Os Fantasmas se Divertem
Hogwarts era uma escola frequentada por alunos dos 11 aos 17 anos, cursando 7 anos de aprendizado que fornecem aos bruxos tudo aquilo o que eles necessitam para viver, desde o Estudo dos Trouxas, os não-bruxos, até os Feitiços propriamente ditos, passando pela Transfiguração, o Trato das Criaturas Mágicas, a coleta de ingredientes na Herbologia e o preparo de Poções.
Eu conhecia bem aquele lugar. Não fora ali a minha escola, mas eu a estudei por livros e reportagens, por documentários e trabalhos de campo. Eu estudei o local onde deveria trabalhar, pois somente assim estaria familiarizada à infinidade de salas e escadarias, mantendo assim um disfarce perfeito.
Pensava nisso durante uma aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, ministrada pelo senhor Bremmer, um velho de bigodes curvilíneos cujo sotaque francês era carregado o suficiente para tirar a calmaria de quaisquer alunos.
Ele explicava algo que eu já aprendera anteriormente quando eu abri o espelho circular que tinha em mãos, encontrando no reflexo um olho que não era meu.
Atrás daquela íris cor-de-mel, pude ver as paredes do Ministério da Magia.
—Como andam as coisas?
O responsável por minha caçada, o antiguíssimo senhor Fiennes, falava através daquele artefato mundano, mas somente eu podia escutá-lo, bem como somente ele poderia escutar a minha voz. As facilidades da magia eram perfeitas, ainda melhores do que a tecnologia dos trouxas, e cresciam em proporções similares, permitindo-nos estar sempre um passo a frente dos não-bruxos.
—Bem, em termos —sussurrei. Para os demais, ainda estava riscando meu caderno, aprendendo mais e mais sobre algo que já vira anos atrás. —Ele ainda me parece um aluno qualquer. Não encontrei nada do que as suspeitas indicavam.
—Ele não é um aluno qualquer, Lane, pode ter certeza disso —rebateu Bremmer, tão rígido quanto um homem de sua idade conseguiria ser. —Não deixe que as aparências te enganem, ok? Você é uma das melhores que eu tenho por perto. Não se perca, e acima de tudo, não o perca. Pode ser nossa única chance.
—Sim, senhor.
Desde a queda de Lord Voldemort —miseravelmente conhecido como Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, o clima do mundo mágico mudou sensivelmente. Tudo era motivo de receio, tudo era perigoso e estranho. Qualquer feiticeiro de maior talento poderia almejar o posto abandonado por Tom Riddle, o que o Ministério tentava impedir de qualquer modo. Comensais ainda estava nas ruas, vagando como cães sem dono; nenhum deles desejava liderar. Eles caçam nas sombras, buscando um único nome, um único bruxo que postaria sua varinha em riste, fazendo um nome negro ecoar outra vez perante as nuvens, para que a caveira e a serpente pudessem representar outra vez a linhagem mais pura da feitiçaria, fazendo dos mestiços e dos fracos de sangue escravos, lugar este que eles jamais deveriam ter deixado para trás.
Sem um líder, eles não eram nada além de arruaceiros dispersos, desorganizados e malévolos, mas tolos. Nosso objetivo era caçá-los, mandá-los para Azkaban, fazê-los se arrepender de todas as suas maldades diante da sombria aura dos dementadores.
Quando digo nosso objetivo, me refiro aos outros como eu, os servos do Ministério, a milícia do mundo bruxo.
Os aurores.
—Haley estará aí, em breve —continuou meu superior, e eu assenti, indicando entendimento. —Conte com ele para suas observações.
Haley Shunpike era um auror, como eu, porém sua experiência era terrivelmente maior. Ele tinha sérios problemas de personalidade, mas era um bom homem, sempre disposto a oferecer ajuda e se sacrificar pelo bem maior, o que o mantinha assim, sozinho, como um bruxo desolado em sua missão de paz. Anos antes, Haley teve de escolher entre sua vida pessoal, sua amada e sua caçada, e a solidão ensandecida que o assola nos dias de hoje é o resultado de tal escolha.
