Masmorras e tortinhas de limão
No mês anterior fora seu aniversário, e de Molly, Hermione ganhou um presente 'perfeito pra alguém como ela' como a senhora Weasley o descreveu. Um relógio apontador ajustável. O pequeno objeto revestido de madeira parecia um livro, só que com um letreiro que mudava a cada necessidade da bruxa. Pela manhã ele passou de "hora de acordar" para "levante agora" e depois para "vai perder a recomendação do Morcego". Ótimo, pensou, Gina havia ajustado o relógio para ela antes de sua mãe dar-lhe de presente.
Hermione, ainda sonhando com uma perseguição qualquer dentro de um supermercado trouxa, fugia entre as prateleiras carregando uma sacola pesada e atirando jatos vermelhos com a varinha em um dinossauro gigante que corria atrás dela. De repente, a bruxa virou-se de costas e não mais um dinossauro a perseguia. Uma versão gigantesca do mestre de poções, com sua capa esvoaçante e ainda o cabelo preto oleoso, a encarava. Esticando o dedo para ela, o enorme "Snapão" bravejou em sua voz característica: -"Você está atrasada, Senhorita Granger".
Hermione pulou como quem caía, e ainda que deitada ergueu-se sobressaltada do colchão. Podia sentir o suor escorrendo pela nuca e pelas dobras dos cotovelos. Puxou a varinha da cômoda ao seu lado e atraiu o relógio de pulso para si. Oito horas e quatro minutos da manhã. Antes que pudesse correr para o armário e trocar a roupa da noite anterior, a garota ouviu um soco na parede ao lado e a voz de Harry gritou:
"Desliga essa porcaria de alarme, Hermione!"- O aviso luminoso ainda ligado em "vai perder a recomendação do morcego" agora piscava e fazia o barulho de uma irritante sirene.
A garota andou até o móvel em frente ao espelho que estava do outro lado do quarto, e sonolenta tentou trapalhosamente desligar o relógio apontador ajustável. Ela o colocara tão longe para que não tivesse chances pela manhã em desliga-lo e voltar a dormir. Ineficaz.
Assim que se livrou do despertador com um feitiço abafador, ela olhou no relógio de pulso: Oito horas e sete minutos. Correu, tropeçando por cima dos saltos jogados sobre o chão na madrugada anterior e livrou-se da saia e blusa amarrotadas com um rápido movimento de varinha. Hermione puxou uma calça jeans ainda virada do avesso e uma blusa branca comum do armário, despencando a massa de roupas viradas para o chão. Vestindo-se em um pulo ou dois com a varinha, ela não tinha tempo de procurar um sapato. Calçou o salto da noite anterior e puxou um casaco preto da cadeira, catando a bolsa pelo chão do quarto.
Enquanto descia as escadas, um Harry com os cabelos desarrumados a esperava na sala vestido apenas com uma regata branca, meias e a cueca bege. Hermione vinha descendo em alta velocidade as escadas, prendendo o cabelo mal penteado em um elástico sob um rabo-de-cavalo ao alto da cabeça.
"Toma."- Disse Harry estendendo uma maçã e uma garrafa plástica com o que parecia ser suco de laranja feito na hora.
"Obrigada, Harry."- Ela respondeu apreensiva terminando de prender o cabelo e dando um beijo estalado na bochecha do amigo. O carinho de Harry pela melhor amiga era notável. Ele sabia que naquela manhã Hermione se apresentaria a Snape nas masmorras, e percebendo o atraso dela, deixou Gina desacordada na cama e desceu pegar algum lanche para Mione.
Ela tinha que correr. Em um último lance, abrindo a porta, Hermione olhou para o relógio já fixado ao braço: Oito horas e dez minutos. Saindo pela porta ela correu até uma árvore no jardim, escondendo o corpo da rua e aparatando em um ultimo 'Pop'.
Harry, ainda sonolento e com os óculos tortos, fechou a porta virando-se para a escada. Aquela era a manhã de segunda e ele só entraria às nove horas na Academia de Aurores. Pensou em dormir um pouco mais, ou talvez acordar Gina, ou talvez tomar um suco de laranja... Mas antes que pudesse definir qual seria o próximo afazer da manhã, seus pés descalços chutaram o que parecia ser uma sandália feminina com o salto quebrado.
