Tudo que James não viu
Enquanto James vivia seu dia de cão, Lilly experimentava como seria sua vida após um hipotético feitiço de mútua exclusão que retirasse o rapaz de sua existência. Depois do café da manhã, a garota se viu pensando se o rapaz estaria com ódio dela. E se agora ele solicitasse um feitiço de mútua exclusão? Repentinamente, Lilly se sentia estranhamente solitária. Faltava uma parte importante do seu mundo: a parte que a irritava, mas que fazia com que ela se sentisse... amada. Assustada, constatou que sentia muito mais falta de James do que imaginava. Tinha se passado apenas um dia desde que ela explodira com ele na saída da sala do professor Slughorn, mas para ela parecia um tempo enorme.
Começou a matutar um jeito de dizer a ele que não, ela não pedira aquele feitiço. Ele era irritante, insistente... mas ela agora sentia muita falta disso. Gostaria de ter uma amiga para conversar, mas infelizmente, suas colegas que por tanto tempo achara superficiais por conversarem tanto sobre outros meninos estranhariam se ela de repente pedissem conselhos. Agora gostaria de ter partilhado futilidades, de ter criado laços de amizade com outras garotas. Pensou que talvez uma antiga amizade pudesse ser um bom consolo nessa hora. Sabia que Severus detestava James, mas sabia também que ele era a única pessoa na escola que um dia considerara um amigo. Aproveitando o intervalo entre os dois tempos da aula de Aritimancia, que ambos frequentavam, ela se aproximou do rapaz, que estava sentado numa cadeira no fundo, revisando cálculos complicados que anotara num pergaminho compridíssimo. Ao dar conta da sua presença, ele levantou os olhos esperançoso. Ela sentou-se ao lado dele.
– Severus... você sempre foi meu único amigo. – ele não respondeu e ela seguiu – Podemos conversar um pouco?
– Lógico. – o olhar dele era agora de suspeição. Ela respirou fundo e disse:
– Se você descobrisse de repente que gosta muito de alguém... alguém que de repente sumiu do seu convívio... o que você faria?
– Potter. – ele disse, sem disfarçar o desprezo.
Ela assentiu. Ele a mirava com raiva.
– Por que ele?
– Não sei. Ah, droga, Severus, eu não devia falar isso contigo – ela fez menção de levantar irritada e ele disse:
– Eu preciso saber por quê. Eu preciso entender, Lilly.
Ela compreendeu que ele realmente gostava dela de um jeito que ela nao conseguiria nunca retribuir. Olhou para ele com um ar tristonho e disse:
– Primeiro porque ele sempre mostrou de todas as formas que gosta de mim...
– Eu nunca demonstrei isso para você?
– É diferente. Ele fez isso de forma diferente... e no fundo ele me faz sentir... alegria. Ele não parece sofrer por gostar de mim...
– Ele não sabe o que é sofrimento. É um sujeito mimado e prepotente...
– Mas é bom, e generoso... e não escolhe amizades com base em preconceitos...
Severus a olhou surpreso:
– Então... você sabe sobre o amiguinho dele?
– Sobre Remus? Há muito tempo. É uma questão de lógica, Severus. Já estudamos lobisomens e os sintomas são... claros.
– Você não tem medo do sujeito? Lupin pode ser perigoso.
– A escola já tomou todas as providencias para... está vendo? Você poderia odiar James por ele ser tudo que você não é e não ter os problemas que você tem... mas você odeia Remus, Peter e Sirius... e eu sei que eles também tem problemas em sua vida.
– Eu nunca te falei dos meus problemas – ele disse aborrecido – e eles são muitos.
– E você nunca quis confiar numa nascida trouxa para ouvi-los.
– Ouça, garota – Severus tinha uma inflexão gelada em sua voz – eu gosto de você desde... acho que desde sempre. Mas eu não podia negar tudo que eu sempre quis ser e fazer... eu sei que você não tem culpa de ter nascido trouxa... mas meu pai também é trouxa e eu nunca consegui em confiar em ninguém... por causa dele. Quando eu digo que o Potter nunca sofreu, é porque eu sei que ele não tinha um maldito pai que o odiava, que dizia que bruxaria era algo inútil e que preferia ter um filho marginal a ter um filho bruxo. É verdade, eu sofri por gostar de você... e provavelmente vou sofrer muito mais. Mas já que você não gosta de mim, já que você quer tanto se afundar junto com aquele... amigo de criaturas e de fracassados... suma da minha frente e me esqueça. Eu não serei seu amigo. Se não gosta de mim do jeito que eu gosto de você, então, não goste de mim de forma nenhuma.
