui só por usar mesmo!-ele entregou ao amigo com o mesmo olhar confuso- Ela sim pode fazer magia, por isso pode espremer limões sem um quificoladir,mas prefere usar os equipamentos trouxas.Sabe, nossos vizinhos são trouxas e ela tem amigas também que vem pedir isso aí emprestado.Eu não sei porque minha mãe insiste em forrar nossa casa com essas bugigangas! Não que eu não goste de trouxas, claro, adoro trouxas!Minha Lily por exemplo é uma mestiça, só que acho eles complicados. Uma vez eu e meu pai tentamos usar aquele...
Tiago era a criatura mais tagarela que Sirius já conhecera em toda a sua vida.Quando começava a falar algum assunto interessante, desembestava euforicamente e então não parava mais. Funcionava á todo o vapor 24 horas por dia, e o pior de tudo é que ele não vinha com um botão de desligar. Sua pilha durava por tempo indeterminado, durava tanto, mas tanto, que Sirius ficava rouco só de se imaginar no lugar da garganta do amigo. Afinal de contas foi graças á taramelisse de Tiago que, no Expresso de Hogwarts, os dois se conheceram. Sirius se lembrava de ter se sentado na mesma cabine que o jovem Potter e que o estranho de óculos redondos quebrara o gelo com um discurso sobre quadribol. Sirius se interessara de início, mas após umas boas três horas nas quais não pôde dar nenhuma opinião além de acenos de cabeça e uma ou outra exclamação, se inquietou no banco. Tiago pausara seu monólogo apenas para perguntar “O que foi?” ao que ele se lembrava de ter respondido “Nada. Só estou procurando a tomada pra desligar você.”
Agora, com o liquidificador na mão, Almofadinhas se afastou para descobrir como se preparava uma limonada. Remo pediu á Tiago (que teoricamente conhecia melhor aquela cozinha) uma frigideira e um pote de manteiga, pois naquele momento começara á cortar a carne.O molho só aguardava o suco de limão.
-Psiu!Rabicho, vem cá!-chamou Sirius pelo canto da boca, apoiado no balcão da cozinha. Pedro se aproximou com cara de interrogação.-Você sabe como é que esse treco funciona?
-Porque não joga tudo aí dentro e aperta “Ligar”?-sugeriu o animago roedor. Sirius ponderou por alguns instantes, até que:
-Boa...então lá vai:água.- e despejou a água.-Erm,açúcar...isso é açúcar?
-Deve ser.É branco.-Pedro deu de ombros, sem nem ao menos sugerir ao amigo que ele provasse. Sirius também não se lembrou deste simples detalhe, e por isso foi logo despejando a suposta açúcar logo atrás da água.
-E limões...
-Inteiros assim?Com casca e tudo?
-Deve ser!-disse displicentemente, atirando as ácidas esferas verdinhas dentro da solução aquosa.Elas mergulharam com “Plofts” respingados.
Orgulhoso de seu trabalho, Sirius apertou o botão. Mas nada aconteceu.
-Ahh...é assim?
-Assim como?-Pedro fitou ariscamente o liquidificador cheio de ingredientes, que permanecia solenemente quieto.-Oh Aluado, como é que liga isso?
-Na tomada.- foi a resposta.Remo estava de costas para ambos, sendo observado por um Tiago muito interessado em assistir filés de carne sendo grelhados.
-Ele disse “na tomada”.- fez Pedro.
-É, hum...certo. Tomada...aquilo ali é uma tomada,não é?-Sirius apontou para dois furinhos inseridos num quadrado de cor diferente da parede. Com a confirmação cabeçal de Pedrico, ele ligou o liquidificador, em seguida pressionando o botão.
Trruuééééééééééééééééééééééééééééééééémmmmmmmmmmmm!!!
Uma maça grotesca de “açúcar”, limões maduros e água começou a se sacudir no interior, paredes e logo boca do liquidificador,que tinha a honra de estar destampado. Ele começou a sambar sobre o balcão, sempre resmungando e cuspindo limões com água, tão frenético quanto a panela. Pedro,horrorizado,correu para Remo e Tiago, urrando “Está vivo!Está vivo!” enquanto Sirius, agarrando uma vassoura que descansava calmamente encostada na parede, começou a desferir ataques violentos em todas as partes que conseguia alcançar do liquidificador:
-TOME!TOME!TOME SUA COISA HORROROSA! EM GUARDA, IÁÁÁ!!-ele avançava corajomanete, mas seu inimigo reagia às vassoradas trepidando numa dança desenfreada, vomitando um grotesco suco de limão e intensificando o seu Trééééééémmmmm furiosamente. Jorrava limonada e cascas verdes no rosto,cabelo e olhos de Sirius, o que só o instigava a atacar com mais força.