Em um baque contra o chão, Hermione desaparatou próxima ao lado de fora do Portão de entrada de Hogwarts. "Maravilha." Pensou ela, enquanto tirava o pó da roupa batendo contra o corpo e recalçando os saltos. Oito horas e doze minutos. Abrindo o pesado portão com as mãos, ela entrou no terreno, esgueirando as costas contra o portão para fechá-lo. O maldito ferro a prova de feitços, lembrou-se enquanto apressada corria na direção da carruagem que a aguardava.
Dessa vez ao menos ela podia entender como aquelas carruagens eram puxadas, e não que andavam sozinhas. Dois testrálios magros e com aparência de doentes começaram a andar assim que a bruxa entrou na cabine. Em concordância com a pressa de Hermione, os bichos realmente desembestaram rumo ao castelo, parando à porta do saguão de entrada, onde ela podia enxergar meia dúzia de primeiranistas correndo pelo jardim.
Passando voando por um Filch meio que debilitado a sua espera na Porta do castelo, Hermione ignorou o comentário do velho, tirando os sapatos e correndo pelo saguão.
"Senhorita Gr..."- O zelador tentou falhamente lhe dirigir a palavra antes que ela o ultrapassasse.
"Estou atrasada, senhor Filch!"-Ela gritou enquanto corria a ponto de virar no corredor seguinte e subir as escadas para o Hall Principal.
Hermione corria deliberadamente entre um grupo de estudantes grifinórios a caminho da aula de Herbologia. Ela passou pela saída para as estufas tomando o caminho esquerdo para os "Porões do castelo": As masmorras. Sob um ambiente frio e úmido, a garota caminhava de forma rápida em meio ao corredor de pedra iluminado por tochas. Assim que entrou no corredor em que ficava a sala de Snape, ela pode perceber que na parte leste do Hall inferior havia um imenso vitral na janela, iluminada pela luz sobre as profundezas do lago de Hogwarts. Pelo corredor, apenas quadros de aparência duvidosa e portas na parede oposta.
"Oito horas e dezessete minutos."- Repetiu para si própria assim que parou ofegante em frente à porta de Snape. Um novo recorde de tempo entre acordar e chegar nas masmorras. Nem em seus tempos de aluna ela correra tanto em uma manhã até àquela parte do castelo.
"Não a esperava antes das nove horas, Senhorita Granger."- Silenciosamente ele abriu a porta, parando ereto em suas vestes pretas. Aquela era a forma saudosa e sarcástica de Snape dar-lhe bom dia, pensou.
"Desculpe-me pelo atraso, professor. Fiz o possível par..."-Ela ainda ofegava, e desgrudando o corpo da parede do corredor, tentava permanecer o mais estática e séria possível. Profissional, sua cabeça gritava.
Snape, parado a porta, encostou-se à parede, assumindo uma pose irônica. Cruzou um pé sobre o de apoio, e torceu os braços contra o corpo, mantendo na face a expressão de 'desprezo-seus-comentários'. Hermione pode perceber que não havia o peso do sarcasmo quando o professor mencionou que não a esperava antes das nove horas. Perguntou a si mesma se aquilo não estava ligado com o que Filch queria lhe dizer mais cedo.
"Dumbledore havia me avisado que a Senhorita chegaria às nove. Não me importo, preciso executar esse trabalho o quanto antes."- Snape, ainda encostado no canto da porta, indicou com a cabeça que Hermione entrasse na sala.
Passando vagarosamente, como uma criança arrependida, ela entrou no laboratório privado do mestre, não deixando de perceber uma curva bem humorada no canto dos lábios de Snape. Aquele era o temido mestre de poções, o meio espião que durante a guerra, e mesmo depois dela, fazia adultos chorarem feito criancinhas. Snape, mesmo que em vias de assumir a maior carranca de todas, tinha uma pitada de broken guy em si que fazia com que o coração de Hermione tivesse vontade de cuida-lo. Dadas as vontades corpóreas, a garota tinha tempo de idealizar à vontade o mestre de poções. Nada que fora espontâneo, sua consciência dizia. Tudo que Hermione considerava sobre Snape, passou a considerar feitas as inversões e comentários dos amigos. Quase que como uma maldição pública jogada sobre sua mente. Dizia-se induzida enquanto buscava uma justificativa internamente.
"Sugiro que acompanhe a lista que preparei". - Disse Snape, arrancando-a de seus devaneios jogando um pergaminho borrado por uma mancha roxa sobre a bancada na qual Hermione estava sentada.
