UMA PRIMEIRA TENTATIVA





Draco encarou o pai com os olhos frios. Pensou por alguns segundos e disse:
‒ Não vou te dar o boneco, pai.
‒ Está me desafiando? Para que você acha que te mandei para Nova Iorque? Para passear? Porque você acha que paguei o curso?
‒ Para fazer mal ao meu desafeto.
‒ Não, imbecil. Eu quero matar o garoto.
‒ Para puxar o saco daquele bruxo enrugado que você chama de mestre? – Um tapa cortou o que Draco dizia. A fúria fria cintilava nos olhos de Lúcio Malfoy.
‒ Nunca mais fale assim do Lord das Trevas! – Draco encarou o pai com ódio. Era a primeira vez na vida que Lúcio lhe batia. A marca de seus dedos estava estampada, vermelha, na pele muito branca de Draco, que massageava o local.
‒ Eu não vou te dar o boneco. É meu. Eu fiz. Me pertence. Se alguém vai ter a vida do Potter nas mãos, esse alguém sou eu. E o professor disse que eu e somente eu posso fazer mal ao Potter. Temos um laço de ódio mútuo, pelo jeito. Se o senhor espetá-lo mal vai fazer cócegas nele.
Um sorriso maníaco apareceu no rosto de Lúcio Malfoy.
‒ Então faça, agora. Eu quero ver.
‒ Não posso. Ele tem proteção. Não te ocorreu que alguém como ele teria? Aquela madrinha sabe tudo dele provavelmente o avisou... mesmo com todo aquele gelo de confusão que você fez com meu cabelo para que ela não soubesse de nada sobre você através de mim, pai.
‒ Maldita. Pitonisa nojenta!
‒ Como você pode ver, não adianta, o boneco vai ficar comigo, pai. Se houver uma oportunidade, eu o usarei. Mesmo sabendo que até bruxos como você e seu mestre acham que vodu é coisa de bruxos subdesenvolvidos.
‒ Então, não me decepcione. O mestre está tecendo alianças... em breve vai ser muito difícil subir no conceito dele, a não ser fazendo algo de muito especial. Trate de ser competente pelo menos uma vez na vida. Lembre-se de quantas vezes perdeu para ele no Quadribol.
O homem saiu do quarto e Draco desabou na cama, tremendo de ódio. Passou a mão pelo rosto e pensou nas coisas que dissera ao pai. Não tinha o direito de se decepcionar. Desde que o tal mestre ressurgira, Draco sabia que seu pai tinha muito mais consideração por ele que por qualquer membro de sua família. Agora, cabia a ele cuidar da vida de Potter, era a única forma de ter Sue de volta.

Os últimos dias de férias de Harry foram bem satisfatórios, na companhia de Rony e Hermione, que tinham a consideração de não ficar se agarrando na sua frente, muito mais por causa dela que de Rony. Rony passou muito, muito tempo contando sobre as filmagens em Londres e descrevendo uma a uma as suas dezoito horríveis mortes  no filme. E tirara umas boas dúzias de fotos do elenco com uma câmera que comprara com o dinheiro do seu primeiro cachê.
Este cachê aliás, estava sendo gasto aos poucos, mas sem muita economia, afinal ele queria aproveitar o fato de ter algum dinheiro. Não poderia filmar até o ano seguinte, quando estivesse formado e o filme já tivesse sido lançado, de forma que sabia que aquele dinheiro ia realmente acabar e ele voltaria ao antigo estado de pobreza. Portanto, tratara de gastá-lo, comprando presentes para Harry, Hermione, Sirius, Sheeba, o bebê e até uns novelos de lá para que Smiley tricotasse. Harry achava graça na generosidade de Rony.
Quando as férias finalmente acabaram e eles voltaram a Hogwarts, Harry sentiu saudades de chegar no velho expresso. Nunca mais andaria na velha locomotiva, uma vez que quando o ano letivo acabasse ele estaria livre para seguir o rumo que quisesse na vida, pois não precisaria mais voltar para a casa dos trouxas. A saudade era agora uma velha amiga dele, porque já começava a sentir saudades de Hogwarts, mesmo antes de se formar, e porque sentia saudades de Willy, perdida para ele em algum lugar da América.
