O QUEIXO PARTIDO
No saguão do Hotel onde Harry estava, começava a ficar bem ruim o clima entre Bianca e Willy, que já estavam quase a ponto de se xingarem mutuamente de tanto que discordavam uma da outra. Se alguma dizia algo, a outra tinha o prazer de fazê-la parecer uma idiota completa. Harry pedia socorro com os olhos para Sirius, que dava de ombros "Deixa pra lá, coisa de mulher... depois ela esquece". Sheeba finalmente percebeu o clima. Estava tão entretida conversando com Beth (que se tivesse percebido teria feito Bianca encolher tanto quanto Bernardo na hora da aranha), que foi preciso Willy fazer um comentário muito sarcástico para que ela notasse a guerra fria das duas. Propôs alegremente ao marido:
‒ Que tal voltarmos ao beco diagonal? Acabo de lembrar que não comprei um presentinho para o Professor Dumbledore. ‒ Sirius revirou os olhos, exasperado.
Draco entrava no beco Diagonal escoltado por Trix, um elfo doméstico fêmea de olhos azuis e chata como uma bala grudada no dente. Ele já sabia o que ia fazer para se livrar dela. Chamou-a a um canto e tirou a veste de bruxo, ficando com a roupa de trouxa que usava por baixo.
‒ Toma, Trix, você está livre!
‒ Mestre Draco não satisfeito com pequena Trix?
‒ Não, não é isso... acho que você é um elfo ótimo, bom demais para viver engraxando os sapatos do meu pai... agora some, tá? ‒ Draco detestava elfos domésticos, achava-os burros e chatos, se não arrumassem a casa tão bem poderiam ser extintos.
Havia agora um problema. Estava muito frio. Calculara mal o casaco que pusera e estava quase batendo os dentes. Foi andando até onde marcara com Sue e em pouco tempo seus lábios estavam roxos. Então ele a viu, e valeu a pena bater os dentes.
Sue estava parada na frente da loja de varinhas mágicas, olhando para dentro maravilhada. Ela adoraria entrar e conversar horas e horas com o dono da loja que parecia tão interessante. Draco aproximou-se de mansinho e disse, pondo a cabeça por cima do ombro dela:
‒ Quem sabe você não tem algum talento tardio, trouxa? ‒ Ela deu um pulo e olhou-o zangada.
‒ Oi Draco. Você está com os lábios roxos.
‒ Alguma sugestão para esquentá-los?
‒ Sem graça... que tal um cachecol? Você não sabe escolher um casaco? Está nevando!
‒ Diante de sua insistência... acho melhor comprar algo antes que eu vire um picolé ‒ foram andando até uma loja onde Draco comprou uma capa preta meio imponente que ela ficou olhando desconfiada
‒ Não está um pouco grande para você?
‒ Eu ainda pretendo crescer um pouco. Vamos andando? ‒ Agora surgia um problema operacional... eles não tinham combinado nada. Seu pai enchera seu bolso de galeões como sempre, adorava vê-lo esbanjando dinheiro, mas se quisessem ir a um lugar de trouxas estaria perdido, nem sabia como usar dinheiro de trouxas... e ele não queria ficar dando sopa com uma trouxa no beco diagonal.
‒ Eu queria ver um filme. ‒ ela disse
‒ Tem cinema aqui.
‒ Tem?
‒ Tem... mas só passa filmes bruxos, se quiser ver um filme de trouxa, vamos ter que sair daqui ‒ era o que ele mais queria.
‒ Ótimo, tem um filme que eu quero ver passando num cinema aqui perto...
‒ Eu vou ter que passar no banco.
‒ Banco?
‒ Para trocar meus galeões por dinheiro de trouxas ‒ Foram ao Gringotes e sem noção de quanto custava uma sessão de cinema para dois ele acabou trocando todos os galeões por uma montanha de notas. Ela ficou olhando espantada e ele pediu: ‒ Por favor, guarde isso para mim... nunca aprendi a mexer com esse dinheiro.
Quando saíram do Banco, Draco não gostou do que viu... o motorista de seu pai estava procurando-o, era um sujeito de seus dois metros e meio, Draco achava que ele era filho de trasgo com gente, de tão feio, mau e burro que era. Draco disse a ela:
‒ Vamos ter que sair pelo outro lado... ‒ puxou-a para os lados da Travessa do Tranco, ela ficou meio assustada com a aparência do lugar:
‒ Como você conhece isso aqui?
‒ Nunca vim aqui sozinho, meu pai é que costuma freqüentar esse lugar... mas sei onde é a saída. Saíram por uma barbearia imunda do lado de uma lixeira. Era num dos piores pedaços de Londres. Um homem saiu de um beco, atirando-se sobre ele:
‒ Me dá um trocado... ‒ Sue gritou, pois viu que na verdade o mendigo era um ladrão com uma faca, Draco a puxou e sem querer tocou fogo nas calças do ladrão (foi uma pequena emissão mágica involuntária). Correram por três quarteirões, até que chegaram a uma rua principal. Sue encostou-se num poste, ofegando. Draco olhou em volta, era a primeira vez na vida que estava sozinho em um legítimo lugar de trouxas, não podia deixar de estar curioso e ficou olhando para todos os lados. Um grupo de adolescentes punks passou por ele, que perguntou:
‒ Que raça de criaturas é essa?
‒ São punks, seu bobão... gente comum que quer parecer diferente...
‒ Você está me dizendo que aquelas coisas são trouxas?
‒ Exatamente ‒ ela riu ‒ você nunca saiu sozinho, Draco?