"Trabalharemos por quantidades, senhor?"- Hermione seguia os rabiscos com o dedo. Supostamente com a grafia dele, em meio a uma noite solitária bebendo vinho, ela não podia deixar de pensar.
"Siga a lista. E quando completarmos as quantidades necessárias de cada poção, partiremos para a próxima. "- Praticamente ignorou o comentário da garota. Típico, Snape não mudava. A amargura tremenda era resquício de uma falta de ocupação pessoal. Ela continuava a divagar sobre a vida privada do mestre, antes de ser subitamente chocada com Snape batendo um livro sobre a bancada.
"Acorde, senhorita Granger."- Ele sibilou raivosamente vendo que perdera a atenção dela momentos antes. Severo Snape, embora um excelente legilimente, não tinha intenções em invadir a mente da garota. Aprendeu com os anos de espionagem sobre o quanto podia ser deselegante e desumano interagir com o inconsciente alheio se desnecessário. Curvando o corpo na direção da garota na intenção de intimidá-la, sussurrou de forma tenra e assustadora com o queixo próximo ao topo da cabeça de Hermione: - "Sugiro ainda que use o banheiro a sua esquerda para livrar-se dos resquícios da noite anterior. Não faço ideia de qual espécie de guaxinim a tenha atacado, senhorita".
Envergonhada, Hermione lembrou-se que mal havia olhado a própria imagem no espelho pela manhã, tal o alvoroço pelo atraso. Quando chegou em casa, apenas jogou o corpo mole na cama sem se preocupar em tirar a roupa ou a maquiagem. Hermione passou a língua sobre os lábios, e acanhada escorreu o braço pela mesa procurando por sua bolsa andando em direção ao banheiro, sem encarar o mestre diretamente.
"Meu Merlin..."- Ela jogou a bolsa sobre a pia do banheiro enquanto examinava o preto envolta dos olhos. Em algum momento entre o que desaparatara e chegara à escola, ela deveria ter esfregado o rosto. Um panda! Ou um guaxinim, como Snape sutilmente havia sugerido.
Com o rosto devidamente lavado, e os cabelos presos agora em uma trança que cobria todo o cabelo, Hermione voltou ao laboratório. A sala ampla tinha o lado noroeste com uma janela dando ao fundo do lago Negro, onde passeava um trio de Sereianos. Ela podia atentar para uma escada de pedra que dava em uma porta de madeira no andar superior. Além do banheiro, no salão de baixo, ainda restavam outras duas portas. A sala privada e o estoque, pensou. Um breve sorriso dançou por seus lábios enquanto se lembrava de seu segundo ano em Hogwarts quando havia roubado ingredientes do estoque particular do professor para produzir a poção Polissuco.
Hermione vagarosamente pegou os ingredientes para produzir a primeira poção da lista: Poção para curar bolhas (30 frascos), dizia a lista manchada de vinho que Snape lhe entregou. A garota podia puxar da prateleira tudo que precisasse, e assim o foi fazendo com a varinha. Levando em consideração que tinha um Snape silencioso na bancada a sua frente preparando a mesma poção, parecia que em algum momento do dia os dois iriam se estranhar.
Para que funcionasse mais depressa o trabalho, o mestre de poções sugeriu que cada um usasse dois caldeirões, preparando a poção em diferentes estágios. Assim, com o tempo de cozimento de um, havia tempo suficiente para que se fosse trabalhado no outro. Entre os movimentos sobre a mesa, Hermione podia ver Snape sendo saturado pela atividade repetitiva de encher e esvaziar caldeirões. Sabia instintivamente, que a qualquer momento, o 'morcegão' descontaria nela.
"Granger? Onde estão as lesmas da bancada?"-Aquela era a terceira vez que Snape se virava para encará-la de forma irada.
"Mais uma vez, professor, eu não mexi. Mas o vidro vazio do seu lado esquerdo pode lhe indicar alguma coisa."- O professor, sem baixar guarda e nem desviar o olhar da garota, pode torcer o orgulho enquanto sua mão apalpava o vidro vazio. – "Ou elas fugiram enquanto o senhor não estava olhando, ou foram parar nas doze ultimas poções que cozinhou."
