O roubo dos tesouros de Smith



A HISTÓRIA DO DUELO viajou de país em país para todo o globo. Em apenas dois meses, Dumbledore, que já era famoso, ficou considerado como o maior bruxo da era moderna. Constantemente Riddle lia notícias que estava viajando e dando entrevistas para cada Ministro da Magia dos outros países, particularmente o da França, Abelardo Ney, onde havia ocorrido o duelo de 02 de setembro. Incrivelmente estranho é que foi o mesmo dia em que acabou a Grande Guerra que os trouxas haviam começado há seis anos. Lembrou-se do artigo que lera em Hogwarts e... Hogwarts.


Como desejava voltar para lá, o lar em que realmente pôde chamar de casa, o lar em que fez amigos, foi bem tratado, ganhou respeito e descobriu como ser imortal. Foi lá, em seu último ano escolar, pois aquele ano, que foi há poucos meses, não seria o último na Escola de Magia e Bruxaria, ele voltaria uma última vez. Foi lá que descobriu sua magia. Mas foi no último ano em que leu aquele artigo sobre Grindelwald estar se aproximando. Havia uma nota dizendo que Grindelwald estava traçando planos com um trouxa para ambos conseguirem o que queriam: purificar sua raça. Mas foi tolice, disse Riddle a si mesmo. Afinal, isso culminou na derrota de Grindelwald e, por conseguinte, a derrota da Alemanha, país de origem do bruxo e também de onde a guerra estava se instalando.


Agora, na Borgin & Burkes, ele estava trabalhando ali há apenas seis meses e os donos da loja diziam que ele era o melhor vendedor que já obtiveram. Isso porque a maioria não conseguiu suportar a pressão dos trabalhos que Riddle levava nas costas: persuadir ricos a venderem seus objetos por preços baratos. Mas Riddle era bom nisso. É claro que aquele emprego era só uma fachada para seu real desejo. Há anos ele procurava uma relíquia que pertenceu a sua mãe e, portanto, pertencia a ele. E o caso era que a tal relíquia havia pertencido a Salazar Slytherin, o qual Riddle era herdeiro desse brilhante fundador de Hogwarts que, assim como ele, era ofidioglota.  Slytherin havia criado a Câmara Secreta e guardado um basilisco até a hora em que seu herdeiro chegasse. E chegou. Foi há três anos que achou a Câmara e soltou o monstro para acabar com os indignos de estudar magia. Houve apenas uma morte, mas era só o começo. Daria um jeito de reabrir a câmara mesmo que estivesse longe da escola. Ele havia registrado tudo em seu diário agora dentro de sua mochila intacta e invisível debaixo da cama num quartinho no fundo da loja. Junto, estava o diadema de Ravenclaw que encontrou no oco de uma árvore numa floresta albanesa, informação tirada da filha de Rowena Ravenclaw, Helena, a fundadora da casa Corvinal da escola. É claro que faltavam três objetos para guardar um pedaço de sua alma e os três eram objetos valiosos, tanto econômica quando historicamente. Para Riddle, os galeões que pudesse obter se tivesse uma das relíquias e a vendesse não era nada de mais. A espada de Godric Gryffindor era uma verdadeira arma. Fabricada com uma lâmina que não absorvia sujeira, estava sempre limpa e encravada de rubis. A taça de Helga Hufflepuff, que era de ouro e o que mais desejava: o medalhão de Slytherin.


            Hoje, ele estava de folga e iria fazer algo que há tempos desejava fazer, mas o tempo não deixava. Agora, ele poderia fazer isso. Voltaria a Little Hangleton para esconder o anel que era de seu avô, Servolo, e do tio Morfino. Não queria mais usá-lo sabendo que corria constantemente risco de alguém tentar roubá-lo ou até mesmo destruí-lo. Isso ele não permitiria de jeito nenhum e já até sabia o que fazer para proteger o anel. Antes, ele roubaria uma pequena caixa de ouro da loja, há tempos ali, mas valiosa. E esconderia um pedaço de sua alma num lugar que, embora parecesse pobre, para ele era rico. Rico de detalhes sobre sua descendência. Ninguém desconfiaria de nada ali e, mesmo que tentassem algo...


