IRMÃOS DE SANGUE
Os passos de Sirius ecoavam dentro do labirinto da casa de horrores do parque de diversões. Ele conjurara uma luz na ponta da varinha, e tinha a espada desembainhada na mão esquerda. Achava estar preparado para qualquer eventualidade. O anel lhe dava confiança. Realmente, não fosse pelo anel, a névoa que deslizava suavemente atrás dele, mantendo distância de alguns passos, já teria se transformado num vampiro e o atacado por trás. Mas mantinha prudente distância, aguardando que ele atingisse o coração do labirinto.
Enquanto isso, Caius voava rapidamente impulsionado por sua consciência pesada... a última coisa que queria agora era que o irmão tivesse o mesmo destino terrível que ele, ou que seu tio mais velho que morrera sem se render trinta e seis anos antes, como seu pai sempre contara a ele, numa história que povoara seus pesadelos de infância. O herói morrendo cercado por vampiros. Mas agora era pior, porque ele sabia que o vampiro em questão queria apenas ferí-lo. Puro instinto, ele transformou-se em névoa, e desceu silencioso pelo ar assim que a presença ficou mais forte, entrando no labirinto com toda cautela que era possível.
Enquanto isso, Harry desistira de chamar os Van Helsing pelo walkie talkie, e corria pelo Central Park, onde aparatara minutos antes, à procura de John e seus filhos. Lyra por sua vez, achara Steve Van Helsing num túnel do metrô na área que ele avisara que patrulharia aquela noite e ambos corriam na direção da saída, onde pegariam a moto dele e tentariam chegar a tempo ao Cental Park para achar John e Harry. De vez em quando Lyra sentia o elo mental com Caius enfraquecer e reforçava-o concentrando-se no vampiro, que, mesmo contra a sua vontade, ela sabia amar profundamente.
Sirius ouviu um sussurro e voltou-se.
‒ Saia, covarde ‒ ele disse. ‒ Tem medo de um mortal?
Ele ouviu de novo a risada do vampiro. Procurou controlar seu ódio, olhando em volta. O anel quase queimava seu dedo, a presença do vampiro era muito forte. Um dos dons do anel era fazer seu portador saber quantos vampiros o cercavam, e Sirius sabia que era um só. Mas sua força era assustadora.
‒ Você parece com Sirius ‒ sussurrou a voz invisível
‒ Eu sou Sirius.
Outra risada.
‒ Porque você não aparece?
A pergunta ficou sem resposta. Um silêncio negro e ameaçador pairava em volta dele. Ouviu então a voz de Caius, no início do Labirinto
‒ Sirius?
‒ Estou aqui Caius.
Houve um ruído surdo e Sirius chamou Caius de novo. Ele sentia a presença do irmão por causa do anel, mas agora a presença estava mais fraca. Subitamente, alguém saiu de um vão da parede, e antes que ele pudesse reagir, um choque de 110 volts, aplicado por um sujeito portando um taser, o derrubou, deixando-o indefeso.
Caius não podia acreditar que fora pego. Sentia-se estúpido ao extremo.
‒ Está no Grimoire, sobrinho ‒ disse o vampiro que finalmente aparecera, agora que ele estava imobilizado ‒ Uma corda, feita de fios sarça sagrada, pode imobilizar qualquer vampiro... você nunca leu o Grimoire que roubou de mim? ‒ ele sorriu. Seu rosto era deformado, a cabeça, sem um fio de cabelo. Faltava-lhe um olho e ele não tinha um braço. Mas ainda assim, Caius o reconhecera antes mesmo de vê-lo: Morpheus Black, vampiro centenário, o pai da maldição.
‒ Eu estou me perguntando como você sobreviveu ‒ Caius deu uma olhada furtiva nos três homens que tentavam em vão sacar o anel da mão direita de Sirius. Precisava ganhar tempo. Se eles conseguissem tirar o anel, tudo estaria perdido. Sirius já recobrara a consciência, e mesmo amarrado, debatia-se dando imenso trabalho aos três sangue-quentes.