"Perdeu a noção do perigo, senhorita Granger?"-Ele encarou uma Hermione que parecia extremamente calma, mas por dentro dançava o 'Cancan' pela provocação feita a ele. Sem esperar por uma reação ou resposta da bruxa, Snape virou-se de costas rumo ao estoque, confirmando o caráter retórico de sua fala. Ele estava perdendo o efeito de 'pavor instantâneo' que provocava nela. Hoje, Severo Snape não parecia mais uma ameaça aos olhos da garota.
Em meio à tarefa alienante de cortar raízes, pulverizá-las, e cozinhar sob o vapor dos caldeirões, Hermione mal tinha noção do tempo. Surpreendida, assim como Snape, por uma batida na porta principal do laboratório, ela rapidamente olhou para o pulso buscando ver que horas eram. Seu relógio marcava quatro horas. "Quatro da tarde!"- sua vozinha interior reclamou, mesmo que seu semblante permanecesse intacto.
Snape apressou-se em atender a porta, esvoaçando a tal famosa capa ao dar a volta na bancada de Hermione. "Será que ele dorme com isso?"-Cala a boca, voz interior dos infernos.
"Severo, meu caro!"- A figura a entrar pela porta era indiscutível. Alvo Dumbledore, ainda que em idade avançada, mantinha a longa barba branca e o costume de usar vestes de cores vibrantes. Hermione podia se lembrar de Shacklebolt, hoje ministro da Magia, referindo a ele como 'alguém com estilo'.
"Alvo."- Snape, monossilábico apenas pronunciou, sob os lábios praticamente fechados, o nome do diretor.
"Hermione!"-Dumbledore deu um largo gesto de cabeça à garota com a testa suada sob o vapor da bancada. "Como nem a senhorita Granger e nem você apareceram para almoçar, resolvi aparecer para cumprimentá-los. A propósito, senhorita Granger, Filch me contou sobre seu atraso matinal e decidi dar-lhe a palavra na hora do chá, ao invés do café."
"Tive problemas para aparatar pela manhã, senhor."- A bruxa sorriu, saindo da bancada e dirigindo-se a Dumbledore, sofrendo uma sobrancelha erguida acompanhada por um abrir de boca irônico vindo de Snape.
"Ó, são os piores em Londres, acredito. Severo, não se importa de terminar estes caldeirões e subir com a senhorita Granger para me acompanhar no chá, se importa?"- A personalidade de Dumbledore era digna. Ninguém no mundo sabia lidar com Snape melhor do que ele. Alvo decidia ignorar as carrancas de objeção de Snape e impor docemente através de seu tom de voz, suas vontades.
"Com os caldeirões terminados..."- O mestre de poções balançou levemente a cabeça sobre o pescoço, tal o movimento de uma 'naja'. Snape lançou uma olhar mortal ao ver a alegria impaciente de Hermione em fugir do trabalho.
"Ótimo, estarei lhes aguardando."- Concluiu o diretor, sorridente. – "Senhorita Granger, Severo".
Assim que o velho saiu pela morta, Hermione não podia achar-se em pior companhia solo do que a do mestre de poções. Snape parecia ter a vontade de acabar com todos os sorrisos do universo. Eles o incomodavam. A alegria alheia era um mal à humanidade e precisava ser extinta para ele, Hermione se questionava.
Limpando a mão com o pano úmido próximo à vidraria, Snape fechou o frasco restante e guardou-o em um baú com os demais já cheios da poção. Faltavam apenas seis poções, três para cada, de cura para bolhas, para que terminassem o lote.
-"A senhorita está dispensada por hoje."- Snape falou de costas para ela guardando o baú com as poções próximo a estante.
-"Acho mais fácil que terminemos as poções restantes depois do chá, assim, amanhã, a preocupação será outro tipo de essência da lista, senhor."- Ele próprio deveria admitir que essa era sua proposição inicial, mas na interrupção de Alvo havia decidido por liberar a garota antes que o diretor alegasse que ele a mantinha como refém nas masmorras.
"Como preferir."- Hermione percebeu que naquela tarde Snape não tinha aulas marcadas. Provavelmente ele trabalharia em tempo integral com ela em dias como esse, e a deixaria sozinha no laboratório nos demais. "Mula de carga"- Sua cabeça irritante concluía por ela.
Parando repentinamente ao lado da porta, Snape segurou a maçaneta para que a bruxa passasse. Um súbito ato de classe vindo de alguém tão rude, ela imaginou. Rude não, certamente essa correção deveria ser feita. Snape nunca fora rude ou desprovido de modos, pelo contrário. Era possível encontrar muita pompa em seus gestos. O professor apenas tinha um temperamento sarcástico que não corria muito bem. Como ela mesma havia pensado antes: Snape parecia ter por determinação de vida acabar com a alegria alheia.