            Aparatou direto para a estradinha inclinada. O casarão dos Riddle continuava belo e intacto, embora sem vida. Com certeza mais ninguém morava ali. Mas Riddle notou que a grama ao redor da casa estava bem cuidada, haveria alguém morando na casa? Isso não importava. O que importava era a casa de Gaunt, que estava mais podre e suja do que nunca. Quase não a viu entre os galhos da árvore que cobria todo o telhado e, uma parte, a casa. Adentrou na casa e nada mais se via. Apesar de já ser dia e o sol estar quase a pino, o lugar estava negro demais para refletir luz. Acendeu a própria varinha e começou a tirar grandes tufos de terra logo após a madeira da casa rachar por completo. O buraco já tinha quase meio metro de profundidade quando parou. Tirou a pequena caixa de ouro e abriu-a. Havia uma espécie de almofada para as jóias se acomodarem dentro dela. Com pesar, tirou o anel do dedo e depositou-o na caixa. Estava pronto para realizar a pior maldição em objetos encantados. Quem o tocasse, morreria rapidamente. Apontando a varinha branca para o anel, ordenou:


Blackputrid curse!


Na mesma hora, o anel vibrou e levitou. Riddle sabia que não poderia tocá-lo. Uma nuvem negra estava ao redor do anel e se dissipou, tornando a afundar-se na caixa. Com cuidado, fechou-a e colocou-a no buraco. Logo, o restante da terra estava voltando e tapando o rombo que estava no meio da sala. Havia uma pequena marca em seu dedo, mas logo iria sumir. Saiu sem olhar para trás e resolveu dar uma espiada na outra casa. Aparatou para o outro lado da vale chegando à soleira da porta. Um homem quase o viu, pois botou a cara na janela e ficou espiando. Riddle havia lançado o feitiço da desilusão no instante em que aparatou e recostou-se em uma árvore. O homem saiu. Apesar de jovem, no máximo uns trinta anos, estava mancando. Com certeza era trouxa, caso contrário não estaria nessa situação. O homem parou de olhar e recolheu as folhas do jardim e voltou para dentro. Pensando no que vira, viro-se e leu o que estava gravado na casca da árvore:


 


T.R. & C.L.


 


            Ficou com raiva quando descobriu o que devia ser. Era uma Cecília quem estava falando com Tom Riddle, seu pai, na noite em que morreu. Ficou infeliz naquela época quando soube que ela e a família mudaram-se depois daquele assassinato e ele nada pôde fazer; afinal, não sabia para onde tinham ido. Sem entender por que, lançou um feitiço na árvore e a casca se rachou. O que viu chocou-o ainda mais, pois uma nova escritura, mais velha ainda, estava no lugar. A letra era feminina e bem caprichada:


 


T.R. & M.G.


 


            Ele sabia de quem era essa. Era de sua mãe, que amava aquele trouxa nojento. Mas isto não importava mais, não agora. Ambos estavam mortos e, como havia aprendido, não havia nada que se pudesse fazer com os mortos. Não havia fórmula mágica nem poção. Mas, para sua felicidade, existiam Horcruxes.


            Nunca havia visitado o resto do vilarejo e resolveu fazer isso. Olhou de relance a igreja trouxa. Como era grande, mas nada tão grandioso quanto o castelo. É claro que comparar construções de trouxas com construções bruxas não fazia o menor sentido, por isso resolveu dar uma olhada no cemitério mais adiantes, bem entre a casa dos Riddle e a de Gaunt, quase no penhasco. Logo que aparatou para lá, deu de cara com um túmulo bonito e grande suficiente para conter umas três pessoas. E ele sabia que eram exatamente três. Leu as inscrições:


 


Thomas Riddle


Nascido a 18/02/1880


Falecido a 12/08/1943


 


Mary Riddle


Nascida a 30/05/1883


Falecido a 12/08/1943


 


Tom Riddle


Nascido a 18/04/1905


Falecido a 12/08/1943


 


Foi com satisfação que leu os nomes e a data em conjunto no dia em que morreram. A lápide tinha uma grande inscrição com o nome Riddle. Tirou-o de sua mente. Não lhe agradava saber que seu nome de batismo era idêntico ao nome gravado no túmulo, a exceção o nome de seu avô materno, Servolo. Pelo menos, parte de seu nome tinha parte bruxa. Mas aquele não era seu nome. Ele decidira criar um novo nome, um nome que todos temeriam quando ele revelasse, um nome que construiu logo após a morte dessas pessoas enterradas a sua frente: Lord Voldemort.


            Iria sair logo dali, mas voltou ao ver um nome numa lápide mais adiante. Leu:


 


Servolo Gaunt


Nascido a 11/06/1862


Falecido a 15/06/1926


 


            Então, foi ali que seu avô foi enterrado. Seus dois avôs, mas um era bruxo. Achou desprezível ele ter sido enterrado num cemitério trouxa. Não merecia aquilo. Já Morfino, ele bem soubera, havia morrido em Azkaban quase três anos após ter sido preso. Resolveu voltar à loja.


