Conversas Noturnas



Sussex, 12 de Agosto de 1973
    O tempo passou e Sheeba cresceu... pouco, é verdade, mas cresceu. Era agora uma adolescente de 12 para 13 anos com 1,50, bem menor que o resto da turma, mas que naquele momento, em férias não pensava tanto em sua altura... sua mãe mesmo era baixa, provavelmente ela não cresceria muito mesmo... Ela agora se preparava para iniciar o terceiro ano em Hogwarts, muito mais esperta e segura que dois anos antes.
    Ela estava na pequena água furtada que lhe servia de quarto, arrumando uma mala para passar uns dias em Chelsea, na casa de Lilian. Fora um custo convencer sua mãe. Os pais de Lilian precisaram dar um telefonema e explicar que seria bom, que as duas eram muito amigas... isso amoleceu o coração de Dona Abigail, que acabou permitindo que a filha fosse.
    A casa de Sheeba era sempre muito movimentada, não era para menos, com cinco rapazes. Seu irmão mais velho, Silas (25 anos), casara-se no ano anterior e mudara-se para Londres, onde um policial ganhava melhor. Os outros, Julio (22), Ivan (20), Nikos (18), Kaleb (17) e Jamal (15) eram solteiros, sendo que os três mais novos trabalhavam e estudavam.
O pai de Sheeba trabalhava no porto, como conferente, seu nome era Héricles Amapoulos e ele era um homem de seus quase cinquenta anos despachado e alegre, que tratava todos os filhos muito bem, e se não tivesse sido freado pela mulher, teria mimado demais Sheeba, a única filha da qual ele escolhera o nome, que vira numa caixa de charutos americana, “Queen Sheeba”. A despeito dos protestos da mulher, Sheeba tinha o nome de uma rainha e de uma marca de charutos.
    Sheeba não herdara a pele morena da mãe egípicia, ao contrário dos irmãos, e o pai dizia que a brancura dela vinha da sua mãe, avó de Sheeba, uma grega que diziam ter sido muito bonita. Quando estava em casa era vigiada de perto pelos irmãos, que diziam que no dia que ela começasse a namorar o sujeito iria passar por diversas provas de resistência para provar que merecia a companhia da caçula dos Amapoulos. Eles diziam que eram os doze trabalhos de Héricles em referência ao nome do próprio pai.
    Sheeba não se importava com isso porque na verdade ainda nem pensava em namorar. Ela estava mais preocupada em se tornar uma grande bruxa, o que era sempre motivo de gozação dos irmãos, principalmente de Jamal, o mais novo deles, que mostrava a ela figuras de bruxas feias e narigudas, a favorita era a da Branca de neve do Walt Disney. Ele dizia que Sheeba teria aquela cara quando se formasse. Os pais não entendiam muito bem porque Sheeba afinal “precisava” estudar aquilo... mas era estudo de graça, e sem despesas para a família, que agora até tinha uma situação melhor com quase todos os filhos trabalhando, depois de anos muito difíceis na infância deles.
    Lilian chegou depois do almoço no  para buscar Sheeba, no banco de trás de um carro grande, ao lado de Petúnia, que estava sempre de cara amarrada. Petúnia tinha 17 anos, mas parecia mais velha, andava meio curvada porque era alta e seca como uma varinha. Lilian dissera que Petúnia tinha poderes e recebera uma carta de Hogwarts, mas se recusara a ir para a escola com medo e agora estava no último ano da escola normal em Chelsea, queria ser professora. Sheeba sentia pena dos seus futuros alunos.
    Os pais de Lilian cumprimentaram os de Sheeba, o Sr. Edward Evans era um homem magro, alto e meio calvo de olhos bem verdes, muito simpático, bem falante, trabalhava numa grande empresa. Já a mãe de Lilian, Ester, era alta e Lilian era parecida com ela, sendo que com os olhos do pai, era mais reservada, mas compartilhava do mesmo entusiasmo do marido pela vocação mágica das filhas. Apenas evitava recriminar a mais velha por não ter querido estudar magia.