‒ Não. ‒ Ele disse naturalmente e ela o olhou espantado. Draco era uma espécie de trouxa ao contrário: não sabia nada, mas nada mesmo sobre o mundo não mágico
‒ Draco, eu não posso acreditar...
‒ Vamos ao cinema? Não quero falar sobre isso ‒ se tinha uma coisa que ele não gostava era de parecer "por fora" de alguma coisa. Ela o levou para um cinema que estava passando um filme de terror, sobre vampiros, e ele perguntou. ‒ é alguma espécie de fixação mórbida?
‒ Para mim funciona como uma espécie de comédia, você vai entender porque.
Realmente, ele entendeu. Diante das coisas que haviam visto e enfrentado na floresta proibida, os vampiros do filme pareciam saídos do Jardim de Infância. Ele começou a rir com ela, e em pouco tempo, estavam gargalhando tanto que chegaram a passar mal, sendo olhados com cara de censura por todo cinema, enquanto faziam comentários do tipo : "Olha que ridículo, esse morceguinho subnutrido" "Você viu as presas dele? Não pode ser, eles não imaginam como sejam presas de vampiros reais" Então o filme acabou e ela o arrastou para fora do cinema.
‒ Vamos ver de novo!
‒ Draco, não seja ridículo... não vamos ver o mesmo filme duas vezes.
‒ Porque não? Eu assisti "Feitiço Fatal" seis vezes no mesmo dia... e a segunda história era a melhor.
‒ Como assim, filmes de bruxo contam várias histórias?
‒ Uma de cada vez, claro, cada vez que passa é diferente... você não viu um filme bruxo se ainda não o assistiu três vezes... Filmes de trouxa contam sempre a mesma história?
‒ Lógico!
‒ Lógico, lógico? Porque tem que ser lógico? ‒ Ele parou e olhou para ela. Estava escurecendo, um vento mortalmente gelado passou por eles e ela disse:
‒ Me abrace, Draco. ‒ Ele a abraçou, calado. Ela sorria, não podia acreditar que ela estava sorrindo. Eles se beijaram. O vento os envolvia numa onda gelada, mas Draco só sentia Sue quentinha nos seus braços, e sua boca macia, e de vez em quando a ponta do nariz dela, que estava gelada, roçava nele e ele sentia cócegas... era muito bom mesmo. Mas a festa dos dois estava para terminar
Eles não sabiam, mas estavam a poucos metros da entrada do beco diagonal. O motorista de Draco, depois de meia hora procurando-o, fora avisar Lúcio Malfoy, que aparatara naquele momento no meio do beco. Sem saber disso, quando foram andando de mãos dadas pela rua e deram com "O Caldeirão Furado", Draco sugeriu que eles entrassem , porque afinal era um lugar que ele conhecia (ainda tinha alguns sicles no bolso, dava para tomar pelo menos uma cerveja amanteigada). Eles estavam sentados muito juntos quando Draco viu Harry e sua turma, que saía do beco diagonal. Fez uma cara péssima, mas não pôde deixar de rir vendo o professor de defesa contra artes das trevas passar atolado de pacotes. Rony os viu e acenou para Sue, que acenou de volta. Draco não gostou, e virou-se para beijá-la, queria que Weasley o visse. Mas a cor fugiu nesse instante do rosto dele.
Parado no arco do beco diagonal, com a cara mais gélida que sabia fazer, estava Lúcio Malfoy. Draco podia ver o músculo do queixo dele se crispando de raiva. Ele aproximou-se e disse diretamente para Draco, ignorando Sue:
‒ Namorando uma trouxa, filho? Para isso eu te criei, garoto? Para arrumar uma trouxa? ‒ aqui Lúcio já gritava e Sirius acabava de notar, olhando por trás da pilha de pacotes que carregava ‒ Uma trouxa imunda, uma vagabunda!
‒ Pai, ela não é vagabunda... o senhor não a conhece. ‒ Draco disse de cabeça baixa.
‒ Cala a boca, garoto! Eu devia quebrar a tua cara agora. E a dessa trouxa nojenta também. ‒ Sirius, vendo isso, deixou a pilha de caixas flutuando no ar e veio até eles, tocando de leve no ombro de Lúcio, pois acabara de reconhecer Sue, que afinal merecia ser defendida.
‒ Retire o que disse, Malfoy, eu conheço a garota, ela não vai fazer mal nenhum a seu filho. ‒ Lúcio voltou-se, encarando Sirius, que era maior e mais forte que ele. Talvez tenha sido pelo efeito da raiva que abandonou a habitual covardia e disse:
‒ Ora, cale a boca, seu condenado da Azkaban amaldiçoado pelos vampiros! ‒ Era abusar da pequena paciência de Sirius Black. Antes que Lúcio Malfoy pudesse dizer "ai" um soco forte e bem direcionado o atingiu diretamente no queixo. Ele levantou alguns centímetros no ar e deu para ouvir nitidamente o "Crack!" do osso do maxilar dele se partindo. Caiu no chão inconsciente, Sirius ficou olhando-o. Então disse para Draco:
‒ Sinto muito, seu pai abusou.
‒ Tudo bem... sou obrigado a concordar. Sue, você pode ir embora com eles? ‒ Draco estava muito chateado ‒ Eu acho que tenho que levar meu pai para o hospital.
‒ Você vai saber se virar?
‒ Eu dou um jeito. Tchau Sue. ‒ evitou beijá-la.
Sue seguiu os outros constrangida, o bar todo olhava para ela. Ela sentia-se péssima de pensar o que aconteceria com Draco quando seu pai acordasse. Draco esperou que eles estivessem longe para tentar acordar o pai. Sabia que seu Natal acabara ali.
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