Ao chegar na gárgula de pedra, o professor proferiu a senha atual: "Tortinhas de limão." O diretor mantinha sua obsessão quanto a limão, Hermione lembrou reprimindo um riso em sua garganta. Snape novamente deu passagem a ela, para que se ajeitasse sobre o degrau, enquanto ele próprio permanecia a suas costas, deixando que a gárgula subisse até a porta de Dumbledore.
"Sentem-se."- A calma voz de Dumbledore irradiava pela sala. Fawkes apoiada em seu pedestal dourado era docemente acariciada pelo bruxo.
Dumbledore havia conjurado um serviço de chá, logicamente complementado pelos elfos da cozinha. Sobre uma mesa redonda e coberta com uma toalha purpura estrelada, o sol fraco da tarde mandava um raio sobre as costas de Hermione. Mais a sua esquerda Snape ajeitou-se na cadeira, puxando um punhado de castanhas para si. Assim que o mestre tomou a jarra d eleite em suas mãos, foi graciosamente advertido por Alvo.
"Severo, é uma porcelana chinesa. O chá primeiro!"-Disse o bruxo sentando-se a cadeira restante e sorrindo sutilmente a Hermione.
"Alvo, posso até respeitar suas 'escolhas' de vida, mas por favor, não me obrigue a seguir essas regras afeminadas criadas por um bando de mulheres desocupadas do século XVI."-Se Hermione não conhecesse Snape, poderia jurar que havia um tom de diversão em sua voz.
"E você, senhorita Granger. Tem entrevista marcada na Suiça já?"-O diretor dirigiu-se a ela, tentando deixar a garota mais a vontade com a figura tão intimidante de Snape presente.
"Tenho, sim, professor. Em um mês devo me encontrar com Madame Marine do comitê de graduação de Brillantmont."- Hermione respondeu servindo-se adequadamente de um pouco de chá de limão.
"Ótimo, ótimo! Creio que nenhum professor aqui se recusaria a lhe dar uma carta de recomendação."- Distraída Hermione mal percebeu o tom de intimidação a Snape na fala de Dumbledore. – "Com a exceção de Severo. Está me parecendo que ele está lhe extorquindo com um trabalho de férias em troca de sua carta."
"Não considero extorsão, Alvo. A senhorita Granger está sendo remunerada pelo serviço prestando-me auxiliando no laboratório. A recomendação é mera conveniência burocrática."- Remunerada? Ela estava? Snape era um cachorro, pensou.
"Podia me adiantar sua carta então, professor. Não me importaria de mandar sua recomendação à minha frente na entrevista."- Porque não aproveitar a oportunidade? Hermione havia aprendido muito ao lado da amiga Stern. Hoje não se deixava intimidar por pouca coisa e havia afiado a língua em função disso.
Recebendo apenas uma esgueirada de olhos de Snape, ela rapidamente concluiu que isso seria um assunto a ser tratado em privado com o professor. Snape detestaria ter Dumbledore inquerindo sobre o que ele deveria ou não fazer. Parecendo altamente distraído, o diretor não se incomodou com a ausência de respostas do mestre de poções, apenas acrescentou em seu mais suave tom de voz algo que Hermione já havia concluído por si mesma.
"Sabe querida, Severo é alguém muito bom de coração. Mas tem o dom de não prestar ajuda nenhuma a não ser que extremamente necessária. Tenha isso como um elogio."- O diretor inclinou-se para Snape após sua fala- "Mais chá?"
"Alvo..."- Snape profundamente irritado, sibilou o nome do diretor, mantendo uma expressão de 'aparentemente –devo-afundar-meu-rosto-na-areia'.
"Ora, Severo. Mal aproveita a vida. Não vejo mal em expor esse fato a senhorita Granger aqui presente. Todos podem perceber que mantém o mesmo tom soturno em seu estilo de vida."- O diretor continuou com o discurso, divertindo Hermione. Ela ria internamente, deixando transparecer apenas um sorriso singelo. – "Sugiro que dê um jeito nessa amargura. Vá viver, homem".