Quando a cerimônia de seleção começou, Harry se surpreendeu olhando os alunos selecionados... pareciam tão crianças. Era inacreditável que ele mesmo fora daquele tamanho quando sentara-se no banquinho do chapéu seletor e agarrara-se nas beiradas pensando “Sonserina não, Sonserina não!”. Tudo parecia agora muito distante. Lembrava-se ainda das palavras do chapéu: “uma mente nada má, uma razoável sede de se provar”. É. Ainda havia muita sede de se provar nele. Ele sabia de alguma forma, naquele ano letivo que começava em Hogwarts ele teria muito que se provar. Parou de divagar um pouco e olhou ao seu redor. Tudo parecia igual. Mas havia sempre sutis diferenças em Hogwarts de um ano para o outro de forma que aquela escola não era mais exatamente a mesma em que ele entrara, algumas coisas haviam mudado de lugar, mas parecia tudo ainda muito certo.
Na mesa dos professores, Alvo Dumbledore, com seu chapéu pontudo, parecia mais prateado que nunca, olhando com seu ar bondoso os alunos. Hagrid ainda olhava-o de forma amigável, o seburrelho de Willy enroscado no pescoço, talvez ele fosse uma das pessoas que mais sentia falta da menina em Hogwarts, junto com Harry. A professora Minerva parecia ainda muito séria atrás de seus óculos quadrados, e Snape não economizou o olhar ligeiramente hostil que lhe dava, agora com menos intensidade, depois que Sheeba surgira. Esta, estava ao lado de Sirius, atrás dela podia se ver um carrinho de bebê que ia sozinho para frente e para trás. Sirius e ela de vez em quando olhavam para dentro do carrinho para ver se estava tudo bem com Hope. Tudo parecia muito igual com os outros professores.
Ele começou a olhar as outras mesas, Corvinal, Lufa-lufa, então procurou o lugar de Willy, vago na mesa da Sonserina, com uma placa na frente: “estamos aguardando-a”, que fora colocada por Hagrid a mando do professor Dumbledore.  Quando já ia desviar o olhar para outro lugar, algo chamou sua atenção. Draco Malfoy sorriu para ele e acenou. Harry sacudiu a cabeça. Não devia estar enxergando direito. Olhou para trás, achando que Draco estava vendo outra pessoa, mas era com ele mesmo. Olhou de volta e ele sorriu novamente, acenando. Perplexo, Harry encarou-o com um olhar de estranhamento e ele fez um sinal de que depois conversariam.
“Devem ter seqüestrado também Draco e posto outro no lugar dele, ou então ele enlouqueceu” – pensou Harry durante o jantar. - “Eu e ele não temos absolutamente nada a conversar. O pai dele é um comensal da morte e me odeia. Ele me odeia. Eu mesmo não morro de amores por ele e acho-o desprezível demais para que eu o odeie.” A comida e a conversa encarregaram-se de espantar estes pensamentos da cabeça de Harry. Mais tarde, quando já se sentia meio cansado e sonolento e a festa havia acabado, havia até esquecido que Draco acenara para ele. Mas o próprio encarregou-se de lembrá-lo:
‒ Potter... eu queria dar uma palavrinha com você – Harry virou-se espantado, acabara de levantar da mesa um pouco atrasado. Queria deixar que Hermione e Rony fossem na frente, não estava a fim de segurar vela, mesmo que Hermione, agora monitora chefe, não fosse de manifestar muito carinho por Rony em público. – Sacudiu a cabeça e olhou novamente para Draco.
‒ Você quer falar... comigo?
‒ Quero.  – Draco estendeu a mão – Eu queria pedir que esquecesse as antigas desavenças.
Harry olhou-o como se repentinamente ele tivesse se transformado num cogumelo azul gigantesco e tivesse começado a dançar na sua frente. Havia alguma coisa errada ali.
