Feitiço contra Feiticeiro

Feitiço contra Feiticeiro



Severo Snape sentava-se desajeitadamente no chão de pedra do corredor úmido próximo à masmorra onde se lecionavam as aulas de poções. O jovem rapaz se recostava à parede gelada coberta aqui e ali com algumas pequenas extensões de musgos, e fazia anotações rápidas no canto superior de um livro velho e maltratado pelo tempo.


Uma cortina de cabelos negros escondia o rosto de pele macilenta de Snape, seus olhos negros estavam fixos no livro à sua frente e a única parte de seu rosto à mostra era o nariz excessivamente grande e adunco.


O corredor iluminado por archotes bruxuleantes estava deserto. Provavelmente quase a totalidade dos estudantes se encontrava um nível acima, almoçando animadamente no Salão Principal e conversando sobre as últimas notícias sobre o quadribol.


Severo, contudo, não se dispunha a compartilhar das irritantes discussões descabidas de seus colegas sobre as futilidades nas quais se envolviam. Estava mais do que disposto a encarar seus últimos dois anos em Hogwarts com a maior seriedade que pudesse, devendo, logo que terminasse a escola, alcançar seus sonhados objetivos.


A sineta tocou em algum lugar no andar superior anunciando o início próximo das aulas da tarde. O rapaz se sobressaltou com o barulho e arrastou a mochila para mais próximo do seu corpo, sentando-se também de forma mais cuidadosa ao ouvir inúmeros pés caminhando sobre sua cabeça cheia de pensamentos.


Não tardou para que o corredor fosse se enchendo aos poucos. A aula daquela tarde seria conjunta com os alunos da Grifinória. As gravatas vermelhas e douradas começaram a aparecer, fazendo estardalhaço no ambiente. Algumas meninas andavam rápido e riam-se lendo a última edição do Semanário das Bruxas. Snape viu de relance Maria MacDonald indicando-o com a cabeça e sufocando risadinhas. Estava mais do que acostumado com as brincadeiras de péssimo gosto dos colegas, mas resolveu aproximar-se ainda mais da parede.


Veioem seguida EdgarBonesde mãos dadas com Emelina Vance, acompanhados de perto por uma sorridente Marlene McKinnon. A turma da Sonserina também não tardou a chegar, um grupo mal encarado formado por Yaxley, Avery e Mulciber.


Os rapazes pararam perto de Snape, encostaram-se na parede oposta e cumprimentaram o colega. Ainda absorto em seus deveres, Severo apenas respondeu com um muxoxo aos amigos e voltou-se para o livro.


À medida que o corredor se enchia e as conversas se tornavam mais e mais volumosas, era impossível se concentrar, mas tudo que Snape desejava era não ter sequer de olhar para os outros ali, fosse quem fosse, o que começava a se tornar impraticável.


A turma estava quase completa quando acabaram de descer as escadas Franco Longbottom e Remo Lupin com o baixinho Pedro Pettigrew nos seus calcanhares. O monitor da Grifinória discutia com o colega a respeito de uma tarefa mal resolvida de Defesa Contra as Artes das Trevas e os dois não pareciam preocupados em esconder sua insatisfação frente à avaliação do professor.


Vendo Lupin e Pettigrew lado a lado, Snape sabia o que viria a seguir... E não demorou para que eles aparecessem, com as vestes desarrumadas, a mochila jogada bruscamente sobre o ombro, cumprimentando aqueles patetas facilmente impressionáveis e desfazendo os cabelos como dois micos de circo.


Potter e Black, as duas pessoas que Snape mais detestava em todo o mundo entravam triunfantes no corredor, com sorrisos espalhafatosos no rosto, a varinha girando nos nós dos dedos. Como os outros, se jogaram contra as paredes, apoiando os pés nas pedras frias. Pettigrew se adiantou na direção dos amigos populares, abandonando a discussão complexa demais para seus padrões.


Tudo corria bem até ali, bem até demais. Ainda faltavam bem uns dez minutos para o professor Slughorn abrir as portas da sala e deixar os alunos entrarem. Mas dez minutos monótonos e sem ação era demais para o fantástico Tiago Potter aturar...


Snape preferiu se manter calado até ali. Fechava a mochila sem pressa, tampando o tinteiro e cuidando para que ele ficasse num local seguro. Depositou o livro em que escrevia e correu o fecho que emperrava na metade do caminho. Ficou, então, de pé, algo de que, com toda certeza, se arrependeria.