Snape permaneceu quieto. Apenas sua respiração havia mudado. Ele agora tentava claramente manter a paciência frente ao discurso do diretor e amigo, e para tanto respirava pausadamente. Desvencilhando-se da falta de interação do homem, Dumbledore olhou para Hermione, que ainda divertia-se observando o diálogo entre os dois. Percebendo o olhar de Dumbledore para ela, Hermione podia jurar que em algum momento o diretor havia piscado em sua direção.
"Não que seja pertinente a Senhorita Granger, mas o que lhe faz pensar que eu não tenho vida? Aliás, a todos isso seria uma pergunta justa. Não é porque eu não interajo com meia dúzia de cabeças ocas que sou solitário por completo."- Snape vomitou as palavras sobre a mesa, não mais tendo a raiva estampada no rosto, mas um tom de desafio já transparecia sob seus olhos. "Aveludados." Suspirava internamente uma Hermione que tentou de todas as formas segurar o desejo por Snape ao longo do dia.
"Ora, professor. Como disse, não que seja pertinente a mim, mas a conclusão do professor Dumbledore é unânime. Unânime dentre meia dúzia de cabeças ocas aos quais sua vida não é pertinente."- Dumbledore havia abrido os olhos e quase que projetado o globo ocular na direção de Hermione, tal a dose de verdade contida em seu comentário. Ela, logicamente, não podia deixar de aproveitar a companhia do diretor para desafiar tão prontamente Snape.
"Você criou um monstro, Alvo."- O mestre de poções apenas sussurrou enquanto tomava outro gole de seu chá. Aparentemente Snape não se incomodava com as investidas rústicas de Hermione sobre ele. Mais cedo quando ela havia lhe respondido de forma nada sutil no laboratório, e agora. Nas duas ocasiões Snape havia praticamente ignorado o comentário dela, mostrando um leve ar de satisfação em ouvi-la falar.
Após as investidas diretas e indiretas de Alvo e Hermione sobre Snape, o chá correu até que bem, quando após uma hora e meia desde que haviam se sentado, Snape ergueu-se para voltar ao laboratório, dando um sinal a garota para que lhe acompanhasse. Hermione deu a volta na mesa parando ao lado do mestre d epoções para cumprimentar Dumbledore, e agradecer pela gentileza em servir-lhes o chá.
"Obrigada pela pausa da tarde, professor." – Ela sorriu para Dumbledore que lhe fez um aceno de cabeça estendendo o braço à garota. Snape, mantendo-se ereto e com as mãos unidas sobre as costas, acompanhou os dois até a porta da sala do diretor.
"A propósito, Hermione."- Dumbledore virou o corpo em sua direção encarando-a seriamente- "Stern comentou comigo hoje na hora almoço sobre sua intenção de comparecer ao show em Glastonbury esta noite."- Ela o que? Quando? – "Não acho prudente que as senhoritas vão a tal lugar tão cheio apenas por sua conta. Bares são ambientes mais reservados. Um festival de música comporta todo tipo de gente, e levando em consideração o quanto sua figura é conhecida pela Inglaterra bruxa, não vejo outra saída a não ser dar um alerta".
"Agradeço sua preocupação, professor Dumbledore, mas Pee e eu estamos tão acostumadas a sair em público que não vejo como isso pode terminar mal."- Hermione acrescentou meio confusa com o comentário do velho. Tal intermitência da parte dele, mesmo em vias de Stern ter lhe contado parecia no mínimo estranha.
"Quanto a senhorita Stern, ela deve ter lhe contado, não pode ir a lugares assim sem o acompanhamento de um Auror."- Alvo ergueu uma sobrancelha, certamente sabendo que Hermione não tinha conhecimento do fato.
"Auror, como?"- Hermione soltou-se do braço do bruxo pensando. Snape mantinha-se quase que risonho ao seu lado visto a vingança pela interrupção do bruxo em sua vida privada. – "Não faço a menor questão de sair para um festival acompanhada de uma escolta."
"Atentei para isso. Essa era a mesma justificativa de sua amiga, que veio delicadamente me pedir um favor em livrar as duas desse 'incomodo'." – Dumbledore acrescentou. – "Para tanto vou pedir que o ministério dispense o agente encarregado de hoje."
"Obrigada, pr..."- Subitamente interrompida pela palma do diretor que pairava a sua frente, ela calou-se, novamente confusa. Snape, já impaciente por não poder voltar a seus afazeres passava a não gostar do rumo que a conversa estava tomando. Primeiro a interrupção fatídica de Alvo em frente à ex-aluna, agora essa conversa de que ele supostamente dispensaria o Auror encarregado de cuidar das duas 'patas-chocas'.