‒ Caius, eu conheço seus truques... na verdade você está fazendo isso para me distrair, certo? Você realmente mudou nestes anos... nunca imaginei que tivesse consideração pelo irmãozinho mais novo... eu vou vampirizá-lo, nem que para isso meus companheiros precisem arrancar-lhe o dedo... ou o braço, como aquele maldito Van Helsing fez comigo, quando você me traiu... você fez tudo certo, mas cometeu um erro. Armou para que eu fosse pego por um Van Helsing jovem, inexperiente. Ele acreditou quando eu simulei minha morte evaporando em névoa. Se fosse um dos mais velhos teria desconfiado de uma morte tão fácil...
‒ Mas mesmo inexperiente posso ver que ele fez um grande estrago em você. Você está ainda mais feio, "titio"
‒ Lord Morpheus ‒ interrompeu um dos homens ‒ o anel não sai de jeito nenhum.
‒ Vamos ter que usar o plano b... ‒ disse Morpheus
‒ Como diabos você conseguiu estes malucos para te seguir? ‒ Caius olhou o pequeno grupo. Três homens, nenhum deles vampiro.
‒ Tão fácil, Caius... você anda todas as noites perto deles e não os conhece? Eles são fascinados por nós... e quando eu acabar o que quero fazer, vou dar-lhes o presente, e eles terão vida eterna. Hermes era fascinado pela vida vampira, sempre achou que éramos reais, não apenas frutos da imaginação humana ou personagens de joguinhos de RPG. Lloyd é meu perito em tecnologia. Ele tem recursos e aparelhos que parecem mágicos... ele que deu a idéia dos projetores holográficos, e ele que estudou os Van Helsing sem ser percebido, e entrou na frequência de rádio deles esta noite, para atrapalhar sua comunicação... Sempre amei a tecnologia, desde o tempo que eu era a aberração da família. A tecnologia vai fazer os bruxos desaparecerem, quem precisa de mágica se pode usar tecnologia, hein? E finalmente Klaus, o forte, eu o conheci entre os mendigos, ele foi o primeiro que me seguiu. Você tem idéia do que é estar ferido e só dentro de um buraco de esgoto por dias, fraco demais para sair?Se não fosse um sangue quente da manutenção de rede, que me serviu de alimento, eu estaria lá até hoje.
‒ Porque eu não soube de você, Morpheus?Porque não conheci nenhum ex-escravo seu feito depois da sua falsa morte?
‒ Hermes, Lloyd e Klaus os mataram para mim. Eu os mantive puros para poder concretizar minha vingança.
‒ Você quer ser o novo Valek.
‒ Sim... e vou acabar com a aliança, depois que acabar com você... só restam dois líderes, sem eles, os outros ficarão sem rumo, e eu farei a Nova Aliança... e seremos novamente quatro grandes, como nos velhos tempos. Meus amigos vão te matar, Caius. Mas antes, eu farei teu irmão meu escravo, e não vou matá-lo, vou mantê-lo sob meu jugo por muitos anos, para que do inferno sua alma possa chorar por ele... eu te darei uma eternidade de sofrimento em troca dos anos que passei rastejando, Caius.
‒ Lorde Morpheus... ‒ um dos homens tinha um cutelo na mão e Caius percebeu terrificado o que ele faria.
Foi aquilo que o fez investir, e sem saber como, romper, ferindo-se muito, as cordas de sarça sagrada que o prendiam. Ele guardara sua força por tempo demais, e agora ela despertava de forma devastadora, assustando até mesmo Morpheus Black. Sem querer saber se morreria, Caius saltou sobre a espada de prata que fora tirada de Sirius, sentindo o punho queimar-lhe a mão assim que ele o tocou. Investiu contra Morpheus disposto a matá-lo e a morrer para salvar seu irmão de sangue.
Porém o esforço foi demais, e a sua mão direita começou a queimar, mas ele não queria largar a espada, e suas forças faltaram. Deu um passo em direção a Morpheus, que desviou-se do golpe, mas a espada feriu de leve a mão restante do vampiro, a mão direita, que ele ainda tinha. Caius gritou de dor pois uma ferida idêntica surgiu em sua mão direita, a que segurava a espada. E ele caiu ao chão, sentindo a espada soltar-se de sua mão. Sentiu formarem-se lágrimas de sangue em seus olhos, e sob a névoa vermelha, reconheceu os sinais que o Grimoire assinalava de morte iminente: lágrimas de sangue, imobilidade e dor intensa. Era a pena imposta pela maldição para aqueles que tentavam matar diretamente um semelhante. Morpheus olhava-o, rindo.
