A “FESTA” DE ANIVERSÁRIO



No dia marcado para que Fred e Jorge o pegassem na casa dos tios, Harry acordou e esvaziou todo o armário, deixando para trás apenas aquilo que ele não queria mais. Se não precisava mais voltar à casa dos Dursleys, era melhor que levasse logo tudo, assim, depois que se formasse podia tomar o rumo que quisesse na vida. Olhou-se pela última vez no espelho do quarto.
Harry era agora um rapaz alto e muito magro, crescera demais no último ano. Estava com mais de 1,80m de altura. Se ele não soubesse como acabar com elas, seu rosto teria algumas espinhas, mas ele sabia um feiticinho inofensivo que lhes dava um fim. Começara a fazer a barba também durante as férias, porque os pelos que cresciam agora desordenadamente no seu queixo e sobre seus lábios eram bastante incômodos. Algumas coisas não haviam mudado nada em sua aparência:  cabelos, que continuavam rebeldes e despenteados e os óculos redondos. Harry tirou os óculos por um instante e ficou olhando sua imagem embaçada sem eles. Não era muito melhor, na sua opinião. Pôs de volta os óculos e olhou rapidamente a cicatriz em forma de raio que tinha na testa, lembrando-se que há muito tempo não sentia nenhuma dor nela. Isso significava que pelo menos por enquanto, Voldemort estava bem longe.
Desceu as escadas e chegou à cozinha, onde Tio Válter e Duda estavam sentados na mesma posição lendo o jornal com a mesma cara, cada um em um lado da mesa. Nenhum dos dois levantou o rosto quando ele entrou, nem tia Petúnia voltou-se do fogão onde preparava o café da manhã. Harry sentou-se e deu bom dia, sendo ignorado como sempre. Quase instantaneamente, sua tia pôs na sua frente um prato cheio de ovos com bacon. Nunca, desde que fora viver com os Dursleys, eles haviam dado a ele tanta comida. Duda olhava insatisfeito para o prato do primo. Seus pais ainda tentavam fazê-lo perder peso, mas ele continuava gordo, talvez agora mais ainda,  com o rosto cheio de espinhas do chocolate que ele escondia e que eventualmente tia Petúnia achava.
Se Harry podia comer mais que ele era APENAS porque eles se lembravam bastante das ameaças de Sirius, que viera buscar Harry no ano anterior, de transformá-los em cogumelos caso o achasse muito magro quando voltasse para buscá-lo de novo. Ele riu e começou a comer, lembrando da cara de Tio Válter pelo vão da escada quando Sirius avançou para ele transformado em cachorro. Ao ver o sobrinho sorrindo, Tio Válter perguntou:
‒ Posso saber do que está rindo, garoto?
‒ Lembrei de uma piada que meu padrinho me contou – disse Harry, com a cara mais inocente do mundo, o que fez tio Válter enfiar de novo a cara no jornal.
Harry achara melhor não contar ao tio que desta vez não seria Sirius que viria buscá-lo, talvez porque isto lhe garantia um tratamento ligeiramente melhor que o habitual. Enquanto comia, ia pensando aonde afinal os Gêmeos  Weasley tinham a intenção de levá-lo. Não os via desde o dia da peça de Rony, quando eles haviam contado as novidades sobre as suas invenções de jogos e brincadeiras, que estavam bastante difíceis de patentear. Para desgosto da Srª Weasley, eles insistiam em comercializar aquelas coisas de mau gosto que inventavam, a última fora a bala de lobisomem, que fazia a  cabeça da pessoa se transformar por alguns minutos na cara de um lobo. Eles estavam estudando um caramelo de assombração e um chiclete poltergeist, que fazia as coisas em volta de quem o mascava saírem voando. Mas o ministério não estava  com muito boa vontade de conceder a licença para estas coisas, o que os deixava bastante chateados.
O dia passou tranqüilo. Harry escondeu-se no seu cantinho de sempre, lendo o exemplar do Profeta Diário que Rony lhe mandara e que tinha uma reportagem sobre o filme que ele estava rodando em Londres. Rony era citado em uma frase: “A jovem revelação Ronald Weasley, um grande amigo de Harry Potter, comparece em todas as versões, no papel de Kenny, a eterna vítima do Celacanto”. Harry sentiu-se insatisfeito em ser citado como amigo de Rony, achava que o amigo tinha muito talento e um brilho próprio, não precisava ser eternamente o amigo do garoto que sobrevivera.
Quando o barulho da motocachorro pôde ser ouvido lá fora, Tio Válter, Tia Petúnia e Duda correram para se refugiar no andar de cima sem mesmo dizer-lhe adeus. Harry ainda pensou em dizer alguma coisa, mas simplesmente não deu tempo. Deu uma última olhada naquela casa, com especial atenção para o armário debaixo da escada, onde vivera toda sua primeira infância. Sorriu e disse adeus para a casa, arrastando para fora o velho malão e a gaiola de Edwiges, para dar de cara com os gêmeos Weasley e a moto de Sirius, que roncou alegremente ao vê-lo.