"Não se adiante, senhorita Granger. Devo aproveitar a presença do Professor Snape para..."- Ah não, ele sabia. Aí vinha a merda. – "... Pedir que esse as escolte durante o festival. Garanto que Severo poderia me fazer esse favor, que eu tão nobremente estou devendo à senhorita Stern. "
Hermione fechou os lábios já secos e bufou com as narinas. "Snape iria escolta-las em Glastonbury. Fantástico. E que tipo de complô se formava entre a maldita amiga e o ex-diretor?"
"Senhorita Granger, por favor, desça à frente de volta a minha sala. Tenho meio dúzia de coisas a dizer a Alvo que não gostaria que ouvisse."- Snape encarava Dumbledore friamente, e não voltava o olhar à garota enquanto lhe dirigia a palavra. Acatando o comentário do professor, Hermione subiu no degrau frente à gárgula de pedra que automaticamente iniciou seu movimento de descida ao Hall Principal. Ao chegar ao andar térreo do castelo, ela não podia deixar de ouvir o eco da voz de Snape. "Você está maluco, seu velho?"
"Pelo contrário, Severo."- Maldito tom de voz inalterável, pensou Snape. Ele e Dumbledore eram os dois professores conhecidos por não alterarem sua dicção frente as piores situações possíveis, mas na presença um do outro isso não era verdade.- "Como sabe, existe a necessidade de que a senhorita Stern não ande desacompanhada em situações públicas."
"E eu com isso? Já fui babá da Pee por muitos anos! Agradeço por ela ter me dispensado da função quando fez dezessete." – Snape Bufou, dando a volta em Dumbledore e indo para o centro da sala.
"Não seja estúpido, Severo. Além do mais vai te fazer bem, sair e ver gente. Sugiro que aproveite a opção e siga o conselho que lhe dei mais cedo: Vá viver, homem."
Em um lapso de corrida, Snape apenas torceu o nariz. Profundamente irritado ele passou por Dumbledore parecendo que iria estuporar qualquer ser vivo em seu caminho. Não havia como questionar aquele homem. Dumbledore havia lhe feito o que ninguém em sã consciência seria capaz de fazer. Fora aquele, o homem que o acolhera e dera uma nova chance se de provar capaz frente à vida. Não havia uma cota limitada de favores que o diretor podia lhe pedir, Snape teria de se provar eternamente grato a ele. Sua cordialidade escondida não deixava que provasse o contrário.
Deixando um Alvo de aparência sorridente e distraída a suas costas, Snape desceu pela gárgula de Pedra, questionando-se sobre como deveria abordar a Senhorita Granger com essa história. Ela mal sabia das verdades sobre a vida de Stern. E afinal, que tipo de festival era esse no qual ele deveria acompanha-las? A caminho das masmorras ele cogitou sobre todas as possibilidades. Sabia que Glastonbury ficava no interior do país e era uma pacata cidadezinha cercada por campos. Mas à noite?
Ele bufou quando chegou a porta de sua sala, dando um tapa com a palma da mão para abri-la. Hermione mal se assustou. Imaginava que o professor viria com toda a raiva possível e passível de descontar nela quando voltasse ao laboratório. Por sua cabeça, ainda pairava a dúvida sobre essa "necessidade de Stern estar sempre acompanhada por Aurores em situações públicas".
"Mande uma coruja a Stern. Quero as duas aqui antes das nove horas. " – Ainda irritado ele cuspiu as palavras parando em frente a Hermione e encarando-a.
"Desculpe-me professor, mas não pretendíamos sair antes das onze horas. "- Sentindo a raiva pulsar na jugular dele, ela parou de cortar as raízes e olhou para o professor de forma inocente porém carregada de medo. – "Vamos a um festival de música mista. Trouxa e Bruxa, senhor."
"Mas que beleza..."- Snape soltou a mão pelo rosto em sinal de profundo cansaço. Agora ele divagava sobre as possibilidades das duas perderem o controle e ele ter que aturar duas adolescentes bêbadas em meio a uma multidão.
"Espero que saibam manter a compostura. Não vou carregar ninguém que se comporte feito uma criança mimada de volta pra casa. "- Ele falou baixo, ainda abestalhado pelo pedido de Dumbledore.