Potter não tinha notado a presença do colega por ali, simplesmente pela grande quantidade de pessoas que atulhava o espaço, escondendo Snape. Mas os cabelos oleosos e compridos refulgiram à luz dos archotes presos às paredes. Tiago e Sirius riram maliciosamente e já caminhavam na direção de Snape enquanto ele batia o pó das vestes surradas. Black se reteve, deixando Potter fazer as honras.


- Ora, se não é nosso grande amigo Ranhoso, fazendo a honraria de nos mostrar seus incríveis cabelos cheios de óleo e o nariz absurdamente enorme!


Risos incontidos espalharam-se pelo corredor, mas sem dúvida a risada mais estrondosa foi a de Sirius, que parecia querer impulsionar Tiago. Remo Lupin, com um distintivo reluzente preso ao peito, amarrou a cara por um segundo. Severo manteve os olhos baixos, seus lábios se crispando de raiva.


- Estava me perguntando outro dia, Ranhoso – Tiago adotava um tom de quem procurava se lembrar de alguma coisa - Por que quando o óleo de baleia de Mulciber acabou na aula passada, você não simplesmente espremeu um pouco desse seu monte de cabelo imundo e lhe ofereceu uma garrafa?


Mais risinhos e comentários altos correram o ambiente. Sirius se dobrava de rir e dava tapinhas no ombro do amigo, dizendo coisas como “Mandou bem, Pontas”.


- Ou quando a colher de Avery derreteu instantaneamente naquela infusão curiosa, por que você...


- Vou lhe dizer porque, Potter...


Todos no corredor se sobressaltaram. Snape levantou o rosto e encarava Tiago com uma expressão feroz. Seus olhos negros mostravam uma fúria enorme ao encarar os do outro. Quando ele falou, a voz saiu firme e segura, sem demonstrar qualquer receio.


- Pelo mesmo motivo que você não acrescentou seus próprios miolos na Poção Drenhose, quando lhe faltou um terço do cérebro de rato necessário. Ah, me esqueci, mesmo que você acrescentasse, seria muito menos do que o necessário, não é? Os ratos têm mais neurônios.


Dessa vez não houve risadas do lado onde os alunos da Grifinória estavam. Sirius calou-se e Tiago retirou a expressão de satisfação do rosto. Os sonserinos, no entanto, gargalharam. Potter ficou sem reação instantaneamente e Snape adotou um ar triunfante, esperando o colega (que, obviamente, não esperava por aquilo) reagir. Tiago sorriu como se estivesse constrangido.


- Oh, isso não foi nada educado, Ranhoso. É melhor que não se repita. Não gosto de duelar com pessoas tão abaixo do meu nível. Não dá prazer, entende?


- Abaixo do seu nível? – Snape gargalhou funestamente – Seria meio impossível duelar com um furanzão, não, Potter?


Tiago ia falar quando o outro continuou.


- Estou cheio de suas gracinhas, Potter! Você é nojento, repugnante, um perfeito otário. E esses outros – ele apontou para o restante dos alunos – são tão iguais ou piores, por sustentarem suas atrocidades medíocres!


Ninguém poderia imaginar de onde Snape tirava forças para falar tudo aquilo. Ele ofegava como se tivesse corrido longas distâncias e o som da sua respiração era o único por ali. O ar estava tenso. Todos olhavam de Snape para Tiago e de volta para Severo.


- Eu, realmente, não queria fazer isso, Ranhoso... – Tiago falava em tom fingidamente lamentoso ao mesmo tempo em que corria a mão para o bolso das vestes, tentando agarrar a varinha – mas você me obriga, depois dessa ofensa coletiva.


Tarde demais. Snape meteu de vez os pés pelas mãos ao ver o outro rapaz correr a mão pelos bolsos. Jogou a mochila para trás de qualquer jeito e ouviu o tinteiro se partir lá dentro no mesmo instante em que colocava a varinha em posição de ataque.


Sirius se jogou contra o chão, batendo as pernas e os braços. Muitas meninas afastaram-se alguns passos enquanto o acesso de risos de Black acontecia. Pettigrew acompanhou o rapaz num passo mais lento, mas com risadas ainda insistentemente altas. Lupin colocou a mochila na frente do rosto, abafando as risadas. Tiago virou-se para acompanhar a onda de gracejos, com os dentes à mostra. Foi o bastante.


