Na Enfermaria



- É, foi isso, professor Dumbledore. Pelo menos foi o que a Emelina Vance me disse no alto da escada. Depois disso eu desci rápido e encontrei a confirmação de tudo lá embaixo.


- E, como exatamente, a senhorita confirmou tudo, senhorita Evans?


- Quando eu cheguei até o corredor de poções, encontrei Potter acabando de se levantar, Snape caído num canto desacordado e Black se gabando para o amigo de ter estuporado o Severo, dizendo que ele merecia e perguntando como Potter podia ter perdido para ele num duelo.


Lílian Evans falava apressadamente, relatando tudo ao diretor da escola de pé na entrada da ala hospitalar. O sol da tarde entrava sem qualquer cerimônia pelos janelões de caixilhos, fazendo a sombra de cinco pessoas muito próximas se estenderem pelo chão de pedra esterilizado.


O professor cruzara as mãos na região do baixo ventre, olhando curiosamente para Lílian, que tagarelava sem parar, e escutando atenciosamente todas suas acusações. Num canto mais afastado dos dois encontravam-se Sirius Black e Tiago Potter sob o olhar atento de um homem que lembrava ligeiramente um leão marinho. Slughorn parecia tão estarrecido quanto antes com a atitude deplorável de seus alunos frente à sua própria sala.


- Então, professor, eu me aproximei de Snape e percebi que ele estava relativamente bem. Aí perdi minha cabeça com Potter, Black se alterou um pouco e eu precisei usar minha varinha contra ele – Lílian fez uma pausa relativamente longa, encarando Tiago por algum tempo – Daí em diante o professor Slughorn conhece o restante da história.


Lílian baixou um pouco os olhos, supostamente envergonhada com o fato de admitir ter usado força bruta para Dumbledore. Ele, contudo, manteve a serenidade e a expressão paternal enquanto Slughorn balançava freneticamente a cabeça em concordância com o que Lílian havia acabado de dizer.


Dumbledore, seus cabelos e barbas prateados, falou calmamente e sem nenhum tom de dura ou intenção de intimidar quando se voltou para os meninos. O sol batia em seu rosto, banhando os olhos azuis por trás dos oclinhos de meia lua.


- Vocês dois, Black e Potter, concordam com tudo o que a senhorita Evans acabou de nos relatar?


A jovem ergueu os olhos e encarou, satisfeita, os dois colegas da Grifinória, mesmo que eles não a olhassem nos olhos. Potter balançou afirmativamente a cabeça e murmurou algo como “Sim, senhor, professor Dumbledore”. Sirius, no entanto, manteve-se inflexível, até fazer um sinal contrário ao de Tiago.


- Ora, era só o que me faltava! – exclamou Lílian, bufando e olhando impacientemente para as próprias unhas.


- E exatamente com o que o senhor não concorda, senhor Black?


- Eu não estava me gabando por estuporar Snape, professor. Só faria isso se fosse alguém realmente que pudesse ser considerado um oponente à minha altura.


Tiago e Sirius riram baixinho e, por mais que se esforçassem para abafar o barulho, era impossível que Dumbledore não os tivesse ouvido. Mais uma vez Lílian se indignou. A menina e o professor Slughorn se pegaram olhando curiosamente para Dumbledore, esperando uma reação do diretor.


- Pois bem, acho que isso termina com tudo. Vocês dois, se encaminhem para o escritório da professora McGonagall. Ela saberá como proceder, assim que receber minha mensagem. – Dumbledore fez uma pausa longa e apontou a porta entreaberta, caminhando na sua direção – Horácio?


Slughorn saiu acompanhando o diretor, seguidos de perto por Black e Potter, que olhou para trás, pensando corretamente de ter ouvido um barulho de aprovação vindo de Lílian.


A porta da ala hospitalar se fechou, mas Lílian Evans manteve-se lá dentro. Ela caminhou por cinco metros no corredor entre as duas fileiras de camas e parou na frente do único leito ocupado naquela tarde.


Sua sombra se alongou até o rosto de Severo Snape e ela o olhou com uma mescla de preocupação e afeto. Severo dormia tenramente, seus cabelos afastados para trás por uma faixa presa sobre o local onde batera a cabeça. Lílian, mirando o curativo, lembrou-se de Madame Pomfrey reclamando incansavelmente da indisciplina dos estudantes enquanto enrolava a gaze na testa de Snape.


Ela se sentou numa cama ao lado da de Snape e pegou a mochila encharcada de tinta que estava jogada sob o leito. Estava disposta a limpa-la para Severo, que nunca tivera, como ela sabia, muita paciência com esse tipo de tarefa.