 


            A Borgin & Burkes continuava fechada. Borgin e Burke deixaram a loja com Riddle, pois haviam viajado para uma viagem de negócios. Riddle, com um pouco de dinheiro que restava, resolveu andar pela Travessa do Tranco e talvez encontrar algo que o agradasse. Visitou várias lojas com os mais diversos feitiços e poções perigosas, mas nada mais.  Resolveu voltar.      


            Acordou e a loja já estava aberta. Borgin estava arrumando seu malão e Burke estava avaliando quanto tinham comprado. Já haviam chegado há algum tempo e Riddle percebeu que havia dormido demais. Já era quase meio dia, mas felizmente ninguém tinha aparecido para comprar alguma coisa. A tarde foi bem monótona. O povo ainda falava do duelo de dois meses atrás e poucos se davam ao trabalho de trabalhar.


– Riddle!


– Sim, senhor Burke.


– Visite a madame Smith – ordenou Burke, folheando febrilmente um enorme pergaminho. – Ofereça desta vez 500 galeões. Avisei a ela que você iria as quatro.


– Certo – respondeu ele, duvidando que Smith fosse pagar essa miséria a Burke. Mas como não tinha jeito, saiu da loja e aparatou.


Eram exatas quatro horas quando parou de girar na frente da mansão da velha. Riddle estava com um terno simples, mas continuava belo. Tocou a campainha. Logo depois, a conhecida elfo doméstico abriu a porta e Riddle atravessou o portal. Smith estava com vestes rosa e sua conhecida peruca ruiva já estava ajeitada. Ainda havia pó-de-arroz no rosto da velha. Passou graciosamente pelos vários cômodos, inclinou-se sobre a velha e beijou sua conhecida enrugada mão. Mentalizou “Linifolious” e “Perennious” ao mesmo tempo e disse, baixinho:


– Trouxe flores para a senhora – e na mesma hora, um buquê de flores irrompeu da varinha de Riddle. Desta vez, eram tulipas e margaridas.


– Menino levado, você não precisava! – gritou Hepzibá Smith, apesar de Riddle saber que ela já havia tudo pronto, inclusive mais um vaso. O outro, de meses atrás, nem estava ali. – Você realmente estraga esta velha, Tom... sente-se, sente-se... Onde foi a Hóquei... ah...


Smith estava olhando para os lados procurando sua elfo, mas logo a viu. Riddle sabia o que viria: os variados bolos de Smith. Não que eles fossem ruins; pelo contrário, eram bons. Mas lhe enjoava tantas paparicadas.


Logo veio Hóquei com uma bandeja acima da cabeça e depositou-a numa banqueta.


– Sirva-se, Tom – era uma ordem muito carinhosa, por isso a aceitou –, sei como gosta dos meus bolos. Agora, como vai? – perguntou ela, encarando-o febrilmente. – Parece pálido. Eles o exploram naquela loja, eu disse isso uma centena de vezes... – não duvidava nada de que havia dito isso umas cem vezes, mas sorriu tediosamente. Hepzibá retribuiu.


– Bem, qual é sua desculpa para me visitar desta vez? – perguntou a velha, se aprumando na cadeira.


– O Sr. Burke gostaria de fazer uma oferta melhor para a armadura fabricada pelos duendes – respondeu ele. – Quinhentos galeões, ele acha mais do que justo... – ele viu que ela não aceitaria.


– Ora, ora, vamos com calma ou pensarei que você só veio aqui por causa das minhas bugigangas – começou ela, fazendo beiço como se esperasse que Riddle fosse gostar disso. Ele não hesitou ao responder:


– Sou mandado aqui por causa delas – e com certeza não por você, pensou. – Sou apenas um pobre balconista, madame, que precisa cumprir ordens. O Sr. Burke quer que eu indague...


– Ah, fiau para o Sr. Burke! – exclamou ela, dando um “adeuzinho” – Tenho uma coisa para lhe mostrar que jamais mostrei ao Sr. Burke! Você é capaz de guardar um segredo, Tom? – perguntou ela, olhando com os olhos esbugalhados pelo resto da casa – Promete que não contará ao Sr. Burke o que tenho? Ele não me daria mais descanso se soubesse que lhe mostrei, e não quero vender nem ao Burke nem a ninguém! Mas você, Tom, você saberá apreciar a peça por sua história, e não pelos galeões que poderá obter com sua venda... – terminou ela, misteriosa e enfaticamente.