Snape, vendo o descuido do garoto, atacou sem esperar. Um feitiço azulado passou zunindo pela orelha de Tiago e foi se chocar contra a parede distante. Muitos gritaram quando um pedaço mínimo da parede cedeu. As gargalhadas foram interrompidas. Potter encarou Snape, que estava bufando de ódio, seus olhos marejados por lágrimas de tanta raiva.


Mais um aceno da varinha de Snape, mas dessa vez Tiago bloqueou o feitiço com um escudo, fazendo-o ricochetear no teto. Os outros estudantes afastaram-se e colaram-se às pedras gigantescas, e alguns (como Emelina Vance, Marlene McKinnon e algumas sonserinas) ainda saíram em disparada escada acima.


Potter não reagiu quando Snape intensificou o disparo de feitiços, apenas bloqueando os encantamentos lançados. Isso até o rapaz de nariz adunco berrar em alto e bom som.


- Revide, seu porco nojento! Onde está toda sua valentia, seu porco exibicionista? – era a voz de um jovem marcado pela covardia de seis anos – O que é? Não há gente suficiente para presenciar o seu show, Potter?


Tiago rebateu o último feitiço de Snape de forma galante e atirou um outro contra ele. As varinhas cortavam o ar e os sapatos dos dois rapazes bailavam de um lado para outro. Os dois revezavam no ataque e na defesa, de uma forma incrivelmente ágil. Ninguém conhecia aquele lado de Snape, sua habilidade no duelo os surpreendia. Por que nunca reagira a todas as brutalidades dos Marotos?


Equiparavam-se, impressionantemente, na agilidade da execução dos feitiços. A luta era de igual para igual e não havia chance de ser interrompida facilmente. Lupin, por um momento, fez menção de tentar apartar o duelo, mas seria ineficaz. Sirius, contudo, estava decidido a ajudar o amigo a exterminar Snape.


- Pontas, eu posso ajudar. Vamos acabar com ele! – gritou por trás do ombro do amigo.


- Não, Almofadinhas. Preciso, eu mesmo, terminar o que comecei com o Ranhoso.


Foi tempo o bastante para Snape abrir uma dianteira. O diálogo curto dos amigos criou uma boa chance de ataque. O feitiço de Severo acertou o adversário direto no ombro e ele recuou.


Com o ombro momentaneamente paralisado, Tiago não pode reagir por alguns segundos, e um novo feitiço de Snape atingiu-o na boca do estômago. Potter foi impelido para trás e caiu de costas no chão gelado, ainda acordado. Severo gargalhava quando ergueu de novo a varinha e da sua boca saia o primeiro feitiço verbal a se completar.


- Sectum...


Mas ele não teve tempo de terminar. Um jorro de luz vermelha irrompeu da outra direção e vinha diretamente para seu peito. Por um momento não entendeu como Tiago podia ter se levantado tão depressa para atingi-lo. Então viu Sirius, a varinha em posição.


Quando o feitiço estuporante encontrou diretamente o coração de Severo Snape, ele foi arremessado contra a parede de pedra rústica e sua cabeça bateu com estrondo na superfície dura. Não se moveu mais. Fora paralisado.


- Tiago, você está bem? O que foi que aconteceu? Como você pode perder para o Ranhoso?


- Eu estou bem, Sirius, fica tranqüilo – Potter se levantava, colocando as mãos sobre os joelhos, sua cabeça doía. Quando mirou Snape caído alguns metros adiante, se voltou abobado para Sirius – Almofadinhas, o que você fez?


- Estuporei o idiota, oras.


- Você o que? – ele parecia preocupado, sem dúvidas muito mais com o próprio pescoço do que com o real estado do adversário.


- Ah, Tiago, relaxa. Ele vai ficar bem...


- Com certeza vai, diferente de vocês dois.


Uma onda de cabelos acaju passou correndo na direção onde Snape se encontrava nocauteado. As palavras foram atiradas contra os dois amigos, que nem sequer chegaram a ver o verde vivo daqueles olhos.


Lílian Evans se debruçou sobre Snape no mesmo instante em que o alcançou e começou a falar rápido e baixinho.


- Sev, você está bem? Sev, responda. Sev... – ela fez uma breve pausa enquanto tirava a varinha da mochila e apontou-a para o peito de Snape – Ennervate.