    Em pouco tempo, Sheeba estava se despedindo dos pais e embarcando no carro dos Evans rumo a Chelsea, achou melhor guardar para si que achava este o carro mais bonito onde já tinha andado... seu pai tinha uma caminhonete velha para ir ao porto, que tinha inclusive um buraco na lataria que o pai dizia ser a marca de uma bala da época da Guerra Mundial.
    Lilian e Sheeba estavam com roupas de trouxa, Sheeba feliz porque estreava sua primeira calça comprida de boca de sino, que sua mãe copiara de um modelo de revista, e Lilian com um macacão azul. As duas garotas iam rindo muito, falando das coisas que aconteciam em Hogwarts, das aulas. Os pais de Lilian escutavam interessadíssimos, achavam fascinante esse mundo fantástico.
    Horas depois, Sheeba e Lilian estavam conversando no quarto de Lilian, onde Sheeba dormiria. Sheeba soltara as longas tranças e penteava o cabelo, Lilian fazia a mesma coisa, ambas estavam sentadas diante do enorme espelho da penteadeira de Lilian:
-    Sheeba... se eu te contar um segredo você guarda?
-    Guardo... claro.
-    Acho que o Remo gosta de mim.
-    O Remo?
-    É...
-    Engraçado... eu sempre achei que o Tiago gostasse de você... e o Pedro também
-    Não, eu acho que não...
-    E você... gosta do Remo? – Sheeba disse isso com uma pontinha de apreensão
-    Só como amigo, quer dizer, ele é adorável...mas não, eu gosto de outro.
-    Quem?
-    Ah, não, você vai rir de mim.
-    Conta, Lilian.
-    Eu gosto daquele menino da sua turma... o Henry...
-    Mas... o Henry – Sheeba parou para não ofender a menina... achava Henry um idiota total. – O Henry é legal.
-    E você? – Sheeba  corou intensamente... ela tinha começado a gostar de alguém realmente, há algum tempo. Fechou os olhos e disse:
-    Eu gosto do Remo.
-    Do Remo? – Lilian disse surpresa. – Eu sempre achei que você gostasse, quer dizer, vocês brigam muito, mas você e o Sirius...
-    O que, Lilian? Você ficou maluca? Eu nunca ia gostar do Sirius. Ele é um gorila horrível, um monstro! Você já viu o tamanho dele? E as mãos? Nunca, eu gosto de garotos mais... calmos. O Remo parece tão inofensivo. Pena que ele gosta de você...
-    Ah, mas se ele visse como você é... acho que ele ia gostar de você sabe? Mas voltando ao Sirius... ele deve gostar de você.
-    Duvido. Ele não gosta de ninguém... acho que ele gosta daquela insuportável da sua turma, a Amanda...
-    A Amanda gosta dele.
-    O QUÊ? Como alguém pode gostar dele... ninguém pode gostar de alguém tão insuportável... – Sheeba passava a escova mau humorada pelos cabelos, então levantou-se e  a depositou  sobre a penteadeira com raiva. Lilian não disse nada, mas intimamente achou que Sheeba estava com ciúmes de Sirius.

Enquanto Sheeba passava férias com Lilian, a enorme mansão onde morava a família Potter recebia três hóspedes. Tiago Potter morava num bairro nobre londrino, numa casa que pertencera a sete gerações de sua família. Sirius Black morava no mesmo bairro, mas do outro lado, numa mansão igualmente grande, mas pouco mais sombria, que agora estava vazia, pois os pais do garoto tinham ido à Nova Iorque com o filho mais velho, que aos poucos ia assumindo os negócios do pai na América.