‒ Eu também já passei por isso, Caius... eu também tive lágrimas de sangue nos olhos uma vez, quando você me traiu... eu vou olhar para você até ter certeza que você se foi, para encontrar sua alma no inferno... mas antes, você vai ver seu irmão virar vampiro. Os Van Helsing estão longe agora, acabou para você. Faça, Hermes.
Com um movimento único, o homem ergueu o cutelo e arrancou a mão de Sirius, que urrou de dor. Os outros dois contiveram a enxurrada de sangue, e Morpheus se aproximou, tomando o pulso de Sirius e sugando firmemente, queria sentir a vida dele se extinguindo. Foi quando ele viu.
Uma pedra pendurada no pescoço de Sirius brilhou intensamente por um segundo, e entre ele e Morpheus surgiram quatro figuras. Uma delas tinha uma espada. Uma katana de prata.
‒ Surpresa, feioso ‒ disse John Van Helsing, cravando a espada tão rápido em Morpheus Black que o vampiro não teve tempo de dizer sequer um ai: John o empurrou até a parede, onde ele ficou cravado, tentando falar, mas sem palavras. O vampiro encarou John Van Helsing por um instante e ele disse; ‒ é, bruxos também vivem me surpeendendo, cara . Boa viagem para o inferno ‒ ele disse, desembainhando uma segunda espada e com ela arrancando a cabeça de Morpheus, que explodiu com um grito terrível.
Os companheiros não-vampiros dele pararam petrificados de medo. Steve Van Helsing apontava uma arma, uma pistola de design bem futurista para eles:
‒ Garanto a vocês que essa belezinha não faz mal só para vampiros
Harry já estava ajoelhado junto de Sirius com Lyra, assim que chegara, estancara o sangramento com um feitiço potente, mas precisava correr se queria reimpantar magicamente a mão de Sirius, tinha poucos minutos. Olhou de relance para Caius torcendo para que não fosse tarde demais. Pegou a mão decepada de Sirius no chão e pediu que Lyra unisse-a ao pulso. Felizmente, aprendera bastante sobre medicina bruxa na escola dos aurores.
‒ Conjuro Integrale! ‒ ele disse, e uma luz intensa banhou a mão decepada, que se uniu ao braço. A luz subiu pelo braço de Sirius, e quando atingiu o peito, ele gritou de dor, mas um instante depois, deu um suspiro profundo e aliviado. Lyra o livrara das cordas, e Harry abraçou o padrinho, que disse:
‒ Como eu sempre digo... você é bem filho de seu pai... ‒ subitamente ele lembrou-se de algo e olhou para o irmão.
Caius estava caído ao seu lado, imóvel, os olhos vidrados. Dois filetes vermelhos escorriam de seus olhos. Na sua mão direita, meio enegrecida, brilhava uma fraca chama azulada, onde a prata o tocara. Ele encarou Sirius e deu um débil sorriso:
‒ Você tem um afilhado legal, sorte sua, meu irmão. Cuide-se...
‒ Você não vai morrer, Caius...
‒ Eu já morri, há trinta anos, lembra? Você foi no meu enterro, que eu sei ‒ a voz de Caius era um sussuro débil. Sirius gritou para Lyra:
‒ Deve haver algum meio, me diga, eu não quero perder meu irmão!
‒ Apenas... sangue ‒ murmurou a vampira.
Entendendo, Sirius ergueu-se e pegou o punhal de Harry, que não interviu, por respeito. Encostou o punhal afiadíssimo no pulso recém reconstituído, e deu um pequeno talho, por onde escorreu um filete de sangue, quente, vermelho, brilhante... ele havia perdido algum sangue, mais um pouco não iria matá-lo. Abaixou-se ao lado do irmão e ordenou:
‒ Beba ‒ Caius olhou o pulso do irmão e balançou a cabeça em negação. Sirius estendeu-o com mais determinação e disse firmemente ‒ não seja o idiota de sempre!
Caius encarou novamente o irmão, e deu outro sorriso pálido, encostando os lábios no pulso aberto. Sugou um pouco do sangue quente que o irmão oferecia, e uma recordação apareceu intensa, na mente de ambos.
Sirius tinha sete anos, Caius 14, era o período de férias, e como de hábito, Sirius estava de castigo. Mas desta vez Caius não concordava com a punição, que acontecera porque Sirius surrara um garoto da vizinhança, um tal de Malfoy. Caius sabia quem era o garoto, e tinha certeza que Sirius tinha bons motivos para surrá-lo.
