Um
Ele olha para os lados, hesitante; os sapatos batendo rapidamente nas pedras sujas do chão. Caminha rápido, a cabeça baixa, puxando o sobretudo surrado mais para cima, cobrindo-se mais. Os cabelos espetados se curvavam tamanha velocidade que o rapaz caminhava, sem ofegar. Ele abre uma porta suspeita e entra sem hesitar, procurando não chamar a atenção. Apesar de que, ali na Travessa do Tranco, ninguém tinha muita vontade de ver ou ser visto. Mas Potter sabia que efeito teria ser descoberto ali, ainda mais com seus pais viajando. Era melhor ficar no anonimato. Ou, com muita sorte, castigo o resto do mês.
A sineta da loja onde entrara toca e ele engole em seco, gelado. A sorte definitivamente não estava do seu lado. Uma senhora morena, altiva, vestida toda de negro, adentra o local a passos lentos. Com certeza não tinha apreensões em ser vista ali. Pelo contrário, parecia que ela queria ser vista naquele lugar, como se quisesse mostrar ao mundo que podia. James engole em seco e procura um canto mais escondido por entre os artigos empoeirados de aparência duvidosa que se espalhavam pelas seções da pequena loja, separados por salas. Cada passo que a mulher dá estala no chão de madeira, e faz James se arrepiar ligeiramente.
O vendedor que estava atrás de uma bancada velha de madeira, e que antes olhava desconfiado para James, dirigiu toda sua atenção para a figura mediana e imponente que agora passeava os olhos pelos objetos e pelo ambiente a sua volta com uma expressão esnobe. “Sou boa demais para este lugar desprezível” parecia que ela estava verbalizando, sem dizer coisa alguma. James, atrás de um armário de madeira entalhado de forma estranha, olha para baixo e dá um sorriso leve. Lá estavam, emoldurados em prata, o que viera buscar. Espelhos, que pareciam normais, mas que pelo leve brilho negro o rapaz reconheceu. Respira fundo silenciosamente, concentrado em não ser visto pela senhora.
- Senhora Black – O vendedor magro e meio careca, de aparência suja, diz com reverência. Ela apenas torce o nariz.
-Já está pronta? A criatura? – Ela indaga friamente fitando-o com intensidade. James consegue ver o homem estremecer mesmo de onde estava.
-N-não, senhora. Ele não conseguiu terminar ainda – A mulher dá alguns passos em volta ouvindo a resposta do homem, que tinha a voz hesitante. Ele engole em seco enquanto ela desliza a luva negra por cima de uma redoma de vidro empoeirada.
-É bonita? Você viu a criatura? – Ela pergunta em tom mais brando e o homem deu um sorriso tímido.
-É linda, senhora. Tem os olhos mais belos que já vi – Ele hesita e se cala ante ao pequeno sorriso satisfeito da mulher. Os olhos acinzentados dela se prenderam a um pequeno pote no balcão, do qual ela se aproximou.
- Eu vou querer alguns desses escaravelhos. Eles mordem bem? – Sra. Black avalia o pequeno pote, no que o homem prontamente abriu-o e começou a por alguns em um pote de vidro pequeno.
-Mordem sim, sim senhora. São para o menino Black também? - Ele tenta fazer uma conversação leve, coçando o nariz enrugado, grande e oleoso. A mulher já está estudando o lugar atentamente , procurando algo que a interessasse.
-Sim. Sirius anda muito rebelde – O comentário é seco, mas o homem entende aquela resposta como uma abertura para conversação.
-A poção do desejo não funcionou, senhora? – Pergunta solícito, fechando o pote com os insetos – Posso fazê-la mais forte. O jovem Black não saberá o que fazer com tanto desejo – O senhor declara com orgulho contido. Ela nega com a cabeça.
-Sua poção funcionou bem, mas não me serve mais. Sirius está influenciado demais por aquele menino Potter. Esqueceu-se de que é um Black – Ela suspira insatisfeita e James se encolhe mais contra a porta do armário. – Nem mesmo desejando a prima incestuosamente ele se rendeu ao sangue que lhe corre nas veias.
-É uma pena, realmente, senhora - O homem assente e James escuta os nuques batendo na madeira.
-Minha nova encomenda, entretanto, funcionará. Arrancarei aquela rebeldia dele com minhas mãos. Quase literalmente – A mulher começa a rir friamente e o vendedor a acompanha, parando de rir assim que ela para.
O moreno de óculos escuta aquilo quase que com terror descendo por sua garganta. Aperta a varinha por dentro do casaco com força. Sua mente se nubla com os próprios pensamentos, e ele só nota que já está sozinho na loja quando a sineta toca mais uma vez, indicando que a mãe de Sirius saíra dali.
James respira fundo e se controla. Pega os espelhos e leva até o balcão sem dizer nada, colocando alguns galeões junto. O homem nada pergunta, mas olha desconfiado para o rosto abaixado do jovem.
O homem dá o troco a James e entrega a pacote de papel pardo curioso. James vira as costas e sai dali rapidamente, caminhando muito, muito rápido, a cabeça baixa até encontrar a saída para o Beco Diagonal. Ofegante, perturbado, confuso, ele não pensa muito antes de entrar em uma loja, deixar alguns sicles e usar a vida de Flu direto para casa, segurando firmemente o pacote.
Ele se larga no sofá, um pouco nervoso, tanto pela tensão causada por se esconder e pela situação de relativo perigo na qual se encontrara, quanto pelas informações que obtivera naquele dia. Larga o casaco e toma algum tempo pensando sobre tudo que vira, fizera e ouvira, revivendo cada momento, antes de cair em um leve estado de sonolência e adormecer.
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