Fortunas antigas de famílias como os Potter, os Black e os Malfoy vinham de muito tempo, quando seus ancestrais ajudavam reis como magos residentes, recebendo para isso fortunas em ouro, com o tempo e a separação de bruxas e trouxas, eles haviam tomado outros rumos dentro da comunidade mágica, metendo-se nas rotas de comércio de matérias primas para poções, feitiços e materiais mágicos. Enquanto os Black e os Malfoy eram comerciantes de feitiços, poções e matérias primas, a família Potter mantinha a fortuna com fazendas de criação de animais mágicos... a favorita de Tiago era a fazenda onde criavam-se Fênixes.
O reverso da moeda eram as famílias como as de Remo e Pedro, que eram bruxos mais pobres, cujos pais, mesmo sendo bruxos antigos, não vinham de famílias ricas e tinham empregos nas comunidades mágicas. O pai de Remo era professor numa escola no Norte da Escócia, que para sua mágoa não aceitara seu filho como aluno, apenas o irmão gêmeo deste, Rômulo. Sua mãe era uma bruxa do lar. O pai de Pedro era enfermeiro no hospital St Mungos, assim como sua mãe.
Naquela noite os quatro conversavam no escuro, no quarto de Tiago, haviam contado histórias terríveis de monstros que assombravam Hogwarts, e Sirius conhecia as mais assustadoras e horríveis que eles podiam imaginar, ele achava que não os assustava porque não podia ver Pedro tremendo de medo. Mas até as histórias de terror mais sanguinolentas um dia perdem a graça e eles começaram a falar da escola:
-    Bem que podia ser verdade esta história de que tem um monstro em Hogwarts que come gente... – disse Pedro – ele podia devorar o Filch que ele não ia fazer a mínima falta.
-    Eu acho que tem um monstro em Hogwarts – disse Remo. - Um monstro horrível – pela amargura em sua voz, ele estava falando dele mesmo. Os quatro garotos ficaram em silêncio até que Tiago falou:
-    Remo... eu não acho justo isso... você fica preso na lua cheia.
-    Tiago, isso é assunto meu... deixa pra lá.
-    Não tem isso de deixa pra lá – Pedro interrompeu – nós somos seus amigos... porque você não quer que a gente te ajude? Agora que a gente já sabe...
-    Porque eu posso machucar e até matar vocês... vocês não sabem como eu fico. Só eu sei. Durante anos minha única companhia na lua cheia era o meu cachorro. Só ele chegava perto de mim e eu reconhecia.
-    Porquê? – perguntou Sirius – Porque era um cachorro?
-    Não... Lobisomens só tem raiva de pessoas.- Um lampejo vivo passou pelo rosto de Tiago.
-    Quer dizer que se nós fôssemos bichos... você ia poder ficar perto da gente?
-    Ia. – Disse Remo tristemente. Aquela conversa o chateava.
-    E se nos tornarmos bichos?
-    Como assim – perguntou Pedro, apreensivo.
-    E se eu você e Sirius nos tornássemos animagos?
-    Não ia dar certo – disse Pedro – a gente ainda ia ser gente.
-    Não ia não – interrompeu Sirius – realmente... eu li em algum lugar que o animago transformado tem a mente de um homem mas toda a essência de um animal. Eu li porque queria ver se me transformava em alguma coisa, pra assustar alguém, mas achei muito complicado...
-    Onde você leu esse livro? – disse Tiago interessado
-    Lá em casa. Meu pai tem centenas de livros sobre qualquer coisa... ele e Caius adoram ler.
-    Vocês estão cogitando isso seriamente? – Remo olhava-os surpreso – Quer dizer... isso demora anos! Vai ser muito difícil.
-    Vamos planejar tudo – disse Tiago, que era muito prático- e vamos praticar bastante antes de tentar pra valer... ia ser chato se um de nós ficasse com uma cara de foca ou pata de aranha para sempre... isso se vocês toparem...
-    Lógico que eu topo – disse Sirius sem hesitação – amanhã mesmo eu vou dar um pulo lá em casa e pegar uns livros sobre isso. Você topa, não é nanico?
-    O que eu vou fazer? – disse Pedro – vocês sempre me arrastam pras encrencas, eu sou o menor e mais fraco... mas acho que vou ter dificuldades.