– Teria prazer em ver qualquer coisa que a srta. Hepzibá me mostrasse – respondeu ele, esperando não ser outras das bobeiras de Smith. Ela deu uma risada medonha para sua idade e virou-se.


– Mandei Hóquei buscar... Hóquei, cadê você? Quero mostrar ao Sr. Riddle o nosso mais belo tesouro... – Riddle percebeu certa ênfase quando ela falou “belo”. – Na verdade, aproveite e traga os dois...


Logo veio a elfo com dois estojos de couro, um em cima do outro, e passando pela sala. Logo chegou, desviando das várias mesinhas.


– Aqui estão, madame – seu gritinho foi irritantemente agudo.


– Agora – disse Hepzibá, pegando as caixas da elfo, colocando-as no colo e preparando-se para abrir a de cima –, acho que você vai gostar, Tom... ah, se minha família soubesse o que estou lhe mostrando... mal podem esperar para pôr as mãos nisso!


Ela abriu o primeiro estojo, o de cima, e algo luminoso brilhou.


– Será que você sabe o que é isso, Tom? – perguntou, excitada demais para alguém daquela idade. – Pegue, dê uma boa olhada! – Hepzibá sussurrou e Riddle esticou seu braço. Com seus dedos longos e finos, retirou a pequena taça da caixa aveludada. Na mesma hora, ele viu um pequeno animal gravado no centro da taça.


Um brilho vermelho se apoderou em seus olhos momentaneamente, tirando o lugar dos negros. Ele sentiu todo o triunfo e a felicidade, mas, ao que parecia, Hepzibá suspirava para ele. Ele queria confirmar...


– Uma insígnia – murmurou, tocando com a ponta do dedo o animal. Era um texugo. – Então isto era...


– De Helga Hufflepuff, como você sabe muito bem, seu danadinho! – ponderou Smith, se inclinando para frente com um ranger alto das roupas e apertando sua bochecha. – Eu não lhe disse que era uma descendente distante de Helga? – só agora que Riddle lembrou-se do primeiro encontra com a velha. Ela realmente disse algo sobre a fundadora da casa Lufa-Lufa, mas Burke sempre alertava dizendo que todos diziam isso por um pouco de ouro. – A taça vem passando de uma geração a outra em nossa família há anos. Linda, não é? E possui vários poderes também, segundo dizem, mas não experimentei todos, me contento em guardá-la bem segura aqui...  


Ela tirou do longo dedo de Riddle a taça e ficou se distraindo tanto para repô-la no encaixe direito na caixa que nem notou um esgar negro que passou pelo rosto de Riddle quando sentiu a relíquia de Hufflepuff sendo tirada de suas mãos. Ele lembrava como se tivesse lido hoje em seu livro Hogwarts: Uma história.


 


A taça de Helga Hufflepuff, criadora da casa Lufa-Lufa. Dá lealdade a quem sabiamente usá-la e é mais útil do que o feitiço Legilimens, já que não pode ser combatida. Usada para “ver” a mente. Feita de ouro e foi legada a família Hufflepuff. Não se sabe a atual localização.


 


Agora ele sabia.


– Agora – disse Hepzibá, felicíssima como uma criança –, onde foi a Hóquei? Ah, sim, aí está você... leve isto para guardar, Hóquei.


A elfo pegou o pequeno estojo com a taça dentro e saiu do aposento. Hepzibá, então, redobrou o que quer que fosse mostrar e falou com mais entusiasmo ainda:


– Acho que você vai gostar deste ainda mais, Tom – disse, baixinho. – Chegue mais perto, caro rapaz, para poder vê-lo... é claro que Burke sabe que tenho isto, comprei-o na mão dele e acho que ele adoraria recomprá-lo quando eu me for... – e com um dramático suspiro, abriu a caixa empurrando um pequeno gancho de filigrana. Ali dentro, sobre um veludo macio e vermelho, repousava um medalhão grande e, ao que parecia, pesado. Do tamanho de um ovo de galinha e dourado, decididamente era ouro.


Sem sequer esperar um comando, Riddle adiantou-se e retirou o medalhão da caixa. Analisando-o, virou-o de um modo em que a luz incidisse diretamente numa letra “S” toda trabalhada. Era o “S” serpentino de Slytherin. Exclamou, quase para si mesmo:


– É a marca de Slytherin!