‒ Esquecer?
‒ É. Esquecer. Amigos? – Harry percebeu então que pela primeira vez desde que conhecera Malfoy, este não falava como se estivesse morrendo de tédio. Pelo contrário, tinha um tom jovial, simpático e sem dúvida nenhuma, extremamente falso. Encarou-o sério e frio.
‒ Escute, Malfoy, eu não sei que bicho mordeu você, mas não posso me esquecer que há alguns anos atrás você me disse que eu ia me arrepender por andar com pessoas “piores”. E também não posso esquecer que seu pai e os pais dos seus dois melhores amiguinhos...
‒ Eu rompi com Crabbe e Goyle.
‒ Que seja, mas eu não posso esquecer QUEM é seu pai e do que ele participa.
‒ Potter... eu estou te pedindo para esquecer, entende? Eu não sou nem quero ser igual ao meu pai – Draco começara a falar entredentes. Estava ficando com raiva. Harry também sentia raiva dele.
‒ Eu não quero ser amigo de alguém como você... a escola tem mil alunos... escolha outro para ser seu amigo. – Harry tentou virar as costas para Draco, que o puxou pelo braço.
‒ Você não entende que eu quero esquecer o que houve?
‒ Posso até entender... mas não acredito. – Harry virou as costas, desta vez definitivamente, para Draco. Afastou-se dele, sem olhar para trás. Draco ficou contemplando-o enquanto se afastava, uma raiva surda crescendo dentro dele também: “Ah, Potter, se você soubesse o que tenho na minha mala!”

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Harry entrou em seu quarto ainda sob o efeito da raiva que sentia de Draco, quase ofendido porque o garoto lhe dissera com todas as letras que queria ser seu amigo. Rony olhou-o com uma cara engraçada e perguntou:
‒ O que houve para você estar com essa cara?
‒ Rony, se Draco Malfoy chegasse todo sorridente para você dizendo que queria ser seu amigo... o que você diria?
‒ Eu diria a ele: “Ei cara, essa poção polissuco não engana ninguém, você não é o Malfoy” Draco Malfoy jamais ia querer ser meu amigo.
‒ Pois é, ele veio cheio de simpatia me dizer que esqueça tudo... que quer ser meu amigo – Rony começou a rir tanto que chegou a tossir, quando se recuperou, disse:
‒ Liberaram a entrada de bebidas alcóolicas para os alunos da Sonserina? Qual é Harry, ele nunca faria isso.
‒ Mas fez.  Realmente, ele não anda mais com Crabbe e Goyle, mas porque escolheria justamente a mim para amigo?
‒ Talvez ele goste de desafios, ou ache legal ter um amigo de olhos verdes e cabelos despenteados.
‒ Não enche, Rony, tem alguma coisa errada nesta história.
‒  Você acha que ele... será que ele fez o vodu?
‒ Isso me passou pela cabeça. Mas não faz sentido nenhum fazer um boneco de vodu e depois querer ficar meu amigo, mesmo que fosse para disfarçar. Não pode ser isso. Deve haver outra explicação para isso...
‒ Claro que existe, Draco pirou, só isso. Ou é por causa de Sue.
‒ Sue? O que ela tem a ver com isso?
‒ Essa mania de mulher querer mudar homem, sabe como é? Não lembra daquela cena constrangedora na ala hospitalar no ano passado? E o projeto dela de tornar Draco “uma pessoa melhor”?  Acho que ele está levando esse projeto a sério. Você deve ser o teste de final de curso: “Conquiste Potter e terá meu coração, Draco” – Rony fez uma divertida imitação da garota, piscando os olhos repetidas vezes para Harry.  - O que um cara não faz por causa de uma garota.
Harry deitou-se pensando nisso. Realmente, devia ser por causa da garota. Pensou naquele momento que se Willy estivesse em Hogwarts, ele provavelmente estaria escapando numa capa de invisibilidade para namorá-la. Ainda doía pensar nisso.