Nada aconteceu. Afastou, então, a cabeleira negra de seu rosto e, para seu espanto, viu ali um caminho vermelho vivo correndo sobre a pele branca do amigo. Lílian soltou um gritinho abafado. Um filete de sangue partindo do alto da testa contornava o nariz adunco do garoto desacordado. Não fora o choque do feitiço que o mantivera desacordado, mas a pancada na cabeça que levara ao bater contra a parede.


A menina inclinou-se na direção do peito de Severo e escutou seu coração, que, graças aos céus, ainda batia. Ela se demorou alguns instantes.


- Fala sério, Evans, depois do que ele gritou para você no ano passado ainda vai ficar velando por esse doente? – Tiago cometeu um erro enorme ao dizer isso com sua voz descontraída e livre de qualquer penar.    


Lílian correu ao seu encontro e ergueu a varinha no meio do caminho. Ela afundou a ponta do instrumento debaixo do queixo de Tiago e começou a falar alto demais.


- Você é repugnante, seu tolo. Acha-se muito importante montando numa vassoura arrancando gritinhos dessas idiotas, não é? O herói, Tiago Potter e o seu fã clube oficial, agora atacando pessoas inocentes no meio dos corredores! Venham ver o show, senhoras e senhores, venham! O Sr. Eu-Sou-O-Melhor-Da-Escola e sua mais incrível apresentação! Participação especial de Estuporo-E-Não-Esquento demonstrando suas habilidades em agredir qualquer um! Sinceramente, vocês me dão nojo!


- Lílian, ele me atacou...


- Ah, é, Potter? Snape atacou!? E você nunca fez isso, não é? Nunca, não, não, não, nunquinha! O santo e intocável Potter!


- Ele mereceu, Evans! – Sirius, interrompeu-a, aos berros.


- Seu animal covarde! Seu cão imundo!


A varinha de Lílian deixara o queixo de Tiago e ela riscara o ar na direção das pernas de Black, que caíra no mesmo lugar. A porta da sala abriu-se instantaneamente e um Horácio Slughorn que, um segundo atrás sorria, mirou a cena, consternado.


- Senhorita Evans, o que...?


Mas o olhar do professor encontrou Snape caído no final do corredor, deixando de dar atenção a Black, que disparava xingamentos baixinhos.


- Eu...eu...eu não entendo... Snape...? Como?


- Pergunte a Potter, professor! Black e Potter! Eles são os culpados por essa confusão. Eu só cheguei aqui há alguns minutos e encontrei isso, esse exemplo de covardia e indignidade. Emelina me contou tudo quando subia desesperada a escada.


Mas o velho Slugue não tinha palavras para dizer. Ele caminhou até Snape, deixando o restante da turma calada e tensa, conforme permanecia desde a queda do jovem.


- Pelas barbas de Merlin... Ele está... – não havia o que dizer, nem tempo para isso.


O sangue de Snape lhe caía agora pelo pescoço, pingando no decote das vestes. Lílian adiantou-se.


- Ele vai ficar bem, professor. Só precisa ver Madame Pomfrey urgentemente.


- É claro, é claro – repetiu Slughorn apavorado ao mesmo tempo em que conjurava uma maca do nada – Mulciber, Avery, me ajudem a pô-lo na maca.


Com Snape sobre a maca, Slughorn saiu caminhando com velocidade, dirigindo o corpo inerte do aluno com a varinha. Ao passar pela porta da sala, fechou-a e encarou Tiago e Sirius ao mesmo tempo.


- Potter e Black, imediatamente para a sala do Professor Dumbledore. E quanto a você, Lupin, vou me empenhar pessoalmente para impedir que um dia chegue a monitor-chefe dessa escola. Uma vergonha, uma covardia! – e saiu andando depressa, gritando no pé da escada – Estão todos dispensados!


A turma, contudo, continuou imóvel. Lílian apanhou a mochila suja de tinta de Snape e jogou por cima da sua. Parou de chofre na frente de Tiago.


- E quanto àquele convite para o próximo fim de semana em Hogsmeade, Potter, considere-o terminantemente negado. E não pense em me fazer mais nenhum enquanto ainda preservar esse cérebro inferior a de um rato.


Rabicho olhava feio para Lílian quando a barra das vestes da garota sumiu ondulando entre a turma que se deslocava confusa para as escadas.


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (1)

Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.