– Correto! – entusiasmou-se Hepzibá Smith, que parecia encantada apenas de ver o olhar de satisfação no rosto de Riddle analisando o medalhão. – Tive de pagar uma perna e um braço... – Riddle nada mais ouvia. Ali, a relíquias que há anos procurava, que era de seu antepassado, que pertenceu a sua mãe e que, portanto, era propriedade particularmente dele, estava em suas mãos. Finalmente, havia o encontrado – ... por ele, mas não podia deixar passar a ocasião, não de adquirir um verdadeiro tesouro como este... – e que tesouro, pensou – ... precisava tê-lo na minha coleção. Pelo que soube, Burke o comprou de uma mulher esfarrapada que pelo jeito o roubara, mas não tinha a menor ideia do seu real valor – essa última frase aguçou até seu sexto sentido. Nada mais importava, ele sabia quem deveria ser a mulher esfarrapada: sua mãe, Mérope Gaunt. Seus dedos perderam o sangue dos ossos e branquearam-se ainda mais. Seus olhos produziram mais um lampejo vermelho. Estava atento a conversa. – Acho que Burke pagou à mulher uma ninharia, mas aí o tem... bonito, não é? E como o outro – disse ela, indicando com a cabeça para onde Hóquei tinha ido guardar a taça –, atribuem a este todo o tipo de poder, embora eu apenas o guarde em segurança...


Ela estendeu o braço e, novamente, tirou de suas mãos outra relíquia. E era a mais desejada por Tom Riddle. Mais uma vez, um langor vermelho rapidamente se apoderou em seus olhos. E na mesma velocidade, se esvaiu.


– Eis aí, Tom, querido, e espero que você tenha gostado – disse ela, abrindo o sorriso. Nisso, ela olhou seus olhos e seu rosto pálido e chocado e assustou-se um pouco. – Você está bem, querido?


– Ah, sim – respondeu ele, pensativo. – Estou muito bem...


– Pensei... deve ter sido uma ilusão de ótica – concluiu a velha Smith, nervosa. – Tome aqui, Hóquei – mandou ela para a elfo –, leve e tranque-os outra vez... os feitiços de sempre...


A elfo pegou a caixa com o medalhão e saiu pela sala em direção aos fundos da casa.


– Você está mesmo bem, Tom? Não quer tomar algo, um ar fresco? – ela estava hesitando.


– Não... humm, você não venderá a armadura pelos quinhentos galeões, não é? – perguntou, de repente.


– Como? – espantou-se ela, assustada com a súbita mudança de assunto. – Ah, não. No mínimo mil e quinhentos – finalizou.


– Certo – confirmou ele, pouco se importando com aquela armadura que Burke desesperadamente queria comprar –, então vou indo.


– Adeus então, Tom.


Ela estava indiferente. Talvez receosa. Sequer perguntou por que ia tão cedo e nem tentou agarrá-lo.


– Hóquei, leve o senhor Riddle até a porta.


A pequena elfo veio e abriu a porta. Riddle levantou-se, beijou rapidamente a mãe de Smith, o qual ele percebeu que ela vacilou, e saiu da mansão. Aparatou direto para dentro da Borgin & Burkes e Borgin e acidentalmente derrubou um tinteiro sobre um livro.


Tergeo! – exclamou Riddle, sugando a tinta.


Ele foi direto para seu quarto e se trancou.


Como era possível a velha ter as duas relíquias dos fundadores mais difíceis de serem encontradas? A espada de Gryffindor era certa de que estaria em propriedade da escola, mas o medalhão e a taça podiam estar em qualquer lugar do mundo e estavam a uma aparatação de seu trabalho! Coincidência ou destino?


 Não importava. Iria obtê-las de alguma maneira. Teria de pensar em como fazer isso. Smith disse para trancá-los no mesmo lugar, com os feitiços de sempre. Então, estavam fortemente protegidos. E onde seria esse lugar? Um cofre dentro da casa? Uma sala oculta? E que feitiços seriam? Com certeza não seriam nada simples, mas duvidava que fosse algo perigoso. Com certeza não seria nada que pudesse machucar a si mesmo ou a elfo doméstico Hóquei. A elfo... Hepzibá disse: os feitiços de sempre.