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Enquanto isso, Willy, acreditando se chamar Mina, começava também o semestre na escola Desert Stone, a milhares de quilômetros dali. Vale dizer que a escola era uma das melhores dos Estados Unidos, mas ainda perdia para a de Savannah, na Geórgia, que era a única organizada na forma tradicional antiga, à maneira de Hogwarts, com casas e alunos internos. Desert Stone seguia outro sistema, que a tornava parecida com uma High School americana para trouxas.
Os alunos entravam de manhã e saíam a tarde. A escola ficava no meio do deserto, e tinha muitos alunos do estado de Nevada e alguns de fora, muitos de bem longe e até alguns do México. Quando entrava para a escola, o aluno ganhava um objeto chave, um cordão com uma pedra. Todas as manhãs, os alunos tocavam na pedra, diziam a senha e eram automaticamente transportados para o pátio da escola, que ficava bem no meio do deserto, invisível aos olhos dos trouxas.  Não importava muito então se moravam perto ou longe da escola. Mas a grande maioria era de Nevada porque o deserto era perfeito para os bruxos mais reclusos que não apreciavam o cosmopolitismo de uma cidade como Nova Iorque. Alguns alunos eram filhos de bruxos que ganhavam a vida como mágicos em Las Vegas, divertindo os trouxas. Era o caso de Troy Adams.
Troy era do sétimo ano e era o apanhador do time de quadribol da sua série, e o apanhador do time da escola, porque nos Estados Unidos a disputa interna de Quadribol, embora importante, era menos importante que o interescolar que acontecia durante cinco semanas da primavera. Havia torcida e os jogadores eram endeusados, todas as garotas queriam namorar os rapazes. As meninas que entravam para o time também se tornavam as maiorais.
Mina olhava a escola com um certo estranhamento desde que concluíra a Quinta série lá, no ano anterior. Parecia que tinha alguma coisa errada naquele sistema. Ela sentia falta da antiga escola mesmo não se lembrando de nada. A sua avó dissera a ela que fazia parte do tratamento para superar o trauma, ela havia perdido os pais durante o ano letivo e a perda da memória se dera na escola. Era melhor então ela deixar tudo para trás pois ali ela teria lembranças ruins voltando primeiro que as boas. A explicação para ela não ter esquecido tudo que estudara era simples: “Esquecemos o que lembramos, não o que aprendemos” – dissera a sua avó quando perguntara sobre isso. Ninguém disse a ela o nome da escola onde estudara. Fazia parte do tratamento. E além do mais era mais fácil para a avó se ela ficasse na América.
Uma coisa que Mina não conseguia entender era o fato de suas colegas se empenharem tanto em ser populares. Todas queriam ser a rainha do  baile, mesmo que o baile de formatura fosse só dali a dois anos, todas queriam ser as mais bonitas. Iam maquiadas e algumas faziam transfigurações pessoais elaboradíssimas. Ela preferia ser sempre ela mesma. E no segundo dia de aula, procurou o técnico dizendo que queria um teste para o time de quadribol da sexta série A
‒ Batedora? Artilheira?
‒ Apanhadora – ela disse confiante.
‒ Apanhadora? Essa é boa, não temos garotas apanhadoras por aqui... não é uma função feminina.
‒ Me dê uma chance. Minha avó disse que eu jogava quadribol muito bem como apanhadora. Eu não me lembro de nenhum jogo, mas sei jogar. A gente esquece muita coisa depois de uma amnésia, mas não se esquece algo que se sabe. E eu sei apanhar
O professor olhou-a achando graça e soltou um pomo de treino no céu. Ela deu uma vantagem e saltou sobre a vassoura, levantando vôo bem alto. Mergulhou repentinamente e voltou em menos de vinte segundos com o pomo na mão, entregando-o ao perplexo treinador. Ela perguntou se ele queria outra prova e ele soltou de novo o pomo. Ela voltou com ele tão rápido como antes. Em menos de dez minutos, o professor avisou ao menino que era apanhador da sexta série A ( e que vivia passando vergonha por perder para as séries mais novas) que ele agora estava na reserva. Mina Moore seria a titular.

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