-    A gente te ajuda – disse Tiago – E o Remo também.
-    Eu não acho isso uma boa idéia – disse Remo mal humorado – Se alguém descobrir estamos expulsos.
-    Ótimo, quatro bruxos de varinha quebrada – disse Sirius alegremente – poderemos fazer um número musical e pedir esmolas.
-    Ah, Sirius, não enche... – ele tentou esconder o riso e disse – e que bichos vocês vão se tornar?
-    Isso nós ainda vamos descobrir – disse Tiago – vai depender do plano que seguirmos para entrar na passagem onde te prendem.
-    Por falar em passagem – Sirius disse bastante satisfeito – eu encontrei uma preciosidade num caderno esquecido do meu irmão e copiei... ele não sabe que eu copiei. Vocês acreditam que o velho monitor da Grifnória na verdade anotou em tinta invisível no caderno dele um monte de passagens secretas de Hogwarts?
-    Caramba! – Tiago quase gritou – isso é uma maravilha... onde está?
-    Comigo – disse Sirius, saltando para pegar algo numa mala no canto – Lumos – ele disse ao retornar e iluminar uma lista anotada num pedaço de pergaminho com letra meio garranchosa. Os garotos foram rindo conforme iam lendo os segredos. – A gente pode fezer uma cópia para cada um.
-    Isso não é funcional – disse Remo pensativo, de todos ele seria sempre o mais prudente – já  pensou se o Filch pega? Descobre todas as passagens de uma vez...
-    Sirius – disse Pedro – reparou que aqui não tem nenhuma das passagens que a gente descobriu?
-    Reparei... isso é ótimo. Temos mais opções que nunca tivemos... vejam, se quisermos podemos fazer um belo rombo no estoque da dedosdemel...hehe
-    Sabe o que a gente precisava – disse Remo depois de algum tempo pensando – de um mapa que mostrasse todas as passagens.
-    Isso aí – disse Thiago – Todas as passagens em todos os andares.
-    É? E se pegarem a gente usando esse mapa? Estamos ferrados – disse Pedro, que sem dúvida era o mais medroso.
-    Isso é fácil – Remo agora se entusiasmara – Sabe o que a gente pode fazer? Um mapa mágico. Eu vi um livro lá na biblioteca, “Cartografia Mágica e segredos de monitoramento”... e a gente faz um mapa onde possa ver todo mundo em Hogwarts.
-    Dá pra fazer isso? – Sirius parecia incrédulo.
-    Dá, claro que dá... Eu tenho um tio que trabalha com monitoramento... ele tem um mapa assim que mostra o prédio do Ministério da Magia. A gente só precisa tirar as medidas.
-    Como, Remo?
-    Com os pés, ora, em passos.
-    Mas seu pé é maior que o meu e o de Tiago... e o do Sirius é enorme.
-    Muito simples... a gente faz a medida pelo pé do Sirius... no intervalo das aulas, um de cada vez, cada um pega um pedaço... todos usamos os sapatos de Sirius, ninguém vai notar.
-    Ótimo, e depois?
-    Depois – Remo concluiu triunfante – a gente põe uma senha de forma que apenas a gente saiba abrir o mapa. E pronto... se o filch pegar, é um pedaço de pergaminho onde a gente ia anotar alguma coisa... que tal?
-    Per-fei-to- disse Tiago, o rosto iluminado pela luz da varinha de Sirius, que completou:
-    Precisamos por um nome no nosso mapa.
-    Isso é fácil... lembram como o Pirraça chama a gente – Disse Pedro – os marotos.
-    Ah, isso fica esquisito, mapa dos marotos. – Sirius fez uma careta
-    Dos marotos não – Tiago completou – Do maroto. O mapa do maroto, que tal?
-    Acho que está bom.
E as risadas abafadas dos garotos continuaram enquanto eles iam prevendo as travessuras que iam arrumar com seu mapa, que nem estava pronto ainda. Até que exaustos demais, cada um caiu para um lado, adormecendo profundamente.

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