Os gêmeos agora eram bem altos, mas continuavam com a mesma cara de garotos travessos da época de Hogwarts. Talvez para distinguir-se de Fred, Jorge estava deixando crescer o cabelo, que escorria pelos cantos de sua cabeça cheio de pontas, algumas mechas de vez em quando escorregavam pelos seus olhos. Eles vieram fazer-lhe festas, o que o deixou ainda mais desconfiado:
‒  Harryzinho, nosso amigo... – disse Jorge – Como foram suas férias de horror?
‒ Pronto para a melhor comemoração de aniversário da sua vida? – completou Fred, num tom melífluo que não camuflava nadinha suas provavelmente péssimas intenções. Harry olhou-os com reservas, e respondeu:
‒ Eu não sei o que vocês dois pretendem... mas quero deixar bem claro que não estou gostando disso.
‒ É um velho ritual da família Weasley... Rony também passou por ele há algum tempo atrás... antes de Hermione começar a pegar no pé dele. – Jorge disse, confiante enquanto empurrava o malão de Harry para a moto. Olhou para os dois lados e deu uma ligeira encolhida no malão com a varinha, sorrindo – Hum, é bom ser maior de idade e poder fazer estes feiticinhos bobos em paz. – soltou Edwiges, dizendo: - Vá direto para a casa de Sirius e Sheeba, amanhã a gente se encontra lá. – a coruja sumiu no céu e ele encarou um cada vez mais desconfiado Harry:
‒ Aonde nós vamos, posso saber?
‒ Faz parte da surpresa, garotão... não queremos estragar a surpresa. – Fred empurrou-o na direção da moto, e os três subiram, com alguma dificuldade, mesmo sendo enorme, a moto de Sirius ficava um pouco pequena para três pessoas e um malão, mesmo um pouco encolhido. – Engorgio! – Disse Fred, aumentando-a um pouco. Eles deram a partida e rumaram velozmente para a estrada. Ao levantarem vôo, Jorge fez que a moto ficasse invisível, e tentou entabular uma conversa com Harry, que, desconfiado, respondia monossilabicamente.
Cerca de uma hora e meia depois chegaram a uma casa muito grande, com um pântano nos fundos e uma árvore gigantesca na frente. Um letreiro luminoso que parecia de néon, mas na verdade era mágico, dizia em letras rosadas do tamanho de um homem: “A CASA DA ÁRVORE – Diversão Noturna para Bruxos”. Algo na casa não agradou Harry. Tinha uma cara terrível de inferninho, e de lá saía uma música ensurdecedora. Não lembrava em nada o Substudio 54 a última boate onde estivera.
‒ Aqui é o paraíso – Disse Fred bastante animado – O melhor é que se os trouxas passam por aqui vêem só uma velha casa abandonada.
‒ E lá dentro é muito animado.
Na porta havia um letreiro que dizia: “Proibido para menores de 17 anos”. Harry achou que fosse ser barrado, mas entrou sem dificuldade. Na verdade, era uma boate como outra qualquer, e estava apinhada de gente jovem. Se era só isso, tudo bem. Havia uma quantidade bem grande de bruxinhas jovens e de aparência bem liberal. Uma garota de cabelos pretos muito maquiada chegou perto de Harry e disse:
‒ Ei... você é novo por aqui.
‒ Sai fora, súcubo! – disse Jorge para a garota, que saiu flutuando pelo teto – alma penada – disse ele dando um significativo olhar de “confie em mim”, para Harry – elas conseguem parecer bem reais até a hora H, se é que você me entende.
Harry deu de ombros, não estava ali para arrumar garotas, só estava tentando ser educado, afinal eles o haviam convidado.
‒ Não se preocupe com a conta, Harry. – disse Fred – estamos com os bolsos forrados de galeões novinhos em folha... acabamos de vender a patente da bala de lobisomem para uma empresa de brincadeiras americana... eles são muito mais inteligentes comercialmente que o pessoal daqui... dá lucro? Então há forma de comercializar.
‒ Acho que vamos nos mudar para América – completou Jorge. Queremos ficar ricos!
‒ Riquíssimos!
‒ Isso merece um brinde! Três cervejas amanteigadas, doçura! – Disse Jorge para a garçonete que servia no balcão.
Lembrando-se da carta de Sheeba, Harry pensou numa forma de livrar-se da cerveja, mas aí pensou que se era algo que eles iam colocar na sua bebida, bastava que ele bebesse bem rápido e eles não teriam tempo de colocar nada.  E foi isso que ele fez. Fred e Jorge olharam-se satisfeitos, como que aprovando o comportamento dele.
‒ É isso aí, tigrão!
‒ Assim é que se faz!
‒ Vamos acompanhar você! – Eles disseram quase ao mesmo tempo e viraram seus copos de cerveja, pedindo outro logo a seguir.