Elfos tinham poderes? Podiam utilizar a magia sem auxílio da varinha? Podiam, lembrou-se da aula de Criaturas Mágicas. Mas então, seria uma magia desconhecida ou talvez menos potente que a dos bruxos? Com certeza menos potente. Eram criaturas genética e intelectualmente inferiores do que os bruxos e com certeza eram mais fracos em todas as maneiras possíveis. Só não eram comparados aos trouxas porque estes não tinham um pingo de mágica, mas, na escala evolutiva, deviam vir atrás. Deviam ficar para trás inclusive de sangues-ruins. Mas depois pensaria nisso. Smith disse que a família ficaria louca se descobrissem que ela havia mostrado isso a alguém. Então, isso significava que a família de Smith sabia de suas relíquias e também sabia onde as guardava. Isso seria um problema, pois saberiam que Riddle havia visitado a velha e esta com certeza diria isso. A não ser... que ela nada falasse. Perdesse a razão e nada que dissesse fizesse sentido. Ou... se ela nunca soubesse do que aconteceu... “A ELFO”, exclamou alto. Poderia colocar a culpa na elfo, como havia feito com seu tio, Morfino Gaunt, sobre o assassinato da família Riddle no verão de 1943. E isso seria o que faria. É claro que teria de pensar antes em como eliminar Smith. Mas não queria usar a maldição da morte desta vez, queria variar. Foi então que lembrou-se de onde trabalhava: numa loja de Artes das Trevas.


 Perguntou logo ao homem que o contratou, Catáraco Burke, sobre os vários venenos que a loja oferecia, afinal, Burke era conhecido por ser um famoso envenenador. Gostou de um que era parecido com a maldição da morte, pois era tão desconhecido quanto essa pelos sinais físicos que deixava na pessoa após uma morte. Não deixava nada de estranho. Burke havia comprado da Coréia do Norte e pelo rótulo se lia: 보이지 않는 죽음. Não fazia ideia do que significava, mas sabia os efeitos. Esperou dois dias incessantes se mordendo para não ir atrás e, finalmente quando deu, foi.


 


            Eram apenas 12 de dezembro de 1945 quando saiu nervoso da Borgin & Burkes. O dia estava relativamente nublado e nada se via. Aparatou da Travessa do Tranco para a Mansão Smith. O veneno estava suspenso em seu bolso. Eram 8 horas da manhã e sabia que, dali a meia hora, Hepzibá Smith tomaria seu café. Se havia algo que apreciasse, agora, com as conversas com Smith seria sobre ela contando suas horas diárias. Ele nunca havia esquecido seu programa da manhã, pois ela citou que as oito e quinze ela checava “os tesouros” que guardava e com certeza o medalhão e a taça estariam inclusos. Tocou em si mesmo com a varinha e desapareceu. Seu feitiço de desilusão estava mais potente do que nunca. A varinha, assim como o seu dono, sentia o triunfo por perto. A porta, como havia previsto, estaria entreaberta. O estranho hábito de Smith, de deixar o ar da manhã entrar por sua casa, finalmente seria sua perfídia. Adentrou na casa e reconheceu o corredor. Sempre virava a direita para a sala, mas hoje não. Iria para os fundos, até a cozinha, por onde Smith deveria passar para ir á qualquer aposento, incluindo o lugar onde guardava seus tesouros. Os quadros na parece sentiram Riddle andando e este diminuiu a frequência do passo. O corredor era extenso e logo viu Smith passando. Estava com um robe amarelo. Nunca havia visto-a tão gorda, mas, afinal, sempre a via sentada. Pelo menos, a maior parte do tempo. Ela se dirigiu a um aposento muito bem iluminado e Riddle a seguiu. Passaram por várias mesas e o chão de mármore era muito escandaloso para fazer barulho. Foi ainda mais lentamente do que antes e entrou no lugar onde estava. Só agora percebera que o lugar não era iluminado por luz solar, mas refletida intensamente em centenas de objetos de prata e ouro, armaduras enormes e pesadas, correntes e joias nas prateleiras. Mas Riddle não encontrava as duas caixas de couro que havia visto dois dias atrás. Smith atravessou a sala e nunca Riddle a vira tão rabugenta. Com certeza, acordar de manhã a irritava. Ela parou um pouco e voltou para onde Riddle estava. Recuando depressa, bateu as pernas em algo, pisou e virou-se assustado ao ouvir:


– Arrre!


Era Hóquei!  Estava pulando num pé só. Riddle havia pisado em seu pé descalço.


– Que foi? – gritou Smith, que parecia não gostar nem um pouco de escândalos nessa hora da manhã.


– Nada – disse ela, parando de pular e abaixando as orelhas enormes.


– Vá preparar meu café: ovos com bacon, torradas e mingau. E chocolate quente!


– Sim, madame – ela saiu mancando.


Smith voltou a olhar para as estantes como se procurasse algo. Estava com uma caderneta e riscava todo tesouro que encontrava, certificando-se de que tudo estava ali. Mas algo a encucava. Via e voltada para o mesmo lugar.


– Hóquei!


A elfo veio correndo e perguntou:


– Sim, madame? – respondeu.


– Onde colocou o medalhão e a taça? – perguntou irritada.