Lilly voltou a seu lugar arrasada. Não queria perder a amizade de Severus de vez, mas simplesmente não podia e nunca conseguira retribuir aquele sentimento. O sentimento que o fazia parecer culpado diante dela por andar... com quem andava. O sentimento que ela sabia que mais não seria suficiente para afastá-lo das artes das trevas, que tanto o fascinavam. Ela agora sabia que aquela amizade não tinha salvação, e, pior, sem o assedio de James e ninguém para conversar, sentia-se mais solitária do que jamais fora na escola. Custou a acompanhar o resto da aula de Aritimancia e quando acabou, correu para a sala comunal da Grifinória. Não sentia vontade de ir ao grande salão e passar mais uma refeição buscando o olhar de James. Não sentia fome, tampouco.
Largou-se numa poltrona, olhando as chamas da lareira, pensando em como seriam os próximos dias. Será que ela conseguiria deixar de pensar em James? Ela precisava concentrar-se nos seus deveres... Pensou no que vira de James aquele dia: estranho, quieto, muito diferente do rapaz que ela conhecia. Talvez esse novo James que estivesse despertando aquela inquietude nela. Ficou cerca de duas horas tentando fazer deveres, colocando afazeres em dia... mas não conseguia pensar direito em nada. Intrigou-a muito ver os amigos de James entrarem e ele não estar entre eles. Aliás, ele parecia não estar em parte alguma desde a aula de Transfiguração. Franziu o cenho curiosa, pensando se não havia algo mais sério naquilo, porque percebeu que os garotos falavam sobre ele. Repentinamente, Sirius ergueu-se da poltrona, subiu ao dormitório e saiu, com um pergaminho nas mãos na direção do buraco do retrato. Remus pegou seus livros e começou, como ela, a adiantar deveres, seguido por Peter.
Um grupo de alunos do 5º ano entrou animado, aparentemente haviam caçoado de alguém que estava do lado de fora. Ela prestou atenção na conversa e viu que falavam que outra garota aparecera "apaixonada" por James. Aquilo ficava cada vez mais estranho. E irritante. Será que James distrbuíra uma poção de amor entre várias garotas com o intuito de irritá-la? Será que alguém decidira pregar uma peça nele, fazendo várias meninas se apaixonarem? Enquanto pensava nisso, viu que Peter subia para o seu dormitório e Remus ficava sozinho, fazendo seus deveres. Ela simpatizava com ele. Conversavam pouco, na maioria das vezes assuntos relativos à casa, já que ambos eram os monitores da série. Aproximou-se timidamente e viu ele retribuir com um sorriso, estimulando a sua aproximação.
– Quer se sentar? – Ele disse.
– Posso? – ela perguntou timidamente. Agora vinha a parte complicada. – Remus... pode parecer estranho isso, mas...
– Você quer saber que bicho mordeu o James. – Ele disse, objetivamente – nós também. Ele está nos evitando sistematicamente desde ontem. Na verdade, desde que voltou da detenção com o Prof. Slughorn.
Lilly ficou quieta um instante. Então, sem conseguir parar de falar, relatou tudo que acontecera no seu encontro com o professor Slughorn, depois seu encontro com James nas escadas e de como ele também a evitara durante todo dia. Sem confessar seus sentimentos por ele, disse que se sentia mal com tudo aquilo, porque tinha a impressão que James pensava que fôra ela que pedira o feitiço, quando na verdade...
– Eu sei que vou sentir muita falta se for obrigada a não ve-lo mais aqui na escola.
Remus olhou-a com uma expressão intrigada. Ele percebia alguma incongruência no comportamento de James. Mas não saberia dizer porque, então perguntou:
– Você notou as garotas "apaixonadas" por ele?
– Logico. Aquela louca da Skeeter...
Remus sorriu. Pensou que quando aqueles dois se entendessem iam combinar direitinho e então, entregou:
– Eu e Sirius temos uma teoria. Para nós, James preparou uma poção de amor... para você. E ela extraviou-se e deu nisso.
Lilly ficou vermelha. Até para ela aquela história era... inconcebivel.
– Remus... uma poção de amor? Não, isso é muito... é muito...
– Ridículo? Eu também acho. Mas – deu de ombros – desde que gamou de verdade em você James às vezes teve comportamentos bem ridículos, não acha?