Aquela tarde, Sirius estava trancado no quarto do segundo andar, forçado a estudar matemática trouxa, quando Caius apareceu montado na sua comet 200 e disse:
‒ Suba. Vamos dar uma folga no castigo.
Voaram para bem longe de casa, empanturraram-se de doces e riram até ter dor de barriga. Quando voltaram, deram de cara com o pai, que os esperava para aplicar um castigo, desta vez a ambos.
Mas nenhum dos dois ligou, porque a diversão valera a pena, e muito. E por muitas vezes eles riram lembrando daquela tarde, inclusive, na última vez que haviam rido juntos, num fim de semana em Hogsmeade, mais de trinta anos antes. E lembrando disso, os dois, que se olhavam nos olhos enquanto Caius sentia o sangue e as emoções de Sirius salvando-o, começaram a rir, ante perpelexiadade de todos em volta, até que estavam, a despeito tudo, gargalhando juntos, enquanto Caius segurava o pulso de Sirius mantendo-o fechado. Sirius ergueu e abraçou o irmão, que disse:
‒ Obrigado, meu irmão.
Os dois se encararam novamente. Sirius percebeu que a mão direita de Caius jamais seria a mesma. Apesar do sangue dele ter recuperado o irmão, aonde ele segurara a prata, na tentativa de salvá-lo, uma extensa cicatriz permaneceria para sempre. Por sua vez, a mão direita de Sirius teria para sempre a fina cicatriz como uma pulseira, bem no local onde Harry a unira ao braço.
Caius encarou o irmão, vendo a realidade: não era mais um garoto, e dentro de alguns anos, estariam separados para sempre. Mas eram irmãos e o seriam para sempre: irmãos de sangue e irmãos de alma. Sorriu e disse:
‒ Nunca esquecerei o que você fez por mim, meu irmão. Eu protegerei você e toda sua descendência, enquanto estiver sobre a terra. Perdoe-me se um dia eu quis te fazer mal, Sirius.
‒ Eu te perdoei há muitos anos, Caius...
‒ Cuide desse pulso... você perdeu um bocado de sangue.
‒ Foi por um bom motivo...
‒ Tá bom, tá bom ‒ disse John ‒ estou emocionado...
‒ Porque não temos uma relação assim, John? ‒ caçoou Steve
‒ Porque você é um maldito psicopata recalcado ‒ rebateu John ‒ mas eu acho melhor tirarmos essa turma toda daqui antes que o sol chegue e Caius e Lyra fiquem presos neste maldito trem fantasma... que crime será que estas bestas quadradas cometeram? ‒ perguntou olhando para os ajudantes do falecido Morpheus.
‒ A rigor ‒ disse Steve, que era o advogado da família ‒ nenhum perante a legislação americana, porque para ela, sendo aliados da gente ou não, vampiros não existem...
‒ Sendo assim...SUMAM ‒ gritou John para o grupo, que saiu correndo por dentro da casa dos horrores ‒ e não se esqueçam que vão topar com a gente se resolverem procurar algum outro maluco que que se proponha a transformá-los em sanguessugas!
‒ Só não entendi uma coisa... como vocês chegaram aqui tão rápido ‒ disse Caius ‒ eu tive a impressão que vocês aparataram... mas vampiros e trouxas não aparatam...
‒ Chave de portal ‒ disse Harry puxando a pedra idêntica à de Sirius de dentro da camisa ‒ essas coisinhas felizmente não têm preconceitos contra vampiros ou trouxas.
‒ Eu não me acostumo a ser chamado de trouxa ‒ rosnou Steve.
‒ Ótimo, disse Caius, porque é exatamente isso que você é, panaca.
‒ Ei, não comecem ‒ interviu Lyra ‒ vamos embora, não tem mais nada aqui para nós.
‒ Sabe ‒ disse John arrancando da parede a espada que usara contra Morpheus ‒ até que para uma vampira você é uma garota bem legal. Essa foi a frase mais inteligente que eu ouvi aqui.
Sem olhar para trás, o grupo deixou o velho parque abandonado. Eram quatro da manhã. Em Nova Iorque, todos os vampiros começavam a ir para seus esconderijos.
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