– Ali – apontou com o dedo trêmulo para uma marca entre duas estantes. – Hoje, era dia de colocar ali.


Isso era bom, pensou Riddle. Até a família der conta de que haviam roubado alguns pertences da velha, demorariam a achar isso pois estariam procurando os diversos esconderijos da velha. Em suma, teria tempo o suficiente para fugir com os tesouros de Smith. Ela apontou uma varinha pequena e marrom e exclamou algo inaudível, mas não seria esse o problema. Abriu uma janelinha oculta na parede e retirou as duas caixas. Viu seus dois tesouros e guardou-os. Riddle consultou o relógio que havia ganhado de Borgin: eram quase oito e meia. Smith estava fechando o pequeno acesso quando Riddle saiu e se dirigiu à cozinha. O café já estava na mesa e, vendo a mesa, a comida o lembrava das refeições e banquetes que Hogwarts oferecia. Como sentia saudades daquele lugar. Mas agora não era hora de pensar nisso. Assim que Smith sentou-se e bebeu um pequeno gole do chocolate quente do lado do café, Riddle, por trás, murmurou:


Imperio!


Uma conhecida sensação passou pelo seu braço. Formigaram todos os seus dedos quando Smith deu um tremelique e parou de beber o café. Começaria a hora do controle, afinal.


– “Coloque-o na mesa” – ordenou Riddle. Ela colocou. – “Chame Hóquei”.


– Hóquei!


A elfo veio correndo e logo se postou a mesa:


– Sim, madame?


– “Traga o medalhão e a taça”.


– Madame, não vai terminar de tom...


– “Agora!”


A elfo saiu correndo desabalada enquanto Smith era um fantoche de Riddle. Logo veio a elfo com as duas caixas e pousou-as na mesa.


– “Suma daqui! Fique lá em cima faxinando por três horas!”


– Sim, madame – exclamou Hóquei, assustada.


Ela subiu correndo as escadas que ficavam atrás da cozinha. Os olhos de Riddle brilharam ao ver as duas caixas pousadas ali. Lembrando-se de algo, foi rapidamente até a sala dos tesouros e não havia nada aberto. Parecia que o portal se fechava sozinho. Voltou à cozinha e Smith continuava na mesma posição besta. Retirando o veneno do bolso, despejou cinco gotas no chocolate quente de Smith. “Beba”. Smith levou a xícara a boca, esvaziou-a de um gole e engoliu.


Quase que instantaneamente, ela caiu. Morta. Tombou da cadeira para o chão e Riddle foi até as caixas e abriu a primeira. Tirou a taça de Helga Hufflepuff. Depositou-a diante do cadáver daquela velha nojenta que sempre se insinuava para Riddle. A tola que mostrou seus bens mais valiosos, mas, que agora, pertenciam a Lord Voldemort. Apontou a varinha e sentiu prazer, com seu novo artefato na varinha, exclamar:


Claudere anima!


Sentiu o conhecido jorro da felicidade. A massa escura saiu sem contrariedades. A varinha não mais tremia, apenas vibrava. A alma retirada não parecia querer voltar ao corpo, não mais. Ela se dirigiu sem ser mandada a taça de Hufflepuff e esta adquiriu aquela coloração negra antes de voltar a ser dourada. Havia feito sua quarta Horcrux.


            Recolhendo-a, guardou-a na pequena caixa e empilhou-a em cima da outra caixa. Para se certificar, abriu a outra e lá estava: o medalhão de Slytherin dourado. Logo, seria o próximo. A velha continuava no mesmo lugar. Ainda não estava dura e fria, mas havia algo que ainda devia fazer. Deixou as duas caixas na cozinha e subiu as escadas. Num belo quarto todo de cetim, Hóquei estava, de fato, com um espanador faxinando as cortinas já sem poeira. Silenciosamente, ordenou:


Estupefaça!


O raio vermelho atingiu as costas da elfo, que bateu nas cortinas e permaneceu imóvel. Aproximando-se, recordou quando colocou algumas gotas de um desconhecido veneno no chocolate quente de sua senhora. Não lembraria de mais nada afinal, Hóquei sendo velha, podia se confundir com uma pitada de açúcar com um veneno estranho na mesa. Apontando a varinha para sua testa, ordenou:


Obliviate!