"Nenhuma de nós pretende faz.."- Ela já suspirou aprontando a língua afiada na direção de Snape, sendo interrompida.
"Às dez horas, senhorita Granger. No Largo Grimmauld."- Aumentando o tom da voz, Snape parecia estar tentando conter uma dor de cabeça, enquanto pressionava a base do nariz com os dedos, mantendo os olhos fechados.
A garota encarou Snape por aproximadamente três segundos, antes de deixar que as mãos voltassem ao trabalho de acabar com as três poções restantes de sua cota diária e ir embora para casa se trocar. Snape incessantemente jogava os ingredientes no caldeirão e bufava feito uma panela de pressão perto de explodir.
Os dois trabalharam em silêncio até que Hermione pode guardar os ingredientes de volta a prateleira, e limpar a bancada, juntando os frascos restantes aos demais no baú com as poções para a enfermaria. Percebendo que a garota estava para ir embora, Snape, que ainda terminava seu ultimo caldeirão, juntou as mãos limpando-as, e andou até a porta, novamente segurando a maçaneta para que Granger passasse.
"Professor..."- Ela jogou um aceno irônico de cabeça ao mestre de poções que seguido de outro aceno irônico e um sorrisinho sarcástico de Snape em resposta, podiam selar a despedida temporária dos dois.
Assim que passou a porta, saindo do laboratório, Hermione pode ouvir o estampido batendo forte a suas costas, sentindo o vento correr pela nuca.
"E hoje eu mato a Stern."- Sussurrou enquanto andava a passos largos para sair do castelo.
NOTA DA AUTORA: Olá novamente, você que está lendo! Obrigada por sua atenção. Devo adverti-lo, leitor, que infelizmente minha assiduidade em postar não será tão frequente como nessa semana. Tenho a sorte de ter um pouco mais de tempo livre e idéias estourando em minha cabeça. Essa combinação resultou em um capitulo 'the-flash' para nos divertirmos.
Quanto ao capítulo: Finalmente o morcegão deu as caras! Ainda que revestido pela usual 'carranca' depressiva, Snape apareceu em seus mais fiéis moldes ao personagem da tia Jô. Nos próximos capítulos, espero poder trabalhar mais o Severinho, amacionando o professor, e mostrando a Hermione o quão 'agradavel' ele pode parecer. Como puderam perceber, houve mais uma notável indicação sobre a ~le diva~ Pee. Aguardem para saber um pouco mais sobre a personagem.
Curiosidades? Bem, não creio que grandes coisas possam ter passado despercebidas nesse capítulo. Acho que vale a pena citar que a poção para curar bolhas foi retirada do Pottermore! (não que eu não me lembre que ela tenha sido usada para tratamento dos campeõs tribuxos em HP e CdF, mas os ingredientes estão lá no site a nossa disposição, assim como um teste para prepararmos a poção!)
Outro fato digno de comentário é GLASTONBURY. Sim, sim! O festival britânico que ocorre, se não me engano, bienalmente no interior da Inglaterra. Tenho o maior desejo de comparecer em um próximo e fazer uma nova visita à terra da rainha. Aproveitei da referência para cita-lo como algo "misto", bruxos e trouxas. Acho digno fazer uma referência a um evento desses no pós-guerra, onde a confraternização deveria ser aproximada.
Próximo capítulo? Snapão (gostaram dele perseguindo Hermione no supermercado?) há de bancar a babá -novamente, como ele mesmo citou- para Pee, mas quanto a nossa Hermione, não acredito que esse seja o tipo de relação que vai se estabelecer entre os dois.
Dicas, xingamentos, elogios, fofocas, correções? Comente, leitor! Sua review é muito bem vinda e me incentiva a postar o mais rápido possível. Agradeço às duas leitoras que postaram um comentário e deixo claro que em vias da review delas é que corri postar loguinho esse novo chapter.
À propósito... O que achariam de uma tradução dessa fic para o Inglês?
Abraços! No mais em uma semana posto um novo capítulo de Hot Fuss. Enquanto isso, sugiro que aproveitem para ouvir o album homônimo da banda The Killers, se já não ouviram!
Comentários (2)
To com a Lass! Maaaaais!
2013-12-14Estou adorando sua fic, leitora viciada, ansiosa pelo próximo...Aguardo a primeira investida da Mione no Snape ....Beijinhos >_<
2012-07-13