Ela riu. Era verdade e chegava a ser divertido.
– Só tem uma coisa, Lilly. Essa história de evitar todos nós não combina nadinha com ele. Mesmo que algo tenha dado barbaramente errado, e eu tenho certeza que deu, ele sempre conta conosco para tudo. E agora fica se escondendo de nós três como se estivessemos contaminados. Isso é muito pouco normal se tratando dele.
– O que você acha que provocou isso?
– Não faço a menor idéia – ele disse, sinceramente – mas foi algo que aconteceu ontem, e talvez nem tenha a ver com você. Foi na detenção do professor Slughorn.
– Mas... o professor viajou ontem, Remus. Como James pode ter cumprido a detenção sem ele por perto?
– Nem desconfio. E essa história me cheira cada vez pior, sabe? Não sei...
Lilly suspirou e disse:
– Foi bom achar alguém para conversar, Remus. Eu... acho que pessoas como eu vivem tempos bem dificeis atualmente.
Remus encarou a garota. Resolveu fazer uma pergunta que ele sempre tivera em mente, desde que ambos tinham sido nomeados monitores. Baixou a voz e questionou:
– Você sabe sobre mim, não sabe?
Lilly olhou-o chocada. Nunca imaginava que ele pudesse tocar nesse assunto.
– Como você sabe que eu... sei?
– Você é muito inteligente, eu achei que tinha percebido desde o terceiro ano – ele disse tristemente – eu normalmente sei quando alguém desconfia porque passa a me tratar diferente. Mas você nunca mudou, mas de certa forma eu tinha certeza que você sabia...
– Como assim, há outras pessoas que sabem?
– Mais do que eu gostaria que soubessem. E alguns contam para os outros...
– Eu nunca conversei sobre você com ninguém... quer dizer, alguém falou sobre você... mas... Não, Remus. Eu jamais delataria você, isso seria sujo!
– A pessoa que falou contigo sobre mim... foi o Snape, não?
Ela assentiu e ele contou a o episódio do ano anterior em que ele, transformado, quase matara Snape. Depois de um momento de reflexão, ela explicou a ele que um dia ela e Severus haviam sido muito mais próximos, mas que agora estavam irremediavelmente brigados, mas que ele nunca contara o episodio a ela. Ele até havia se reaproximado naquele dia mas...
– Mas eu falei sobre James com ele – ela corou. Sabia que aquilo equivalia a uma confissão. Remus sorriu.
– Você não precisa se preocupar, eu sei como James é irritante quando percebe que está em vantagem. Mas se você quer a minha opinião, com você é diferente... e deve ser bem mais sério que você imagina. Mas você disse que depois de muito tempo afastado o Snape voltou a procurar você?
– Sim, hoje pela manhã.
– Será que o sumiço do James tem a ver com isso?
– Não creio – ela disse. – parece mera coincidência.
Nesse momento, um derrotado Sirius apareceu, com o ar mais mau humorado do mundo e olhou os dois com uma expressão intrigada. Remus encorajou-o a se aproximar com um gesto de cabeça. Ele aproximou-se deles, ainda parecendo intrigado.
– Não o encontrou?
– Revirei o castelo de cabeça para baixo. Todos os lugares... Ele não aparece... você entende – disse, sem mencionar diretamente o mapa do maroto. Esteve na biblioteca... saiu um pouco antes que eu chegasse lá. Ele sorriu simpaticamente para Lilly e disse:
– Você sabe alguma coisa sobre esse episódio, moça?
– Tanto quanto você, Sirius – ela o encarou altivamente. – e eu não queria que ele sumisse também.
– Ele estava aqui perto quando peguei o mapa. Quando desci para segui-lo, vi que sumiu num corredor do sétimo andar – disse Sirius perdendo a paciência e pegando o mapa no bolso – aqui – apontou no mapa que Lilly olhava espantada. – por favor, eu sei que você é toda certinha, mas não conte a ninguém sobre esse mapa...
– Não vou contar – pela primeira vez ela realmente teve vontade de rir naquele dia. Sirius não se intimidara com sua presença e agia com uma desconcertante naturalidade diante dela. Remus relatou parte da conversa que ele e Lilly haviam tido, deixando gentilmente de fora qualquer menção aos sentimentos de Lilly. Repentinamente, Sirius disse:
– Eu passei pelo cretino do Ranhoso quando estava procurando James, e ele me olhou com um sorrisinho cínico que me deu muita vontade de socar aquele narigão gorduroso. Eu acho que ele sabe de alguma coisa.