-VOCÊ ENLOUQUECEU, SIRIUS!?DEIXE ELE EM PAZ!-no desespero, Remo passou para Tiago sua frigideira untada por manteiga. Mas Tiago, desastrado,acabou se queimando. Com um esganiçado “Ai!” largou a frigideira untada por manteiga e correu,empunhando seu rolo de macarrão,para socorrer Sirius. A carne, que jazia naquela mistura, saiu planando pelos ares e foi pousar com um ruidoso e liso “Plaf!” no piso já ensopado e batatoso do que um dia fora uma cozinha. A frigideira, seguindo piamente as leis de Murphy, desabou no chão voltada para baixo.
-AGUENTE FIRME, ALMOFADINHAS!URRA!!-Pontas golpeou um estridente, vitaminado, melado, ruidoso e desenfreado liquidificador com seu rolo de macarrão. O objeto desprendeu-se da tomada e finalmente cessou seu malabarismo, ainda vomitando um líquido grosso constituído por limões inteirinhos, água e o que Sirius pensava ser açúcar.
-Você o matou!-ganiu o rapaz de cabelos sedosos e negros, que eram também donos de um penteado único, agachando-se ao lado do derrotado mas feliz objeto trouxa.- Eu não pretendia ser tão cruel!-e largou sua arma de defesa, a vassoura, tristemente.-VOCÊ O MATOU, TIAGO!
-Oh, o que foi que eu fiz!-Pontas atirou seu rolo de macarrão para longe.-Pobre Fiqualidor!
Pedro observava tudo ainda trêmulo e cada vez mais ansioso,enquanto Remo tinha um ar desesperado impregnado no rosto:
-A tampa!Você se esqueceu da tampa,Sirius!- ele sacudia a peça complementar que provavelmente teria evitado aquilo tudo diante dos olhos acinzentados do cachorrão- É claro que tudo iria pros ares se o liquidificador estivesse aberto!Oh, Merlim!
-Mas a culpa não é só minha!-protestou um limonado Sirius, se pondo de pé junto com Tiago (este ainda embalando o liquidifacor assassinado em seus braços)- Olhe só o fim que levou a carne!
Os olhos de Lupin seguiram a direção que o dedo firme de Sirius apontava: no chão, estrebuchava-se o medalhão de filé mignon.
-Porcaria!-Remo ia se aproximar do estrago, quando escorregou no pote aberto de manteiga que se utilizara para untar a frigideira e acabou desabando no chão,enquanto a maléfica manteiga saiu deslizando pelo encharcado, batatoso, limonado e fedorento chão de cozinha,que além de tudo estava repleto por cacos de porcelana quebrada-proveninetes das xícaras.
-Hei, sabe de uma coisa?!-Pedro passou o dedo numa das poças da limonada e, provando-a, concluiu- Aquilo ali era sal,não açúcar!
-A é?-Sirius lambeu o próprio rosto,que mantinha os cuspes de seu valente combatente.-Ih, verdade!Mas cadê o açúcar?
-Aqui, Almofadinhas!Porque não pediu antes?- Tiago abriu um dos armários sobre suas cabeças, puxando com esforço um gordo saco branco. O que ele não percebeu é que, ao virar o saco em seu colo para ajustá-lo e conseguir mostrar seu rótulo, apontou sua abertura para baixo. Quilos de açúcar jorraram no chão, como neve, só que mais fina e delicada. Remo (ainda no chão), Sirius (se lambendo) e Pedro (bebericando a nojenta limonada) observaram em silencio a grande proeza de Tiago, que estupefato, manteve o saco de ponta cabeça até vê-lo murchar. Diante de seus pés formou-se um montinho alto de açúcar refinado.
-Erm...tá vendo?Eu disse que esse era o açúcar.- Tiago finalmente obrigou sua voz á sair.
-É...-Sirius fitava o cobertor branco e cintilante que agora fazia parte daquela imunda decoração-Eu notei.
Remo se ergueu perigosamente calado. Tiago mantinha o saco vazio de açúcar em mãos enquanto Pedro, com a língua coçando e o estômago lhe corroendo por dentro, foi afundar as mãos no monte doce que jazia no chão. Sirius agora limpava o rosto com seu próprio avental azul-bebê e, depois de limpo, sugeriu novamente:
-Ovo frito?