—É mesmo necessário?
Não gostava de parecer a rebelde, mas eu estava observando um aluno de quinto ano, nada além disso. O que ele poderia fazer, virar Hogwarts de cabeça para baixo e conjurar dragões para atacar a todos?
—Não podemos arriscar, Lane. Espero que entenda.
Fiz que sim, ainda confusa.
—Nos falamos novamente mais tarde —ele concluiu, e o espelho novamente revelou a minha imagem, os olhos claros, a madeixa dourada me caindo à testa.
Ao término da aula, eu deixei a sala acompanhada de Mirela, uma ruiva inteligente e valente, valente a ponto de afrontar o preconceito dos sonserinos para com a sua família mestiça. Ela era uma boa amiga, sempre discutindo coisas interessantes do mundo bruxa e trouxa, assuntos que o pai dela, um homem que muito se surpreendeu ao descobrir a magia dentro de sua própria casa, comentava durante suas raras folgas do trabalho. Sua inteligência às vezes me deixava com certo receio: um passo em falso e ela poderia descobrir meu disfarce, e então tudo estaria em ruínas.
Alguns degraus abaixo, enquanto eu escutava sobre a dissimilação do novo Ministro diante da sociedade mágica contemporânea, me deparei com Chad. Ele admirava os quadros do quarto andar, carregando diversos livros, possivelmente retirados da biblioteca daquele mesmo nível. Despedi-me de Mirela com um aceno e saltei os últimos degraus, desviando meu percurso para atravessar o corredor onde ele se encontrava.
O plano era me emparelhar a Chad por alguns instantes, antes de me esgueirar pela porta da biblioteca, mas tudo deu errado quando eu ouvi a sua voz:
—Olha, se não é a senhorita Lane, apaixonada por quedas de vários metros.
Sua ironia me fez corar, mas eu era uma veterana, e tinha de agir como tal.
Ri com certo sarcasmo, virando-me sem a necessidade de apresentar a educação costumeira.
—Pois é, é ela mesma —ironizei, fugindo da brincadeira. —Como vai, Dominic?
Ele se fingiu de surpreso, zombando da formalidade que optei por usar.
—Melhor agora ao encontrar uma professora de normas cultas —e riu, aquele sorriso curvo e bonito. Me senti ruborizar mais e mais, disfarcei. —Está indo para a biblioteca?
—Não, na verdade é, bom, é que eu, sim, sim, estou.
Parecia uma novata abobalhada na sua presença.
Ele ria com gosto do meu modo de agir.
—Timidez é uma coisa bastante rara nos dias de hoje —começou, o timbre soando com a superioridade que inexistia. Eu era a mais velha ali. Eu deveria saber como ser superior. —Receio, esse sim existe. Receio de se meter com aqueles que não merecem nossa atenção. Eu espero que não seja esse o seu caso, senhorita Lane.
—Ah, imagina. Eu por um acaso deveria ter medo de você?
Chad deu de ombros.
—Alguns têm. A escolha é sua.
—Relaxa —falei, acenando despreocupada. —Eu sei me cuidar bem.
—Acredito que sim. Aliás, acredito também que vai saber cuidar bem de algo que tenho para lhe oferecer. —Ele caçou em suas vestes um pequeno objeto prateado, uma espécie de pingente circular com runas que, unidas, formavam a figura de um pequeno morcego de asas abertas. Estendeu o braço em minha direção, deixando o pingente escorrer por entre seus dedos. —Vamos, pegue.
—O que é isso?
—Um presente.
—Presente?
Estranhei.
—Sim. Um presente. Não posso presentear uma amiga de casa?
Aquilo era prata de verdade. Chegava a pesar em minha mão.