Ele viu algo branco indo em direção a Hóquei. Eram seus atos passados que estavam entrando na memória da elfo, fazendo-a pensar que havia, acidentalmente, matado sua dona. Logo, Hóquei retornaria à consciência e desceria as escadas, após terminar as horas de faxina. Se apavoraria, chamaria alguém e, de repente, confessaria o crime. Era perfeito. Riddle desceu as escadas e coletou as duas caixas, sendo quem uma continha uma parte de sua alma, e saiu da mansão. Voltou para a Travessa do Tranco e para a loja em que trabalhou cerca de seis meses. Arrumou sua mala, guardou as duas caixas dentro da mochila e partiu.


Borgin e Burke ficaram muito desapontados quando souberam que renunciaria a seu cargo. Era o único que sabia fazer o que lhe era mandado. Recusando responder as perguntas de Burke sobre onde iria ficar e as de Borgin de para onde iria e por que estava saindo, Riddle definitivamente saiu da loja. Não sabia exatamente para onde iria, mas sabia com quem poderia contar. Não havia recebido nenhum tipo de mensagem de Avery, Lestrange, Tecnécio e Nott, mas ele os encontraria. Reuniria os Comensais da Morte e instalaria o que sempre haviam desejado na escola. Encontraria os diversos tipos de magia que ainda não conhecia, iria alcançar um patamar jamais alcançado por nenhum bruxo na história. Iria levar o nível da magia para outro estado. Iria levar ao extremo todas as possíveis experiências. Viajaria e descobriria novas coisas de outros países, era fundamental de tudo um pouco conhecer. Os costumes das outras escolas de magia, sempre quis visitar Nurmengard e saber o que ela ensinava de Artes das Trevas. Por lá é que começaria.


            Aparatou e encontrou-se em Charing Cross. Estava de frente ao Caldeirão Furado, o bar por qual passou após um momento feliz de sua vida. Passeando pela rua, viu um homem, com certeza trouxa, deitado num beco. Ele falava coisas desconexas, sem sentido nenhum. Entrou no beco. Era profundo e ficava mais escuro toda vez que ia mais ao fundo. Lá o homem continuava a falar coisas que, provavelmente, nem ele entendia. Ele se levantou e apontou um dedo e falou algo inteligível. Seu bafo fedia a álcool e a cigarro, coisas que odiava cheirar no orfanato. Segurava um cigarro e, na mesma mão, uma garrafa quase vazia de álcool. O homem olhou para Riddle e mostrou os dentes podres, amarelos e quebrados para ele. Seus cabelos cobriam toda a sua face e a barba estava chegando ao peito quase. Novamente, apontou o dedo e falou algo inteligível. Riddle sorriu para ele e tirou a varinha. O homem apontou para a varinha, derrubou o cigarro e jogou no chão um cobertor sujo em que estava enrolado e começou a rir da varinha de Riddle. Tom deu coro as risadas e terminou dizendo:


Avada Kedavra!


O lampejo verde iluminou o beco e atingiu o peito do velho mendigo, que foi arremessado contra uma parede e caiu sobre várias pedaços de madeira, fora o cobertor em que estava enrolado. Riddle sentiu nojo de ter que depositar o medalhão perto daquele homem, mas era preciso.


Impertubctus maxima!


O beco se fechou. Ninguém poderia vê-lo nem ouvi-lo ali. Depositou o medalhão sobre o peito fedido do homem, apontou a varinha e disse:


Claudere anima!


Quase não foi necessário dizer o encantamento. Ele saía quase tão involuntariamente quanto sua respiração. A massa escura se dirigiu ao medalhão e cobriu-o de negrume. A varinha nem vibrava mais. Parecia gostar daquilo. Não havia mais a pressão que existia quando fez sua primeira Horcrux. Sequer sentia algo quando matava. Sua alma, dentro do corpo, já estava repartida em tantos pedaços que não deveria sentir mais nada. Havia feito sua quinta Horcrux. Faltava uma para completar as seis e, portanto, completar os sete pedaços de alma e tornar-se imortal. Obviamente que já está, mas com 7 pedaços era algo que o fascinava.


O número 7 fascinava todo e qualquer bruxo. Retirou o medalhão do peito do trouxa, depositou-o na caixa, desfez o encantamento do feitiço da Imperturbabilidade e partiu. Para onde, ele não saberia dizer. Mas uma coisa era certa. Estava no caminho que sempre quis, que sempre desejou. Tinha na mochila três valiosos objetos junto com seu diário. O anel já havia escondido muito bem protegido. Faltava a espada de Godric Gryffindor que estava em posse da escola. Iria voltar a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts como professor, tornaria-se diretor, obteria a espada e instauraria um verdadeiro exército contra os trouxas e sangues ruins. Isso, pensou, seria apenas o começo de uma era. A era Lord Voldemort.

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