Mas antes que qualquer um deles pudesse concordar, ou não, com a sugestão de Sirius, um cheiro inconfundível de queimado tomou conta de todos os demais odores daquela cozinha. Lupin voltou os olhos para o fogão:
-Tiago!!!
-Acuuuuudam!!- Rabicho começou a arrancar os cabelos, parando de comer sua montanha de açúcar.
-ÁGUA,ÁGUA!!-Sirius correu para encher um balde até a boca com água da torneira e trotou na direção do fogão.
O fato era que no momento em que largara tudo para os ares, Tiago atirara o pano com que segurava o cabo da frigideira dentro da chapa acesa do fogão, enquanto manteiga, frigideira e carne foram parar no chão da cozinha.Remo desligou o fogo o mais veloz que conseguiu, mas o problema agora não era mais o fogão e sim o infeliz pedaço de pano, que agora estava em brasas.
-Ahhhhhhhh!!!Fogo!Fogo!!-bradava Pontas, chegando para perto das chamas altas e furiosas que tomavam conta do tecido: ele as abanou convulsivamente usando seu saco murcho de açúcar, o que foi um grande erro...ao improvisar uma ventania o rapaz conseguiu fazer as chamas incandescentes aumentarem de tamanho e ira. Remo puxou Tiago para longe da iluminada tocha, sentindo o calor em seu rosto com grande intensidade.
-Cuidado,Tiago!!
-FOGO!FOGO!-continuava Pedro.
-ESTOU INDO,ESTOU INDO!!
CHUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!
Num movimento solene Sirius lançou toda a água de seu balde no pano incandescente, na chapa do fogão e,inclusive, nos amigos. Silêncio.
(...)
-Hehe,pelo menos o fogo apagou.-disse o rapaz por fim, escondendo o balde vazio atrás das costas com um imenso sorriso no rosto. Á sua frente,como dois pintos molhados, ofegavam Pontas e Aluado. Os cabelos de corvo de Tiago pingavam em seu rosto, levemente caídos. Seus óculos com várias gotículas de água tornaram-se inúteis, e da cintura para cima suas roupas grudavam na pele. Remo não estava muito diferente; seus cabelos castanhos caiam em sua testa e olhos, lisos e escurecidos pela água. Seu rosto gotejava, seu avental permeável sugou toda a água gelada e, torcendo a manga de sua roupa, ele disse serenamente:
-Parabéns, Almofadinhas.
Novamente o silêncio. Neste intermédio, o pano deformado e contorcido sobre a chapa do fogão suspirou uma fina risca de fumaça.Tiago trocou um olhar ensopado com Sirius, que sorriu em resposta.Remo os encarou também, o rosto desnorteado. Pedro os fitava de longe. De repente, os quatro caíram na gargalhada.
Riram como riem os malucos, quando se conformam com sua bizarra situação. Riram como riem os derrotados de uma guerra de travesseiros.Riram tanto, mas tanto, que Sirius teve de se sentar sobre seu balde vazio, Remo de se encostar na parede e sair deslizando até o chão e Tiago de se apoiar em Rabicho,este roxo.
Ao redor dos rapazes: caos total. Sobre a pia uma bacia com pimenta rosa, pimenta do reino preta, branca e jamaicana, misturadas á azeite providenciavam um odor azedinho que iria muito bem com limão, servindo como molho para um filé.No entanto, o dito filé mignon jazia arreganhado no chão, se é que ainda podia –se chamar aquilo de “chão”. O piso tomara um banho de água fervente, além de uma chuva de batatas cozidas. Outros ingredientes que serviriam para o purê estavam ali, ao lado da panela de pressão (esta desfalecida). Eram estes: leite, queijo parmesão ralado e salsinha picada, todos também molhados. Voltando para o piso: tínhamos ali, além de individuais massas de purê de batata e um medalhão, um rastro de manteiga, açúcar, muito açúcar, cacos de vidro e pedacinhos mutilados de limões.Limões estes vindos ás melecas com água salgada, esta pingando incansavelmente de dentro de um liquidificador abandonado sobre o balcão. A mesinha de centro mantinha-se na mesma posição em que fora deixada no início daquela batalha: deitada de pernas pro ar, posicionada para servir de escudo contra o fogão...não podemos nos esquecer também do rolo de macarrão e da vassoura,companheiros fiéis!O teto da cozinha, graças á explosão da panela, sofrera também com tudo aquilo e agora estava umedecido, franzido e um pouco descascado.
Um ruído vindo do Hall interrompeu as risadas dos marotos. Uma voz feminina ecoou um “Chegueeei!” satisfeito da sala da lareira,enquanto, na devastada cozinha, os quatro se entreolharam levemente sem cor...
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