Fim?
– Qual?
– Aquele ali.
– O "loilinho"?
– Ele não é loiro, só tem os cabelos claros.
– Mas ele não é "luivo" e papai "dixe" que todo mundo é "luivo" na nossa família!
– Ele é diferente.
– Meu "imão" não é "luivo" papai! - Rose falava como se aquilo fosse o maior absurdo da vida.
– Ele parece com a mamãe, né? - tentou mudar de assunto.
– Um pouco... Ela tá "mimindo"?
– Sim.
– E quando ela vai "acoda"?
– Eu não sei.
– "A genti" pode vê ela?
– Acho que sim.
– Tchau bebê! - Rose acenou alegremente para o vidro. Estavam do lado de fora do berçário. Rony tinha ido mostrar a Rose o irmão Hugo.
Hugo não era ruivo como a maior parte da família. Talvez quando crescesse isso mudasse, mas o cabelo do garoto era castanho, quase loiro.
Rose tinha reagido muito bem quando Rony contou que Hermione iria dormir por um tempo, que estava muito cansada e precisava repousar, só não disse que ela repousaria por bastante tempo... Rony se assustou com a compreensão da filha. Sempre dizia que era muito esperta para a idade, parecia ter cinco anos, não praticamente três.
Aquele dia completava algumas semanas desde o acidente. Desde o infeliz acidente. Rony tinha ficado em estado de choque e precisou de ajuda psicológica. Foi uma semana ruim, muito ruim. Perguntou-se inúmeras vezes o que faria da vida sem Hermione, chegou a bater a cabeça na parede por muito tempo, provocando um machucado, chutou tudo o que encontrava pela frente e gritava com as pessoas que o perturbavam.
Já tinha ficado sem Hermione uma vez e não enlouqueceu. Por que isso agora? Simples, eles tinham criado uma rotina. Uma rotina que Rony acordava ao lado da mulher que ama, lhe dava bom dia, dizia que a amava e lhe beijava. Comiam junto de Rose e a levavam para a creche. Rony ia trabalhar e Hermione ficava em casa. Tinham se acostumado e agora Ron teria de vivenciar outra rotina, rotina que ele viria visitar Hermione todos os dias, passar o máximo de tempo possível com ela, em uma cama de hospital, sem escutá-la... Deprimente.
Seria difícil. E caso ela não acordasse o que diria a Rose? Com certeza ela ficaria perguntando pela mãe, querendo saber o que aconteceu e ninguém conseguiria respondê-la, porque também não sabiam direito o que tinha acontecido...
Rose foi correndo até o quarto da mãe, não abriu a porta porque não alcançava a maçaneta direito, seus dedos passavam por ela de raspão. Rony a abriu, Rose entrou quieta e silenciosamente.
A cabeça enfaixada e ligada a uns cinco aparelhos. Essa era a condição de Hermione. Na primeira vez que Rony a viu quase não teve forças para ficar de pé. Para ele, Hermione sempre fora tão forte, vê-la debilitada era uma parte de seu sofrimento. O vidro da janela do carro não tinha apenas machucado seu rosto. Quando quebrou se transformou em muitos pedaços pequenos cortantes. Alguns entraram em sua pele e outros cortaram seu braço. Os cortes no braço não eram tão profundos quanto o do rosto.
Ron teve que se controlar para não acabar chorando na frente da filha. Muitos dizem que chorar não é coisa de homem. Besteira. Chorar, se emocionar com algo mostra que você tem sentimentos, que seu coração é puro e tem boas coisas. Ele não se envergonharia de chorar, ainda mais se fosse chorar por Hermione.
Rose pediu colo do pai para que pudesse ver Hermione melhor. Ele a pôs sentada na cabeceira da cama.
– Mamãe machucou? - perguntou com a voz triste.
– Foi, mas não fique triste que vai sarar logo.
– Quem deu beijinho "plá" "sala"?
– Que eu saiba ninguém.
Rose revirou os olhos, se inclinou sobre a mãe e deu um beijo o mais próximo do machucado.
– "Agola" vai "sala"! "Vô" na tia Gina, tá? - sem esperar resposta pulou da cama e saiu pela porta.
Rony se viu a sós com Hermione. Ele desejava intensamente que ela estivesse acordada, gostaria de poder abraçá-la, beijá-la, dizer o quanto ela é importante em sua vida.
– Hugo não é ruivo. - deu uma risada. - Estou começando a achar que trocaram nosso filho. - riu mais ainda. - Não nos deixe, precisamos de você, Hugo, Rose, eu e de certa forma o Pichi... Fala sério, aquele cachorro dá trabalho... Se você estivesse aqui, me escutando, aposto que diria "Ninguém mandou adotá-lo!".
Rony não saberia dizer por quanto tempo ficou ali. Só foi embora quando criou forças para "deixá-la". Seria uma longa jornada. Ela poderia dormir por dias, semanas, meses ou até anos. Quem sabe?
O destino os pregou uma nova peça. Tudo estava bem, bom demais pra se verdade e em um deslize as coisas voltaram a ser como antes.
Os dias iam passando, o corte no rosto de Hermione cicatrizava a cada dia, - Rose alegou que foi por sua causa. - Hugo teve alta em duas semanas - precisou ficar na incubadora para avaliação médica. -, Rose se tornou tímida e fechada, por mais que fosse uma criança (bebê praticamente) ela preferia guardar o que acontecia para si. E Rony? Ele se atolava em trabalho, assim não pensaria em Hermione durante o dia, mas era impossível. Na parte manha ia ao hospital por uma hora, depois ao trabalho, e por fim, quando voltava para casa sempre ficava na expectativa de ser recebido pela mulher que provavelmente tinha preparado o jantar, mas não. Não era isso, sua realidade era diferente. Se querer fosse poder...
Rose e Hugo cresceriam, as pessoas mudariam. E Hermione? Ficaria em uma cama de hospital por tempo indeterminado, sem ter noção do que acontecia ao seu redor.
Tudo mudaria menos o que Rony sentia por ela...
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