– Não – defendeu Lilly, enfaticamente – ele não sabe de nada, ou me diria.
– Tá – ironizou Sirius – e ele é um cara bonzinho que se compadece quando a garota que ele gosta quer saber onde anda o cara que ele mais detesta... ele nuca diria nada a ninguém. Seja lá o que aquele cretino sabe, vai guardar para ele.
– Só nos resta – disse Remus, fechando os livros – esperar que ele apareça ou continuar procurando usando o mapa. Uma hora ele vai ter que aparecer.
– E quando ele aparecer, vai se ver comigo – rosnou Sirius.
**
Para Severus, aquele episódio começara de uma forma divertida. Primeiro, estar em vantagem em relação ao cretino do Potter pela primeira vez em anos era algo que dava a ele uma satisfação única. O outro sempre fizera graça, sempre bancava o mais esperto e agora, para sua alegria e satisfação pessoal, ele dependia inteiramente da sua boa vontade... que em relação a James Potter era simplesmente nula.
A segunda coisa que o deixou satisfeito foi poder se livrar de Regulus. Há muito tempo o garoto o irritava. Tinha sua turma: Mucilber, os irmãos Lestrange, Avery... companheiros da mesma idade, todos, como ele, admiradores dos comensais da morte esperando o momento de se tornarem verdadeiros seguidores de Lord Voldemort. Eles tinham contato com adultos que eram ligados ao movimento, mas nenhum deles ainda conhecera Lord Voldemort em pessoa. Regulus, porem, ainda no quarto ano, considerava-se mais importante e mais relevante do que todos eles juntos, uma vez que sua prima Belatrix o alimentava constantemente com histórias sobre os seguidores que realmente tinham contato com "ele". Regulus agia como se já fosse íntimo do Lord das Trevas, e como se sua participação fosse muito mais significativa do que simplesmente servir de moleque de recados entre Belatrix, Lucio Malfoy e colegas da escola – porque mensagem direta do Mestre ele nunca recebera.
Snape não podia deixar de considerar que Potter prestara-lhe um belo serviço estuporando Regulus. Desmemoriado e incapaz de lembrar da tarefa que Belatrix lhe confiara; e que Snape desconfiava seriamente que não havia de forma nenhuma sido dada pelo proprio Voldemort, que pouco se importava com as possíveis ameaças que alunos ou professores de Hogwarts pudessem representar; Regulus era um chato a menos. Quando ele recuperasse a memória – se recuperasse – Snape poderia simplesmente dizer que não recebera o recado.
E havia Lilly. Durante muito tempo, ela fora a única coisa boa na sua vida. Até a maldita cerimônia de seleção a ter jogado na casa que ele mais detestava, ela era uma referência. Nos dois primeiros anos em Hogwarts isso não importou muito, mas, à medida que se aproximavam da vida adulta, ficava mais e mais claro que seu gosto pelas artes das trevas tornava ele e Lilly incompatíveis. Numa ocasião ele pensara em mostrar um dos seus melhores feitiços para ela, o sectumsempra, que causara frisson entre seus colegas quando o usara para decapitar um coelho... mas imaginou a cara da garota horrorizada e desistiu.
Mas talvez, com o insuportável do Potter longe, ele pudesse se reaproximar, mostrar a ela que ele podia – e queria – estar por perto. A conversa na aula de Aritimancia, nesse caso, foi mais que um balde de água fria, foi uma pá de cal na idéia de abrir seu coração para alguém. A partir daquele momento, ele estava só. Teria companheiros de ideologia, mas, fundamentalmente, não teria amigos. Como ele sempre desconfiara, não dava para confiar em ninguém, especialmente em quem era nascido trouxa.
Naquela noite, na sala comunal da Sonserina, seus colegas conversavam e ele permanecia calado. Estava à frente deles, via que todos eram tolos. Não era apenas uma questão de segregar os trouxas, de criar limites. Era proteger os bruxos das limitações de poder e de ética que, na opinião dele, vinham do respeito aos trouxas e deviam ser abolidas. Que fosse possível tomar o lugar, os bens, o domínio dos trouxas. Que fosse possível sair do anonimato para mostrar à presa que chegara a hora do predador. Que se criasse um novo mundo onde escondidos estariam os trouxas, com medo dos bruxos. Confortado por esse pensamento, esqueceu um pouco o quanto doía ser rejeitado.
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