Capítulo único
The Prince of Nowhere
De tão entregue e pura para tão não-dele.
Sua garotinha deveria ter, enfim, se convencido de que estava envolta pela loucura de um amor que jamais haveria de fazer sentido. E era melhor que, legitimamente, não fizesse, ou aquela história poderia não passar de mais um romance água-com-açúcar que só existe na literatura barata ou na mente de pessoas que não conhecem o que é dor.
Severus olhava o Profeta Diário todas as manhãs já esperando pelo fato que anunciaria que a sua mulher estaria atada a outro homem por toda uma vida, afinal laços entre bruxos não podem ser desfeitos. Seu atestado de derrota, então, estaria assinado.
Ele não havia nascido para vencer mesmo...
E perder, naquela jogatina amorosa insana, o fez mais fraco do que forte. Era estranho se conformar sem sequer ter lutado, e mais estranho ainda era sentir falta de alguém que jamais lhe pertenceu de verdade.
Mas – oh, sim – ele sentia sua falta. Clamava por ela, como a terra seca há décadas solitárias sem conhecer o alívio do contato com a pureza da água. Severus clamava por Hermione, como lobo abandonado a uivar para a lua cheia. Clamava por aquela menina-mulher, como seus ouvidos pela melodia febril da canção que se repetia na caixinha de música a cada vez que se lembrava dela.
A água não pertence ao deserto, e cada poro de sua pele almejava a bênção e alívio que a chuva de beijos dela poderia causar-lhe. E apenas o toque daquela mulher seria capaz de secar qualquer fagulha de sanidade que habitava nele. Semelhante ao campo de flores tomado por ervas daninhas, à frieza de inverno, ao marulho triste de verão. Ou à folha seca de outono, a desprender-se dos galhos que deveriam ser sua eterna morada, permitindo que os ventos uivantes a levassem, em lamento famélico.
O possível admite que uma flor cresça sob o solo infrutífero, mas não que ela o quisesse de volta. Permitamos, então, que soe a melodia repetitiva de um homem que só sabe o que é amar, nunca provando da troca que esse sentimento puramente deveria ser. Na caixinha de música, a pequena bailarina rodopiava, mecânica, fria. E ele já conhecia qualquer um de seus artificiais passos, tanto que evitava olhá-la, apenas o soar da música ocupava sua mente sequiosa.
Três batidas ocas e austeras na porta da frente de sua casa. Ele fechou imediatamente o objeto musical, vagueando em direção à pequena sala de estar.
Inferno! Será que Minerva nunca aprenderia que ele odeia que o venham importunar no dia de seu aniversário?
“Severus?” – ele ouviu ao enxergar quem o esperava do lado de fora, e seus olhos abriram-se desmesuradamente em surpresa. A única visita que esperava em breve era a da Morte, que poderia dar-lhe o prazer de seu Beijo de Sono Eterno.
Para desmenti-lo, porém, a bênção da chuva enfim encontrou o solo árido que, se possuísse boca, sorriria.
“Feliz aniversário.” – a voz insegura de Hermione enunciou-se novamente.
Eis que um beijo – que não o da Morte – aconteceu, e este Romeu que sangrava teria sua Julieta de volta, embora ele estivesse tentado a dizer-lhe repetidamente a cada vez que fizessem amor: “você ainda será minha morte, garota.”
Uma criatura das trevas ele não deixaria de ser, mas um pouco de felicidade não lhe faria mal. A caixa de música não voltaria a ser aberta e estaria em breve tomada pela poeira, pois os desvelos das noites, preenchidas por qualquer uma das quatro silhuetas da lua, o deixariam ocupado demais em observar o que era enfim dele repousando ao seu lado.
E talvez ela realmente fosse sua morte. A mais prazerosa delas.
Fim.
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