A queda
JÁ ESTAVA NOITE. Ele estava andando ao vento, e que vento. A praça estava cheia de crianças brincando. E ele continuava andando, andando, com o propósito de tudo aquilo chegando ao fim. Ah, o triunfo. Ele o sentia. Ele o dizia “Agarre-me agora!” e ele estendia a mão, sereno e rápido.
– Bonita fantasia, moço!
Ele estava vestido como normalmente se vestia. O roupão negro de sempre, o capuz sobre a cabeça, as mãos nos bolsos. Uma delas segurando o punho da varinha.
A criança estava sorrindo quando adiantou-se para espiar quem estava por baixo da “fantasia.” Ela vacilou. O sorriso transformou-se numa abertura de horror. Saiu correndo como nunca havia corrido antes. Bastava um aceno da varinha e ela jamais chegaria à mãe.
Outros continuavam fazendo o que faziam enquanto ele caminhava. Ele seguiu a praça até onde lhe fora indicado. A casa onde estavam os Potter. Foi naquela mesma tarde.
Rabicho viera correndo para ele.
– Milorde!
– Diga, Rabicho.
– Consegui, Milorde – ele estava quase chorando de emoção. – Eles me nomearam! Me nomearam como seu Fiel do Segredo!
Então ele sentiu um júbilo de prazer nunca antes experimentado. Ele percebia nos companheiros o mesmo, quase o mesmo, mas não faziam ideia de como se sentia. Vitória, finalmente. Mais do que isso, triunfo, poder, garantia. Não de vida, mas de domínio.
Na mesma tarde ele reuniu o restante. A exceção de alguns que estavam muito longe ou a trabalho importante, como Snape, todos souberam da conquista de Rabicho. A promessa de obediência e tesouros. Maiores e melhores do que ele jamais pudesse vir a imaginar.
– Obrigado, milorde, obrigado – dizia ele constantemente enquanto os preparativos para a noite de Halloween era feita.
– Será hoje à noite – informou o Lorde das Trevas.
E caminhando ele finalmente a viu, a casa desfeita sob o encantamento. Rabicho havia lhe contado onde ficava, como encontrá-la, suas exatas coordenadas. Chegou junto à escura sebe e olhou por cima até o primeiro andar.
Tiago Potter estava com a varinha na mão, preparado.
De repente, fez explodir da varinha baforadas de fumaça colorida. E então ele o viu: o fardo da vitória que em breve conquistaria. A criança, filho dos Potter, tentando agarrar os feitiços que se espalhavam pelo cômodo. Teve vontade de rir de desprezo. E então entrou Lílian, a mãe. Percebeu ela mandando Tiago parar pois o bebê precisava dormir. Dormir! Pois sim. E então ela saiu com ele enquanto Tiago se contorcia ao espreguiçar com a varinha jogada no sofá.
Abriu o portão e ele fez um breve “Nhec”, mas ninguém da casa ouviu-o. Chegou à porta e arrebentou-a dos parafusos que a prendiam. O estrondo chegou. A morte chegou.
Tiago veio desesperado encarando o Lorde das Trevas quando gritou, erguendo os punhos:
– Lílian, pegue Harry e vá! É ele! Vá! Corra! Eu o atraso...
Atrasá-lo, sem uma varinha na mão. Voldemort riu com gosto antes de lançar a maldição.
– Avada Kedavra!
O relâmpago saiu com força. Iluminou o Hall, fez os balaústres lampejarem como se gritassem em protesto, o carrinho da criança estava verde e não mais azul.
– NÃÃÃÃO!
Ele ouviu o grito de Lílian no andar de cima. Mas não havia nada a recear. Ele só queria a criança, nada mais. Subiu a escada rindo dela se entrincheirando no quarto. E só então percebeu que ela também estava desarmada! Grandes idiotas foram ao confiar num traidor. Amigo, mas traidor.
Arrombou a porta, empurrou uma cadeira ao lado junto com as caixas que pareciam montar guarda. E ele o viu, a apenas dois metros, no colo da mãe. Aquela coisinha de nada que diziam que o levaria ao fim. E rapidamente Lílian o depositou no berço, nervosa, e virou-se para ele abrindo os braços como se tentasse não deixar que o Lorde o visse.
– O Harry não, o Hary não, por favor, o Harry não! – choramingou ela.
– Afaste-se, sua tola... afaste-se, agora... – respondeu o Lorde não querendo perder tempo.
– Harry não, por favor, não, me leve, me mate no lugar dele... – ela continuou insistindo.
– Este é o meu último aviso... – avisou-a Voldemort.
– Harry não! Por favor... tenha piedade... tenha piedade... Harry não! Harry não! Por favor... farei qualquer coisa... – suplicava Lílian Potter, de braços abertos.
– Afaste-se... afaste-se, garota...
Poderia muito bem tê-la tirado dali à força, mas por que não finalizar o trabalho?
Mais uma vez a maldição saiu e ela tombou, morta. A criança olhava tudo como se fosse uma peça de teatro, sem chorar. Estava de pé segurando as grades e olhou-o mais intensamente, talvez achando que fosse o pai escondido numa máscara de terror.
Ergueu a varinha de teixo certeiramente. Queria ver, visualizar, entender. Porém, o bebê começou a chorar. Sempre odiou choros no orfanato. Era sinal de fraqueza, submissão, derrota.
– Avada Kedavra!
E ele viu a criança ser atingida e o raio voltar contra ele. E então ele caiu em dor e desespero. Nem a morte poderia ter-lhe trazido tanta dor, isso ele sabia. Seu corpo projetou-se além dele mesmo, rasgou-o por completo, dilacerou tudo o que restava. E a criança urrava, ela continuava viva! Clarões por todo o lado. A maldição arrombou a parede, ele via a praça e a praça via ele. Mas será que o via exatamente? Afinal, o que ele era? Seu corpo explodiu, mas ele estava no alto, olhando tudo, sentindo extrema dor. Teria morrido? Ele precisava sair dali o quanto antes.
E ele viajou e viajou, sob extrema agonia e angústia, querendo se matar, mas não podia, talvez nem vivo estivesse. Porém, era algo inimaginável o que sentia, se é que ele sentia, se é que ele já não mais existia. E nem sabe quanto tempo andou, ou deslizou, ou voou, ou apenas existiu sob aquela forma, passando de lugar em lugar, bruxos corriam, aurores gritavam, e pessoas comemoravam.
Ele estava de volta à floresta albanesa. Foi fácil achar o local onde havia assassinado o camponês. E no canto da casa, ele se encolheu, encolheu, até se transformar em nada, até virar o que havia virado. E decidiu que não iria desistir, não depois de tudo o que havia conquistado e realizado. Estava apenas se obrigando a existir, sem cessar, segundo a segundo. Até à espera. Até à espera...
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