É claro que uma cerveja amanteigada, que quase não é alcóolica, não embebeda ninguém. Mas depois que este ritual se repetiu, pelas contas de Harry, umas dezoito vezes, ele estava se sentindo ligeiramente tonto, e ficara cada vez mais mudo, apenas assistindo as bravatas de Fred e Jorge, que continuavam falando alto e mexendo com as garotas que passavam. Harry começava a se sentir meio sonolento e enjoado. Foi nessa hora que ele sentiu que alguém encostava no balcão ao lado dele. Ele olhou e viu que era uma garota muito loura, que sorria para ele.
‒ Oláááá... – ela disse, prolongando bastante a última sílaba.
‒ Oi – disse Harry, percebendo que seus óculos estavam embaçados e retirando-os para limpar. A garota na sua frente virou um borrão.
‒ Você está sozinho?
‒ Não, estou com uns amigos – ele disse apontando para Fred e Jorge e percebendo que os dois estavam agarrados com duas garotas bem parecidas com a que puxava assunto com ele. A garota riu.
‒ Não foi isso que eu perguntei... eu queria saber se tem alguma garota contigo.
‒ Ah, não. A não ser você, né? – Harry disse, tentando por os óculos de novo
‒ Ah... fique sem óculos, você fica tão bonitinho sem eles. – se a garota não parecesse tão interessante, Harry ficaria intimidado pelo comportamento dela. Ainda pensou em Willy. Mas ela havia sumido... não havia nada demais em conversar, não é mesmo? Ou ele conversava com a garota ou ficava sozinho, já que Fred e Jorge estavam ocupados demais com as outras duas louras. Harry sorriu:
‒ Você acha? Eu nem sei como sou sem os óculos... não dá para ver no espelho
‒ Kakaka – a garota riu, e Harry deu um pulo, só Willy ria assim. Ele olhou para o lado e viu que era Willy. Pôs os óculos rapidamente e a garota virou de novo a lourinha embaçada de antes – Você está bem? – Ela perguntou.
‒ Mais ou menos... eu acho que ando vendo coisas.
‒ É mesmo? – a garota era extremamente atenciosa – conte-me.
Mesmo achando que não era a hora e o lugar, Harry começou a contar  história de como conhecera Willy, e de como os dois haviam namorado, a menina disse que não ouvia muito bem, e foi arrastando-o para fora do salão, de repente estavam subindo uma escada, sempre com Harry falando e a garota aparentemente prestando toda a atenção do mundo, ela abriu uma porta quando ele estava falando sobre como Willy ainda não dera notícias. Ele olhou assustado ao perceber que haviam entrado num quarto e virou-se para dizer alguma coisa, no exato instante que ela se tornou Willy. Harry ficou mudo. A garota apagou a luz e Harry sentiu que alguém o beijava no escuro.  Por talvez uns vinte segundos, se entregou ao beijo, pensando em Willy com um pouco de pena de si mesmo.
Então uma luz na sua cabeça se acendeu, e ele afastou bruscamente a garota de si, olhando nos olhos dela para encarar dois olhos amarelados de pupilas fendidas. A pouca luz que entrava pela janela do quarto era suficiente para que ele não se enganasse, não era uma garota. Era uma Veela. Ela o encarava com um sorriso cínico, um olhar meio desafiador e disse:
‒ Vai desistir?
‒ Vá para o inferno! – Disse Harry furioso. Ia sair pela porta, mas teve uma idéia ao ver os galhos da grande árvore que batiam na janela pelo lado de fora... não ia avisar aos Weasleys, nem estragar sua festinha... ia deixá-los ali e ia embora. Eles que desaparatassem depois. A veela ficou olhando incrédula enquanto ele saía.
‒ Me disseram que você era estranho, mas eu não imaginei que fosse tanto... – ela disse num tom monótono que lembrava desagradavelmente o tom de voz de Draco Malfoy. Ele olhou-a do galho e disse:
‒ Ganhei prêmio de esquisitice. Não diga que fui embora, e arranque um bom dinheiro daqueles dois. Eles merecem. – A veela sorriu e ele pendurou-se no galho, equilibrando-se para passar a um mais baixo, Não acreditou quando viu que tinha alguns casais pendurados na árvore também. “Será que eu sou o único aqui que não está desesperado para fazer sexo?” ele pensou. Antes de atingir o solo, ainda esbarrou em alguns casais, até que finalmente seus pés tocaram o chão.
O espírito súcubo que o abordara na entrada estava encostado na árvore, e disse:
‒ Quer mais emoção que uma veela pode oferecer?
‒ Ah, não enche! – ele disse, rumando em passos decididos para a moto de Sirius, adormecida a alguns metros da árvore. Pegou um dos capacetes sobre o banco e disse a ela:
‒ Me leve embora para a casa de Sirius, motocachorro! - O motor soou um pouco indeciso e ele disse: - Vamos logo!
A moto embicou para o céu e o ar da noite dissipou o último vestígio de tontura das cervejas amanteigadas que tomara. Aos poucos, Harry começou a achar graça naquilo, principalmente ao imaginar a cara dos Weasleys ao perceber que ele fora embora com a moto.

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