Então, a garota começou a tirar os pertences do jovem dali de dentro, cuidando para não manchar nada mais do que já estava sujo de tinta. Retirou devagar três livros pesados, alguns pedaços de pergaminho intactos e duas penas encharcadas. Quando tornou a enfiar a mão em um dos bolsos, retirou de lá um papel dobrado. Não resistindo à tentação de abri-lo, desdobrou devagar cada pedacinho e se surpreendeu.


Não era apenas um pedaço de pergaminho, mas uma fotografia, e não apenas uma fotografia. Da foto, sua própria imagem, uns dois anos mais nova, sorria para ela. Agarrada no pescoço de um menino com um cortinado muito negro no lugar do cabelo, parecendo se divertir imensamente naquele momento, a Lílian da foto acenava e bagunçava o cabelo de Snape, que, incrivelmente, sorria também. Suas silhuetas se contrastavam com a neve no vilarejo de Hogsmeade, num daqueles muitos finais de semana em que se sentavam no Três Vassouras para beber algumas cervejas amanteigadas ou simplesmente passeavam pelas prateleiras apinhadas da Dedosdemel enchendo cestas e cestas de doces.


A Lílian da ala hospitalar não pode deixar de sorrir graciosamente, seus olhos verdes semi-cerrados pelo sol, ao lembrar daquele momento incrível ao lado do colega. Ainda segurava a foto com uma expressão gentil quando uma voz arrastada falou do seu lado.


- Achou que eu tinha jogado-a fora, não foi?


Snape acordara repentinamente e tentava abrir os olhos. Seu rosto se contraía, provavelmente por causa das dores remanescentes da pancada que levara. Lílian desfez o sorriso.


- Sev, até que enfim você acordou. Vou chamar Madame Pomfrey, ela estava te esperando... – a garota pulara da cama agilmente e já se adiantava em direção à sala da enfermeira.


- Não, Lílian. Responda-me. Você achava, não é? Porque, muito provavelmente, você jogou a sua na primeira lixeira que encontrou...


- Eu... É claro que não, Sev – ela parecia confusa.


- Você ainda guarda a nossa foto? – seu tom parecia esperançoso.


- Sim – estava ligeiramente envergonhada, era evidente.


- E isso quer dizer?


- Que eu guardo as recordações de uma amizade feliz e que me fez muito bem enquanto durou, Sev. Agora, acho melhor mesmo chamar Madame Pomfrey para...


- Durou? Não dura mais?


Lílian ficou calada, como se não quisesse ou não soubesse responder. Contudo, ela não chamou Madame Pomfrey. Estava parada reorganizando as coisas de Snape na mochila que acabara de limpar durante o curto diálogo.


- Você me salvou daquele brutal do Potter e do amigo dele. Isso significa algo? – Snape parecia querer arrancar qualquer coisa de Lília, por menor que fosse uma palavra, frase ou discurso de carinho.


- Fiz por você o que faria por qualquer colega, Sev.


- Colega. Então é isso. No entanto você ainda continua me chamando de Sev.


Snape se endireitara sobre os travesseiros. Seus olhos negros miravam Lílian da mesma altura agora. Ela manteve-se dando-lhe as costas, com medo ou com vergonha de responder.


- Por favor, Lílian, é só uma chance. Eu posso mudar. Nem tenho andando tanto com Mulciber e Avery quanto antes.


- Contudo não os largou de vez ainda – agora ela encarava-o, decidida.


- Eles são meus amigos, Lílian.


- Sev, eles são mais do que isso, como eu já lhe disse. E você sabe muito bem o que eles pensam de gente como eu.


- Eles, Lílian, eles, não eu! – o olhar da garota se perdeu ao longe, pela janela fechada – Você ainda não esqueceu aquilo que aconteceu no ano passado, não foi?


- Já disse que sim, Sev. É passado. E, se não se importa, preciso ir para minha aula. Sua mochila está limpa, como gosta.


O assunto chegara a um ponto crítico.


- Olha, Lílian, você pode e tem razão para estar chateada comigo. Só não queria que aquilo destruísse nossa amizade. Eu gosto de você, muito, de verdade – Snape tremia de nervosismo.


- Eu também gosto de você, Sev. Mas toda vez que eu olho pra você, por mais que eu não queira lembrar, sua voz chega até minha cabeça, gritando aquela coisa horrenda. Eu, simplesmente, não consigo. Desculpe-me.


- Mas...


- Conte sempre comigo, Sev. Mas eu não posso, não posso mesmo continuar andando por aí com você. Quem sabe um dia eu supere tudo isso, mas hoje não. Fique bem.


Ela se afastou na direção da porta da saída a passos rápidos, cruzou o portal decida e trancou a porta ao passar.


- Eu vou ficar – disse Snape, uma lágrima rolando pelo rosto sem cor.


 


 


 

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