Como sempre, sonserinos mimados por pais ricos. Certas coisas nunca mudariam.
—Pode, claro. Só não pense que vai me conquistar com isso. Eu valho mais do que uma corrente de prata.
—Tenho certeza disso. —Ele sorriu outra vez, e então pôs-se a andar, deixando me para trás, perto dos quadros. —Espero que nos encontremos mais vezes assim, Lane. Sua companhia é sempre interessante. Quem sabe um dia você não me ensina algumas coisas do sétimo ano, não é?
Eu queria responder, queria mesmo, mas a minha voz parecia ter sido roubada por fantasmas, e eu só fiquei ali, inerte, assistindo enquanto ele desaparecia nas escadarias.
Foi quando ouvi alguém gargalhar.
—As garotas da Sonserina também têm coração, acreditam?
—Não, sério? Pensei que elas fossem tão geladas quanto as estátuas dos corredores!
—Imagina, elas adoram corações! No almoço!
Risos e mais risos, e mesmo antes de olhar eu já sabia quem eram os donos daquelas vozes.
Anos antes, houve em Hogwarts um poltergeist conhecido como Pirraça. Como todo bom poltergeist, Pirraça era mestre na desordem e no caos, um espectro caótico e insano, diferente dos mundanos fantasmas das casas. Quando a escola foi reconstruída, no entanto, Pirraça não estava mais lá. Alguns dos fantasmas antigos mantiveram-se presentes, mas vários outros desapareceram, partindo para um lugar melhor, e novos tomaram seus lugares.
Pirraça cedeu seu posto a três poltergeist, todos iguais, senão piores do que ele próprio.
Seus nomes eram Birra, Desfeita e Teimoso, e eles habitavam um mesmo corpo, o corpo de um garoto de baixa estatura, cujo pescoço se dividia em três cabeças miúdas e bizarras, cada qual com suas peculiaridades, seja um olho fora do lugar, lábios inchados ou narinas avantajadas.
—Engraçadinhos vocês, não? —bufei, e me virei para ir embora.
—Olhem para ela, que coisa mais meiga, apaixonada por um garoto mais novo!
—O que você viu nele, pequenina? O sonho de sua vida era trocar fraldas?
—Ou será que você gosta de rebeldes descontrolados?
Eles falavam muito rápido, quase ao mesmo tempo, e eu nunca sabia apontar qual dos três era responsável pelas frases que escutava.
—Fiquem com suas teorias, eu tenho mais o que fazer —disse quando já estava no primeiro degrau da escada que me levaria aos andares inferiores da academia.
—Talvez sejam mais do que simples teorias.
—Está escrito nos seus olhos, garotinha.
—Você gosta do estranhinho que faz coisas feias!
Eu estava de sangue quente, ainda que um pouco corada, mas aquela última frase me chamou a atenção. Parei no lugar, voltando meus olhos para o monstrinho de três cabeças que me zombava e, ignorando todas as suas provocações, falei:
—Coisas erradas?
—Ó, ela não sabe!
—E não seremos nós a contar.
—Não mesmo, nunca contaríamos.
Os três cobriram as bocas com suas mãos translúcidas.
—Do que vocês sabem, insolentes? —brami, em certo tom de hostilidade, tentando fazer soar como uma ordem de alguém superior, mas talvez não tenha funcionado como desejado. Eles se uniram numa ciranda de somente dois braços e giraram, giraram sem parar, enquanto cantarolavam.
Ela está apaixonada por um menininho
Tá gostando, tá gamada naquele estranhinho
Ela é uma Sonserina cheia de peçonha
Quero vê-la declarar-se toda sem vergonha
E eles cantaram e dançaram por mais um tempo, e então desapareceram, deixando-me para trás com os olhos incrédulos e os lábios semiabertos.
Fiquei curiosa para saber sobre o que aqueles idiotas falavam mas, acima de tudo, fiquei receosa de que suas preocupações tivessem algum fundamento válido.
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